Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia24 Março de 2006
O primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, lançou
no mês passado um programa de renovação
urbana desenhado para atrair investimentos privados para 63
das maiores e mais importantes cidades do país. Seu governo
propõe que se procure suprir a falta de infra-estrutura
e serviços, a remoção de leis e regulamentações
urbanas que ofereçam impedimentos ao mercado, assim como
abolir taxas de aluguéis e dar reforços e garantias
ao direito de propriedade.
Os governos estaduais e as entidades urbanas locais que desejem
ganhar parte dos 500 bilhões de rúpias (US$ 11.2
bilhões) destinados à Missão Jawaharlal Nehru
de Renovação Urbana Nacional (JNNURM) para um período
de 7 anos, precisarão primeiro assinar um acordo de implementação
de uma lista com 13 itens obrigatórios. Uma comissão
nomeada pelo governo central irá monitorar o programa e
bloquear fundos de cidades que não implementarem a lista.
Mumbai, Kolkata, Deli, Bangalore, Chennai, Hyderabad e Ahmedabad
- cidades indianas com populações de mais de 4 milhões
de habitantes - conseguiram 47.5% dos fundos. O governo também
liberou 47.5% dos fundos para as próximas 28 maiores cidades,
com população maior que 1 milhão de habitantes.
Os 5% remanescentes será destinado à outras 28 cidades
que são capitais de estados ou têm algum significado
religioso.
È certamente enorme a carência de infra-estrutura
e serviços básicos apropriados nas cidades indianas,
particularmente nos gigantescos aglomerados urbanos. Na década
de 1990, a população urbana da Índia cresceu
em mais de 65 milhões, e o crescimento mais acelerado se
deu nas maiores cidades. Há estimativas de que 21% da população
urbana da Índia viva em favelas, e, em Mumbai, este número
sobe para mais de 50% da população. Cerca de 25%
dos moradores das cidades não têm eletricidade, 23%
não têm acesso à sanitários e 37% não
têm água potável em seus barracos. Em 2020,
alguns analistas estimam que outras 300 milhões de pessoas
viverão na Índia urbanizada.
Mas, apesar disso, o plano JNNURM não é direcionado
à melhoria das terríveis condições
às quais está submetida a população
trabalhadora, mas sim à satisfação da grande
demanda dos negócios. O Banco Mundial, e o Banco de Desenvolvimento
Asiático em particular, pressionam o governo para fazer
uma maior abertura das cidades indianas ao capital privado.
O objetivo do governo se torna claro com uma observação
cuidadosa das medidas compulsórias que aparecem no esquema
JNNURM. Entre estas medidas, encontramos:
* A revogação das leis de controle de aluguéis.
Estas leis estatais limitam o aumento do preço dos aluguéis,
e a sua remoção irá expulsar muitas famílias
de baixa renda de habitações relativamente baratas.
* A revogação dos Atos Reguladores da Posse de
Terras Urbanas. O Ato Maharashstra, por exemplo, limita as posses
individuais de terra a quadras de 500 m2; além disso, esta
legislação permite que o governo tome dos proprietários
as terras que ultrapassem esse limite e usem-nas para construir
casas para os pobres. Estes atos limitam também o uso das
terras agrícolas para fins não agrícolas.
* A redução dos impostos sobre a propriedade
para não mais que 5% dentro de 7 anos. Esta mudança
irá reduzir a arrecadação estatal sobre a
venda de terras, e também facilitará e barateará
as transações de propriedade.
* A implementação da descentralização,
como indicado na 74ª Emenda Constitucional, que dá
reconhecimento constitucional formal às entidades urbanas
locais O que se espera é que a transferência da responsabilidade
pelos serviços urbanos aos governos locais facilite o diálogo
com o mercado, já que estes governos seriam mais suscetíveis
às demandas comerciais.
* A exigência de que, em sete anos, os governos locais
passem a cobrar taxas dos usuários dos serviços
urbanos, para recuperar todos os investimentos realizados. Os
usuários que não forem capazes de pagar deixarão
de ter direito aos serviços básicos, como o fornecimento
de água, por exemplo. Além disso, as entidades locais
serão responsáveis por prover serviços básicos
para a pobreza urbana dentro de seus limites financeiros.
* A reforma no sistema de taxação de propriedades,
usando sistemas softwares de informação geográfica
de modo que a eficiência de recolhimento de taxas
alcance ao menos 85% nos próximos sete anos.
* A adoção de métodos de contabilidade
modernos e governância eletrônica, para aumentar a
eficiência na coleta de impostos.
Dentre as reformas opcionais, estão também a
criação de emendas e decretos locais para agilizar
aprovações de obras e incorporações;
a simplificação das leis para converter terras de
usos agrícolas para não-agrícolas; a introdução
de um pequeno sistema de certificação de propriedade;
e o encorajamento das Parcerias Público-Privadas (PPPs).
