Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 18 de maio de 2007.
Num desenvolvimento perigoso que reflete a expansão
explosiva do militarismo norte-americano, o governo Bush tem considerado
a África como um continente de preocupação
estratégica nacional, dando início a uma nova
política militar que coincide com essa nova posição.
O governo Bush anunciou em fevereiro a formação
de um novo sistema de comando militar na África, o Comando
dos Estados Unidos na África (AFRICOM), utilizando
a terminologia usual que associa a defesa humanitária à
luta anti-terrorista.
No mês passado, o principal assessor da Secretaria Política
de Defesa, Ryan Henry, visitou seis países africanos com
o objetivo de esclarecer os mal-entendidos sobre o
novo programa militar do Pentágono. Vários governos
levantaram a preocupação de que os EUA estavam se
deslocando à região por causa da descoberta de enormes
reservas petrolíferas em partes do continente e também
devido à crescente influência da China, considerada
como um rival econômico e político.
Já em Washington, ao retornar da viagem na qual se reuniu
com representantes da África do Sul, Nigéria, Etiópia,
Gana, Senegal e Quênia, Henry falou à imprensa que
o objetivo do AFRICOM não é estabelecer a
liderança dos EUA no continente. Nosso objetivo é
muito mais tornarmo-nos um complemento do que esforçarmo-nos
numa suposta competição que esteja ocorrendo pela
liderança.
Ele acrescentou que o AFRICOM não representa uma
resposta à presença chinesa ou uma tentativa
de assegurar recursos naturais como petróleo.
Embora algumas dessas coisas fazem parte dos objetivos,
admitiu ele, a razão real é que a África
está emergindo no cenário mundial como um
ator estratégico, e nós precisamos tratá-la
como um continente.
Para tranqüilizar os líderes africanos, Henry disse
que a criação do AFRICOM não ocasionará
o envio de soldados em larga escala no continente ou o aumento
da despesa do Pentágono nessa região. Entretanto,
para qualquer um que esteja familiarizado com a linguagem diplomática,
ator estratégico significa que, na visão
do governo Bush, está começando a ficar interessante
realizar guerras na África em defesa dos interesses norte-americanos.
A África Ocidental, incluindo a Nigéria, é
responsável atualmente por 12% das importações
de petróleo bruto dos EUA. Até 2015, estima-se que
sua participação aumentará para 25%, uma
parcela maior que da Arábia Saudita.
A China é o segundo maior importador de petróleo,
perdendo apenas para os EUA. O petróleo africano é
fundamental para garantir a rápida expansão econômica
chinesa. De acordo com a Administração Geral de
Taxas da China, o país importou aproximadamente 11% a mais
de petróleo durante os quatro primeiros meses de 2007 em
relação ao mesmo período em 2006. O volume
adicional veio da África. Em 2006 a China consumiu 320
milhões de toneladas de petróleo bruto, sendo que
7% de suas importações vieram do Sudão.
A China importa 25% de seu petróleo bruto da África
e está buscando formas de aumentar as importações
deste continente. Desde 2000 houve um aumento de cinco vezes,
totalizando atualmente US$ 5,5 bilhões por ano. A China
é hoje o terceiro maior parceiro comercial da África,
ficando atrás apenas dos EUA e da França, já
se igualando a Inglaterra.
A África sub-saariana inclui oito países produtores
de petróleo: Nigéria, Angola, Congo-Brazzaville,
Gabão, Guiné Equatorial, Camarões, Chade,
República Democrática do Congo e Sudão.
A Nigéria é o maior produtor de petróleo
na África e tem a 11ª maior reserva de petróleo
no mundo. Atualmente ela produz 2,45 milhões de barris
por dia, 42% dos quais vai para os EUA. Das três maiores
companhias petrolíferas do país incluem-se duas
empresas nortes-americanas, a ExxonMobil e a Chevron, além
da anglo-holandesa Shell.
Angola é o segundo maior produtor de petróleo
na África, e estima-se que alcance a marca de 2 milhões
de barris por dia em 2008.
O Sudão também é rico em petróleo.
40% da produção de petróleo do país
são controlados pela China, que exerce a maior influência
no Sudão atualmente, embora a Chevron tenha gasto US$ 1,2
bilhões no país, descobrindo campos de petróleo
no sul, o que abre a possibilidade do Sudão ter mais petróleo
do que o Irã e a Arábia Saudita.
Mandy Turner, do Guardian, caracterizou tanto os EUA
como a China como atores chave numa nova partilha da África.
O novo integrante da partilha é a China, escreveu
ela. A África detém os recursos naturais vitais
para garantir seu rápido crescimento econômico,
incluindo cobre e cobalto na República Democrática
do Congo e da Zâmbia, minério de ferro e platina
na África do Sul, e madeira em Camarões, Gabão
e República do Congo. A China está fechando acordos
com a Nigéria, Angola, Sudão e Guiné Equatorial
para a exploração de petróleo.
