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A crise mundial dos alimentos e o mercado capitalista

Parte Três

Por Alex Lantier
1 de julio de 2008

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Esta é a terceira e última parte de uma série de artigos sobre a crise mundial da fome. A parte um foi publicada em 26 de junho. A parte dois apareceu em 30 de junho.

A atual crise dos alimentos reflete não apenas eventos financeiros dos anos recentes, mas a política de longo-prazo do imperialismo mundial. Em vez de permitir uma melhora planejada da infra-estrutura e técnicas de plantio, a globalização sobre uma base capitalista resultou na restrição da produção agrícola em muitas partes do mundo. Isso foi implementado para diminuir a competição e prevenir que saturações de produtos no mercado prejudicassem os interesses do lucro das grandes potências.

Um aspecto principal da política imperialista foi limitar a produção agrícola no assim chamado “Primeiro Mundo”, para prevenir quedas repentinas nos preços. Nos EUA, essa política assumiu a forma do Conservation Reserve Program (Programa de Conservação de Reservas), primeiro aprovado como parte do ato de segurança alimentar de 1985.

O programa paga aos fazendeiros inscritos 50 dólares por acre de terra na qual eles deixam de plantar. Um limite nacional de 180 mil quilômetros quadrados (cerca de 10 por cento da terra arável dos EUA) foi imposto sobre o programa e depois reduzido a 130 mil quilômetros quadrados em 2007.

Embora o projeto tivesse sido apresentado como um meio de limitar a erosão do solo causada por excesso de plantio em terras ecologicamente vulneráveis, muito da terra sem cultivo registrada no projeto não era, de fato, vulnerável à erosão, mas escolhida pelos fazendeiros com base no preço de mercado dos produtos de cultivo que poderiam ser plantados. Isso era coerente com os objetivos oficiais da lei, que eram a “redução da área de plantio” e a manutenção de “preços-alvo e empréstimos para suporte de preço”.

Pagamentos similares para fazendeiros por terras mantidas sem cultivo foram adotados, de país em país, depois da reforma de 1992 da Política Agrícola Comum européia.

A produção entrou em colapso no ex-bloco soviético depois da dissolução da URSS, conforme indústrias planejadas soviéticas eram fechadas e vendidas pelos governantes stalinistas e seus conselheiros econômicos ocidentais. De acordo com estatísticas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a produção agrícola na antiga URSS caiu 38 por cento nos primeiros quatro anos depois de sua dissolução e a produção alimentícia per capta caiu 40 por cento. Hoje, mesmo depois de uma recuperação econômica parcial iniciada a partir de 2000, amplamente impulsionada por vendas de petróleo e gás, a área cultivada total na ex-URSS é 12 por cento menor que nos tempos soviéticos.

O colapso da indústria de maquinário agrícola da União Soviética e o desaparecimento dos subsídios soviéticos destruíram os setores agrícolas dos estados alinhados. De acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA, a produção agrícola cubana caiu 54 por cento e o consumo de alimentos 36 por cento de 1989 a 1994, e a produção de grãos da Coréia do Norte caiu 40 por cento de 1990 a 1999.

Nos países em desenvolvimento, a agricultura e infra-estrutura foram devastadas tanto por surtos de exportação vindos de países ricos quanto por programas do Fundo Monetário Internacional (FMI), que ditou políticas governamentais em troca de empréstimos para ajudar com a dívida do estado. Conforme a agricultura era convertida de subsistência regulada em produção de colheitas para exportação, países em desenvolvimento foram abertos como destinos de exportação e tiveram mais renda de suas próprias exportações deslocada para pagar dívidas a bancos do “Primeiro Mundo”.

A liberalização dos mercados do “Terceiro Mundo” e sua abertura às exportações das potências imperialistas devastou os fazendeiros locais, cujos produtos foram forçados a competir com exportados altamente subsidiados. Os EUA gastam aproximadamente 20 bilhões de dólares e a União Européia 45 bilhões de euros em subsídios às exportações para manter baixos os preços de seus produtos agrícolas vendidos nos mercados estrangeiros. No Haiti, a liberalização dos mercados agrícolas de 1985 a 1999 resultou numa queda de 40 por cento na produção doméstica de arroz, de 163 quilotons a 100 quilotons, enquanto o arroz importado dos EUA passou a representar, de antigos 4 por cento, 63 por cento de todo o arroz que circula no mercado haitiano.

