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Timor-Leste: desmascarada declaração oficial de “tentativa de assassinato”

Por Mike Head
22 de fevereiro de 2008

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Apenas uma semana depois, a versão oficial dos eventos de 11 de Fevereiro em Timor-Leste — que o rebelde Alfredo Reinado, tentou um “golpe” e “duplo assassinato” contra o Presidente José Ramos-Horta e Primeiro-Ministro Xanana Gusmão — está desmascarada.

Como realçou o jornalista Australiano Paul Toohey no sábado passado, “virtualmente ninguém em Timor-Leste acredita na [conspiração de assassinato]”.

Conquanto muita coisa se mantenha por clarificar, uma coisa é certa. A alegada conspiração foi explorada para reforçar a mão de dois jogadores: Gusmão e o seu instável governo de coligação e o governo Australiano do Primeiro-Ministro Kevin Rudd.

Rudd voou para Timor-Leste na passada sexta-feira e declarou imediatamente que as tropas Australianas ficarão lá indefinidamente. Na noite anterior, Rudd disse ao programa “Lateline” da Australian Broadcasting Corporation que os eventos em Timor-Leste eram “lamacentos” e que a sua visita iria ajudar o governo Australiano a apurar os fatos.

A breve viajem de Rudd não foi, contudo, uma missão para descobrir fatos. Foi uma demonstração de força. Depois de ter tido um encontro com Gusmão, Rudd convocou uma conferência de imprensa e prometeu ficar “ombro-a-ombro” com o governo de Gusmão. Acompanhado pelo chefe da Força de Defesa Australiana, Angus Houston, e pelo chefe da Polícia Federal Australiana, Bill Keelty, o Primeiro-Ministro da Austrália denunciou “este assalto brutal e violento aos líderes democraticamente eleitos deste país maravilhoso”.

Rudd passou a maior parte da sua visita de quatro horas a ser fotografado com soldados e policiais australianos. Disse que eles ficariam no país o tempo que o governo timorense pedisse, afirmando repetidas vezes que isso seria a convite do governo “eleito democraticamente” de Dili. Contudo, está claro que os eventos foram usados para apoiar o governo de Gusmão e reforçar a sua dependência política e de segurança de Canberra (Austrália).

Soldados australianos tomaram o controle de seções de Dili e de cidades próximas, patrulhando em veículos blindados, montando postos de controle nas estradas, revistando veículos e impingindo um recolher obrigatório no período noturno. Depois Gusmão prolongou um estado de sítio declarado por mais dez dias até 23 de fevereiro. Além de impor um toque de recolher obrigatório das 8 da noite. até as 6 da manhã, a declaração proíbe manifestações e aglomerações e aumenta os poderes da polícia.

Num gesto particularmente sinistro, cerca de 80 comandos das SAS foram, entre os 340 militares e pessoal da polícia australiana, enviados para Timor terça-feira passada (contando a tripulação do navio de guerra HMAS Perth) — elevando o total do contingente de segurança australiana para mais de 1.100 homens. As unidades SAS têm sido mandadas para as montanhas de Timor-Leste para caçar os apoiadores sobreviventes de Reinado, vários dos quais alegaram que Reinado fora “atraído” e morto por soldados timorenses no exterior da casa de Ramos-Horta. De acordo com relatos, as unidades SAS estão autorizadas, a pedido de Gusmão, a usar força letal.

Reinado morto depois de acordo com Ramos-Horta

Apesar de todos os exageros oficiais e da mídia acerca de conspirações de “assassinato”, o fato é que ambos os homens que foram atualmente alvejados — Reinado e Ramos-Horta — tinham feito um acordo de paz apenas quatro semanas antes. Está bastante claro que Reinado foi morto na casa de Ramos-Horta bem antes do presidente ter ficado debaixo de fogo cruzado, e pelo menos 90 minutos antes do veículo de Gusmão ser supostamente atacado por um tiroteio de assaltantes desconhecidos, há uns 10 km do outro suposto ataque.

