Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 1 de março de 2007
Na quarta-feira (28), a companhia-chefe da européia
Airbus, EADS, anunciou sua intenção de cortar 10.000
empregos nas fábricas européias da Airbus - aproximadamente
1/5 da atual força de trabalho da companhia. O anúncio,
feito numa entrevista coletiva à imprensa em Paris pelo
chefe da Airbus, Louis Gallois, confirmou as informações
publicadas na terça-feira (27/02) que previam um ataque
sem precedentes aos empregos na Airbus.
Um total de 4.300 empregos serão cortados na França,
3.700 na Alemanha, 1.600 na Inglaterra e 400 na Espanha. A Airbus
emprega atualmente 23.000 trabalhadores na Alemanha, 19.000 na
França, 10.000 na Grã-Bretanha e 3.000 na Espanha.
Trabalhadores da Airbus na Alemanha e na França responderam
imediatamente ao anúncio, paralisando o trabalho. Trabalhadores
das três fábricas afetadas na Alemanha e os trabalhadores
franceses da fábrica de Meaulte entraram em greve. Por
volta de 1.000 trabalhadores em Toulouse, onde a Airbus está
sediada e onde será feita a montagem final do jato de passageiros
A380, manifestaram-se contra os cortes.
O serviço de notícias Reuters entrevistou o operário
Joachim Gramberg da fábrica de Varel, que afirmou: eu
não posso acreditar na notícia. Eu não posso
acreditar nela. Fomos usados para construir 200 aviões
por ano, e isso era bom, e agora nós fazemos 438 por ano
e isso não parece o bastante.
A Airbus, que é financiada por um consórcio de
governos europeus, é um dos maiores projetos industriais
de toda a Europa. Ela é, há muito tempo, usada como
um modelo de colaboração para afirmar o poder industrial
europeu contra a dominação norte-americana da indústria
de aviões comerciais de passageiros. O gigantesco corte
de empregos anunciado na quarta-feira é o ápice
de uma crescente crise da Airbus que foi potencializada pela dura
briga entre os maiores parceiros envolvidos no projeto - os governos
da França e Alemanha.
O plano de reestruturação deveria ter sido anunciado
há dez dias, mas conflitos entre a França e a Alemanha
sobre qual país assumiria o maior golpe em termos de perda
de empregos levaram à intervenção do presidente
francês, Jacques Chirac, e da chanceler alemã, Angela
Merkel. O esboço do acordo final foi discutido pelos dois
líderes em um encontro na sexta-feira (23) em Berlin.
O plano, conhecido como Power 8, também prevê
a venda de seis das dezesseis plantas da Airbus na Europa. A televisão
alemã relatou que, das dezesseis localidades da Airbus
na Europa, ao menos cinco serão abertas à iniciativa
privada, incluindo as plantas alemãs em Varel (1.300 trabalhadores)
e Nordenham (2.300 trabalhadores), assim como fábricas
de suprimentos em Britanny (em Saint-Nazaire) e Meaulte (no Somme).
Essas fábricas serão adquiridas por investidores
que continuarão a manter a Airbus, mas elas terão
de competir com fábricas que não são da Airbus
em países como a Rússia, China e Índia.
A decisão da administração da Airbus de
fechar ou vender outras localidades, incluindo a de Laupheim,
na Alemanha, acarretará inevitáveis ataques adicionais
aos empregos e condições de trabalho.
De acordo com a revista alemã Focus, a Airbus
pretende aumentar a semana de trabalho, de 35 para 40 horas, sem
aumento salarial. O primeiro-ministro francês, Dominique
de Villepin, pediu ao chefe da Airbus, Gallois, para assegurar
que não serão feitas demissões forçadas,
mas a dimensão do corte de empregos fará com que
as demissões sejam inevitáveis.
