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O Outubro Alemão: a revolução perdida de 1923

Parte 2

Por Peter Schwarz
9 de dezembro de 2008

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O texto abaixo é a segunda parte (em três) de artigo baseado numa palestra apresentada pelo autor no verão de 2007.

Os eventos do Ruhr

Retomemos alguns eventos de 1923.

Um ano e meio após o Terceiro Congresso da Internacional Comunista (Comintern ou III Internacional), os conflitos internos ao Partido Comunista Alemão (KPD) ainda não estavam resolvidos. Após a ocupação do Ruhr pelo exército francês, os conflitos entre a direção majoritária do partido e a oposição de esquerda irromperam novamente e com toda a força. As diferenças emergiram sobre a questão do apoio dado pelo KPD ao governo da ala esquerda do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) na Saxônia, bem como sobre a política a ser adotada na região do Ruhr, ocupada pelos franceses.

No momento, o partido era dirigido por Heinrich Brandler, membro fundador da Liga Espártaco [Spartakusbund]. Enquanto muitos dos esquerdistas passavam para a direita, uma nova facção de esquerda se agrupava sob direção de Ruth Fischer, Arkadi Maslow e — em menor grau — Ernst Thälmann. Fischer e Maslow eram ambos jovens intelectuais que ingressaram no movimento após a guerra. Tinham a maioria da seção de Berlin atrás de si. Thälmann era um trabalhador que ingressara no KPD por meio do SPD-Independente (USPD) e era dirigente do partido em Hamburgo.

No dia 10 de Janeiro, caiu o governo do SPD na Saxônia e o KPD conduziu uma campanha por uma frente única e um governo dos trabalhadores. Enquanto isso, a maioria do SPD defendia uma coalizão com partidos burgueses e apenas uma minoria de esquerda defendia a aliança com o KPD. Este, por sua vez, desenvolveu uma forte e vigorosa agitação e publicizou um "Programa dos Trabalhadores" que incluía as seguintes demandas: confisco das propriedades da antiga família real; armamento dos trabalhadores; desmantelamento do judiciário, da polícia e da administração governamental (parlamento); chamado por um congresso dos conselhos de fábricas e pelo controle dos preços pelos comitês eleitos.

Tais reivindicações ganharam apoio dentro do SPD, onde a ala esquerda tornou-se maioria. Ela aceitava o "Programa dos Trabalhadores" com apenas uma exceção: a dissolução do parlamento e a convocação de um congresso de conselhos de fábricas. Com base nisso, retirando esses pontos do programa, um governo do SPD foi criado com apoio do KPD.

Esse passo foi apoiado pela maioria do KPD, inclusive por Karl Radek, no momento uma importante figura dirigente da Internacional, mas bastante denunciado pela esquerda do KPD. Estes viam seu apoio ao governo da Saxônia não como uma tática momentânea para ganhar os trabalhadores social-democratas, mas como uma adaptação aos social-democratas de esquerda, os quais consideravam iguais aos de direita. Suas suspeitas não eram sem razão. Como mostraram os eventos ulteriores, em 21 de Outubro, Brandler desmantelou a insurreição em preparo porque os social-democratas diziam não estar prontos para apoiá-la.

No Ruhr, o KPD distanciava-se bastante do SPD, que dava amplo apóio à campanha de "resistência passiva" do governo de Wilhelm Cuno. O Governo Cuno, por sua vez, colaborava com as gangues paramilitares — apoiadas secretamente pelo exército e composta de elementos claramente fascistas — encorajando-as a realizar atos de sabotagem contra os franceses. Tais medidas atraíam reacionários e fascistas de toda Alemanha para o Ruhr. O SPD encontrou-se, portanto, em verdadeira aliança com tais forças.