Uma pessoa anônima, próxima de Ramos-Horta, disse à Associated Press que se travou um tiroteio durante cerca de 30 minutos antes de Ramos-Horta regressar do seu habitual passeio matinal. Depois de ter sido avisado do tiroteio, Ramos-Horta recusou a carona de um veículo que passava e caminhou de regresso à sua casa, escoltado apenas por dois guarda-costas com pistolas. Esta seqüência de eventos foi confirmada por fontes militares não confirmadas, que disseram ao Age que, meia hora antes da chegada de Ramos-Horta, Reinado fora baleado no rosto por um membro de uma equipe de guardas que tinham chegado para trocar de lugar com os guardas da noite e que viram Reinado na casa.

Um exame ao corpo de Reinado, que foi entregue à família para o funeral na quinta-feira passada, revelou que ele tinha sido baleado três vezes, no olho esquerdo, no peito esquerdo e no pescoço. O seu guarda-costas, o antigo policial militar Leopoldino, foi também morto. Ao contrário, Ramos-Horta, que se mantém hospitalizado em estado sério na cidade do norte da Austrália de Darwin, foi baleado nas costas. Familiares, amigos e associados de Reinado têm alegado que ele foi baleado por um grupo de soldados à espera das forças militares Timorenses, as F-FDTL.

De acordo com o Toohey Australiano, dois dos homens que estavam com Reinado em 11 de fevereiro contaram ao pai adotivo de Reinado, Victor Alves, que tropas das F-FDTL balearam Ramos-Horta pelas costas enquanto estavam escondidos no interior do complexo da residência. Entre os que têm insistido que Reinado foi atraído à casa para ser assassinado está Angelita Pires, uma mulher de descendência australiana, Timorense por nascimento, que ontem foi presa por ter supostamente conexão com os ataques de 11 de Fevereiro.

Ainda deve-se esclarecer como é que Reinado entrou na casa de Ramos-Horta, e porque é estava lá. É bastante possível que estivesse na residência com autorização explícita ou tácita de Ramos-Horta, para realizar negociações políticas com o presidente. A rádio Timor Leste relatou que Reinado, no caso, não teria sido um agressor. Ao contrário, ele teria sido convidado para ir à casa de Ramos-Horta, há uma semana, e que, no momento do tiroteio, teria corrido para fora da casa, tentando escapar do ataque.

Ficaram mais claras as razões para os tiros quando foram publicadas fotografias no Age e Sydney Morning Herald, no sábado passado: Reinado e Ramos-Horta aparecem de pé a sorrirem juntos com apoiadores depois dum encontro clandestino em 13 de Janeiro, onde tinha sido firmado um acordo para acabar o motim de dois anos de Reinado e de cerca de 600 “peticionários”— antigos soldados decepcionados.

Ramos-Horta tinha ido desarmado e sem segurança para a vila nas montanhas de Maubisse para discutir o plano, organizado pelo Centro de Diálogo Humanitário de Geneva. Ficara acordado que Reinado e os seus homens se entregariam para prisão domiciliar, e seriam julgados por acusações de homicídio e de motim armado, para serem perdoados por Ramos-Horta numa anistia a ser declarada em 20 de maio, no sexto aniversário da independência formal da antiga colônia portuguesa e da Indonésia.

O Ministro da Economia de Timor-Leste, João Gonçalves, disse aos jornais da Fairfax que o encontro tinha sido relaxado e amigável e que o acordo havia sido realizado. Depois dum almoço de cabra, carneiro e galinha, empurrado por vinho, Reinado e Ramos-Horta separaram-se com um aperto de mão, combinando encontrarem-se outra vez dentro de dias.

Contudo, num gesto, aparentemente, para minar o acordo, é dito que Gusmão arranjou um encontro com soldados despedidos e revoltados, alguns deles leais ao aliado de Reinado, Gasãao Salsinha. Supostamente, o primeiro-ministro ofereceu aos amotinados um pacote de compensação de três anos de salários ou a recontratação nas forças armadas, uma oferta que ameaçou isolar Reinado.

Em dezembro último, Gusmão emitiu um ultimato a Reinado, exigindo a sua rendição imediata.