Divisões nacionais dentro do projeto
A380
A produção do super-jumbo A380 é um dos
maiores projetos industriais que vem sendo realizado nos últimos
anos pela aliança de países europeus liderados pela
França e pela Alemanha. O novo jato foi desenhado para
competir com o Boeing 787 Dreamliner pela supremacia no mercado
da linha de aviões de passageiros jumbo.
Entretanto, assim que os problemas de produção
e atrasos na entrega do A380 surgiram, as disputas intensificaram-se
entre as maiores potências envolvidas no projeto, particularmente
a Alemanha e a França.
Como resultado da globalização da indústria
pesada, incluindo a produção aérea, países
não-europeus como a China, com grandes reservas de força
de trabalho - países que também são potenciais
compradores do novo jato - estão sendo vistos pelo capital
europeu como locais alternativos e cada vez mais atrativos para
a produção de componentes.
Uma peça-chave do plano de reestruturação
da Airbus é o fechamento das fábricas européias
e a terceirização da produção à
China e outros paraísos de baixos salários. Esse
processo intensificou as tensões entre os governos nacionais
envolvidos no projeto da Airbus.
No editorial de 22 de fevereiro intitulado Briga de Cachorro
Franco-Alemã, o Financial Times observou que
o conflito em torno da Airbus estava provocando a deterioração
das relações entre Paris e Berlim. Segundo o jornal,
as relações entre os dois países -
chamadas por todos de relação Franco-Alemã
- nunca foram tão ruins. O pior de tudo é que os
alemães estão, talvez de forma compreensível,
demonstrando sua intenção de adotar a mesma prática
protecionista realizada pelos franceses. Se os franceses foram
por muito tempo beneficiados em seu nacionalismo econômico,
especialmente em suas relações com os alemães,
seria estupidez se os alemães não fizessem o mesmo.
Assim que os planos de fechamento de fábricas foram
anunciados pela Airbus, o ministro da economia alemão,
Michael Glos, chegou a ameaçar o cancelamento da extensão
dos contratos da Defesa alemã com a EADS se a Alemanha
for atingida negativamente pelo plano de reestruturação.
Em 20 de fevereiro, Bernard Valette, chefe da seção
aeroespacial da Confederação dos Gerentes Franceses,
reconheceu que uma pequena guerra nacionalista explodiu.
Ele acusou as autoridades alemãs pelo impasse, que querem
reter áreas chaves da manufatura e do design de produtos.
O sindicato não aceitará que os interesses
políticos do governo alemão sejam colocados acima
dos interesses industriais da Airbus, disse ele. Se
isso acontecer, será necessário que o governo francês
eleve o tom de voz.
Foi contra esse prognóstico que os líderes da
França e da Alemanha encontraram-se em Berlim na última
sexta-feira para buscar uma solução. Após
conversar com Chirac, Merkel procurou minimizar as diferenças
entre os dois países, mas de acordo com o jornal britânico
Times de 24 de fevereiro, não há nenhuma
dúvida que existe uma tensão entre os líderes.
Aproveitando a última viagem oficial à Alemanha
do presidente Chirac, cujo mandato está no fim, a chanceler
alemã quis enviar um sinal a seu sucessor. Ela não
está apenas lutando pelos empregos na Alemanha, mas também
por um objetivo estratégico que pode mudar o equilíbrio
dentro do eixo político mais poderoso da Europa. Acima
de tudo, ela quer deixar bem claro que a Alemanha não será
intimidada.
O papel dos sindicatos
As tensões entre Paris e Berlim ecoaram na posição
nacionalista adotada pelos sindicatos em ambos os lados da fronteira
franco-alemã. Os maiores sindicatos da Airbus, como o IG
Metall na Alemanha e a Force Ouvriere na França, desempenharam
um pernicioso e crucial papel em desmobilizar e dividir os trabalhadores
da Airbus.
Nas últimas semanas, os sindicatos de ambos os lados
do Reno realizaram manifestações contra os planejados
cortes de empregos, mas elas foram direcionadas para defender
localidades e fábricas específicas nos respectivos
países. Nenhuma ação que rompesse as fronteiras
foi chamada e nenhum esforço de forjar a solidariedade
entre todos os trabalhadores da Airbus foi realizado.
