Publicado originalmente em inglês no wsws.org em 3
de dezembro de 2008
As eleições locais e estaduais realizadas na
Venezuela na terceira semana de novembro renderam resultados inovadores.
O Partido Socialista Único da Venezuela (PSUV), do presidente
Hugo Chavez, teve vitória em 17 estados, enquanto a oposição
ganhou força em 5, incluindo os dois estados mais populosos
da Venezuela.
A eleição falhou ao tentar resolver a longa,
crescente e cada vez mais amarga disputa entre o governo de esquera-nacionalista
de Chavez e a oposição, que se beneficia com apoio
de Washington e seções da oligarquia venezuelana.
Ao contrário, os pontos apontam para o aumento da polarização
política e um ressurgimento de lutas sociais.
Em todo território nacional, o PSUV obteve 57% dos votos.
Seu número total ? 5 milhões ? abafou de longe seu
rival mais próximo, o Partido Nuevo Tiempo, que arrecadou
pouco mais que 1 milhão de votos. Todos os partido de oposição,
juntos, tiveram o total de 4,3 milhões de votos.
Tendo exigido vitória para seu PSUV ? Venezuelanos
podem agora ver um mapa que está se tornando cada vez mais
vermelho... [As eleições] confirmaram a construção
do socialismo bolivariano na Venezuela ? Chavez chamou seus
apoiadores no último domingo para renovar a luta por uma
emenda constitucional que permitirá sua reeleição.
O presidente venezuelano, um ex-tenente coronel, militar, que
liderou o golpe de 1992 (que falhou), deixará o cargo,
assim, somente em 2013, sob as bases de uma constituição
de 1999 aprovada por ele próprio. Uma tentativa realizada
em 2007, semelhante a essa constituição que remove
o prazo limite para a presidência, foi rejeitada pelo eleitorado
venezuelano.
Apesar das pretensões de vitória do PSUV, Chavez
disse que as eleições apontaram mais uma vez no
sentido da reeleição indefinida, pois agora é
motivada pelos ganhos registrados pelos candidatos da oposição.
Ele disse que o fortalecimento da oposição o fez
ver mais claramente a grande ameaça que pairava sobre
o povo venezuelano com esses fascistas!
A resposta a um suposto perigo do aumento do fascismo cria
condições nas quais Chavez pode tornar-se presidente
vitalício e é um forte indício do caráter
reacionário do movimento chavista.
Na eleição do dia 23 de novembro, a oposição
venceu nos estados de Nueva Sparta e Zulia. O oeste do estado
de Zulia cerca o lago Maracaibo e é o centro da indústria
petroleira. Candidatos da oposição também
venceram no estado de Miranda, anteriormente uma fortaleza do
PSUV. Miranda inclui muitos municípios que cerca Caracas,
incluindo Sucre, uma comunidade pobre que, até agora, apoiou
Chavez. Zulia e Miranda são dois dos mais populosos estados
da Venezuela, com 6,6 milhões de pessoas, representando
24% da população da Venezuela. O candidato da oposição
também venceu em Táchira, um centro de comércio,
e Carabobo, onde se concentra grande parte da indústria
manufatureira (têxtil, máquinas e ferramentas, borracha,
petroquímica etc.).
Junto aos cinco estados em que os oponentes de Chavez venceram,
candidatos da oposição também ganharam força
em Caracas, Maracaibo e Valencia, as três cidades mais populosas
do país.
A oposição teve a oportunidade de explorar as
altas taxas de criminalidade nas ruas, particularmente em Caracas,
uma cidade de 6 milhões de habitantes, para ganhar o apoio
em sua campanha contra a dominação do PSUV. A alta
taxa de crimes por si só é um resultado das altas
taxas do desemprego crônico e da desigualdade econômica,
típicas das economias que se baseiam na exploração
de riquezas minerais.
Os resultados nessas cidades indicam a reprovação
de Chavez entre o operariado e as camadas pobres da cidade, onde
o governo tentou ganhar apoio.
Ambas camadas sociais têm sido excluídas pela
crise econômica, que resultou na alta dos preços
e na escassez da comida e produtos de necessidade básica.
A popularidade de Chavez começou a decair no ano passado,
quando o controle de importações resultou na falta
de produtos perecíveis, incluindo leite, milho, óleo
de cozinha, carne, açúcar, frangos e ovos ? todos
principais artigos de consumo das massas venezuelanas.
