Isto nos traz de volta ao projeto central do surrealismoa
resolução das contradições entre sonho
e realidade. A influência de Freud sobre os surrealistasespecialmente
sua interpretação do significado dos sonhos e o
descobrimento do inconsciente mentalé crucial. De
fato, Breton foi um dos primeiros intelectuais na França
a valorizar e dar atenção à importância
do trabalho de Freud.
Mais do que um mero admirador de Freud, Breton acreditava que
a psicanálise poderia ser usada não só para
tratar enfermidades mentais, mas para transformar a vida de uma
maneira geral. Esta interpretação radical de Freud
é um dos principais temas do primeiro manifesto surrealista:
Se as profundezas de nossa mente contém estranhas
forças capazes de aumentar as forças que estão
na superficie, ou de travar uma batalha vitoriosa contra elas,
há todo interesse em procurá-las.... Não
se poderia usar também o sonho na solução
das questões fundamentais da vida?[21]
Freud, deve ser observado, não correspondeu à
admiração dos surrealistas, a despeito da devoção
declarada deles às suas idéias. Não apenas
o seu gosto em relação às artes era conservador,
como ele considerava que Breton e seus colegas usavam os conceitos
psicanalíticos de maneira completamente inapropriada. Não
fazia sentido para Freud a utilização de imagens
oníricas em poemas ou pinturas, uma vez que os sonhos pra
ele não tinham nenhum significado se separados de seus
contextos psicológicos, isto é, separados da mente
e da história de vida do indivíduo que os sonhou.
Além disso, a questão central da terapia psicanalítica
era tornar consciente o inconsciente e, na opinião de Freud,
o mesmo valia para a artenão era o caso de voltar
ao inconsciente, como os surrealistas estavam fazendo, mas justamente
o contrário. O que me interessa em sua arte,
disse Freud a Salvador Dali quando da visita deste em 1938, não
é o inconsciente, mas o consciente. [22]
Ao mesmo tempo, no México, Trotsky colocava o mesmo
ponto a Breton: Você invoca Freud, mas não
faz ele o oposto? Freud eleva o inconsciente ao consciente. Não
estão vocês tentando encobrir o consciente sob o
subconsciente? [23]
Esta observação é bastante relevante e
um grande número de trabalhos surrealistas que poderiam
ser usados como exemplosobras repletas de associações
tão incoerentes ou imagens tão impenetráveis
a ponto de cairem em uma espécie de solipcismo artístico.
E, além disso, o surrealismo tendia a encorajar a produção
de trabalhos deste tipo, através da transformação
da espontaneidade em um princípio da prática criativa,
pelo uso de técnicas como a escrita automática,
que discutiremos mais adiante.
A produção artística depende, de fato,
muito mais da intuição que a ciência ou a
filosofia. Os idealistas (neles incluídos os primeiros
surrealistas) concebiam a intuição como a pura ausência
de razão, isto é, como pura subjetividade. Mas do
ponto de vista do materialismo, o subjetivo é ele mesmo
objetivo, o que quer dizer que tanto a mente inconsciente tem
a sua própria lógica internaque pode ser racionalmente
compreendidaquanto que o consciente e o inconsciente formam
uma unidade dialética na vida mental do indivíduo.
Trotsky, em sua autobiografia, fornece uma das mais lúcidas
descrições dessa unidade, fazendo uma analogia entre
sua operação na vida social e na esfera da criatividade
individual: A união criativa do consciente com o
inconsciente é o que se costuma chamar de inspiração.
A revolução é o furor criativo da história.
Cada escritor de verdade conhece momentos criativos quando algo
mais forte do que si mesmo está guiando suas mãos;
cada orador de verdade experimenta momentos em que alguém
mais forte do que o seu eu cotidiano fala por através dele.
Isto é a inspiração, derivada
da conjunção dos maiores esforços criativos
de uma pessoa. O inconsciente ergue-se das profundezas e submete
a mente consciente à sua vontade, misturando-a a si mesmo
em uma síntese maior.[24]
Dessa forma, sonhos e imaginação não são
necessariamente uma fuga da razão e da realidade. Ao contrário,
quando fundidos à consciência, eles dão abertura
para possibilidades criativas enormes que aprofundam nossa compreensão
do mundo e de nós mesmos.