Programas do FMI eliminaram a regulação estatal do suprimento alimentício e a provisão de subsídios para fertilizantes, irrigação e vacinas, que o FMI declarou um dreno inaceitável dos fundos estatais. A produção mundial de produtos agrícolas de mercado, como café, tabaco e cacau, foi às alturas, mas populações inteiras se tornaram vulneráveis à penúria. Na década de 1980, a produção de grãos per capta da África caiu de 150 a 125 quilogramas, enquanto sua importação de grãos foi de 3,72 megatons (Mt) em 1974 a 8,47 Mt em 1993.

Na Somália, a desvalorização do shilling somaliano ordenada pelo FMI levou a enormes saltos nos preços de fertilizantes importados e vacinas para o gado, e o governo progressivamente cortou subsídios aos fazendeiros e trabalhadores nômades. O colapso de 1991 nas hordas de gado por doença e a queda resultante da produção agrícola foram importantes fatores da penúria de 1992, que então foi usada para justificar a invasão do país pelos EUA.

No Kenya, país que foi por muito tempo um grande exportador africano de alimentos, a reforma de 1996, apoiada pelo FMI, da Comissão Nacional de Cereais e Produção devastou a economia e transformou o Kenya num importador de alimentos. Sob pressão para funcionar como um empreendimento comercial pelo lucro, a comissão passou a cobrar mais por necessidades primárias da produção agrícola, como fertilizantes, e permitiu que intermediários assumissem muito do armazenamento de distribuição da colheita para cortar custos de distribuição. Em 2001, fazendeiros estavam recebendo 400 shillings de negociantes privados por um pacote de 90 quilogramas de arroz que custava 719 shillings para produzir.

No Malawi, a desregulação implementada pelo FMI no mercado estatal de grãos levou a uma explosão do número de negociantes privados. Quando uma enchente atingiu as plantações de milho em 2001, o estado, sob pressão para levantar fundos enquanto doadores internacionais como os EUA e a Grã Bretanha se recusavam a fornecer ajuda, vendeu sua reserva estratégica de grãos para negociantes privados por um terço do preço de mercado. Os preços subiram pelo final de 2001 enquanto negociantes armazenavam o grão, e o país experimentou uma grande crise de fome em 2002.

A condição pobre de boa parte da infra-estrutura agrícola do “Terceiro Mundo”, depois de décadas de tal tratamento, é senso comum, apesar de raramente discutida na grande mídia. Num comunicado de março de 2004, o diretor da FAO Jacques Diouf apontou: “A África é a única região do mundo em que a produção alimentícia per capta média tem caído constantemente nos 40 anos passados.... Existem muitas causas para isso. Existe, por exemplo, um uso insignificante de inputs modernos, com apenas 22 quilos de fertilizante aplicados a cada hectare de terra arável, comparado com 144 quilogramas na Ásia. O nível é ainda mais baixo na África subsaariana, que utiliza 10 quilogramas por hectare.

“As sementes selecionadas que impulsionaram o sucesso da Revolução Verde [o aumento na produtividade das colheitas durante as décadas de 1960 e 1970] na Ásia e na América Latina quase não são usadas na África. Há também uma profunda falta de estradas rurais e complexos de armazenamento e processamento.

“Outro fator que influencia fortemente a performance agrícola pobre [da África] é a água. Só 1,6 por cento de suas reservas hídricas é usado para irrigação, comparado com 14 por cento na Ásia. Apenas 7 por cento da terra de plantio africana é irrigada, contra 40 por cento na Ásia, e se excluíssemos os cinco países mais desenvolvidos nesse quesito - Marrocos, Egito, Sudão, Madagascar e África do Sul - a proporção dos 48 países restantes cairia para 3 por cento. Os rendimentos de colheitas irrigadas são 3 vezes maiores que rendimentos de colheitas alimentadas pela chuva, mas a atividade agrícola em 93 por cento da terra arável da África depende de chuvas extremamente erráticas, e portanto está exposta ao risco de seca. Oitenta por cento das emergências alimentícias estão ligadas à água, especialmente a falta dela.”

As dificuldades de infra-estrutura não estão limitadas à África. Na Ásia, o Instituto Internacional de Pesquisa em Arroz, o IRRI (na sigla em inglês), notou a redução nos investimentos em pesquisa, a falta de novos projetos de irrigação e a “manutenção inadequada” da atual infra-estrutura de irrigação, como grandes problemas. Acrescentou que uma “lacuna [produtiva] inexplorada de 1-2 toneladas por hectare existe na maioria dos campos de plantio de arroz asiáticos”, citando ausência de boa irrigação e fertilizantes, controle de pestes e doenças, armazenamento pós-colheita e sistemas de transporte.

