Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 12 de setembro de 2007.
Continuam as negociações em torno dos novos contratos
de trabalho dos 180.000 filiados do Sindicato dos Trabalhadores
da Indústria Automobilística dos EUA e Canadá
(UAW - United Auto Workers) empregados pela General Motors,
Ford e Chrysler. Os contratos anteriores venceram às 23h59
da sexta-feira, 14 de setembro, mas é possível que
sejam estendidos para ambas as partes, caso não se chegue
a nenhum acordo.
Houve um tempo em que as negociações contratuais
entre o UAW e as Três Grandes montadoras dominavam
as atenções nacionais. Milhões de trabalhadores
esperavam que as conquistas do UAW abrissem um precedente para
melhorias nas condições de trabalho a toda a classe
trabalhadora. As lutas das décadas de 50 e 60, por exemplo,
estabeleceram as primeiras aposentadorias pagas pelo empregador
e benefícios médicos para os trabalhadores da indústria.
Isso é coisa do passado. Nas últimas décadas
os trabalhadores da indústria automobilística sofreram
inúmeros cortes salariais, enquanto o UAW se aliava às
direções para destruir as conquistas históricas
e impor as exigências das montadoras de Detroit. Essas concessões
sempre foram acompanhadas de demissões em massa, resultando
na queda de 76% no número de trabalhadores das Três
Grandes desde 1979, ou seja, de 750.000 para 177.000.
O UAW nem se preocupa mais em fingir que defende os empregos
e o padrão de vida de seus filiados. Ao invés disso,
advoga abertamente a favor dos interesses das corporações.
Desde que o último contrato foi firmado em 2003, o sindicato
ajudou a diretoria a tirar 140.000 trabalhadores da indústria,
através de demissões voluntárias e pacotes
de aposentadoria antecipada. As companhias procuram substituir
os trabalhadores antigos por novos trabalhadores que recebem salários
mais baixos, os quais, apesar de serem obrigados a pagar as taxas
do sindicato, não têm a mínima garantia de
estabilidade no emprego ou benefícios.
Seria falso acreditar que as atuais negociações
representem um conflito entre duas entidades antagônicas
- uma representando a direção das corporações
e a outra representando os interesses dos trabalhadores. O UAW
é uma organização da burocracia trabalhista
que não negocia em benefício da base dos trabalhadores,
mas em benefício da camada de dirigentes corruptos e privilegiados
que controlam a organização.
O UAW concordou em não comentar com a imprensa a respeito
das negociações, a fim de proteger seus próprios
membros, enquanto se preparam para garantir às companhias
as concessões mais drásticas das últimas
décadas. Em princípio, o sindicato concorda que
os trabalhadores devam pagar pela queda no lucro das indústrias
automobilísticas de Detroit e pela perda de mercado para
as competidoras japonesas e européias. A única questão
que interessa ao UAW é o que a burocracia sindical vai
ganhar em troca dos seus serviços.
Comenta-se que as empresas automobilísticas têm
dois objetivos principais: uma brusca redução dos
salários e benefícios dos novos contratados e a
eliminação de bilhões de dólares em
benefícios médicos devidos a trabalhadores aposentados
e suas famílias. Fala-se que a meta é reduzir a
vantagem competitiva de US$ 25 a US$ 30 por hora que as fabricantes
japonesas e européias têm nas suas plantas não
sindicalizadas nos EUA, fabricantes estas que já são
responsáveis pela metade da venda de caminhões e
carros no país.
As empresas pretendem oferecer um salário e pacote de
benefícios de segunda linha, com custo muito
mais baixo. Ainda que o UAW resista em relação a
alguns detalhes - analistas dizem que a tendência é
que ele concorde com um pagamento mais baixo para um número
limitado de trabalhadores da linha de montagem - o sindicato deve
propor privar de benefícios médicos os novos contratados.
Anteriormente, os empregadores eram obrigados a pagar praticamente
toda a cobertura do plano de saúde.
Segundo um artigo de 11 de setembro no Wall Street Journal,
representantes do UAW resistiram à proposta das Três
Grandes quanto a diminuir o salário dos novos contratados,
mas afirmam que estão analisando uma proposta de plano
de saúde para os novos contratados que seja mais barata
para as montadoras. Segundo o acordo atual, as empresas automobilísticas
garantem alguns benefícios, o que ficou mais caro após
a elevação dos preços dos planos de saúde.
Com a nova proposta, os fabricantes pagariam aos novos contratados
uma contribuição fixa para seus planos de saúde,
comentam algumas fontes próximas às negociações.
Em outras palavras, os trabalhadores seriam obrigados a pagar
quantias cada vez maiores de seus próprios bolsos, enquanto
as despesas dos empregadores seriam fixas. O UAW já criou
um precedente para esse ataque em 2005, quando reabriu as discussões
de contrato com a GM e a Ford e impôs um custo de US$ 15
bilhões com planos de saúde para aposentados, acabando
com a cobertura completa, pela primeira vez desde 1964, ano em
que esse benefício foi conquistado. Além disso,
os trabalhadores atuais abriram mão de US$ 3 bilhões
em concessões médicas.