O JNNURM afirma que as entidades urbanas locais devem prover
serviços básicos para os pobres urbanos incluindo
a garantia de habitação a preços acessíveis,
a melhoria das condições de habitação,
o fornecimento de água e esgoto. No lançamento
do projeto, o primeiro-ministro Singh também falou muito
da necessidade de ajudar os mais pobres. Mas, como se pode ver,
longe de aliviar a agonia e privações das camadas
mais pobres da Índia, este programa irá inevitavelmente
piorar a sua situação.
Mesmo que todo o dinheiro fosse direcionado à ajuda
aos mais pobres, o imenso problema social nas cidades da Índia
não seria resolvido. Mas o propósito do plano é
na verdade o de criar um clima amigável para investidores
e atrair maiores investimentos do setor privado através
das PPPs. Estas parcerias têm como objetivo a maximização
dos lucros dos investidores privados, através do abandono
dos preços acessíveis e dos serviços de qualidade
para os pobres.
As verdadeiras intenções do governo podem ser
esclarecidas por uma análise da Economic Survey de 2005-6,
pesquisa divulgada juntamente com as estimativas de verbas do
último mês. Segundo a pesquisa, a Índia
tem o potencial de absorver US$150 bilhões em FDI [Investimento
Estrangeiro Direto, Foreign Direct Investment] nos próximos
5 anos, apenas na área de infra-estrutura. O Banco
Mundial, o Banco de Desenvolvimento Asiático e USAID vêm
há anos pressionando o governo pelas reformas contidas
no plano JNNURM, buscando a possibilidade dos investidores estrangeiros
aplicarem seu capital em lucrativos projetos de infra-estrutura.
As reformas propostas, em grande parte, vêm para proteger
os direitos de propriedade e de dinamizar os investimentos. Além
da precariedade da infra-estrutura do país, como estradas
e abastecimento elétrico, uma grande reclamação
dos investidores estrangeiros está nas limitações
da burocracia. De acordo com o Banco Mundial, o tempo médio
para começar um novo negócio na Índia é
de 89 dias. Na Austrália, é de 2 dias, nos EUA,
5 dias, e na China 41 dias. Estima-se que 14% do tempo dos administradores
é gasto lidando com oficiais do governo acerca dos mais
diversos aspectos legais e de regulamentação. Na
China, esta porcentagem é de 8%.
Longe de dar assistência às dezenas de milhões
de pessoas que vivem nas favelas indianas, o programa irá
abrir caminho para a limpeza de terrenos urbanos que
são muito visados para outros usos. Em muitos casos, os
moradores destas favelas há anos ocupam as terras ilegalmente
e não possuem qualquer direito de propriedade sobre elas.
Os resultados iniciais do plano renovação urbana
de Mumbai, que foi baseado no relatório Visão
Mumbai, produzido pelos consultores internacionais McKinsey
and Co, indica bem o que vem pela frente
Em 2005, 90 mil barracos foram demolidos para abrir caminho
para a renovação urbana, deixando aproximadamente
350 mil pessoas desabrigadas. Como parte do plano de transformar
Mumbai na Xangai da Índia, Visão
Mumbai prevê uma vasta redução dos ocupantes
de favelas, de 50% da população da cidade para 10
a 20%.
Mohammed Badruddin, que viveu com outras 4 mil pessoas em uma
favela de Mumbai, teve sua casa demolida no começo do ano
passado. Ele estava no trabalho quando ouviu a notícia
de que sua casa estava sendo demolida sem qualquer aviso prévio.
Corri de volta para casa e vi todo o barraco demolido,
contou ele ao Washington Post. Nós resistimos
aos demolidores, e apanhamos da polícia. Anos de trabalho
duro jogados fora, aos pedaços. Para prevenir os
habitantes de retornarem, o governo joga lixo em decomposição
nos terrenos e contrata equipes de segurança. A população,
sem ter para onde ir, montou barracos de bambu e lona plástica
no terreno de um cemitério próximo à área
onde antes havia a favela.
Como parte do programa de renovação urbana, muitos
trabalhadores foram demitidos e fábricas foram demolidas,
para abrir caminho aos novos shoppings e condomínios de
apartamentos. Para prover para a demanda crescente em centros
urbanos como Mumbai, o governo Maharashstra - uma coalizão
do Partido Congressista com o Partido Congressista Nacionalista
- no último ano cortou o abastecimento gratuito de eletricidade
aos fazendeiros de todo o estado.
A implementação das reformas do JNNURM apenas
acelerará estes processos, com conseqüências
devastadoras para as massas desprovidas da Índia .
Veja também: Indias pro-poor budget
boosts military spending and market reforms [6 de março
de 2006]