Os maiores sindicatos alemães imprimiram imediatamente
um profundo tom nacionalista assim que as notícias do plano
de reestruturação foram divulgadas. O chefe do conselho
de fábricas alemãs da Airbus, Rüdiger Lütjen,
declarou que o novo plano era uma tentativa de minar o sistema
de contratos alemão. Ele disse que isso era um tapa
dado pela França. E continuou ele: os franceses
desejam impor demissões à Alemanha...os franceses
querem barrar o desenvolvimento alemão.
Para os líderes sindicais franceses, a origem da crise
na Airbus era clara: os trabalhadores alemães eram os culpados.
Logo após o anúncio de quarta-feira, Jean-François
Knepper, líder da Force Ouvriere em Toulouse e vice-presidente
do comitê de trabalhadores europeus da Airbus, declarou
sua convicção de que os alemães querem
salvar os empregos alemães. O peso da reestruturação
pode ser tolerado na Alemanha, declarou Knepper, concluindo que,
se a Airbus é uma árvore, a França
tem os galhos frutíferos. Se há galhos mortos a
serem cortados, eles não estão na França.
Por sua parte, o sindicato alemão IG Metall anunciou
que concordará com o plano de reestruturação,
mas pressiona para que uma maior parcela de cortes nos empregos
seja imposta a trabalhadores de outros países. Horst Niehus,
chefe do conselho dos trabalhadores da Airbus Hamburg disse: nós
vemos a necessidade de reestruturar-se, mas tememos que uma grande
parcela dos empregos seja retirada da Alemanha.
Após o anúncio do plano Power 8, líderes
sindicais de ambos os países aumentaram sua demagogia chauvinista.
Julien Talavan, delegado da Force Ouvriere na fábrica grevista
de Meaulte, queixou-se que o governo francês não
está fazendo o suficiente para proteger suas indústrias,
e lamentou que as demissões possam ocorrer em Toulouse
ao invés de ocorrerem na fábrica alemã de
Hamburg.
O discurso de Talavan pedindo a intervenção do
estado francês foi repetido pela candidata à presidente
e integrante do Partido Comunista Francês, Marie-George
Buffet , que fez sua própria declaração chauvinista
reivindicando que a França obtenha o controle completo
sobre sua indústria aeroespacial.
Para não ser deixado para trás, Bernie Hamilton,
diretor do sindicato britânico e líder do setor da
indústria aeroespacial no sindicato Amicus, declarou no
ano passado: o Reino Unido será o centro de excelência
em aviação. O investimento em novas tecnologias
deve ser destinado ao Reino Unido. Há rumores de que isso
possa ser decidido na Alemanha.
Com tais demonstrações de chauvinismo, os sindicatos
estão traindo os interesses dos trabalhadores da Airbus
em todos os países envolvidos. Eles estão fechando
acordos com suas próprias elites e governos, ajudando a
bloquear qualquer luta unificada dos trabalhadores e colocando
os trabalhadores de vários países uns contra os
outros.
Por trás da crise na Airbus e do ataque sem precedentes
aos trabalhadores está a falência do sistema de lucros
capitalista na Europa e internacionalmente, baseado no sistema
de estado-nação, e a impossibilidade de organizar
a vida econômica de uma maneira democrática e socialmente
progressiva.
Os trabalhadores da Airbus devem rebelar-se contra as políticas
nacionalistas e corporativas dos sindicatos e estabelecer comitês
independentes para unir os trabalhadores de todos os países.
A primeira demanda deve ser a defesa dos empregos de todos os
trabalhadores. Uma campanha como esta deve ser organizada com
base numa perspectiva socialista internacionalista que defenda
os empregos, salários e condições de trabalho
e na luta para colocar grandes empresas como a Airbus sob a propriedade
social genuína e sob controle democrático.