A mudança mais importante no novo contrato é
a idéia de passar o controle de dezenas de bilhões
de dólares destinados aos benefícios médicos
de aposentados das mãos das Três Grandes
para o sindicato. Para por isso em prática seria criado
um fundo controlado pelo sindicato, chamado Associação
Voluntária de Benefício dos Empregados (VEBA - Voluntary
Employees Beneficiary Association), uma proposta que
tornaria o UAW o maior administrador de planos de saúde
nos EUA. O UAW se responsabilizaria pelos benefícios e
por cortá-los em caso de déficit.
Comenta-se que as três empresas automobilísticas
de Detroit propuseram VEBAs nas ofertas iniciais ao UAW. No ano
passado, o Sindicato dos Metalúrgicos dos EUA e Canadá
(USW - United Steelworkers) e a Goodyear assinaram um contrato
parecido. No início deste ano, o UAW e a fabricante de
autopeças Dana fizeram um acordo para a criação
de uma VEBA controlada pelo sindicato.
As fabricantes, cujas dívidas com planos de saúde
para aposentados ultrapassam US$ 100 bilhões, esperam que
o UAW permita que elas paguem apenas uma parte dos seus compromissos.
Um artigo de 4 de setembro no Detroit News afirmava que
para os analistas, uma VEBA só faz sentido se as
empresas automobilísticas obtiverem descontos na transferência
dessas dívidas para o UAW. Aqueles que estão mais
envolvidos na situação afirmam que os dirigentes
do sindicato concordam com as companhias a respeito do desconto,
mas ainda não há um valor definido. Um executivo
disse ao Detroit News que sua companhia poderia bancar
60 centavos por dólar, mas que 70 centavos seria um
pouco demais.
Isso significa que desde a sua criação, a VEBA
teria recursos insuficientes. O sindicato se responsabilizaria
por fazer os cortes necessários para alinhar os compromissos
da VEBA com seu fundo. Se o UAW não chegar a um acordo
sobre uma VEBA, disse outro executivo ao DetroitNews,
concessões mais drásticas serão impostas
unilateralmente sobre os salários e benefícios.
O jornal noticiou também que fontes próximas
às negociações afirmam que para os líderes
do UAW, transferir uma dívida de dezenas de bilhões
de dólares do balanço da empresa para um fundo controlado
por eles faz sentido, e acrescentam ainda que foi o sindicato
o primeiro a cogitar a idéia. As conversas agora se voltam
para duas questões críticas: o valor e a forma de
pagamento.
As empresas parecem ter dificuldade em levantar fundos por
causa das altas taxas de juros que são forçadas
a pagar devido ao fato de suas ações estarem sendo
classificadas como ações de alto risco, além
da redução de crédito ocorrido em conseqüência
da crise hipotecária. As montadoras estão dispostas
a pagar uma grande parte de suas contribuições para
um fundo de assistência médica com ações
da empresa ou dividindo os pagamentos por vários anos.
Essa proposta preocupou a burocracia do UAW, que preferia um
pagamento em dinheiro. A preocupação do UAW não
se deve ao fato de que uma virada nos valores das ações
das empresas poderia atingir diretamente os benefícios
médicos de milhares de aposentados e seus dependentes.
Sem dúvida, o maior receio da burocracia do sindicato está
relacionado às perdas que eles poderiam assumir por meio
deste acordo, que tem potencial de ser milionário, senão
bilionário, para eles.
Com certeza, o UAW prefere dinheiro porque as ações
das Três Grandes vêm despencando há anos. Mais
do que isso, se uma das companhias declara falência, o sindicato
poderia acabar ficando com bilhões em ações
sem valor.
Os chefes das empresas automobilísticas e os analistas
de Wall Street parecem ter tentado amenizar as preocupações
do UAW, assegurando-lhes de que o anúncio de uma VEBA levaria
a um sensível aumento do valor das companhias, como a elevação
de 25% ocorrida quando a Goodyear assinou o acordo com o sindicato
dos metalúrgicos. Eles argumentam que isso permitiria que
o UAW fizesse dinheiro rápido.
O sindicato também se beneficiaria se as condições
financeiras das duas empresas continuassem a melhorar, como a
maioria dos analistas espera que ocorra com a criação
de uma VEBA. O UAW estaria livre para vender essas ações
e diversificar seus investimentos a qualquer momento que seus
gerentes financeiros assim decidissem, informou o Detroit
News.
Uma vez que o UAW tenha o controle sobre enormes quantidades
de ações da GM e da Ford (a Chrysler é agora
uma empresa de capital fechado), sua burocracia terá interesse
econômico direto para diminuir o padrão de vida de
seus filiados e aumentar os lucros extraídos dos trabalhadores
das fábricas.
No passado, o UAW poderia ser chamado de pequeno acionista
na exploração dos trabalhadores, cujos dirigentes
conseguiriam privilégios e regalias da direção
em troca de suprimir a resistência dos trabalhadores. Nessa
rodada de negociações, o UAW está tentando
se transformar numa empresa que vai lucrar diretamente com a exploração
dos trabalhadores que ela deveria representar.