De acordo com o India Times, os rendimentos de arroz na primavera são de 3,12 toneladas por hectare (t/ha) na Índia, contra 4,17 t/ha em média na Ásia e 6,26 t/ha na China. Quanto ao trigo, a Índia produz 2,6 t/ha, abaixo dos 4,1 t/ha da China e os 5,0 t/ha da Europa. O Times observou que o gasto no desenvolvimento rural era de, em média, 14,5 por cento em 1986-1990, mas, após a liberalização de 1991 e a abertura ao capital internacional, caiu para 6 por cento. O crescimento da produção agrícola foi de 2,62 por cento para 0,5 por cento.

Enquanto a agricultura na China é mais produtiva do que na Índia, ela encara seus próprios desafios. A industrialização sem coordenação fez decair a terra disponível para plantio de 127,6 para 121,7 milhões de hectares, de acordo com números do Ministério da Terra e Recursos. Isso apesar da implementação repetida de medidas do governo central para limitar a venda de terras por fazendeiros a oficiais locais, que tinham como objetivo o estabelecimento de fábricas ou empresas em terra de plantio. A terra próxima às fábricas, muitas das quais operadas com pouca consideração por padrões ambientais, é com freqüência severamente poluída.

Conforme a crise da agricultura mundial empurra o suprimento para baixo, o crescimento da população e a crescente demanda por alimentos mais complexos em países industrializados empurram a demanda para cima. Esta dicotomia entre poderosos desenvolvimentos objetivos no capitalismo global dá à crise um caráter particularmente explosivo.

O aumento da demanda por alimentos causado pelo crescimento populacional não implica em geral num grande problema. O crescimento populacional nesta década (grosseiramente 1,2 por cento ao ano) foi menor que o crescimento na década de 1960, que era em média de 2 por cento ao ano - um momento em que, graças às melhorias na produtividade e infra-estrutura, a produção per capta de grãos subiu de 275 para 300 quilogramas.

Como um resultado de um menor investimento em agricultura e pesquisa, no entanto, o crescimento do rendimento de colheitas caiu e mal está acompanhando o crescimento populacional. O Instituto Internacional de Pesquisas em Políticas Alimentícias (IFPRI, na sigla em inglês) comenta: “A negligência da agricultura pelo investimento público, pesquisa e políticas de serviço nas décadas passadas minou seu papel central no crescimento econômico. Como um resultado, o crescimento da produtividade agrícola caiu e está baixo demais para superar os desafios atuais”. De 1980 a 2004, o crescimento da produtividade caiu de um máximo de 4,5 por cento para 2,0 por cento, no caso do trigo, 3,3 por cento para 1,0 por cento no caso do milho, e 3,2 por cento para 1,5 por cento no caso do arroz, de acordo com números da ONU.

Aos problemas sociais e industriais implicados no crescimento vagaroso do suprimento alimentício, é preciso acrescentar a demanda em alta causada por substanciais mudanças no curso da economia global - notadamente o aumento nos lucros do petróleo em países produtores e a industrialização em uma série de países em desenvolvimento, especialmente na Ásia.

Os dados disponíveis não sugerem que os maiores produtores de petróleo que são tradicionalmente importadores de grãos (exemplos: Arábia Saudita, Nigéria) tenham contribuído para o aumento dos preços importando mais grãos. O peso de suas importações de arroz e trigo, na realidade, diminuiu nos últimos anos, de acordo com números do Departamento de Agricultura dos EUA - em parte por que importadores de grãos se recusaram a comprar dos caros mercados mundiais devido ao estado ter fixado baixos preços para o pão.

No entanto, a alta da renda do petróleo nesses países - o preço do petróleo nos EUA subiu por um fator de mais de 6 no período 2002-2008 - influenciou amplamente as expectativas do mercado de que importadores de grãos estarão aptos a pagar grandes quantias por arroz, trigo e outros alimentos.

A alta dos padrões de vida e mais dietas intensivas em carne e laticínios em certos países em desenvolvimento aumentou a demanda por grãos - não apenas como alimento humano, mas particularmente como ração animal. De acordo com a Federação Internacional das Indústrias de Rações, o uso mundial de grãos como ração animal passou de 290 Megatons (Mt) em 1975 para 537 Mt em 1994 e 626 Mt em 2005. A FAO prevê um aumento de 60 por cento no uso de grãos como ração no período 1996-2030, comparado com um aumento de 40 por cento no uso de grãos como alimento humano.