O KPD denunciou o nacionalismo do SPD como um repetição de sua política de 1914, quando votou pelos créditos da guerra imperialista, e opôs-se fortemente a ela. Chamava pela luta tanto contra a ocupação francesa quanto contra o governo berlinense. Uma edição do Rote Fahne [Bandeira Vermelha — Jornal do KPD] trazia como manchete: "Lutar contra Poincaré e Cuno no Ruhr e em Spree". Tais linhas logo se confirmaram, quando os trabalhadores começaram a se rebelar contra as insuportáveis condições sociais, protestando contra a ocupação francesa, contra os industrialistas locais, bem como contra o governo de Berlin.

Mas, logo os líderes da esquerda do KPD assumiram uma posição diferente, agitando-a nos encontros do partido em Ruhr. Ruth Fischer defendia um chamado para que os trabalhadores tomassem as fábricas e minas; pela tomada do poder político e o estabelecimento da República Democrática dos Trabalhadores do Ruhr. Esta República poderia, então, tornar-se base para um exército dos trabalhadores que, por sua vez, iria "marchar até a Alemanha central, tomar o poder em Berlin e destruir de uma vez por todas a contra-revolução nacionalista". [1]

Sua linha era, na verdade, aventureira, repetição da ação de Março de 1921. Um levante no Ruhr teria permanecido isolado e sem apoio no resto da Alemanha. Além disso, o Ruhr estava cheio de organizações fascistas e paramilitares que não aceitariam passivamente um levante operário. Os franceses, por sua vez, olhavam com bons olhos os protestos contra o governo alemão, mas assumiriam outra posição em relação a uma insurreição operária.

Diante do crescimento da briga entre as facções do KPD, Zinoviev, então secretário da Internacional Comunista, convidou ambos os lados para Moscou, onde assumiram um compromisso. Assim, a Internacional concordava com o apoio dado ao SPD, embora criticasse algumas formulações do apoio, indicando que essa deveria ser uma tática apenas momentânea. Em relação ao Ruhr, rejeitou os planos de Fischer.

A resolução acordada, aprovada por unanimidade, não dava indicações de que a direção da Internacional estava atenta à velocidade dos eventos na Alemanha, ou mesmo que tirava muitas conclusões de tais eventos. Pelo contrário, a resolução dizia: "As diferenças surgidas do lento desenvolvimento revolucionário da Alemanha e das dificuldades objetivas às quais conduz, alimentam, simultaneamente, divergências de direita e de esquerda". [2]

A "Linha Schlageter"

Em junho, Radek introduziu uma nova linha que, posteriormente, confundiu e desorientou o KDP — era a chamada "Linha Schlageter".

O KPD preocupava-se, há certo tempo, com o crescimento do fascismo na Alemanha. Em 22 de outubro, Mussolini tomou o poder em Roma, após uma campanha violenta de seus destacamentos armados, os fasci, contra as organizações operárias e trabalhadores militantes.

Na Alemanha, anteriormente, a extrema-direita limitava-se apenas a remanescentes do exército imperial e a pequenos partidos anti-semitas. Mas, em 1923, começava a crescer e ganhar base social, embora muito menor que a de Hitler na década de 1930. Atividades contra os "Criminosos de novembro", contra os judeus e estrangeiros encontraram apoio entre elementos deslocados da pequeno-burguesia, bem como entre alguns trabalhadores pauperizados pelo impacto da inflação. No Ruhr, membros da extrema-direita apresentavam-se como heróicos combatentes contra a ocupação francesa.

A Baviera, em particular, com suas largas áreas rurais, tornou-se praticamente um baluarte da extrema-direita. Após a repressão sangrenta à Republica Soviética de Munique, em 1919, a região tornou-se antro de organizações nacionalistas, fascistas e paramilitares.

Em 7 de abril, Albert Schlageter, um membro da Freikorps, foi preso pelo exército francês em Düsseldorf porque tinha participado de ataques com bomba a estradas de ferro. Foi sentenciado à morte por uma corte militar e executado em 26 de maio. A direita imediatamente o tornou um mártir. Na reunião do Comitê Executivo da Internacional Comunista (ECCI), em junho, Radek propôs que o KPD disputasse os trabalhadores e os elementos pequeno-burgueses seduzidos pelo fascismo, juntando-se a essa campanha e adaptando-se ao nacionalismo dos fascistas.

