Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 8 de março de 2007.
A decisão da companhia Airbus de cortar 10.000 empregos
é o ponto alto de uma ampla ofensiva com o intuito de reduzir
os padrões de vida de todos os trabalhadores europeus ao
nível de seus avôs e bisavôs. Os atuais acontecimentos
na Airbus não são apenas um problema dos trabalhadores
e empregados da companhia, mas de todos os trabalhadores e jovens
da Europa, que não estão dispostos a aceitar um
retorno às condições sociais que prevaleceram
nos anos 1930.
Os acontecimentos que vem ocorrendo com a Airbus evidenciam
os problemas fundamentais que enfrentam os trabalhadores em todo
o mundo: a subordinação de qualquer desenvolvimento
econômico a longo-prazo aos interesses de curto-prazo da
aristocracia financeira. Estes interesses estão relacionados
à maximização das taxas de lucro, aos permanentes
ataques ao padrão de vida e empregos, à corrupção
dos sindicatos, que não se opõem a esses ataques
e que funcionam como co-administradores das grandes empresas,
e ao pernicioso papel desempenhado pelos governos que dividem
os trabalhadores em nome de supostos interesses nacionais, colocando
uns contra os outros.
A defesa dos empregos e ganhos sociais, e mesmo a real possibilidade
de um progresso cultural e tecnológico, requer uma estratégia
política fundamentalmente nova. O protesto e pressão
dos sindicatos sobre a elite não são suficientes.
O controle da produção deve ser retirado das mãos
da aristocracia financeira e ser colocado a serviço da
sociedade como um todo. A classe trabalhadora deve romper com
suas antigas organizações nacionais e criar uma
unidade européia e mundial para lutar pela reorganização
socialista da sociedade.
Estas são as lições que podem ser extraídas
da crise da Airbus.
Produção de alta tecnologia e
livros de encomendas cheios
A Airbus é uma companhia líder em tecnologia.
Fundada em dezembro de 1970, ela produz atualmente uma linha inteira
de aviões super modernos e compete com a Boeing no mercado
mundial dos grandes jatos de passageiros. Seu livro de encomendas
está cheio. Aproximadamente 7.000 aviões estão
encomendados - mais do que a companhia pode produzir. De acordo
com o chefe do conselho de trabalhadores, Rüdiger Lütjen,
nós temos uma quantidade interminável de trabalho.
Apesar disso, cada pequeno emprego na companhia e em suas subsidiárias
está para ser destruído ou terceirizado. Por trás
da decisão não há nenhuma falta de bom-senso,
e sim uma direção clara para maximizar os lucros.
Até o ano de 2010, a companhia planeja economizar 6,6 bilhões
de euros, e pretende manter, após 2010, uma economia de
2 bilhões de euros por ano.
Isto será feito inteiramente às custas dos trabalhadores.
A venda de fábricas inteiras e a terceirização
da produção são feitas para cortar salários
e aumentar a produtividade em larga-escala.
O plano de reconstrução conhecido como Power
8 contempla 30% da produção do modelo A350,
que ainda está em planejamento, sendo realizada por fornecedores
estrangeiros na Europa, assim como em países de baixos
salários, como a China. Ao mesmo tempo, ao concentrar as
compras, o número de fornecedores será cortado de
10.000 para 7.000. Isso fará uma enorme pressão
para que estes reduzam seus preços, levando, inevitavelmente,
a mais cortes de empregos.
Dentro da companhia, a produtividade no setor de engenharia
será elevada em 15% nos próximos quatro anos, enquanto
os custos administrativos serão reduzidos em 30% durante
o mesmo período. O fechamento de fábricas inteiras
com pessoal altamente qualificado e treinado, e a crescente pressão
no trabalho por aumentar a produtividade terá conseqüências
inevitáveis para a qualidade e, a longo prazo, para a segurança
dos passageiros.