Isto é evidente na arte; a imagem artística,
obtida em parte através da intuição, não
é uma alucinação vazia, podendo inclusive
ser uma visão profética, pois os artistas conseguem
imaginar - ou ver com os olhos da mente - certos aspectos
da realidade com uma precisão muito maior do que seus contemporâneosou
até mesmo si própriospodem racionalmente compreender.
Embora Breton estavisse errado em procurar nos sonhos um substituto
para a realidade, mais tarde ele passou a enxergar o problema
de uma outra forma: ele agora definia o imaginário como
sendo o que tende a se tornar real [25] e o objetivo
das atividades surrealistas como sendo lançar um
fio condutor [26] entre estados despertos e estados oníricos.
Predominantes, as formas burguesas de consciência expressam
a tirania do que é, em outras palavras, a aceitação
do fato consumado, e são inimigas do desenvolvimento da
consciência de classe. No plano da psicologia individual,
na experiência subjetiva de cada pessoa, um processo similar
toma lugar: o pensamento consciente contém os ajustes,
compromissos e frustrações impostos ao indivíduo
pelas demandas do mundo exterior, o que significa acima de tudo
a negação das necessidades e desejos humanos. Impedidos
em grande medida de se concretizar na realidade, estas necessidades
e desejos não desaparecem: encontram um escape no inconsciente,
isto é, nos sonhos e na imaginação.
Este escape também pode ser uma aspiraçãoo
sonho por si mesmo pode afirmar uma crença de que a vida
pode ser melhor, e que as restrições à liberdade
e à felicidade impostas pela realidade existente podem
e devem ser superadas. Como Breton uma vez colocou poeticamente,
a resignação não é escrita sobre
a pedra móvel do sono. A imensa manta escura tece diariamente
em seu centro os olhos cravados de uma vitória clara.[27]
Aqui está a sua utlidade para a resolução
de problemas fundamentais da vida: usando a imagem do fio condutor,
o imaginário pode ser o meio através do qual a realidade
é carregada de esperança.
A esperança é a chave para o conceito surrealista
de beleza. Para Breton a beleza era idêntica a o que ele
chamava de maravilhoso. Apesar de nunca ter definido isto com
precisão, ele nos deu incontáveis exemplos dessas
experiências: encontrando uma moça numa rua de Paris
cujos olhos o fascinaram e que disse a ele que se chamava Nadja
porque em russo este é o começo da palavra
esperança, e apenas o começo [28]; em Guadalajara,
de manhã bem cedo, entrando em um edifício maravilhosamente
ornado e dilapidado que Breton tinha apelidado de Palácio
Insano e encontrando, numa sala escura e imensamente vazia,
uma jovem de cabelo desgrenhado e camisola branca amarrotada,
limpando o chão e sorrindo como o amanhecer do mundo.[29]
O maravilhoso é o momento do sonho se irrompendo na realidade,
um pressentimento luminoso do desejo satisfeito.
Poesia e arte surrealista
É possível, ou oportuno, fazer uma avaliação
do surrealismona pintura, fotografia, poesia, prosa, cinema
etccomo um movimento artístico? Tal tarefa é
muito vasta e está fora do nosso propósito presente.
Certamente existem questões legítimas a serem levantadas.
Somos forçados a tratar aqui da fixação
inicial de Breton no automatismo psíquico, esforço
artístico livre do controle consciente, que ele insistia
ser elemento indispensável do surrealismo. A sugestão
de que entrando em um estado de transe ou de sonhos o inconsciente
do artista é revelado de um modo puro e sem filtros hoje
nos parece ingênua. O fato de que os produtos espontâneos
que Breton e seus colegas produziram tomaram a forma de imagens
poéticas altamente evoluídas, inconcebíveis
sem um conhecimento extensivo de técnica literária
e história, pode sugerir que os estados nos quais eles
penetraram dificilmente eram livres da sugestão consciente.
Se concentrando nas fontes de inspiração da arte,
Breton freqüentemente esquece que uma obra de arte é
o produto da relação complexa entre o espontâneo/intuitivo
e o concebido racionalmente, na qual nenhum dos lados pode ser
negligenciado. O artista cria em si mesmo um equilíbrio
entre esses elementos, uma tensão que está constantemente
em questão, constantemente recriada. Nenhuma obra significativa
pode ser simplesmente o ato de exercitar um propósito
preconcebido, mas um propósito consciente deve emergir
do ato de criar cada obra significativa.
