Apenas uma semana depois, a versão oficial dos eventos
de 11 de Fevereiro em Timor-Leste que o rebelde Alfredo
Reinado, tentou um golpe e duplo assassinato
contra o Presidente José Ramos-Horta e Primeiro-Ministro
Xanana Gusmão está desmascarada.
Como realçou o jornalista Australiano Paul Toohey no
sábado passado, virtualmente ninguém em Timor-Leste
acredita na [conspiração de assassinato].
Conquanto muita coisa se mantenha por clarificar, uma coisa
é certa. A alegada conspiração foi explorada
para reforçar a mão de dois jogadores: Gusmão
e o seu instável governo de coligação e o
governo Australiano do Primeiro-Ministro Kevin Rudd.
Rudd voou para Timor-Leste na passada sexta-feira e declarou
imediatamente que as tropas Australianas ficarão lá
indefinidamente. Na noite anterior, Rudd disse ao programa Lateline
da Australian Broadcasting Corporation que os eventos em Timor-Leste
eram lamacentos e que a sua visita iria ajudar o governo
Australiano a apurar os fatos.
A breve viajem de Rudd não foi, contudo, uma missão
para descobrir fatos. Foi uma demonstração de força.
Depois de ter tido um encontro com Gusmão, Rudd convocou
uma conferência de imprensa e prometeu ficar ombro-a-ombro
com o governo de Gusmão. Acompanhado pelo chefe da Força
de Defesa Australiana, Angus Houston, e pelo chefe da Polícia
Federal Australiana, Bill Keelty, o Primeiro-Ministro da Austrália
denunciou este assalto brutal e violento aos líderes
democraticamente eleitos deste país maravilhoso.
Rudd passou a maior parte da sua visita de quatro horas a ser
fotografado com soldados e policiais australianos. Disse que eles
ficariam no país o tempo que o governo timorense pedisse,
afirmando repetidas vezes que isso seria a convite do governo
eleito democraticamente de Dili. Contudo, está
claro que os eventos foram usados para apoiar o governo de Gusmão
e reforçar a sua dependência política e de
segurança de Canberra (Austrália).
Soldados australianos tomaram o controle de seções
de Dili e de cidades próximas, patrulhando em veículos
blindados, montando postos de controle nas estradas, revistando
veículos e impingindo um recolher obrigatório no
período noturno. Depois Gusmão prolongou um estado
de sítio declarado por mais dez dias até 23 de fevereiro.
Além de impor um toque de recolher obrigatório das
8 da noite. até as 6 da manhã, a declaração
proíbe manifestações e aglomerações
e aumenta os poderes da polícia.
Num gesto particularmente sinistro, cerca de 80 comandos das
SAS foram, entre os 340 militares e pessoal da polícia
australiana, enviados para Timor terça-feira passada (contando
a tripulação do navio de guerra HMAS Perth)
elevando o total do contingente de segurança australiana
para mais de 1.100 homens. As unidades SAS têm sido mandadas
para as montanhas de Timor-Leste para caçar os apoiadores
sobreviventes de Reinado, vários dos quais alegaram que
Reinado fora atraído e morto por soldados timorenses
no exterior da casa de Ramos-Horta. De acordo com relatos, as
unidades SAS estão autorizadas, a pedido de Gusmão,
a usar força letal.
Reinado morto depois de acordo com Ramos-Horta
Apesar de todos os exageros oficiais e da mídia acerca
de conspirações de assassinato, o fato
é que ambos os homens que foram atualmente alvejados
Reinado e Ramos-Horta tinham feito um acordo de paz apenas
quatro semanas antes. Está bastante claro que Reinado foi
morto na casa de Ramos-Horta bem antes do presidente ter ficado
debaixo de fogo cruzado, e pelo menos 90 minutos antes do veículo
de Gusmão ser supostamente atacado por um tiroteio de assaltantes
desconhecidos, há uns 10 km do outro suposto ataque.