"As massas pequeno-burguesas, os intelectuais e técnicos que desempenharão um importante papel na revolução assumem a posição de um antagonismo nacional ao capitalismo, que os está relegando", defendeu Radek. "Se nós queremos ser um partido dos trabalhadores, capaz de empreender a luta pelo poder, temos que achar um caminho que possa nos aproximar das massas, e devemos encontra-lo não por meio da diminuição de nossas responsabilidades, mas pela defesa de que a classe trabalhadora sozinha pode salvar a nação". [3]

Mais tarde, na reunião, elogiou solenemente Schlageter que, enquanto "um valente soldado da contra-revolução", ainda "merece sinceras homenagens da nossa parte, como soldados da revolução." "O ocorrido a este mártir do nacionalismo alemão não deve ser esquecido, ou meramente honrado em breves palavras", disse Radek. "Nós precisamos fazer de tudo para proteger os homens que, como Schlageter, estão prontos para dar suas vidas por uma causa comum, vindo a ser não viajantes no vazio, mas viajantes na direção de um futuro melhor para toda a humanidade".

A Linha Schlageter foi eleita pela Rote Fahne e predominou por diversas semanas. Ela criou uma grande confusão entre as fileiras comunistas, as quais tinham resistido até então às pressões nacionalistas. Por outro lado, não há a mínima indicação de que tenha enfraquecido as fileiras nazistas — com a exceção de alguns poucos e desorientadas nacional-bolcheviques, que entraram para o KPD e criaram muitos problemas antes que fosse possível livrar-se deles novamente. A campanha-Schageter proveu de ampla munição a propaganda anticomunista do SPD e tornou muito difícil para o Partido Comunista Francês (PCF) organizar a solidariedade entre os soldados franceses para com os trabalhadores alemães.

A greve contra Cuno

Enquanto Radek desenvolveu a Linha Schlageter, a luta de classes na Alemanha se intensificou. Em junho e julho, agitações e greves contra a alta dos preços estouraram por todo o país. Participavam com freqüência centenas de milhares de trabalhadores, entre eles setores que nunca antes tinham participado de uma luta social. Para dar um exemplo: No começo de junho, 100.000 trabalhadores rurais e 10.000 diaristas entraram em greve em Brandenburgo

Em 8 de agosto, o Chanceler Cuno se dirigiu ao Reichstag [Parlamento]. Exigia novos cortes e ataques sobre a classe trabalhadora e combinava tais demandas com voto de confiança. O SPD buscava salvar-se abstendo-se de votar. Em seguida, tendo início em Berlim, desenvolveu-se uma espontânea onda de greves exigindo a renúncia do governo de Cuno. Em 10 de agosto, uma conferência de representantes de sindicatos, sob pressão do SPD, rejeitou o chamado por uma greve geral. Mas, no dia seguinte, uma conferência de conselhos de fábrica, apressadamente convocada pelo KPD, tomou a iniciativa e anunciou uma greve geral. Três milhões e meio de trabalhadores participaram. Em diversas cidades, aconteceram batalhas com os policiais e dezenas de trabalhadores mortos. No dia seguinte, o governo Cuno renunciou. As leis burguesas foram profundamente abaladas. "Nunca houve um período na história moderna alemã que foi tão favorável para uma revolução socialista como no verão de 1923", escreveu Arthur Rosenberg. Momentaneamente, o SPD salvou a burguesia. Contra considerável resistência nas suas próprias fieiras, entrou num governo de coalizão liderado por Gustav Stresemenn do Deutsche Volkspartei (DVP — Partido Popular Alemão), um grande partido de negócios.

