Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 15 de maio de 2007.
A montadora alemã DaimlerChrysler anunciou no dia 14
de maio que havia fechado a venda da maior parte da propriedade
do seu grupo norte-americano para a empresa de investimentos privados
Cerberus Capital Management por US$ 7,4 bilhões. A venda
abre caminho para a fragmentação de uma companhia
automobilística de 80 anos de idade e para um ataque massivo
aos empregos, salários, benefícios à saúde
e à aposentadoria de 80.000 trabalhadores nos EUA e no
Canadá.
Mesmo antes da DaimlerChrysler anunciar oficialmente a venda,
o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos (UAW - United
Auto Workers) declarou, numa entrevista coletiva concedida à
imprensa na Alemanha, seu apoio à venda da companhia para
especuladores de Wall Street, dizendo que isso representava "o
interesse dos associados do UAW e do grupo da DaimlerChrysler".
O presidente da DaimlerChrysler, Dieter Zetsche, elogiou o
UAW pelo seu apoio na abertura da sua entrevista à imprensa.
A capitulação do UAW foi tão rápida
e desprezível que surpreendeu alguns analistas automobilísticos
e financeiros.
A Chrysler está sendo vendida para um grupo de especuladores
financeiros que não tem experiência e, de fato, pouco
interesse na produção de carros. A firma de investimento
de US$ 24 bilhões é especialista em comprar empresas
que estão tendo prejuízo por uma ninharia, "reestruturando-as",
isto é, cortando empregos e benefícios e tirando
a propriedade, com o objetivo de revendê-las por uma quantia
muito maior. O grupo tem uma longa experiência em tais operações,
desde empresas aéreas até companhias fornecedoras
de peças para as empresas automobilísticas e firmas
de varejo nos EUA.
Operando amplamente fora do alcance dos reguladores, a Cerberus
é uma empresa altamente reservada, liderada pelo veterano
pára-quedista americano e inverstidor financeiro, Stephan
Feinberg. A Cerberus procura, em todo o mundo, companhias que
possam ser compradas por preço barato. Muitas vezes ela
pode, até mesmo comprá-las aos poucos, visando manter
um retorno razoável dos investimentos, algo em torno de
22%. Ela detém o controle parcial ou total dos lucros de
uma série de companhias incluindo os Supermercados
Albertson, a GDX fornecedora de autopeças e a Air Canadá,
para citar apenas algumas. Em todos os casos, a Cerberus contratou
administradores que atacaram os salários e pensões
de seus trabalhadores.
A firma de investimento privado é politicamente bem
conectada, tendo entre seus maiores diretores, líderes
do partido republicano, tais como o secretário do tesouro
nacional da administração de Bush, John Snow, e
o antigo vice-presidente, Dan Quayle. Uma das companhias da Cerberus,
o IAP, que presta serviços na área militar em todo
o mundo, envolveu-se no escândalo relacionado às
péssimas condições de higiene das instalações
do Hospital Walter Reed, em Washington D.C., para onde haviam
sido destinados os soldados feridos. Dois dos maiores executivos
do IAP são antigos graduados diretores de Halliburton,
a gigante da energia presidida pelo ex-vice-presidente dos EUA,
Dick Cheney.
Enquanto tais agressores corporativos e depredadores de propriedades
têm participado, durante décadas, em empresas produtoras
de aço, mineradoras e companhias aéreas, a compra
da Chrysler pela Cerberus representa a primeira aquisição
de uma das maiores companhias automobilísticas por uma
empresa de investimentos privados. A aquisição de
uma das "Três Grandes" companhias automobilísticas
americanas por tal firma cria as condições para
uma redução sem precedentes nas condições
de vida dos trabalhadores da indústria automobilística
dos EUA.
Os produtores de carros dos EUA cortaram aproximadamente 700.000
empregos durante as últimas três décadas,
mas os investidores de Wall Street, que puderam se apropriar de
grandes lucros através de diversas formas de manipulação
financeira, têm exigido a destruição de um
número cada vez maior de empregos, a redução
dos relativamente altos salários da indústria, e
o corte de bilhões de dólares em pagamento de aposentadorias
e assistência de saúde, pagamentos estes que são
direitos dos trabalhadores e das suas famílias.