Uma pessoa anônima, próxima de Ramos-Horta, disse
à Associated Press que se travou um tiroteio durante cerca
de 30 minutos antes de Ramos-Horta regressar do seu habitual passeio
matinal. Depois de ter sido avisado do tiroteio, Ramos-Horta recusou
a carona de um veículo que passava e caminhou de regresso
à sua casa, escoltado apenas por dois guarda-costas com
pistolas. Esta seqüência de eventos foi confirmada
por fontes militares não confirmadas, que disseram ao Age
que, meia hora antes da chegada de Ramos-Horta, Reinado fora baleado
no rosto por um membro de uma equipe de guardas que tinham chegado
para trocar de lugar com os guardas da noite e que viram Reinado
na casa.
Um exame ao corpo de Reinado, que foi entregue à família
para o funeral na quinta-feira passada, revelou que ele tinha
sido baleado três vezes, no olho esquerdo, no peito esquerdo
e no pescoço. O seu guarda-costas, o antigo policial militar
Leopoldino, foi também morto. Ao contrário, Ramos-Horta,
que se mantém hospitalizado em estado sério na cidade
do norte da Austrália de Darwin, foi baleado nas costas.
Familiares, amigos e associados de Reinado têm alegado que
ele foi baleado por um grupo de soldados à espera das forças
militares Timorenses, as F-FDTL.
De acordo com o Toohey Australiano, dois dos homens que estavam
com Reinado em 11 de fevereiro contaram ao pai adotivo de Reinado,
Victor Alves, que tropas das F-FDTL balearam Ramos-Horta pelas
costas enquanto estavam escondidos no interior do complexo da
residência. Entre os que têm insistido que Reinado
foi atraído à casa para ser assassinado está
Angelita Pires, uma mulher de descendência australiana,
Timorense por nascimento, que ontem foi presa por ter supostamente
conexão com os ataques de 11 de Fevereiro.
Ainda deve-se esclarecer como é que Reinado entrou na
casa de Ramos-Horta, e porque é estava lá. É
bastante possível que estivesse na residência com
autorização explícita ou tácita de
Ramos-Horta, para realizar negociações políticas
com o presidente. A rádio Timor Leste relatou que Reinado,
no caso, não teria sido um agressor. Ao contrário,
ele teria sido convidado para ir à casa de Ramos-Horta,
há uma semana, e que, no momento do tiroteio, teria corrido
para fora da casa, tentando escapar do ataque.
Ficaram mais claras as razões para os tiros quando foram
publicadas fotografias no Age e Sydney Morning Herald, no sábado
passado: Reinado e Ramos-Horta aparecem de pé a sorrirem
juntos com apoiadores depois dum encontro clandestino em 13 de
Janeiro, onde tinha sido firmado um acordo para acabar o motim
de dois anos de Reinado e de cerca de 600 peticionários
antigos soldados decepcionados.
Ramos-Horta tinha ido desarmado e sem segurança para
a vila nas montanhas de Maubisse para discutir o plano, organizado
pelo Centro de Diálogo Humanitário de Geneva. Ficara
acordado que Reinado e os seus homens se entregariam para prisão
domiciliar, e seriam julgados por acusações de homicídio
e de motim armado, para serem perdoados por Ramos-Horta numa anistia
a ser declarada em 20 de maio, no sexto aniversário da
independência formal da antiga colônia portuguesa
e da Indonésia.
O Ministro da Economia de Timor-Leste, João Gonçalves,
disse aos jornais da Fairfax que o encontro tinha sido relaxado
e amigável e que o acordo havia sido realizado. Depois
dum almoço de cabra, carneiro e galinha, empurrado por
vinho, Reinado e Ramos-Horta separaram-se com um aperto de mão,
combinando encontrarem-se outra vez dentro de dias.
Contudo, num gesto, aparentemente, para minar o acordo, é
dito que Gusmão arranjou um encontro com soldados despedidos
e revoltados, alguns deles leais ao aliado de Reinado, Gasãao
Salsinha. Supostamente, o primeiro-ministro ofereceu aos amotinados
um pacote de compensação de três anos de salários
ou a recontratação nas forças armadas, uma
oferta que ameaçou isolar Reinado.
Em dezembro último, Gusmão emitiu um ultimato
a Reinado, exigindo a sua rendição imediata.
