Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 29 março 2008.
O Programa Mundial de Alimentação (WFP, da sigla
em inglês) da Organização das Nações
Unidas (ONU) alertou que o aumento no preço dos alimentos
em todo o mundo provocará uma redução na
sua capacidade de alimentar as populações famintas
e subnutridas.
Em um pronunciamento no último mês em Roma, onde
fica a sede do WFP, o diretor executivo do Programa, Josette Sheeran,
declarou nossa capacidade de atender às pessoas está
sendo reduzida justamente no momento em que a demanda está
crescendo... Nós estamos vendo uma nova face da fome, em
que as pessoas estão sendo privadas do mercado de alimentos.
Situações que antes não eram urgentes, agora
o são.
Em uma nota à imprensa, o WFP declarava que para realizar
seu trabalho durante o ano corrente, seriam necessários
3,5 bilhões de dólares, meio bilhão a mais
do que foi estimado no ano passado. Estes recursos estão
destinados a projetos aprovados para alimentar 73 milhões
de pessoas em 78 países ao redor do mundo. A nota destaca
que estes recursos são para projetos de alimentação
já planejados e não incluem situações
emergenciais imprevistas que podem surgir.
A nota à imprensa ressalta ainda que as populações
mais pobres do planeta terão que gastar uma porção
cada vez maior de seu mísero orçamento em alimentação.
O WFP alerta que essas populações serão obrigadas
a comprar menos comida, ou comidas menos nutritivas, ou terão
que se apoiar em auxílios externos.
A lista dos países mais afetados inclui o Zimbabue,
Eritréia, Dijibouti, a Gâmbia, Togo, Chad, Camarões,
Nigéria e Senegal, todos no continente africano. Serão
afetados também o Haiti, Myanmar, Yemen e Cuba.
Segundo o WFP, entre os fatos que estão pressionando
o aumento no preço dos alimentos estão o aumento
do preço do petróleo e o crescimento da demanda
por alimentos, especialmente por carne, na China e na Índia.
O aumento da demanda nestes países é resultado do
rápido crescimento de seu poder econômico.
Entretanto, os acontecimentos relacionados às mudanças
climáticas também tiveram um papel importante no
aumento dos preços, além de outro fator que está
em operação no mercado: o crescimento do uso das
terras de cultivo para a produção de biocombustíveis.
No jornal Financial Times de 26 de fevereiro, Mark Teirlwell
apresentou alguns dados sobre a escala do problema no fornecimento
de alimentos. Ele apontou que o preço dos alimentos subiu
75% em todo o mundo desde o ano 2000, com uma taxa de crescimento
de 20% só no último ano. O consumo de carne e soja
na China subiu 40% na última década, acompanhando
o crescimento da sua economia.
Ele aponta que, ao contrário do que ocorreu no passado,
quando o aumento no preço dos alimentos foi contornado
por um subseqüente aumento na produção, isso
não será possível desta vez.
Mark argumenta que a alta no preço do petróleo
e sua conseqüência direta - a produção
de biocombustíveis - causarão um impacto a longo
prazo no fornecimento de alimentos. E, pior ainda, as plantações
crescerão mais para atender à crescente demanda
por biocombustíveis do que à demanda por alimentos.
O fato de o custo dos alimentos representar uma porção
cada vez maior dos salários dos trabalhadores pobres nos
assim chamados países subdesenvolvidos provocará
uma deterioração ainda maior da sua já difícil
situação. Thirlwell escreve: enquanto a porção
destinada à alimentação na cesta de consumo
[orçamento familiar] dos países ricos, como os EUA,
é relativamente baixa -na casa dos 10%-, ela atinge cerca
de 30% na China e mais de 60% na África Sub-Saariana. Os
países mais vulneráveis são aqueles de pequenos
rendimentos na rede de importadores de alimentos. Preços
mais altos nos alimentos fazem crescer ainda mais a pressão
sobre os mercados de importação, que muitas vezes
já estão inflados pela alta dos preços da
energia. Muitas das mais pobres economias do mundo estão
enquadradas nesta categoria e são extremamente dependentes
de auxílios no campo da alimentação para
suprir suas necessidades. No entanto, o volume de recursos disponíveis
para isto em todo o mundo está estagnado há duas
décadas e, ainda pior, a quantidade de auxílio fornecida
tende a cair conforme os preços sobem, já que grande
parte destes recursos está comprometida em grandezas fixas
de dólares.
Ele aponta também que os mais expostos aos riscos são
os miseráveis urbanos. Na maioria dos países da
África sub-Saariana, uma grande parcela da população
sobrevive baseada em agricultura de subsistência e a tendência
é que os pobres deixem suas terras e partam em direção
aos centros urbanos que crescem aceleradamente.
A transformação dos campos de plantio em áreas
de produção de biocombustíveis está
tendo um enorme impacto na África. Ghana, Benin, Etiópia,
Uganda, Tanzânia, Zâmbia e África do Sul: todos
esses países têm planos para transformar plantações
de alimentos em áreas de produção de biocombustíveis.
Um relatório publicado no Independent do dia
16 de fevereiro dizia que uma reunião da Rede Africana
pela Biodiversidade (African Biodiversity Network) teria ocorrido
na África do Sul para discutir a produção
de biocombustíveis. O artigo citava o respeitado ambientalista
nigeriano, Nnimmo Bassey, que dizia: A África é
um continente aberto e a indústria energética que
tirar vantagem disto... Isto é um retorno às plantations
colonialistas.
E o artigo continuava: Desde as savanas da África
Ocidental até as florestas tropicais do Congo, as planícies
da Tanzânia e as regiões selvagens da Etiópia,
os governos estão entregando enormes porções
de terras férteis às companhias privadas que desejam
converter o crescimento da biomassa das largas plantações
em combustíveis líquidos para o mercado de exportação.
Líderes africanos como Senegal Absoulaye Wade estão
prevendo uma revolução verde e procurando,
ansiosamente, por exportações lucrativas.
As alterações climáticas também
afetarão a produção de alimentos na África.
Um relatório recente da Universidade de Stanford previa
uma queda de aproximadamente um terço na produção
de milho, como resultado das mudanças climáticas
ocorridas nas duas últimas décadas.
Um estudo desenvolvido pelo Centro para a Economia e a Política
Ambientais na África (CEEPA, na sigla em inglês),
baseado na África do Sul, defende que a África perderá
cerca de 4% das suas terras cultiváveis nos próximos
30 anos e terá perdido cerca de 18% até o fim do
século.
A agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
(USAID, na sigla em inglês) declarou que cortará
o montante de auxílios alimentares que ela fornece. Ela
culpou o recente elevado aumento no preço das commodities,
deixando-a com um déficit de 120 milhões de dólares
no orçamento.
Amy Barry, porta-voz da Oxfam para os assuntos do comércio,
citado no Observer em 2 de março, observou: mais
e mais pessoas enfrentarão a falta de alimentos no futuro...
Dado o que tem acontecido em função do aumento dos
preços dos alimentos, devemos refletir sobre o impacto
que isso terá sobre as pessoas [nos países em desenvolvimento]
que gastam até 80% de seus salários com comida.
O impacto da crise econômica do sistema capitalista terá
um efeito devastador na vida das pessoas mais pobres do mundo.