Quando os insights de Breton, particularmente os que
se referem à prática da criação artística,
estão em julgamento, vemos que eles possuem verdade profunda.
Breton estava absolutamente certo em insistir na função
indispensável dos estados de expectativa e perfeita
receptividade, e da necessidade de cultivar estados mentais caracterizados
por uma vontade de receber estímulos de todas as fontes
possíveis. [30]
Nenhuma obra de arte séria é realizada sem o
elemento da surpresa, e que pode ser encorajado, de material emanando
das profundezas interiores, que chega à superfície
somente sob condições definidas, momentos nos quais
uma chama bem delicada ilumina ou completa o significado
da vida como nada mais consegue fazer.Breton celebra com
beleza essas condições: Ainda hoje conto apenas
com o que vem da minha abertura, de minha ânsia de vagar
à procura de tudo, que me mantém em comunicação
misteriosa com outros seres abertos, como se nós fossemos
repentinamente chamados a nos unir.[31]
Breton não era meramente um teórico, ele era
um poeta. O que se pode, então, dizer de sua própria
obra? Comparar dois objetos o mais distante possíveis
um do outro, ou, por qualquer método, confrontá-los
de uma maneira brusca e fulminante, permanece sendo a tarefa mais
elevada que a poesia deve sempre aspirar. [32] Isto é
verdade? Este método é inevitavelmente frutífero?
Ele também não pode produzir resultados que parecem
meramente arbitrários ou triviais? Examinando a poesia
de Breton, alguém pode encontrar tanto imagens extraordinárias
quanto imagens que são inteiramente inacessíveis.
Sua insistência de que a apreciação de beleza
poderia contornar inteiramente o intelecto não se sustenta
sob análise mais rigorosa. Sentimento e pensamento não
são domínios separados por muralhas.
Alguém interessado nos versos de Breton faria bem em
começar com Earthlight, que inclui sete volumes
de poemas seus. Free Union (1931) [Livre União],
The Pistol with White Hair (1932) [O Revólver
de Cabelos Brancos] e The Air of the Water (1934) [O
Ar da Água] parecem os mais interessantes.
O poema Free Union [Livre União], talvez
o mais emocionalmente poderoso e direto de Breton, conclui: [33]
Minha mulher com seus olhos cheios de lágrimas
com seus olhos de escudo violeta e um ponteiro de velocímetro
minha mulher com seus olhos de savana
minha mulher com seus olhos de água pra beber na prisão
minha mulher com seus olhos de floresta para sempre sob o machado
com seus olhos de nível-do-mar nível-do-ar terra
e fogo
Quase inevitavelmente Breton parece um poeta de versos extraordinários,
mais do que poemas inteiros:[34]
Eu sonho eu vejo você infinitamente sobreposta a você
mesma
ou
Na bela meia-luz de 1934
o ar estava um rosa esplendido a cor da tainha vermelha
ou
Os primeiros exploradores procurando menos por terras
Do que pelas suas próprias origens
Também é possível concordar com a afirmação
de Breton de que beleza precisa ser convulsiva ou perturbante
sem a priori concordar com a questão da forma ou
do estilo. Seus ataques ao romance como uma forma e ao realismo
como tendência entediante e medíocre hostil
a qualquer avanço intelectual ou moral finalmente
começam eles mesmos a ficar entediantes.
A maior fraqueza de Breton é que ele tende a detectar
as qualidades que ele valoriza somente em um grupo pré-selecionado
de trabalhos. Rompimento intelectual e emocional estão
tão presentes nos romances de tradicionalistas
como Theodore Dreiser e Thomas Hardy assim como nas pinturas dos
surrealistas Tanguy ou Masson. Isto não quer dizer que
forma é uma questão de indiferença, ou que
certas formas não se esgotaram historicamente, mas Breton
freqüentemente apresentava a questão de um modo unilateral
(e de certa maneira egocêntrico).