Reinado respondeu em janeiro emitindo uma declaração
num DVD, acusando Gusmão de ser o mestre das marionetes
e o autor da petição por detrás
do motim das forças armadas e da violência que levou
à intervenção militar australiana em 2006
e que acabou por forçar a resignação do Primeiro-Ministro
da Fretilin Mari Alkatiri.
As alegações de Reinado foram largamente noticiadas
em Timor-Leste, mas ignoradas pelos meios de comunicação
australianos. Alkatiri pediu a Gusmão para responder às
alegações no parlamento, mas Gusmão recusou.
Quando repórteres locais pressionaram Gusmão, ele
avisou que se prosseguissem na história e entrevistassem
Reinado, podiam ser presos.
As afirmações de Reinado parecem aproximar-se
da verdade. Como o WSWS tem documentado, nas comunicações
havidas entre Gusmão, Reinado e Vicente Railos, outra figura
principal no motim de 2006.
Vicente Railos, cujas alegações contra Alkatiri
no Four Corners da ABC desencadearam a resignação
de Alkatiri, tornou-se, posteriormente, um organizador do CNRT,
o partido que Gusmão formou para disputar as eleições
parlamentares de 2007.
As acusações de Reinado têm o potencial
não apenas para levar a acusações criminais
contra Gusmão, que era presidente em 2006, e pôr
fim à sua carreira de primeiro-ministro, mas levantam também
questões sobre o envolvimento da Austrália na desestabilização
e derrubada do governo da Fretilin.
Durante as eleições presidenciais e parlamentares
do ano passado em Timor-Leste, Gusmão e Ramos-Horta conseguiram
bloquear a prisão de Reinado. Precisavam do apoio do segundo
maior partido do país, o Partido Democrático, para
ganharem a maioria e completar a expulsão da Fretilin do
poder. Como ocorria com Reinado, a base de apoio do Partido Democrático
está na metade oeste de Timor-Leste.
Na altura em que foi morto, Reinado tinha ainda uma garantia
por escrito de proteção. O Australian, na
semana passada, citou uma carta de 19 de outubro escrita pelo
comandante australiano da Força Internacional de Estabilização
(ISF), para o advogado de Reinado, Benny Benevides, assegurando-o
da proteção do líder amotinado. O seu
cliente está por meio disto assegurado que, de acordo com
o seu cumprimento com quaisquer arranjos pré-acordados
durante o período de diálogo, não haverá
interferência nos movimentos do seu cliente, afirmava
a carta.
Ramos-Horta não era o único representante político
a ter conversas com Reinado. Ainda tão recentemente quanto
em 6 de fevereiro, três deputados do governo encontraram-se
com Reinado em Ermera, apenas para terem o encontro perturbado
pela chegada de tropas australianas. O deputado da Fretilin Domingos
Sarmento exigiu na semana passada uma explicação
dos três deputados, perguntando que líderes do governo
os mandara ter o encontro com Reinado.
A história oficial sobre Gusmão ter sido também
um alvo a assassinar em 11 de fevereiro tem sido posta em questão
por notícias dos tiros que apenas atingiram os pneus do
seu veículo.
Depois investigadores das Nações Unidas parece
terem retorcido a história oficial, dizendo aos jornalistas
que a conspiração tinha a intenção
de raptar, não assassinar os dois líderes políticos.
Esta afirmação não é mais verossímil
que a inicial.
Gusmão e os interesses estratégicos
Australianos
Particularmente desde a remoção de Alkatiri em
2006, Gusmão tem sido uma peça chave da política
australiana, tendo trocado do cargo de presidente para o de primeiro-ministro
em 2007 com o suporte de Canberra (Austrália). A Fretilin
foi o partido que mais votos conquistou nas eleições
de 2007, mas Ramos-Horta convidou o CNRT o partido acabado de
criar por Gusmão para formar uma coligação
anti-Fretilin.
Apesar do suporte de Rudd, o governo de Gusmão mantém-se
inseguro, com a Fretilin a avançar com exigências
de novas eleições. A Fretilin tem condenado o governo
por ter falhado em prevenir os ataques de 11 de fevereiro, com
Alkatiri a dizer que se fosse ele a estar no cargo, as pessoas
estariam a pedir que renunciasse. As tensões políticas
têm sido alimentadas com a circulação dum
documento altamente suspeito onde se diz que a Fretilin ofereceu
a Reinado $US 10 milhões para assassinar Ramos-Horta e
Gusmão.