Quando a companhia foi fundada, há mais de 35 anos,
era claro que uma ambição e um projeto complexo
como a construção de jatos de passageiros modernos
requeria a convergência de recursos técnicos e financeiros
de toda a Europa. Após muitos anos de preparação
e participação substancial dos governos, a Airbus
surgiu como uma empresa franco-germânica. Em 1971, a Espanha
juntou-se ao projeto Airbus, e em 1979 a Grã-Bretanha.
Os custos de desenvolvimento para novos aviões, que estão
na casa dos bilhões, foram quase que exclusivamente bancados
por impostos.
Os governos envolvidos não estavam agindo por puro altruísmo.
O desenvolvimento de uma indústria européia de aviação
foi realizado a fim de desafiar a dominação norte-americana
do mercado mundial. Nos anos 60, os EUA produziam aproximadamente
85% de todos os aviões comerciais, enquanto a Europa produzia
apenas 10%. Muitos políticos, como o líder da União
Social Cristã alemã e primeiro chefe executivo da
Airbus, Franz Josef Strauss, observou que a construção
de uma eficiente indústria aérea européia
seria um importante passo no desenvolvimento de uma indústria
armamentista - que compartilha grande parte da tecnologia usada
na aviação.
Ao reunir recursos de vários países da européia,
a Airbus foi capaz de alcançar excelentes resultados técnicos.
Depois de problemas iniciais, como a lentidão nas vendas,
a Airbus fez uma mudança de rumos no final dos anos 70,
igualando-se nos anos 90 à sua única concorrente
- a Boeing, que é a maior fabricante norte-americana de
aviões.
O projeto mais ambicioso tecnicamente da companhia é
o A380, que está prestes a ser lançado. O A380,
que é o maior jato de passageiros produzido em massa no
mundo, pode carregar 850 passageiros por um percurso de 16.000
quilômetros, superando o desempenho do Boeing 747 Jumbo.
O desenvolvimento deste modelo teve um custo aproximado de 12
bilhões de euros.
Condições americanas
Os atrasos na entrega do A380 e os altos custos de desenvolvimento
para o A350 (um avião de longo alcance baseado em tecnologia
completamente nova), assim como a desvalorização
do dólar norte-americano, são considerados os principais
motivos das atuais dificuldades da Airbus, que estão sendo
usados como pretexto para lançar uma ofensiva de larga
escala contra os trabalhadores.
Esta foi a afirmação da revista de negócios
britânica Economist, que lamenta as rígidas
leis trabalhistas européias e sensibilidades
políticas que estimulam os mais drásticos
cortes de empregos. Em contraste, as leis trabalhistas mais
flexíveis dos EUA tornaram mais fácil para
a Boeing cortar a gordura. A revista conclui: enquanto a
Airbus é forçada a adaptar-se ao cortando custos
e terceirizando a produção, a empresa norte-americana
vai ganhando um tempo precioso para transferir a produção
para onde ela é mais barata.
Muitos especialistas atribuem os problemas financeiros da Airbus
à interferência política nas relações
da companhia. Nesse sentido escreveu Andreas Nölting, editor
da Manager Magazine: a Airbus somente terá
espaço para respirar quando a empresa se libertar completamente
dos políticos. Esta é a pura teoria da economia
de livre-mercado.
Isto simplesmente não faz sentido. Companhias privadas
como a Siemens, Volkswagen e Bayer-Schering recentemente realizaram
drásticas reestruturações às custas
dos empregos dos trabalhadores. A alemã Telekom anunciou
há pouco a terceirização de 50.000 empregados,
seguida de cortes nos salários em torno de 30%.
A Boeing, que é a maior rival da Airbus, realizou sua
própria reestruturação há seis anos,
transferindo a sede de seu maior complexo produtivo de Seattle
para Chicago. Durante os três anos anteriores à reestruturação,
a Boeing fechou um grande número de fábricas, eliminando
25.000 empregos na produção de aviões e 49.000
em toda a companhia.
O objetivo da operação foi tornar a Boeing uma
empresa global comprometida exclusivamente com o lucro dos
acionistas. O chefe executivo da companhia declarou que
era necessário cortar as amarras que nos prendiam
a Seattle e construir uma loja no maior mercado financeiro.