O surrealismo certamente pode reivindicar crédito de
ser o movimento artístico mais intelectualmente provocativo
do século XX. Ele persistentemente fazia as questões
mais penetrantes sobre a humanidade e de seu destino. Os trabalhos
surrealistas abundam de imagens que colocavam a consciência
ao invés de amaciá-la. Por exemplo:
o retrato de René Magritte de um rosto de mulher no qual
seus seios tomam o ligar de seus olhos e o sexo o lugar da boca
(O Estupro), ou uma linha de Breton fundindo a descrição
dos pais de uma garota com o apartamento aonde eles moram: Seu
pai uma entrada solidamente guiada pra dentro de sua sombra sua
mãe uma bela pirâmide de sombra de luz. [35]
Nossa expectativa do que é normal e razoável
é interrompida por tais imagens, precisamente por esta
razãoelas abrem pra nós um senso mais profundo
do que é real. A pintura de Magritte não reproduz
a face de uma mulher, mas sim sua ausência de face, e através
disso nos evoca uma idéia de o que significa ser uma mulher
nesse mundo.
Nas artes visuais, em particular, para que se avalie o impacto
do surrealismo deve-se listar os nomes daqueles que estavam diretamente
envolvidos ou profundamente influenciados pelo surrealismo: Giorgio
di Chirico, Francis Picabia, Pablo Picasso, Marcel Duchamp, Hans
Arp, Masson, Max Ernst, Man Ray, Salvador Dali, Joan Mir-, Luis
Bu-uel, Alberto Giacometti, Magritte, Henri Cartier-Bresson, Tanguy,
Arshile Gorky, Joseph Cornell. Novos horizontes para as atividades
e imagens artísticas foram abertas pelo surrealismo, tanto
que ele alterou completamente a noção popular do
que é arte. Talvez a melhor indicação da
influência surrealista seja simplesmente o fato da própria
palavra ter se tornado parte da linguagem cotidiana.
A vida interna do movimento é uma questão que
merece alguma consideração. A reputação
de Breton de ser o papa do surrealismo ganhou circulação
ampla, até pelos numerosos rachas e expulsões experimentados
pelo movimento; não surpreendentemente, muitos daqueles
deixados de fora do movimento culparam Breton pessoalmente. Assumidamente,
Breton poderia em algumas ocasiões ter sido injusto, arbitrário
e até cruel, mas qualquer avaliação objetiva
dessas disputas demonstra que questões políticas,
não pessoais, predominavam, especificamente quanto à
questão da adesão dos surrealistas à revolução
socialista. Em praticamente cada caso a posição
de Breton foi justificada. (Deve-se notar também que a
vida interna dos surrealistas não ficou incólume
à degeneração do movimento dos trabalhadores.
O Segundo Manifesto do Surrealismo de Breton (1930), na sua violenta
e pungente crítica dos seus oponentes, mostra traços
definidos do estalinismo do Terceiro Período).
Em 1929 Breton rompeu com um grupo que incluía o ator
e poeta Antonin Artaud e o escritor Robert Desnos, principalmente
pelas suas objeções à radicalização
política do surrealismo; em 1932 Aragon saiu do movimento
para assumir uma carreira como orador e liderança cultural
do estalinismo francês; seis anos depois Eluard tomou o
mesmo caminho, tornando-se de fato o poeta honorário do
partido comunista e despejando versos ocasionais sob demanda;
Dali foi expulso pela sua adoração heróica
a Hitler, sem mencionar seu comercialismo e busca de publicidade
que estimulou Breton a transformar seu nome em um acrônimo/sigla,
Avida Dollars.
O que realmente incomoda vários críticos de Breton
não são só as especificidades dessas disputas,
mas o fato dele insistir em responsabilizar seus colegas por suas
posições e ações. O comércio
intelectual, escreveu Breton uma vez com evidente exasperação,
é um caminho de muita impunidade. [36]
O escritor Georger Bataille, cujo rompimento com Breton tinha
sido particularmente amargurado, desmentiu suas críticas
anos depois: Hoje eu acredito que as exigências de
Breton...eram justificadas. Breton acolhia um desejo de devoção
compartilhada a uma verdade suprema, e um ódio a cada concessão
contrária a essa verdade; desta verdade Breton queria que
seus amigos fossem a expressão - ou então que deixassem
de ser seus amigos. [37]
Surrealismo e Marxismo
Como já é evidente a partir da presente discussão,
ninguém pode considerar seriamente a história do
surrealismo sem trazer a tona o nome de Leon Trotsky. Breton começou
a desenvolver uma admiração por Trotsky em agosto
de 1925, depois de ler seu livro sobre o início da vida
de Lênin, sobre o qual ele comentou, não encontrei
nehuma falta, nem em grandeza nem em perfeição.[38]
O estilo e substância da obra de Trotsky permaneciam em
contraste gritante com os esforços do Partido Comunista
francês (PCF), cada vez mais estalinizado. Apesar da filiação
de Breton ao PCF no fim de 1926, junto com seus camaradas surrealistas
Aragon, Eluard, Peret e Pierre Unik, ele não tinha ilusões
sobre a organização.