Os militares, a segurança e o petróleo
Com o fim da Guerra Fria, quando a maior preocupação
dos EUA era a luta contra a União Soviética, o que
exigia alianças com os ditos regimes independentes do Terceiro
Mundo, após 1991, os EUA sentiram-se capazes de realizar
mais abertamente uma política colonialista de controle
hegemônico, por meio de ações militares. Os
ataques de 11 de setembro serviram como um eficiente pretexto
para essa forma de intervenção norte-americana na
África.
Apesar da afirmação de que a luta contra o terrorismo
e a ajuda humanitária sejam os principais objetivos das
operações norte-americanas na África, um
relatório publicado pelo Conselho de Inteligência
Nacional, que considera a si próprio como o centro de pensamento
estratégico de médio e longo prazo, deixa claro
que os objetivos dos EUA na região são de natureza
geopolítica, cuja principal preocupação é
o controle do petróleo.
Intitulado Relações Externas e a África,
o relatório afirma que o envolvimento militar se
transformou de um apoio direto a regimes ou movimentos aliados
durante a guerra fria, (assim como quando o governo Belga,
com a ajuda da CIA, derrubou e assassinou o primeiro-ministro
do Congo, Patrice Lumumba), em um apoio à reconstrução,
associada a um envolvimento militar norte-americano direto em
bases localizadas em áreas como Djibouti, sobretudo após
o atentado de 11 de setembro.
Na seção Caminhos Futuros no Envolvimento
Externo com a África, uma das primeiras razões
dadas para o envolvimento militar direto é a crescente
importância do setor petrolífero em relação
aos interesses norte-americanos na África.
O relatório afirma ainda que o mais importante
é que os maiores produtores de petróleo não
são membros da OPEP - especialmente Angola, Gabão,
Guiné Equatorial, Congo-Brazzaville e Camarões.
Um perigoso alerta em relação às futuras
operações norte-americanas na África soou
no mês passado, quando soldados etíopes, apoiados
pelos EUA, realizaram um banho de sangue na Somália, destruindo
grandes áreas das regiões mais pobres da capital,
Mogadíscio (Veja Massacre in Mogadishu -
war crime made in the USA). Mais de mil pessoas
morreram, e entre 350.000 a 500.000 pessoas abandonaram as cidades,
indo para os campos de refugiados, por causa dos ataques realizados
por aviões norte-americanos contra as cidades do sul da
Somália.
Embora não haja, oficialmente, soldados americanos envolvidos
nesse conflito, membros da CIA e das forças especiais vem
treinando soldados etíopes. Um dos primeiros objetivos
das tropas etíopes era recuperar a embaixada norte-americana
que havia sido ocupada. (VejaEthiopian troops ocupy
Mogadishu).
A Somália é apenas um ponto estratégico
passageiro. J. Peter Pham, diretor do Instituto Nelson para Relações
Internacionais e Públicas da Universidade James Madison
e defensor da dominação norte-americana da África,
comentou num editorial no National Interest Online, que
a decisão do governo Bush de estabelecer um centro de comando
representa o passo fundamental no sentido de tratar a África
como uma prioridade. (Veja The Africa Command
Rises - Finally)
Essa ação, afirmou Pham de maneira
enfática, poderia representar significativamente
um envolvimento de longo prazo, podendo colocar o
continente definitivamente na órbita norte-americana.
Ele voltou a citar o documento de 2002 de Estratégia de
Segurança Nacional, no qual o governo Bush afirmou que
tinha o direito de realizar ataques preventivos contra qualquer
país, a fim de defender seus interesses. A África,
afirma o relatório, tem uma importância geo-estratégica
crescente e é de grande prioridade para esse governo.
Atualmente os EUA controlam três comandos regionais na
África, que dividem a responsabilidade da defesa dos interesses
norte-americanos no continente. A maior área é controlada
pelo Comando Europeu, que supervisiona o norte da África,
a África Ocidental, incluindo o golfo da Guiné e
a África Central e do Sul. O Comando Central é responsável
pelo chifre da África - países como a Somália,
Etiópia, Eritréia, Quênia, Djibouti, Sudão
e Egito. No Comando do Pacífico incluem-se Madagascar,
as Ilhas Seichelles e a área do Oceano Índico na
costa africana.
O AFRICOM irá inicialmente operar em Stuttgart, a base
alemã do Comando Europeu, antes de mudar-se para uma base
permanente na África. Os EUA estão tendo o cuidado
de não mencionar os seus planos, afirmando apenas que ajudarão
a manter a paz, realizar missões de ajuda humanitária,
treinamento militar e apoio aos países africanos aliados.
Os EUA alegaram que não planejam enviar um grande número
de soldados para a região, como fizeram no Iraque. Entretanto,
a presença de tropas norte-americanas causará a
militarização do continente, possibilitando a deflagração
de outra guerra em busca do controle dos recursos naturais estratégicos,
como ocorreu no Iraque, com implicações muito maiores
e mais perigosas.