A intenção da Boeing é cortar os custos
de produção em mais de 50% - o que será alcançado
por meio da terceirização da produção
e da transferência das fábricas para outros locais
e países. Isto poderá permitir à companhia
rebaixar os salários e variar o número de trabalhadores
num curto espaço de tempo, aumentando ou reduzindo de acordo
com a demanda. Além disso, o tempo entre a encomenda e
a entrega foi reduzido pela metade por meio de um sistema chamado
produção direta. O programa mostrou
resultados imediatos. Em 2001, a Boeing registrou um faturamento
recorde de US$ 57 bilhões e obteve um lucro operacional
de 10% pela primeira vez numa década. O Power 8
da Airbus é uma resposta ao plano de reestruturação
da Boeing.
A reivindicação de um Estado
forte
Os conselhos de trabalhadores e os sindicatos reagiram ao esquema
de reestruturação da Airbus reivindicando a intervenção
do Estado.
Sem a iniciativa do Estado, a Airbus nunca teria existido.
Mas o tempo em que a economia nacional criou e assegurou empregos
e o progresso tecnológico é um passado distante.
Durante anos, tanto na Alemanha quanto na França, governos
conservadores e social-democratas, de forma semelhante, cortaram
sistematicamente os direitos dos trabalhadores e desregularam
o mercado de trabalho, como forma de proporcionar um território
livre para o capital financeiro.
O plano de reestruturação da Airbus provocou
fortes tensões entre a França e a Alemanha. No fim,
o presidente Jacques Chirac e a chanceler Angela Merkel trataram
pessoalmente do assunto. Entretanto, nenhum deles se opôs
ao programa Power 8. A maior preocupação
era distribuir a carga igualmente - ou seja, garantir
que os trabalhadores franceses e alemães sofram igualmente.
A aquisição de ações da Airbus
pelo Estado ou governos regionais também não é
a melhor forma. As regiões da Alemanha e da França
que sofrerão os maiores golpes decorrentes do plano de
reestruturação fizeram propostas semelhantes. Eles
têm o apoio dos sindicatos, assim como do candidato à
presidência pelo Partido Socialista Francês, Ségolène
Royal.
De acordo com seu presidente, Martin Malvy, a região
de Midi-Pyrénées, ao sul da França, está
preparada para adquirir uma parcela entre 5 a 10% da Airbus. Ele
teme a perda de 60.000 empregos em 480 empresas de tamanho médio
da região, como conseqüência da crise da Airbus.
Proposta similar foi feita pelo estado do norte alemão,
a Baixa Saxônia, que também sofrerá um pesado
impacto.
Esses governos regionais não estão dando uma
resposta satisfatória ao corte de empregos. Eles consideram
que a sua tarefa seja defender os interesses de sua região
às custas de todas as outras. Eles trabalham no princípio
de S. Florian: Sagrado S. Florian, preserve minha casa,
queime aquela do meu vizinho!
Já há algum tempo está ocorrendo na União
Européia uma competição entre as regiões.
Os mecanismos para realizar esta competição são
os cortes nos salários, nos impostos e nos gastos sociais.
Para tornarem-se atrativas aos investidores, as regiões
devem entrar numa briga de cachorro, onde cada uma busca derrotar
a outra. O resultado é a balcanização da
Europa, uma luta de todos contra todos, que produz a degradação
dos salários e dos padrões de vida dos trabalhadores,
enquanto os patrões acumulam gigantescos lucros, na sua
grande maioria livres de impostos.
Sindicatos dividem a classe trabalhadora
Os sindicatos estão atuando de forma criminosa ao incitar
os trabalhadores franceses e alemães uns contra os outros.
Nem o sindicato alemão IG Metall nem as federações
sindicais francesas enfrentaram de maneira principista a reestruturação
da Airbus - ao invés disso, estão trabalhando com
afinco nos conselhos de trabalhadores e comitês executivos
para preparar e implementar os planos da direção
da empresa, recebendo generosas retribuições e salários
neste processo. Quando lideram qualquer protesto, eles o fazem
somente como forma de dirigir o sentimento de revolta dos trabalhadores
dos seus países contra os trabalhadores de outros países.