Em Legítima Defesa (setembro de 1926) Breton
escreveu: eu não sei porquê eu deveria me abster
mais ainda de dizer que o LHumanite [o jornal diário
do PCF]infantil, declamatório, desnecessariamente
cretinoé um jornal ilegível, totalmente inadequado
ao papel de educação do proletariado que ele reivindica
assumir. Além desses artigos de leitura rápida,
que se apegam de forma tão próxima à atualidade
que não há nenhuma perspectiva para o futuro...
é impossível não notar naqueles que os escreveram
um desgaste extremo, uma resignação secreta ao existente,
com a preocupação de manter o leitor em uma ilusão
mais ou menos generosa, da maneira mais barata possível
[39] Breton não era, obviamente, um dos artistas favoritos
da liderança do partido.
Breton foi expulso do PCF e da sua organização
cultural em 1933. Dois anos depois os estalinistas usaram como
desculpa um confronto entre Breton e escritor soviético
Ilya Ehrenburg numa rua de Paris (Ehrenburg tinha escrito um ataque
grosseiro aos surrealistas; Breton o confrontou e deu um tapa
na sua cara) para excluir Breton de discursar no seu Congresso
de Escritores em Defesa da Cultura. Eluard só foi autorizado
a ler a declaração de Breton, um de seus esforços
mais extraordinários, tarde da noite em frente a uma multidão
hostil. Daqui de onde nós estamos, Breton escreveu,
nós insistimos que a atividade de interpretar o mundo
precisa continuar ligada com a atividade de mudar o mundo. Nós
mantemos que é papel do poeta, do artista, estudar em profundidade
o problema da humanidade em todas suas formas.... [40]
Em sua avaliação do Congresso, No Tempo
em que os Surrealistas Estavam Certos (1935), Breton notou
que verdadeiro banho de repetições inúteis,
considerações infantis e adulações:
aqueles que clamam estar salvando a cultura mundial escolheram
um clima doentio para isso.
Ele denunciou o oportunismo dos intelectuais que aceitaram
as ordens estalinistas: Tanto no campo da política
quanto no campo das artes, duas forçasa recusa espontânea
das condições de vida oferecidas ao homem e a necessidade
imperativa de mudá-las, por um lado, e a duradoura fidelidade
a princípios de rigor moral, por outrocarregaram
o mundo adiante.[41]
Breton serviu no Comitê Francês de Inquérito
nos Julgamentos de Moscou. Em setembro de 1936, de acordo com
o livro Revolução na Mente de Polizzotti,
Breton discursou um grande comício para demandar
a verdade sobre o [primeiro] Julgamento de Moscou:
Nós consideramos a encenação do Julgamento
de Moscou como sendo uma ignóbil tarefa policial,
ele declarou. Stalin tinha se tornado o grande negador e
principal inimigo da revolução proletária...
o mais indesculpável dos assassinos. Breton fez um
apelo especial em nome de Trotsky, o maior dos alvos de Stalin,
que tinha sido condenado à morte in absentia no
tribunal: um intelectual e guia moral de primeira linha,
cuja vida, tão logo é ameaçada, se torna
tão preciosa para nós como nossas próprias
vidas. Breton nunca recuou dessa posição.
Em 1951 ele comentou sobre os julgamentos-espetáculo: Eu
persisto em pensar que eles abriram, e inevitavelmente deixaram
infestar, a maior carnificina dos tempos modernos.[42]
O respeito de Breton por Trotsky era tão grande que
lhe trouxe dificuldades quando eles vieram a colaborar no manifesto
de 1938. Breton, que era conhecido ou se reunia com muitas das
figuras significativas do círculo intelectual e artístico
europeu e não era um indivíduo que se impressionava
com facilidade nem que se chocava facilmente, se encontrou paralisado
diante da presença do líder do partido bolchevique.
