Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 14 de maio de 2007.
Jose Ramos-Horta venceu a eleição presidencial
do Timor Leste, ao alcançar 69% dos votos na quarta-feira
da semana passada (09/05). Francisco "Lu-Olo" Guterres,
do Fretilin candidato líder do primeiro turno da
votação realizada em abril alcançou
somente 31% dos votos. Como era de se esperar, o governo australiano
e a mídia festejaram o resultado, considerando-o como a
vitória da democracia no Timor Leste. A votação,
todavia, marcou uma outra etapa deste processo que levou um ano
e que buscava a "mudança de regime" neste país
rico em recursos naturais.
O primeiro ministro australiano, John Howard, declarou o seguinte:"eu
penso (que Ramos-Horta) é a nossa esperança. Eu
não quero desmerecer o seu oponente, mas agora que ele
venceu, eu penso que ele será bom". "Ele é
um bom amigo da Austrália e isso é muito importante".
O ministro de assuntos estrangeiros, Downer, acrescentou: "ele
é um grande amigo meu e nós trabalhamos juntos por
muitos anos... Jose Ramos-Horta será um presidente muito
bom".
O governo Howard provocou uma turbulência na capital,
Dili, e nos distritos do oeste do país em abril e maio
do ano passado, quando enviou centenas de soldados australianos
numa atitude neocolonial que tinha como objetivo remover o primeiro-ministro
Mari Alkatiri. Canberra considerou a administração
do Fretilin como muito próxima a poderes rivais, como Portugal
e China. Alkatiri se rendeu pouco depois que as tropas australianas
haviam chegado no Timor Leste. Ramos-Horta logo assumiu como primeiro-ministro.
Agora, com Ramos-Horta eleito presidente, o governo Howard deseja
ver, após as eleições parlamentares em 30
de junho, o anterior presidente, Xanana Gusmão, tornar-se
primeiro ministro, com o apoio de uma coalizão de direita.
Canberra está preocupada em proteger a sua exploração
ilegal das reservas de gás e petróleo do Timor Leste,
que vale cerca de 10 bilhões de dólares. Uma mudança
no Timor Leste poderia abrir as portas para que países
rivais ampliassem sua influência, não somente no
empobrecido país, mas também em toda a região.
A elite australiana está cada vez mais preocupada com o
avanço de Beijing em direção ao Pacífico
Sul segundo o "padrão especial" da Austrália
de Howard.
Além dos 1.700 policiais da ONU, a maioria deles de
origem portuguesa, cerca de 1.250 soldados australianos e neozelandeses
estão instalados no Timor Leste, incluindo 100 forças
de elite dos Serviços Aéreos Especiais. O exército
australiano cumpriu um papel extremamente agressivo nos últimos
meses. Em fevereiro, por exemplo, as tropas assassinaram dois
timorenses que protestavam contra a expulsão de pessoas
refugiadas em Dili. Durante a campanha eleitoral, o Fretilin alegou
diversas vezes que as forças australianas estavam interferindo
em seu trabalho e fazendo provocações.
O papel de Canberra foi claramente demonstrado durante a campanha
eleitoral, quando um avião de investigação
australiano se chocou contra uma casa em Dili poucos dias antes
das eleições. Os militares tentaram encobrir o incidente.
De acordo com o Australian, foi prometido ao dono casa, Vicente
Soares, uma recompensa, "que ganhou garrafas de água
e algumas baterias para ficar em silêncio". Contrariamente
às declarações do exército australiano,
segundo as quais ninguém estava próximo da casa
no momento do acidente, o filho de 12 anos de Soares estava dormindo
em seu quarto e escapou da morte por muito pouco.
Demonstrando novamente a sua lealdade a Canberra, Ramos-Horta
negou a preocupação em encobrir o acidente: "é
muito normal, não é nada de espetacular", declarou
ele no dia 10 de maio. "Nós não achamos que
seja algo espetacular ao ponto de se criar uma polêmica
em torno disso... Isso já aconteceu muitas vezes antes
e é parte do acordo (de intervenção)
a investigação é muito importante. Eu fui
informado anteriormente quais os equipamentos que eles utilizaram,
e são equipamentos totalmente necessários".
Campanha de direita
O apoio de Ramos-Horta à presença permanente
de forças estrangeiras no Timor Leste representa apenas
uma parte de sua campanha de direita. Apesar do presidente não
ter autoridade constitucional para determinar a política
econômica e social, Ramos-Horta publicou uma extensa plataforma,
manifestando a sua intenção de tornar o Timor Leste
uma região de investimento, por meio da abolição
de impostos às corporações e do fim das restrições
às atividades de todos os investidores internacionais no
país. Um imposto altamente regressivo de 10% em recursos
pessoais também foi prometido.
