Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 10 de maio de 2007.
Um Regulamento Sobre o Treinamento Militar Para os Estudantes
emitido conjuntamente pelo ministério da educação
da China, pelo quartel-general do estado-maior, e pelo departamento
político geral do Exército de Libertação
do Povo (ELP), em 21 de abril, formalizou o treinamento militar
nas escolas e universidades de todo o país.
No papel, a China já tem um sistema de recrutamento
exigindo que todos os cidadãos de 18 a 22 anos prestem
24 meses de serviço militar. Na prática, Pequim
nunca forçou o destacamento militar, uma vez que o ELP
sempre conseguiu recrutar suficientes voluntários da juventude
camponesa, desesperados para sair da zona rural empobrecida. Jovens
buscando ingressar no ensino superior têm sido isentos do
serviço militar.
Crescentemente, a liderança chinesa tem procurado transformar
o ELP em uma força hi-tech menor. Entretanto, o motivo
do programa militar para os estudantes não é prioritariamente
atrair recrutas mais formados. No ano passado o ELP alistou apenas
10.000 estudantes universitários pelo país. O principal
objetivo é político, mais do que militar, e reflete
profunda preocupação da burocracia de Pequim em
relação ao potencial de revolta entre a juventude
chinesa da nova geração.
Um significativo componente do treinamento militar é
ideológico. O objetivo declarado é "permitir
aos estudantes compreender as práticas e a teoria militar
básicas, e aumentar seu conhecimento sobre defesa e sua
consciência em relação à segurança
nacional". O plano é para reforçar a submissão
dos estudantes à "organização"
e à "disciplina", assim como para insuflar os
valores de "patriotismo", "coletivismo", e
"heroísmo revolucionário".
O regulamento coloca que uma campanha nacional do treinamento
militar estudantil deve ser feita a cada cinco anos. Cada província
deve promover um seminário de especialização
a cada 3 ou 5 anos. Todos os outros aspectos da educação
na China estão sujeitos aos princípios do mercado
segundo os quais "o consumidor paga". O treinamento
militar estudantil, entretanto, será financiado pelo governo
e pelo ELP - o que indica importância prioritária.
Qualquer encargo sobre os estudantes é estritamente proibido.
A mídia estatal promoveu a nova política enquanto
uma medida positiva para "endurecer" os jovens, que
supostamente foram mimados como filhos únicos dos casais
urbanos. Na realidade, não é o impacto da política
de "um filho" que a liderança stalinista teme,
mas as vastas mudanças sociais que vêm ocorrendo
nos últimos trinta anos enquanto resultado da franca adoção
da reforma capitalista de mercado.
Sob Mao Zedong, a burocracia chinesa tinha, visivelmente, controle
total sobre cada aspecto da mídia e da cultura, até
o insípido estilo-uniforme das roupas. O culto a Mao, acompanhado
por propaganda patriótica e falsas reivindicações
de ser socialista, foi traçado para abafar qualquer oposição
e sufocar influências "estrangeiras". Além
disso, toda a população era dependente da burocracia
estatal para tudo, desde o emprego até a assistência
à saúde, pensões e educação.
Por ter aberto a China a investimentos estrangeiros e empresas
privadas, Pequim desencadeou vastas forças econômicas
e sociais sobre as quais ela não tem mais qualquer controle
direto. A juventude não confia mais na mídia oficial,
no entanto tem acesso à internet e a um vasto conjunto
de idéias e tendências culturais. De acordo com estatísticas
oficiais, o número de usuários de internet registrados
cresceu 23,4% no ano passado, alcançando 137 milhões
- a segunda maior população de usuários no
mundo, depois dos EUA. A maioria tem entre 18 e 24 anos.
Ao mesmo tempo, as reformas capitalistas criaram uma divisão
social que se aprofunda, e grande incerteza. Aqueles que terminam
a escola ou a faculdade não têm mais garantia de
um emprego, e muitos estão desempregados. Dezenas de milhões
de jovens trabalhadores são obrigados a deslocar-se de
lugar em lugar à procura de trabalho. Aqueles que têm
algum dinheiro podem comprar telefones celulares, uma série
de roupas, jóias, motocicletas, e outras parafernálias.
O descontentamento e a alienação produziram reações
díspares entre as diversas camadas da juventude.