Em uma carta a Trotsky escrita imediatamente depois de sua
partida do México, Breton tentou explicar este fenômeno:
Esta inibição é principalmente um produto..
da admiração sem limites que eu tenho por você
... Muito freqüentemente eu imagino o que aconteceria se,
por um acaso impossível, eu me encontrasse diante de uma
dos homens a partir dos quais eu modelei meu pensamento e sensibilidade....Como
de repente eu me senti estranhamente despido das minhas habilidades,
rezando para um tipo de necessidade perversa de me esconder. É
o que eu chamo para meu próprio uso de, em memória
de rei Lear, meu complexo de Cordélia. Por
favor, não ria de mim; é totalmente inato, orgânico.
Eu tenho todas as razões para acreditar que isso é
inerradicável. [43]
Ao contrário de muitos outros no período pós-guerra,
Breton nunca veio a repudiar as idéias gerais do socialismo
ou suas associações com o trotskismo. Em uma entrevista
ele fulminantemente sugeriu que um verdadeiro estudo clínico
feito das moléstias especificamente modernas
que fazem esse tipo de intelectuais arrependidos mudar radicalmente
suas opiniões e renunciar de uma maneira masoquista e exibicionista
seus próprios testemunhos, se tornando campeões
de quase o contrário do que começaram servindo com
grande fanfarra. [44] (Uma moléstia que
atinge proporções epidêmicas nos nossos dias!)
Em uma mensagem que mandou para um encontro em 1957 em comemoração
do aniversário de 40 anos da Revolução Russa
organizado pelo PCI, a seção francesa do Comitê
Internacional da Quarta Internacional naquele tempo, Breton expressou
sua contínua fidelidade à causa da emancipação
humana.Ele declarou: A despeito de tudo eu permaneço
entre aqueles que ainda encontram na memória da Revolução
de Outubro uma grande parte do impulso que me guiou quando eu
era jovem e que implicava em uma entrega total. [45]
Em 29 de janeiro de 1962, quatro anos e meio antes de sucumbir
de parada cardíaca aos 70 anos, Breton entregou um elogio
comovente em honra de Natalia Sedova-Trotsky, que tinha morrido
poucos dias antes em Paris. Ele declarou que a viúva de
Trotsky precisa saber que o processo evolutivo iria por
fim impor uma revisão radical na história cinicamente
falsificada dos últimos quarenta anos, que no final de
seu processo irreversível iria não só fazer
justiça a Trotsky, mas iria ser chamado a aceitar, com
todo seu vigor e amplitude, as idéias pelas quais sua vida
foi dedicada. [46]
No seu apoio às idéias de Trotsky, Breton não
estava sozinho entre os surrealistas. Pierre Naville rompeu com
o grupo surrealista em 1926 e se jogou nas atividades do Partido
Comunista. Mais tarde ele se tornou uma figura de liderança
no movimento trotskista da França. Peret, um dos colaboradores
mais próximos de Breton, cumpriu um papel ativo na Oposição
de Esquerda brasileira e em 1931 foi indicado Secretário
Regional da oposição para o Rio de Janeiro. Seguindo
sua expulsão do Brasil por suas atividades, ele se juntou
aos trotskistas franceses, masi tarde lutando na Guerra Civil
Espanhola. Gerard Rosenthal, que como Francis Gerard
tinha sido um dos mais originais surrealistas, serviu de advogado
de Trotsky. Maurice Nadeau, o cronista do surrealismo, também
participou do movimento trotskista. Nem o reforço das iniciativas
artísticas e políticas de Breton por um número
dos mais extraordinários artistas visuais do período
entre guerrasRay, Ernst, Tanguy, Masson, em particulardeve
ser esquecido.