A escassez intermitente dos itens essenciais da dieta dos trabalhadores,
somado a uma taxa de inflação que chegou a 30% (a
mais alta da América Latina), reduziu o salário
real e ampliou a desigualdade social. Fora a falta de comida,
os venezuelanos urbanos têm de enfrentar a crescente falta
de serviços públicos, água, eletricidade
e transporte público.
O PSUV foi criado como um partido apoiado pelo governo no dia
12 de janeiro de 2008. Foi constituído pela Aliança
Patriota de Chavez e outras organizações de esquerda.
O Partido Comunista, o Patria Para Todos e o Podemos, enquanto
membros da aliança, não se integraram oficialmente
ao PSUV, mas em geral apoiaram seus candidatos.
Em resposta a criação do PSUV, no dia 23 de janeiro,
os partido de oposição assinaram um acordo
de unidade nacional, estabelecendo uma frente eleitoral
baseada num programa de 10 pontos. O acordo os permitiu lançar
candidatos próprios em todos os estados e municípios
no dia 23 de novembro. Essa aliança é composta por
partidos tradicionais da burguesia venezuelana ? a Social Democracia
(Acción Democrática) e a Democracia Cristã
(COPEI) ? e seus desdobramentos, como o MAS (Movimento ao Socialismo,
fundado por Teodoro Petkoff ex-membro das guerrilhas nos anos
60 e ministro do FMI nos anos 90), os ex-maoistas (Bandera Roja)
e vários grupos de direita (Primero Justicia, Alianza Bravo
Pueblo). Muitos partidos dessa coalizão, incluindo o MAS,
apoiaram Chavez em 2004.
O único princípio unificador por trás
dessa aliança parece ser o ódio a Chavez.
Chavez descreveu seu regime como um término da luta
de Simon Bolívar pela independência, a criação
de um estado nacional e uma luta por igualdade social e instituições
democráticas. Se vivo, especula Chavez, Bolívar
teria tornado-se um socialista nos anos 50. De acordo com esse
cenário, cabe a ele, Chavez, completar o projeto de Bolívar.
Na realidade, o governo de Chavez combinou a retórica
de esquerda-nacionalista com nacionalizações no
petróleo, eletricidade e indústrias de comunicação.
Programas de assistência social para a classe trabalhadora
e camponeses têm se expandido, incluindo reforma agrária,
benefícios na saúde pública, supermercados
públicos com preços controlados nos produtos básicos,
sopas para os pobres e um programa de moradia. No início
desse ano, Chavez nacionalizou a indústria de cimento e
a SIDOR, uma usina siderúrgica argentina que tinha sido
fechada em uma amarga luta com seus trabalhadores.
Essas medidas têm sido limitadas e têm tomado lugar
sem mudar o núcleo das instituições do capitalismo
venezuelano, incluindo os bancos, que registraram um lucro recorde
sob Chavez. O sistema agrário também permaneceu
intacto, junto da maioria das instituições estatais
? principalmente o exército.
O Socialismo Bolivariano de Chavez é essencialmente
a política do nacionalismo econômico, que corresponde
aos interesses de seções da burguesia nacional que
tentam manter certa independência do imperialismo dos EUA,
do Fundo Monetário Internacional e dos grandes negócios
norte-americanos, tirando vantagens estratégicas das receitas
provenientes das mais amplas reservas de petróleo do país.
Cinco dos sete partidos na aliança de oposição
apoiam "formas" de socialismo; os outros dois ? Primero
Justicia e Alianza Bravo Pueblo ? chamaram uma sociedade
da propriedade, na qual cada cidadão venezuelano
teria ações próprias das empresas estatais,
tais como a empresa petrolífera estatal, Petróleos
Venezolanos (PDVSA), enquanto alguns dos terrenos seriam distribuídos
aos camponeses.
Toda a retórica socialista não somente
de Chavez, mas em todo o espectro político, reflete a fraqueza
dos capitalistas venezuelanos. Com quase nenhuma base industrial,
a classe dominante é verdadeiramente uma burguesia compradora,
que está mais confortável nos shoppings de Miami
e Nova Iorque que em Caracas. Confronta uma classe trabalhadora
organizada e militante e um campesinato combativo.
A Venezuela é um país inteiramente dependente
da exportação de petróleo. Exporta 2,3 milhões
de barris de petróleo bruto por dia, o que representam
90% do valor de suas exportações, 50% do orçamento
público e 30% de seu produto interno bruto. Sua base industrial
é dependente da importação de capital físico
e é insuficiente para suprir a procura interna.