Preparando a revolução

Somente então, após as greves contra Cuno, em agosto, o KPD e a Internacional Comunista percebeu a oportunidade revolucionária que havia se desenvolvido na Alemanha. Em 21 de agosto — ou seja, exatamente dois meses antes da insurreição cancelada por Brandler — o Bureau Político do Partido Comunista Russo decidiu preparar-se para uma revolução na Alemanha. Formou uma "Comissão de Obrigações Internacionais" para supervisionar o trabalho na Alemanha. Ela era composta por Zinoviev, Kamenev, Radek, Stalin, Trotsky e Chicherin — e, depois, Dzerzhinsky, Pyatakov e Skolnikov.

Nos dias e semanas que se seguiram, houve numerosas discussões e contínua correspondência com os líderes do KPD, que freqüentemente viajavam a Moscou. Suporte financeiro, logístico e militar foi organizado para armar centenas de operários, preparados nos meses anteriores. Em outubro, Radek, Pyatakov e Skolnikov foram mandados para a Alemanha, para preparar o levante.

Mas foi Trotsky, acima de tudo, quem lutou incansavelmente para superar o fatalismo e a complacência existentes na seção alemã e no Partido Russo. Enquanto isso, Stalin escreveu a Zinoviev: "Na minha opinião, os alemães precisam ser contidos e não encorajados", e "Para nós, seria uma vantagem os fascistas entrarem em greve antes". Trotsky insistiu que e insurreição devia ser preparada em um período de semanas, ao invés de meses, e a data definitiva devia ser escolhida. [4]

O que a primeira vista parecia apenas uma proposta organizativa — a escolha de uma data — era, na realidade, uma grande proposta política. De acordo com a preocupação de Trotsky, a principal tarefa no momento era concentrar todas as energias e atenções do partido no preparo da revolução. De uma preparação propagandística mais geral, ela tinha de passar à preparação prática da insurreição.

Durante o encontro do Bureau Político do Partido Russo, em 21 de agosto, Trotsky disse: "O quão longe vai o ânimo das massas revolucionárias alemãs? A sensação de que estão no caminho da revolução — tal sentimento existe. O problema posto é o problema da preparação. O caos revolucionário não pode ser selado com borracha. A questão é: ou começamos a revolução, ou a organizamos". Trotsky alertou sobre o perigo de que fascistas bem organizados poderiam esmagar ações descoordenadas de trabalhadores, e exigiu: "O KPD precisa escolher um tempo limite para a preparação, para a preparação militar e — em tempo correspondente — para agitação política".

Tal linha sofreu maior oposição por parte de Stalin. Este argumentava contra um tempo planejado, alegando que "os trabalhadores continuam acreditando na Social-democracia" e que o governo poderia durar por outros oito meses. [5]

Brandler, em uma carta para o Comitê Executivo da Internacional datada de 28 de agosto, também sustentava um longo período: "Eu não acredito que o governo Stresemann vai viver muito mais", escreveu. "Entretanto, não acredito que a próxima onda, que já se aproxima, vai decidir a questão do poder. (...) Nós devemos tentar concentrar nossas forças para que possamos, se for inevitável, assumir a luta em seis semanas. Mas, ao mesmo tempo, fazer os preparativos para estarmos prontos com o trabalho mais sólido em cinco meses". Além disso, acrescentou que acreditava que um período de seis a oito meses seria o mais provável. [6]

Em discussões posteriores entre a comissão russa e a liderança alemã, um mês depois, Trotsky voltou ao assunto do cronograma. Interrompeu a discussão sobre a posição a respeito do problema do Ruhr, e disse: "Eu não compreendo por que tanta relevância é dada para o caso Ruhr. (...) O problema, agora, é tomar o poder na Alemanha. Essa é a tarefa, o restante decorrerá disso".