Os marxistas, confrontados com essa história, podem
querer ponderar as seguintes questões relativas: por que
é que esta tendência artística cujas preocupações,
na superfície, aparentam estar tão distantes daquelas
da classe trabalhadora vieram a se identificar tão atentamente,
mais atentamente do que qualquer outra, com a revolução
proletária e a Quarta Internacional? Porque é que
tanto nas obras de Breton produzida nos anos 30 parece urgente
e contemporânea, enquanto tanto dos esforços da mesma
epoca em descrever realisticamente a vida da classe trabalhadora
encontram-se datadas e até pueris? Este artigo foi uma
tentativa de oferecer uma resposta pelo menos parcial: de que
os surrealistas carregavam uma verdadeira crítica radical
do real, tanto nas suas dimensões exteriores quanto interiores.
Breton era o mais admirável representante de uma geração
extraordinária de artistas pequeno-burgueses; um poeta
que se direcionou ao marxismo, mantendo sua visão poética,
embasado em profundas e constantes convicções; um
intelectual, em suma, que foi mais longe do que ninguém.
Seus melhores escritos nos regojizam por sua combinação
de crítica violenta e delicadeza; seu zelo revolucionário
e devoção à beleza; sua infatigável
energia e confiança; seu exercício da imaginação
ao grau mais elevado.
No manifesto de 1938, há uma passagem impressionante
(aparentemente escrita por Breton) que torna claro porque o artista
é um aliado natural da revolução.
Evocando a teoria da sublimação de Freud, a declaração
explica que o artista precisa organizar as forças
do mundo interior contra a insuportável realidade
de repressão e alienação dentro da sociedade
capitalista, mas essas forças interiores não são
exclusivas do artista como indivíduo, mas comuns
a todos os homens. Esta é a razão pela qual
a luta do artista pela sua própria arte se mescla com a
luta pela libertação de toda a humanidade: A
necessidade de emancipação da mente tem que seguir
seu curso natural, para ser induzida a reemergir nesta necessidade
primordial: a necessidade da emancipação do homem.[47]
Deve ser difícil pensar em um artista que exemplificou
Breton melhor do que ele mesmo: no início do movimento
surrealista tinha escrito que liberdade era a única
palavra que me exalta ainda, e ele continuaram perseguindo
a busca pela liberdade, seguindo seu curso natural
não importando aonde ela o levasse ou que forças
tentassem pará-lo. [48] Nisto reside a grandeza de sua
realização e a persistente significância de
sua vida.
Notas
21. Breton, Manifesto Surrealista 1924, marxists internet archive.
[back]
22. Arnold Hauser, The Social History of Art (New York: Random
House, 1985), vol. 4, Naturalism of the Film Age, p. 223. [back]
23. Jean van Heijenoort, With Trotsky in Exile: From Prinkipo
to Coyoacan (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1978],
p. 122. [back]
24. Leon Trotsky, My Life: An Attempt at an Autobiography (New
York: Pathfinder Press, 1970), pp. 334-35. [back]
25. Andre Breton, Earthlight, trans. Bill Zavatsky and Zack Rogow
(Los Angeles: Sun & Moon Press, 1993), p. 90. [back]
26. Andre Breton, The Communicating Vessels, trans. Mary Ann Caws
and Geoffrey J. Harris (Lincoln: The University of Nebraska Press,
1990), p. 86. [back]
27. Ibid., p. 145. [back]
28. Breton, Nadja, p. 66. [back]
29. Breton, Free Rein, p. 28. [back]
30. Breton, Manifestoes of Surrealism, p. 180. [back]
31. Andre Breton, Mad Love, trans. Mary Ann Caws (Lincoln: University
of Nebraska Press, 1987), p. 25. [back]
32. Breton, Communicating Vessels, p. 109. [back]
33. Breton, Earthlight, pp. 84-85. [back]
34. Ibid., pp. 142, 148, 153. [back]
35. Ibid., p. 123. [back]
36. Polizzotti, Revolution of the Mind, p. 318. [back]
37. Ibid., p. 336. [back]
38. Rosemont, ed., What is Surrealism?, p. 30. [back]
39. Ibid., p. 32. [back]
40. Breton, Manifestoes of Surrealism, p. 240. [back]
41. Ibid., pp. 245-46, 248. [back]
42.Polizzotti, Revolution of the Mind, pp. 436-37. [back]
43. Ibid., p. 462. [back]
44.Rosemont, ed., What is Surrealism?, p. 202. [back]
45. Ibid., pp. 297-98. [back]
46. Ibid., p. 308. [back]
47. Breton, Free Rein, p. 31. [back]