O presidente eleito disse que ele deve conceder pelo menos
US$10 milhões à poderosa igreja católica.
A igreja se opôs duramente ao esforço do Fretilin
de assegurar algum grau de independência entre a igreja
e o Estado, e à sua recusa em permitir o controle católico
irrestrito sobre o ensino religioso nas escolas públicas.
Depois de renunciar no ano passado, Alkatiri acusou a igreja de
estar envolvida numa série de planos contra o seu governo.
Ramos-Horta prometeu dar à igreja um papel mais proeminente
no Timor Leste. Ele não deixou dúvidas acerca de
sua lealdade, quando apareceu à votação no
dia 9 de maio vestindo uma camiseta com uma grande imagem de Jesus
Cristo.
Cinco dos seis candidatos derrotados no primeiro turno apoiaram
Horta no segundo turno. Não se pode dizer que o apoio dado
por Canberra não tenha interferido demasiadamente no resultado
das eleições. Horta conseguiu muitos votos em distritos
onde ele não obtivera nada no primeiro turno. De qualquer
forma, longe de ser uma eleição livre e justa como
retrata a mídia internacional, a votação
foi conduzida sob a ocupação militar liderada pela
Austrália.
Um dos mais importantes apoiadores foi o candidato do Partido
democrata, Fernando "La Sama" de Araújo, que
obteve 19% dos votos no primeiro turno. Araújo, que possui
ligações próximas com pessoas ligadas às
forças especiais da Indonésia e milícias
pró-Indonésia, anunciou seu apoio a Ramos-Horta
depois deste prometer encerrar a famosa investigação
feita pelo exército australiano a respeito do líder
militar rebelde Alfredo Reinado, que se aliou a Araújo.
Reinado é uma figura altamente dúbia, que possui
ligações muito próximas ao exército
australiano, tendo desempenhado um importante papel na desestabilização
do governo Alkatiri no ano passado, atacando as forças
armadas timorenses leais ao governo.
O acordo entre Ramos-Horta e Araújo evidenciou o fato
de que o seu governo estará alicerçado nos setores
mais reacionários da sociedade timorense. O resultado da
eleição já carrega futuras instabilidades
sociais e políticas.
A vitória de Ramos-Horta à presidência,
apesar de suas manobras oportunistas, dos programas econômicos
em prol do mercado, do apoio de uma ocupação liderada
pela Austrália que é cada vez mais impopular é,
em grande parte, conseqüência direta da própria
falência do Fretilin.
No poder desde que o Timor Leste se tornou independente em
2002, o Fretilin procurou atrair investimentos internacionais
por meio da implementação de programas recomendados
pelo Fundo Monetário Internacional. Na época, o
FMI apoiou a decisão do governo do Fretilin de investir
dinheiro a longo prazo no gás e no petróleo, ao
invés de investir imediatamente em programas sociais que
procurassem reduzir o nível de pobreza da população.
Portando-se cinicamente como o "presidente dos pobres",
Ramos-Horta prometeu impulsionar os gastos sociais. O Fretilin
foi incapaz de denunciar a hipocrisia dessa promessa, pois ele
tem acordo com o programa de livre mercado de Ramos-Horta.
Além disso, o Fretilin não foi capaz de explorar
o sentimento anti-ocupação. Apesar das denúncias
feitas por Guterrez e Alkatiri sobre a atuação das
tropas australianas, em nenhum momento eles organizaram uma campanha
pela retirada das forças estrangeiras. Essa posição
é uma continuidade das suas posições em relação
à crise de abril-maio do ano passado. Enquanto estava bem
informado acerca das manobras do governo Howard, Alkatiri interrompeu
a intervenção das forças australianas. Ao
deixar o cargo de primeiro-ministro apenas algumas semanas depois,
ele fez críticas em relação ao papel cumprido
pelo governo australiano, organizando grandes protestos junto
com o Fretilin contra os truques sujos de Canberra.
O Fretilin, que liderou a luta armada contra o exército
da Indonésia entre 1975 e 1999, prometeu que a formação
de um Estado nacional independente poderia melhorar as condições
de vida das pessoas comuns e garantir sua segurança. Apesar
da tão falada "independência", a ilha é
ainda política e economicamente dominada pela Austrália
e por outros grandes países. A única real beneficiária
tem sido uma pequena camada da elite timorense, incluindo muitos
companheiros do Fretilin. A pobreza, o desemprego, o analfabetismo,
as doenças e as mortes prematuras continuam a destruir
o país.