A classe trabalhadora é composta por cerca de 100.000
trabalhadores da PDVSA e 300.000 trabalhadores da manufatura.
Junta, a força de trabalho se compõe de 9 milhões
de trabalhadores do setor formal e cerca de 3 milhões no
setor informal. Juntos, somam aproximadamente metade da população
do país. O potencial explosivo da classe trabalhadora venezuelana
foi demonstrada em abril de 2002, quando manifestações
de massa dos trabalhadores deram fim ao golpe de estado apoiado
pela CIA, o que rapidamente trouxe Chavez ao poder.
Durante os anos de aumento constante dos preços do petróleo
? o preço do petróleo aumentou mais de dez vezes
durante os dez anos de Chavez no poder ? o governo esteva apto
a financiar uma série de programas sociais e subsídios
aos trabalhadores e pobres. O boom agora está sendo substituído
pela falência do petróleo. O petróleo venezuelano
está atualmente sendo vendido a cerca de US$ 40/barril,
abaixo dos $ 120 e muito menos que os $ 85/ barril necessários
para sustentar os gastos do atual governo. Com os preços
do petróleo tendo caído, os planos gastos em infraestrutura
serão rapidamente reduzidos, seguindo as altas e crescentes
taxas de desemprego no país e tencionando a luta de classes.
A economia do país está sendo atingida pela crise
financeira mundial e a queda dos preços do petróleo.
A moeda venezuelana é estritamente controlada e confinada
ao dólar numa alta taxa artificial de câmbio. Mais
de 90% das exportações de petróleo venezuelano
compõem-se do petróleo e produtos gerados do petróleo
que são vendidos pela petroleira venezuelana PVDSA.
Os dólares são comprados pelo Banco Central em
troca de novos bolívares (moeda local) criados pelo Banco
Central. O aumento repentino dos preços do petróleo
fez crescer as reservas de dólares para uma estimativa
de US$ 25.000 milhões, o suficiente para solucionar apenas
a curto prazo uma queda dos preços do petróleo sem
desfalcar a dívida externa ou desvalorizar a moeda. Os
bolívares estão indexados em 2.15 Bs para 1 dólar.
No mercado negro, entretanto, dólares são vendidos
por 6 ou 7 Bs e a divulgação tem sido ampliada,
na medida em que o capital sai do país.
Para conter as pressões inflacionárias que resultam
do processo de criação de dinheiro pelo Banco Central
durante esse ano de aumento dos preços do petróleo,
o governo tem mantido sob controle os preços e as importações.
A Venezuela é um importador líquido de comida e
outros bens essenciais à classe trabalhadora e pobres.
A taxa de inflação nos alimentos excede 50%.
Até as eleições, o governo de Chávez
sustentou que a economia venezuelana estava mais ou menos imune
a crise financeira mundial. O colapso dos preços do petróleo
e o vôo do capital para fora da Venezuela mudaram as coisas.
A falência do Lehman Brothers enfraqueceu os bancos venezuelanos,
que aplicaram US$ 400 milhões em notas garantidas pelo
banco de investimento americano. Essas notas agora não
valem nada e podem levar a falência alguns bancos venezuelanos.
O próprio governo Chávez aplicou cerca de $300 milhões
nessas notas.
Existem inúmeros sinais de que as seqüelas das
eleições farão acirrar a luta de classes
na Venezuela.
No dia 27 de novembro, três líderes de sindicatos
foram mortos no estado de Aragua na Venezuela. Segundo um boletim
publicado no venezuealanalysis.com, Richard Gallardo, Luis
Hernándes e Carlos Requena, líderes de um sindicato
pró-Chavez, foram mortos quando voltavam para casa depois
de participarem de uma disputa trabalhista com uma empresa alimentícia
colombiana, Alpina. Esses ataques de matadores em motocicletas
têm se tornado comuns na Colômbia.
As execuções tomaram lugar depois da polícia
estadual ter reprimido 400 trabalhadores da Alpina que estavam
protestando dentro da fábrica exigindo seus pagamentos.
Um dia antes, milhares de apoiadores de Chavez protestaram
contra ataques às clínicas de saúde do governo,
as Barrio Adentro, realizados pelas forças de oposição
nos estados de Miranda e Táchira e na cidade de Caracas.
Barrio Adentro é o nome do plano de saúde
do governo para os pobres, estabelecido pela administração
de Chavez
Também existem relatos dispersos de que o ritmo das
ocupações de terra pelos camponeses tem acelerado
nos últimos dias.