Os efeitos da compra da Chrysler pela Cerberus serão
sentidos somente no final deste ano quando iniciará
as negociações para um novo acordo trabalhista com
o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos. Apesar dos
detalhes ainda não terem sido divulgados, não há
dúvida de que uma condição para a venda da
Chrysler foi a promessa do UAW de apoiar a nova companhia com
grandes concessões. Ao mesmo tempo, a General Motors e
a Ford usarão a nebulosa fragmentação da
Chrysler como ameaça para impor suas próprias exigências
para os seus trabalhadores. A família Ford tem dado pistas
de que pode seguir a DaimlerChrysler e vender parte de seus investimentos
no setor automobilístico, mediante condições
semelhantes.
Durante os últimos anos, a Cerberus apropriadamente
chamada como o monstro mitológico de três cabeças,
que guarda os portões do inferno tem sorrateiramente
comprado propriedades no setor automobilístico, tendo emergido
como o principal jogador, capaz de usar seu peso para reformar
a indústria. No último ano, a companhia pagou US$
7,4 bilhões pelo controle majoritário da GMA,c o
braço financeiro da General Motors, que provavelmente se
fundirá com a Chrysler.
A Cerberus retirou recentemente uma oferta para a compra da
Delphi, a segunda maior produtora de peças de automóveis
do mundo, atualmente num processo avançado de falência,
depois de não ter conseguido rebaixar os salários,
numa tentativa de acordo com o UAW. Sua primeira iniciativa na
indústria automobilística, a aquisição
da produtora de autopeças GDX, foi acompanhada pelo que
o site da companhia chamou de "uma agressiva reestruturação
das operações nos EUA e na Europa". Drásticos
cortes numa planta em Quebe,c no Canadá, no ano passado,
causaram protestos dos associados do Sindicato dos Trabalhadores
da Indústria do Aço.
Em fevereiro último, numa clara tentativa de melhorar
o preço de suas unidades norte-americanas, a DaimlerChrysler
anunciou os planos para eliminar 13.000 empregos e fechar pelo
menos uma planta da Chrysler.
A nova companhia cujo novo nome é Companhia de
Ações Chrysler manterá como presidente
o atual presidente da Chrysler, Tom LaSorda, que está administrando
as atuais medidas de contenção de despesas. LaSorda
contratou Wolfgang Bernhard, que, como chefe operacional da Chrysler
de 2000 a 2004, desempenhou papel fundamental no corte de gastos,
eliminando 26.000 empregos e fechando seis fábricas. O
maior executivo do setor automobilístico da Cerberus, David
Thursfield, antigo chefe mundial de compras da Ford, está
liderando a reestruturação da GDX.
"Eles não estão nessa para festejar. Eles
estão nessa para ganhar dinheiro," falou ao Detroit
Free Press, Gerald Meyers, antigo chefe executivo da American
Motors Corp., que atualmente é professor de administração
de empresas da Universidade de Michigan. Cortes dramáticos
e enormes demissões estavam na agenda, disse ele, acrescentando
que "será ainda mais cruel no sudeste de Michigan
e Indiana" e outras comunidades onde o grupo Chrysler tem
fábricas.
Além disso, Meyers afirmou que os aposentados podem
esperar que os novos donos tentarão cortar sua cobertura
saúde e custos de pensão. "Haverá um
banho de sangue lá," previu Meyers. "Quanto mais
eles puderem arrancar em horas de trabalho do UAW, mais lucrativos
eles se tornarão."
Em face a esses ataques, o UAW demonstrou mais uma vez a sua
total inutilidade quando se trata de defender os empregos, salários,
condições de trabalho e padrão de vida dos
trabalhadores da indústria automobilística. O apoio
do sindicato a este ataque histórico aos trabalhadores
demonstra que o UAW serve como um auxiliar dos patrões
da indústria automobilística e de Wall Street, recebendo
como prêmio gordos salários e altas despesas para
os burocratas que controlam a organização.