Comparado com os níveis de 1990 de consumo per capta, a China em 2005 consumiu 2,4 vezes mais carne, 3 vezes mais leite e 2,3 vezes mais peixe. A Índia consumiu 1,2 vezes mais alimentos per capta que em 1990, em todas as categorias. O Brasil consumiu 1,7 vezes mais carne, 1,2 vezes mais leite e 0,9 vezes a quantidade de peixe per capta de 1990.

Esses aumentos são importantes tanto em termos absolutos quanto comparativos. Por exemplo, o consumo de carne na China em 2007 era de 50 quilogramas por pessoa, contra 20 quilogramas em 1980. Em comparação, o consumo per capta dos EUA em 2004 era de 98 quilogramas.

O cada vez mais instável equilíbrio entre produção e consumo é ameaçado também pelo aquecimento global. Em um artigo de fevereiro de 2007, o Globe and Mail, de Toronto, falou de um relatório do Grupo Consultivo de Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR, na sigla em inglês) que pinta um quadro sombrio dos efeitos do aquecimento global no rendimento das colheitas.

O artigo dizia: “Uma regra básica desenvolvida por cientistas agrícolas é que, para cada grau Celsius de aumento nas temperaturas acima de 35 graus durante estágios-chave da temporada de crescimento, como a polinização, a renda de colheita cai cerca de 10 por cento”. Acrescentou que “a média global de temperaturas vai provavelmente crescer entre 1,1 e 6,4 graus ao longo desse século, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas [IPC,c na sigla em inglês], sugerindo que, na maior parte da gama de temperaturas futuras, as colheitas sofrerão declínios problemáticos”.

O relatório do CGIAR descreveu modelos de computador analisando rendimentos de colheita em regiões - a metade do extremo norte do subcontinente indiano, o sudeste asiático e a parte da África logo ao sul do deserto do Saara - onde as temperaturas freqüentemente alcançam 35 graus Celsius ou mais durante as temporadas de crescimento do plantio.

O Globe and Mail concluiu, “A produção de cereais e milho na África está em risco, tanto quanto o arroz em muito da Índia e do sudeste asiático.... A melhor terra para plantio de trigo, no largo arco de terra fértil que se alonga do Paquistão, através do norte da Índia, Nepal e Bangladesh, seria dizimada. Muito da área se tornaria quente e seca demais para o plantio, colocando o suprimento de comida de 200 milhões de pessoas em risco”.

Um olhar adiantado sobre os possíveis efeitos do aquecimento global é fornecido pela Austrália por dois anos seguidos de secas, que a imprensa australiana amplamente colocou como exacerbados pelo aquecimento global. O rendimento das colheitas de trigo caiu de um nível normal de 25 Mt para 10.6 Mt em 2007, com um rendimento antecipado de 13 Mt em 2008.

Conclusão

A escala dos desafios que enfrenta a agricultura mundial, e as dimensões da crise inflacionária que já se lançou sobre a população mundial apesar do pleno suprimento de alimentos, marcam a irracionalidade do capitalismo global.

Divididos como estão entre os interesses de lucro de diferentes corporações e países, os capitalistas responsáveis pela construção de políticas não são capazes de planejar, racional e coerentemente, a economia mundial e a agricultura para encarar esses desafios. Em vez disso, eles observam a destruição ou degradação de imensos recursos produtivos.

Essas contradições básicas são agora exacerbadas e levadas a um ponto de crise pelo estouro da bolha de crédito dos EUA e a subida nos preços do petróleo. Apesar da necessidade humana elementar por comida financeiramente acessível, a resposta da burguesia mundial tem sido utilizar a crise dos preços como uma fonte de lucros através da especulação, contrabando ou organização de cartéis nacionais.

A onda de greves e manifestações com as quais a classe trabalhadora internacional tem respondido à explosão dos preços dos alimentos testemunha sobre sua unidade objetiva, em oposição às forças do mercado mundial.

À perplexidade e medidas simbólicas dos governos capitalistas e agências dominadas pelo imperialismo, como a ONU, a classe trabalhadora deve contrapor a perspectiva revolucionária do socialismo internacional. A força social que é unicamente capaz de resolver a crise sobre uma base humana e progressista é a classe trabalhadora internacional, com a unificação por trás dela do campesinato e de todas as outras camadas sociais oprimidas.

A tarefa histórica posta diante da classe trabalhadora é a da reorganização da economia mundial com uma base internacional, superando o conflito entre produção a globalizada e o sistema do estado-nação, e a substituição do princípio do lucro por uma produção cientificamente planejada para o bem social, sobre a base da propriedade comum dos meios de produção, controlados democraticamente pela população trabalhadora.

Concluído