Trotsky respondeu, então, às preocupações de que os trabalhadores alemães lutariam por reivindicações econômicas, mas não tão facilmente por objetivos políticos. "A inibição política é nada mais que certa dúvida, por conta das marcas que as derrotas anteriores deixaram no cérebro das massas", disse. "O partido só pode ganhar a classe trabalhadora alemã para a luta revolucionária decisiva — e a situação está aqui, agora —, se convencer uma larga seção da classe trabalhadora, sua direção, de que também é organizacionalmente capaz de liderar a vitória no sentido mais concreto da palavra... A expressão de tendências fatalistas pelo partido, aí é que está o grande perigo".

Trotsky explicou, em seguida, que o fatalismo pode assumir diferentes formas: primeiro, se diz que a situação é revolucionária, o que é repetido todos os dias. Isso se torna usual e a política passa a ser esperar pela revolução. Então, se dá armas aos trabalhadores e se diz que isso levará ao conflito armado. Mas, ainda assim, é apenas o "fatalismo armado".

Através da informação repassada por seus camaradas alemães, Trotsky concluiu que eles concebiam a tarefa como fácil demais. "Se a revolução é para ser mais do que uma perspectiva confusa", disse ele, "se é para ser a tarefa principal, deve ser tomada por uma tarefa prática, organizativa... É preciso estabelecer uma data, preparar e lutar." [7]

Em 23 de setembro, Trotsky publicou, inclusive, um artigo no Pravda: "Pode uma Contra-revolução ou Revolução ser Feita com Tempo Marcado?" Trotsky discutia a questão em termos gerais, sem mencionar a Alemanha, já que o pedido de definição de uma data para a revolução alemã por um representante-chave da direção, como ele, poderia provocar uma crise internacional ou mesmo uma guerra. Mas, mesmo assim, o artigo é uma contribuição à discussão sobre a Alemanha.

A revolução perdida

Uma data para o levante foi finalmente definida: 9 de novembro. Mas, os eventos ganhavam velocidade.

Em 26 de setembro, o chanceler Stresemann anunciou o fim da resistência passiva contra a ocupação francesa do Vale do Ruhr. Argumentou que não havia outra maneira de controlar a hiperinflação. Isso provocou a extrema-direita. No mesmo dia, o governo da Baviera decretou estado de emergência e instalou uma ditadura liderada por Ritter von Kahr. Von Kahr colaborou com os nazistas de Hitler e, imitando a marcha de Mussolini sobre Roma, planejou uma marcha em Berlim para instalar uma ditadura nacional. Kahr tinha o apoio do comandante das tropas da Reichswehr [Defesa do Império], posicionadas na Baviera.

O governo de Berlim reagiu estabelecendo sua própria forma de ditadura. Todo o poder executivo foi transferido ao Ministro da Defesa, que o delegou ao General Hans von Seeckt, comandante da Reichswehr. Seeckt simpatizava com a extrema-direita e se recusava a disciplinar os comandantes bávaros rebelados. Líderes industriais, como Hugo Stinnes, apoiavam o plano de uma ditadura nacional, optando por Seeckt como ditador.

Em 13 de outubro, o Reichstag, depois de vários dias de discussão, aprovou um ato autorizando a abolição pelo governo das conquistas sociais da revolução de novembro, incluindo a jornada de 8 horas. O SPD votou a favor do ato. Enquanto os ministros do SPD e outros planejavam novos ataques aos direitos dos trabalhadores, um golpe que lhes poderia custar a vida era preparado.

A Saxônia e a Turíngia eram os centros da resistência da classe trabalhadora contra tais preparações contra-revolucionárias. Nos dois estados, em 10 e 16 de outubro, respectivamente, o KPD juntou-se aos governos da esquerda do SPD. Isso era parte do plano elaborado em Moscou. Pela entrada em um governo de coalizão, o KPD esperava fortalecer sua posição e ter acesso a armas.

Mas, apesar do fato de que ambos os governos eram formados de acordo com a lei existente e dirigidos por uma maioria parlamentar, o comandante da Reichswehr na Saxônia, General Müller, se recusava a reconhecer a autoridade de ambos os governos. Em concordância com o governo berlinense, submeteu a polícia ao seu próprio comando.