No mês passado o presidente do UAW, Ron Gettelfinger,
afirmou que o sindicato se opunha à venda da Chrysler para
uma empresa de parceria privada, dizendo que tais companhias de
investimentos existem apenas para "aumentar sua riqueza através
da devastação das companhias".
Já na última segunda-feira à tarde, numa
entrevista coletiva concedida à imprensa, Gettelfinger
defendeu insistentemente a capitulação do sindicato,
dizendo que este deveria jogar com "as cartas que tinha".
Entretanto, ele mesmo confirmou que apoiou o acordo sem nem mesmo
ter se reunido com a administração da Cerberus.
Por outro lado, o presidente do UAW disse ter se encontrado
domingo à noite com diretores da DaimlerChrysler, que o
informaram sobre a venda. Gettelfinger disse que apoiou o negócio
porque os executivos da DaimlerChrysler deram a ele a segurança
de que a Cerberus não desmontaria a companhia.
Em relação à primeira reunião entre
os dirigentes do sindicato e os diretores da Cerberus, realizada
na terça-feira, o presidente do UAW afirmou o seguinte:
"nós ouvimos o eco dos compromissos assumidos pelos
executivos da DaimlerChrysler." Elogiando novamente o acordo,
ele acrescentou: "haverá uma infusão de dinheiro
nesta companhia, e muitas coisas acontecerão, perseguindo
o melhor resultado, aquele de caminhar adiante. Nós temos
que acreditar que há muita preocupação com
o futuro da indústria automobilística americana".
A prostração e a covardia dos dirigentes do UAW
foi resumida por Robert Denison, um veterano representante internacional
do UAW na Chrysler, que disse ao Detroit Free Press: "os
grandes negócios nos controlam. Nós não podemos
controlá-los."
Falando na entrevista coletiva à imprensa, o vice-presidente
do UAW afirmou que os associados do UAW foram "abençoados"
pelo acordo com a Cerberus. "O sentimento geral dos associados",
disse ele, "é de darem as boas vindas a essa oportunidade".
Como todas as outras coisas afirmadas pelos dirigentes do UAW
na coletiva à imprensa, esta foi mais uma mentira.
Os trabalhadores da Chrysler sabem muito bem que os agressores
corporativos que estão assumindo a companhia querem dinheiro
por meio da destruição das condições
de vida de dezenas de milhares de trabalhadores e de suas famílias.
Um trabalhador da planta da Chrysler de Warren, em Michigan, onde
mais de 1.000 empregos estão sendo cortados, falou ao site
do WSWS: "os trabalhadores sabem que esta nova companhia
significa a morte para nós. O que me surpreendeu foram
os comentários de Gettelfinger. Ele não fala em
nome dos nossos interesses. O sindicato nos vendeu completamente
e você não pode contar com ele para nada. Mas algo
tem que ser feito para lutar pelos nossos empregos e pelas nossas
vidas".
O apoio imediato de Gettelfinger parece ter sido motivado por
um desejo de acalmar os investidores e incentivar o aumento dos
valores de mercado da companhia.
A preocupação pelos lucros dos donos da empresa
não com os empregos e a vida dos sócios do
sindicato tem sido, por muito tempo, a marca da burocracia
do UAW, que tem colaborado com os patrões do setor automobilístico
na destruição de centenas de milhares de empregos
desde a operação de salvamento da Chrysler e das
concessões de salários em 1979. Pode-se supor apenas
que foram dadas garantias ao UAW pela administração
da DaimlerChrysler, que deve ter assegurado os bônus e os
privilégios da burocracia trabalhista na nova companhia.
Um cenário possível que tem pairado nos últimos
meses, em publicações como o Wall Street Journal,
é que as empresas automobilísticas entregaram seus
fundos multibilionários de assistência à saúde
dos aposentados para o UAW. Isto forneceria um rio de recursos
à burocracia do sindicato, ao mesmo tempo que daria às
empresas automobilísticas a chance de se livrarem de suas
dívidas e deixar para o sindicato o encargo de cortar os
benefícios à saúde de seus associados aposentados
e de suas famílias.