O descontentamento popular contra Gusmão tem crescido
porque o seu governo se mostrou sem vontade e incapaz de fazer
coisa alguma para responder à pobreza e miséria
das pessoas comuns. Cerca de 100.000 pessoas, a maioria apoiadoras
da Fretilin, continuam a viver em miseráveis campos de
deslocados, e cerca de 80 por cento da força de trabalho
está desempregada ou vive de agricultura de subsistência.
Seis anos depois da chamada independência, o povo de Timor-Leste
mantém-se entre os mais pobres do mundo, mesmo apesar dos
bilhões de dólares que valem o gás e petróleo
que estão a ser drenados por debaixo do Mar de Timor.
Por detrás da sua primeira intervenção
militar em Timor-Leste em 1999, o governo de Howard intimidou
eventualmente o governo de Alkatiri a aceitar o controle Australiano
em curso sobre a maior parte dos campos submarinos, ao mesmo tempo
que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial
insistiam que os rendimentos do petróleo e gás do
Timor fossem postos num fundo de petróleo, para prevenir
o chamado gasto a mais em programas sociais. Correntemente o fundo
de petróleo tem mais de $US 2 bilhões, mas mesmo
quando alcançar o seu pico, estimado de forma otimista,
há décadas de agora, os retornos de investimento
anual totalizarão apenas $2.500 por pessoa. No ano passado,
o FMI previu que a pobreza continuará a piorar em Timor-Leste
durante vários anos.
Por detrás da cena, seções das instituições
de segurança australianaa estão a pedir uma intervenção
mais profunda em Timor-Leste, ao longo das linhas da Missão
de Assistência Regional para as Ilhas Salomão (RAMSI),
onde o governo Howard tomou o controlo efetivo de postos chave
no aparelho de Estado, como a polícia, tribunais, prisões
e tesouro. Num documento sobre análise estratégica
emitido em novembro passado, o Australian Strategic Policy Institute
(ASPI) financiado pelo governo sugeriu: Os expatriados em
cargos importantes como chefe de polícia, procurador-geral,
e nomeações de topo para tribunais podem ser um
cortador de circuito de interferência política bem
como podem promover o desenvolvimento profissional e um etos de
serviço público que complemente o aconselhamento
político e económico e as auditorias fornecidas
pelas missões da ONU e FMI.
O editor de política estrangeira do Australian Greg
Sheridan deu voz a estas aspirações neo-coloniais
numa coluna na semana passada, urgindo o governo de Rudd a ter
uma visão de mais longo prazo no seu envolvimento em Timor-Leste.
Se somos o novo poder metropolitano no mundo da Melanésia,
garantindo a segurança, dispensando ajuda vital e em curso,
mantendo a ordem internacional benigna, monitorizando o espalhar
de doenças infecciosos e tudo o resto, então, precisamos
fazer um investimento de longo prazo nas capacidades nacionais
nesta área, escreveu. Nenhum destes cálculos
tem alguma coisa a ver com assistir ou elevar as condições
de vida das massas timorenses.
Ao mesmo tempo que Rudd prometeu uma presença militar
indefinida na sexta-feira passada, ofereceu apenas uma vaga e
não especificada assistência econômica. Desde
1999, de acordo com as estimativas do ASPI, Canberra gastou $4
bilhões em operações militares e policiais
em Timor-Leste, mas apenas $550 milhões em Assistência
Oficial ao Desenvolvimento. Em qualquer caso o principal propósito
da ajuda é reforçar os interesses australianos,
bem como os lucros das companhias australianas a operarem localmente.
A preocupação da elite política e das
corporações australianas é reforçar
as suas garras sobre a rica em recursos e estrategicamente situada
meia ilha vizinha e prevenir poderes rivais, nomeadamente a China,
de ganhar influência . O relatório do ASPI refere-se
a preocupações por a China ter uma grande
embaixada em Timor-Leste e realizar grande ações
de ajuda econômica.A exploração de Rudd
dos eventos de 11 de fevereiro enfatiza os compromissos subjacentes
do seu governo com a via decidida pelo governo de Howard em 1999.