Reinado respondeu em janeiro emitindo uma declaração num DVD, acusando Gusmão de ser o mestre das marionetes e o “autor da petição” por detrás do motim das forças armadas e da violência que levou à intervenção militar australiana em 2006 e que acabou por forçar a resignação do Primeiro-Ministro da Fretilin Mari Alkatiri.

As alegações de Reinado foram largamente noticiadas em Timor-Leste, mas ignoradas pelos meios de comunicação australianos. Alkatiri pediu a Gusmão para responder às alegações no parlamento, mas Gusmão recusou. Quando repórteres locais pressionaram Gusmão, ele avisou que se prosseguissem na história e entrevistassem Reinado, podiam ser presos.

As afirmações de Reinado parecem aproximar-se da verdade. Como o WSWS tem documentado, nas comunicações havidas entre Gusmão, Reinado e Vicente Railos, outra figura principal no motim de 2006.

Vicente Railos, cujas alegações contra Alkatiri no Four Corners da ABC desencadearam a resignação de Alkatiri, tornou-se, posteriormente, um organizador do CNRT, o partido que Gusmão formou para disputar as eleições parlamentares de 2007.

As acusações de Reinado têm o potencial não apenas para levar a acusações criminais contra Gusmão, que era presidente em 2006, e pôr fim à sua carreira de primeiro-ministro, mas levantam também questões sobre o envolvimento da Austrália na desestabilização e derrubada do governo da Fretilin.

Durante as eleições presidenciais e parlamentares do ano passado em Timor-Leste, Gusmão e Ramos-Horta conseguiram bloquear a prisão de Reinado. Precisavam do apoio do segundo maior partido do país, o Partido Democrático, para ganharem a maioria e completar a expulsão da Fretilin do poder. Como ocorria com Reinado, a base de apoio do Partido Democrático está na metade oeste de Timor-Leste.

Na altura em que foi morto, Reinado tinha ainda uma garantia por escrito de proteção. O Australian, na semana passada, citou uma carta de 19 de outubro escrita pelo comandante australiano da Força Internacional de Estabilização (ISF), para o advogado de Reinado, Benny Benevides, assegurando-o da proteção do líder amotinado. “O seu cliente está por meio disto assegurado que, de acordo com o seu cumprimento com quaisquer arranjos pré-acordados durante o período de diálogo, não haverá interferência nos movimentos do seu cliente,” afirmava a carta.

Ramos-Horta não era o único representante político a ter conversas com Reinado. Ainda tão recentemente quanto em 6 de fevereiro, três deputados do governo encontraram-se com Reinado em Ermera, apenas para terem o encontro perturbado pela chegada de tropas australianas. O deputado da Fretilin Domingos Sarmento exigiu na semana passada uma explicação dos três deputados, perguntando que líderes do governo os mandara ter o encontro com Reinado.

A história oficial sobre Gusmão ter sido também um alvo a assassinar em 11 de fevereiro tem sido posta em questão por notícias dos tiros que apenas atingiram os pneus do seu veículo.

Depois investigadores das Nações Unidas parece terem retorcido a história oficial, dizendo aos jornalistas que a conspiração tinha a intenção de raptar, não assassinar os dois líderes políticos. Esta afirmação não é mais verossímil que a inicial.

Gusmão e os interesses estratégicos Australianos

Particularmente desde a remoção de Alkatiri em 2006, Gusmão tem sido uma peça chave da política australiana, tendo trocado do cargo de presidente para o de primeiro-ministro em 2007 com o suporte de Canberra (Austrália). A Fretilin foi o partido que mais votos conquistou nas eleições de 2007, mas Ramos-Horta convidou o CNRT o partido acabado de criar por Gusmão para formar uma coligação anti-Fretilin.

Apesar do suporte de Rudd, o governo de Gusmão mantém-se inseguro, com a Fretilin a avançar com exigências de novas eleições. A Fretilin tem condenado o governo por ter falhado em prevenir os ataques de 11 de fevereiro, com Alkatiri a dizer que se fosse ele a estar no cargo, as pessoas estariam a pedir que renunciasse. As tensões políticas têm sido alimentadas com a circulação dum documento altamente suspeito onde se diz que a Fretilin ofereceu a Reinado $US 10 milhões para assassinar Ramos-Horta e Gusmão.