Tais tendências geralmente vêm como um impacto
para o regime. Por exemplo, em 2005 na cidade natal de Mao, na
província de Hunan, uma estação de televisão
organizou o concurso "Super Girls" - baseado no "American
Idol" - que atraiu a audiência de 400 milhões
por toda a China em apenas uma noite. Aproximadamente oito milhões
de espectadores - a maioria jovem - enviaram mensagens de texto
para "votar" em sua favorita. As três finalistas,
todas com pouco mais de vinte anos, rapidamente tornaram-se celebridades
nacionais. Li Yuchun de Sichuan, que exibiu um "look tomboy",
ao final venceu.
A principal estatal CCTV publicou uma declaração
denunciando o show como "vulgar e manipulador" e ameaçou
cortá-lo. A liderança chinesa está apreensiva
que qualquer movimento vagamente anti-governista, mesmo aqueles
completamente apolíticos, possam vir a ser um perigo. Wei
Feng, um estudante do Instituto de Línguas Estrangeiras
de Pequim disse ao Seattle Times: "A grande questão
é em relação a cantar qualquer coisa que
se queira, e milhões de jovens garotas nunca tiveram aquela
oportunidade antes". Aproximadamente 120.000 garotas participaram
do concurso.
O governo já tentou canalizar a alienação
entre a juventude na direção reacionária
do nacionalismo e do patriotismo. Em 2005, o governo deliberadamente
incitou protestos anti-japoneses da Fenqing, ou "juventude
furiosa", em relação à proposta de conceder
ao Japão uma cadeira permanente no Conselho de Segurança
da ONU e em relação ao suporte de Tókio a
livros de história ocultando os crimes japoneses nos tempos
de guerra. A juventude da classe média gritou slogans racistas,
atacou estabelecimentos japoneses e agrediu visitantes japoneses.
Pequim, conseqüentemente, teve que acabar com as manifestações,
já que a violência ameaçou sair do controle.
O maior medo de Pequim é de um movimento infundido com
idéias socialmente progressistas contra a desigualdade
social e a repressão do Estado. Os altos custos da educação
e o desemprego entre os formados no segundo grau já levaram
a uma onda de protestos e levantes. A "reforma do mercado"
dos anos 90 acabou com a antiga garantia de emprego nas empresas
estatais aos jovens graduados. Assim como os estudantes de outros
países, os estudantes chineses não são mais
parte de uma elite privilegiada, mas uma reserva de trabalho qualificado
barato para os empregadores.
Em 2006, de 4,13 milhões de graduados no ensino superior,
um entre três não conseguia um emprego. Em um encontro
de um conselho estatal sobre universitários graduados,
em 25 de abril, altos funcionários do governo admitiram
que o desemprego estudantil tenderia a se agravar em 2007. O número
de graduados no terceiro grau alcançará 4,95 milhões
este ano - um aumento de 820.000 em relação a 2006.
A miséria que os estudantes universitários enfrentam
é produto direto das reformas na educação
pró-mercado que o regime adotou. Na última década,
o custo do ensino universitário cresceu exponencialmente
para entre 5.000 e 8.000 yuan (US$ 640 - $1.000) o ano. Em um
país onde a renda per capita média é menor
que US$ 2.000, o encargo financeiro da educação
para as famílias da classe trabalhadora é enorme.
Pequim está acentuadamente consciente do potencial explosivo
dessas tensões sociais. Os líderes chineses também
estão cientes de que a movimentação política
entre os estudantes têm historicamente indicado uma radicalização
maior entre a classe trabalhadora. O Partido Comunista Chinês
emergiu do movimento Quatro de Maio de 1919, entre estudantes
e intelectuais - ele próprio resposta à revolução
russa.
O PCC abandonou os princípios do internacionalismo socialista
no final da década de 20, mas ainda celebra todos os anos
o 4 de maio como o Dia da Juventude. Ainda assim, é um
ritual que encobre o significado real do Movimento Quatro de Maio.
A "nova juventude" rebelde de 1919 que estava determinada
a mudar o curso da história na China e no mundo, foi substituída
por imagens de jovens controlados, negligentes, patriotas, absolutamente
submissos às autoridades.
Em 1989, a liderança chinesa ordenou ao ELP que enviasse
tropas armadas mais pesadas e tanques para esmagar brutalmente
os protestos dos trabalhadores e estudantes por direitos democráticos
básicos e condições de vida decentes, na
Praça Tiananmen. Sua decisão de pôr em prática
um programa nacional de treinamento militar estudantil é
mais uma tentativa um tanto desesperada de adiar a inevitável
erupção da juventude novamente.