Ameaçado pela Baviera, que faz fronteira com a Saxônia e a Turíngia no sul, e pelo governo central em Berlim, situado ao norte, o KPD teve de adiantar seus planos para a revolução. Chamou um congresso de conselhos de fábrica em Chemnitz, Saxônia, no dia 21 de outubro. O congresso deveria convocar uma greve geral e dar o sinal para a insurreição em toda a Alemanha.

Mas, como os social-democratas de esquerda não concordavam, Brandler cancelou os planos e interrompeu o levante. A maioria dos delegados teriam apoiado a convocação da greve geral, como Brandler escreveu em uma carta privada a Clara Zetkin, sua confidente próxima. Mas, mesmo assim, ele não quis agir sem o apoio dos social-democratas de esquerda.

"Durante a conferência de Chemnitz eu percebi que não poderíamos, sob quaisquer circunstâncias, partir para a luta decisiva, uma vez que não havíamos conseguido convencer a esquerda do SPD a assinar a decisão de greve geral", escreveu Brandler. "Contra a massiva resistência, eu mudei o curso e evitei que nós, Comunistas, fossemos ao combate sozinhos. É claro que poderíamos ter recebido uma maioria de dois terços em favor de uma greve geral na conferência de Chemnitz. Mas, o SPD teria deixado a conferência, e seus slogans confusos, sobre como a intervenção do Reich contra a Saxônia tinha simplesmente o propósito de ocultar a intervenção do Reich contra a Baviera, teriam quebrado nosso espírito de luta. Então, eu conscientemente lutei por um compromisso desagradável". [8]

A decisão de cancelar a revolução não chegou em Hamburgo a tempo. Lá, uma insurreição foi organizada, mas permaneceu isolada e foi derrotada dentro de 3 dias.

Embora o congresso de Chemnitz ainda estivesse reunido, o Reichswehr começou a ocupar a Saxônia. Conflitos armados causaram a morte de vários trabalhadores. Em 28 de outubro, o presidente Friedrich Ebert — um social-democrata — deu ordens ao Reichsexekution contra a Saxônia. Ordenou a remoção forçada do governo da Saxônia — encabeçado por Erich Zeigner, também um social-democrata — pelo Reichswehr. A indignação pública foi tão massiva, que o SPD foi obrigado a retirar-se do governo Stresemann em Berlim. Alguns dias depois, o Reichswehr entrou na Turíngia e removeu o governo local.

A deposição desses dois governos de esquerda por Ebert e Seeckt encorajou a extrema-direita da Baviera. No dia 8 de novembro, Adolf Hitler proclamou a "revolução nacional" em Munique e ensaiou um golpe. Seu objetivo era forçar o ditador da Baviera, Kahr, a marchar em Berlim e, lá, tomar o poder. Hitler foi apoiado pelo General Ludendorff, um dos mais altos comandantes militares da Primeira Guerra Mundial.

O golpe Hitler-Ludendorff falhou. Berlim já havia se movido tanto para a direita que a direita da Baviera não precisava mais de uma figura tão dúbia como Hitler. Ebert se acomodou ao golpe, delegando o comando sobre todas as forças armadas e o poder executivo a Seeckt. Embora as instituições da República de Weimar ainda existissem formalmente, a Alemanha seria, então, governada por uma ditadura militar de facto até março de 1924.

Continua

[traduzido por movimentonn.org]

Notas:
1. Citado por Pierre Broué (The German Revolution 1917-1923, Haymarket Books: 2006) p. 702.
2. Citado por Broué, ibid., p. 705.
3. Citado por Broué, ibid., p. 726.
4. Bernhard H. Bayerlein u.a. Hsg., (Deutscher Oktober 1923. Ein Revolutionsplan und sein Scheitern, Berlin: 2003) p. 100.
5. Ibid., pp. 122-27.
6. Ibid., pp. 135-136.
7. Ibid., pp. 165-167.
8. Ibid., pp. 359.