O descontentamento popular contra Gusmão tem crescido porque o seu governo se mostrou sem vontade e incapaz de fazer coisa alguma para responder à pobreza e miséria das pessoas comuns. Cerca de 100.000 pessoas, a maioria apoiadoras da Fretilin, continuam a viver em miseráveis campos de deslocados, e cerca de 80 por cento da força de trabalho está desempregada ou vive de agricultura de subsistência. Seis anos depois da chamada independência, o povo de Timor-Leste mantém-se entre os mais pobres do mundo, mesmo apesar dos bilhões de dólares que valem o gás e petróleo que estão a ser drenados por debaixo do Mar de Timor.

Por detrás da sua primeira intervenção militar em Timor-Leste em 1999, o governo de Howard intimidou eventualmente o governo de Alkatiri a aceitar o controle Australiano em curso sobre a maior parte dos campos submarinos, ao mesmo tempo que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial insistiam que os rendimentos do petróleo e gás do Timor fossem postos num fundo de petróleo, para prevenir o chamado gasto a mais em programas sociais. Correntemente o fundo de petróleo tem mais de $US 2 bilhões, mas mesmo quando alcançar o seu pico, estimado de forma otimista, há décadas de agora, os retornos de investimento anual totalizarão apenas $2.500 por pessoa. No ano passado, o FMI previu que a pobreza continuará a piorar em Timor-Leste durante vários anos.

Por detrás da cena, seções das instituições de segurança australianaa estão a pedir uma intervenção mais profunda em Timor-Leste, ao longo das linhas da Missão de Assistência Regional para as Ilhas Salomão (RAMSI), onde o governo Howard tomou o controlo efetivo de postos chave no aparelho de Estado, como a polícia, tribunais, prisões e tesouro. Num documento sobre “análise estratégica” emitido em novembro passado, o Australian Strategic Policy Institute (ASPI) financiado pelo governo sugeriu: “Os expatriados em cargos importantes como chefe de polícia, procurador-geral, e nomeações de topo para tribunais podem ser um cortador de circuito de interferência política bem como podem promover o desenvolvimento profissional e um etos de serviço público que complemente o aconselhamento político e económico e as auditorias fornecidas pelas missões da ONU e FMI.”

O editor de política estrangeira do Australian Greg Sheridan deu voz a estas aspirações neo-coloniais numa coluna na semana passada, urgindo o governo de Rudd a ter uma visão de mais longo prazo no seu envolvimento em Timor-Leste. “Se somos o novo poder metropolitano no mundo da Melanésia, garantindo a segurança, dispensando ajuda vital e em curso, mantendo a ordem internacional benigna, monitorizando o espalhar de doenças infecciosos e tudo o resto, então, precisamos fazer um investimento de longo prazo nas capacidades nacionais nesta área,” escreveu. Nenhum destes cálculos tem alguma coisa a ver com assistir ou elevar as condições de vida das massas timorenses.

Ao mesmo tempo que Rudd prometeu uma presença militar indefinida na sexta-feira passada, ofereceu apenas uma vaga e não especificada assistência econômica. Desde 1999, de acordo com as estimativas do ASPI, Canberra gastou $4 bilhões em operações militares e policiais em Timor-Leste, mas apenas $550 milhões em Assistência Oficial ao Desenvolvimento. Em qualquer caso o principal propósito da “ajuda” é reforçar os interesses australianos, bem como os lucros das companhias australianas a operarem localmente.

A preocupação da elite política e das corporações australianas é reforçar as suas garras sobre a rica em recursos e estrategicamente situada meia ilha vizinha e prevenir poderes rivais, nomeadamente a China, de ganhar influência . O relatório do ASPI refere-se a preocupações por “a China ter uma grande embaixada em Timor-Leste e realizar grande ações de ajuda econômica”.A exploração de Rudd dos eventos de 11 de fevereiro enfatiza os compromissos subjacentes do seu governo com a via decidida pelo governo de Howard em 1999.