Um mês antes da publicação do Power
8, os sindicatos franceses apresentaram seu próprio
estudo, que defendia que as fábricas francesas eram mais
produtivas do que aquelas na Alemanha. De acordo com Jean François
Knepper, vice-presidente do conselho europeu de trabalhadores
e membro do sindicato Force Ouvrière (FO), quando
alguém busca reorganizar a produção numa
base justa e limpa, a única coisa que deve ser levada em
conta é quem está tendo um melhor desempenho na
produção.
O chefe do conselho de trabalhadores alemão, Rüdiger
Lütjen (do IG Metall), respondeu da mesma forma. Ele chamou
a declaração de Knepper como insolente
e adicionou: os trabalhadores da Airbus alemã são,
pelo menos, tão produtivos quanto os franceses, e em grande
parte mais produtivos.
Não há melhor impulso aos planos da administração
que essa competição, onde os dois sindicatos tentam
provar quem tem um melhor desempenho e trabalha por
menos. Estas direções sindicais estão desrespeitando
os princípios mais elementares da solidariedade internacional.
E isso numa companhia onde franceses, alemães, ingleses
e muitos outros trabalhadores trabalham muito próximos
uns do outros, sendo que, em muitos casos, alguns chegaram a mudar-se
para um país vizinho por causa do seu trabalho.
Nem os sindicatos alemães e nem os franceses fizeram
uma defesa incondicional de todos os empregos - que é a
única exigência que pode ser realizada em conjunto
pelos trabalhadores afetados em todos os países envolvidos.
Com muito cuidado, os sindicatos asseguraram-se de que cada protesto
e demonstração realizado em diferentes locais permanecessem
separados um do outro, buscando sempre prevenir qualquer tipo
de ação que pudesse afetar diretamente a Airbus
na competição com a Boeing. Agora planejaram uma
greve de meio-dia em todos as fábricas da Airbus e uma
manifestação européia conjunta em Bruxelas
em 16 de Março, mas isso tem um caráter meramente
simbólico, cujo objetivo é encobrir o caráter
real da atuação dos sindicatos.
Comprometidos com o bem-estar das empresas às quais
eles servem, e completamente hostis a uma perspectiva socialista,
os sindicatos assumiram, há muito tempo, a função
de co-administradores das grandes companhias. Sob a pressão
da competição global e a constante ameaça
da transferência dos empregos para os países com
baixos salários, esses dirigentes sindicais consideram
que o seu trabalho seja defender a sua própria localidade,
e fazem isso lutando para aumentar os lucros das fábricas
nos seus países.
Essa atitude pode ser observada nos sindicatos de todo o mundo.
Recentemente, o conselho dos trabalhadores da empresa automobilística
alemã Volkswagen concordou em aumentar as horas de trabalho
sem um aumento correspondente nos salários, como forma
de garantir a transferência do modelo Golf de Bruxelas para
Wolfsburg, na Alemanha. A fábrica da Volkswagen de Forest,
em Bruxelas, está sendo gradualmente destruída.
Uma ruptura com os sindicatos e conselhos de trabalhadores
é a condição básica para a defesa
dos empregos na Airbus. Os trabalhadores devem estabelecer comitês
de defesa que entrem em contato uns com os outros e atinjam toda
a classe trabalhadora européia. Esses comitês devem
também fazer contato com os trabalhadores da Boeing. Os
trabalhadores da indústria aeronáutica na Europa
e nos EUA devem mostrar que eles não estão divididos
e não serão jogados uns contra os outros. A união
dos trabalhadores de ambos os lados do Atlântico é
a única base por uma luta efetiva contra o plano Power
8.
A construção de comitês de defesa contra
demissões em massa e cortes nos salários e benefícios
deve ser parte de uma perspectiva internacionalista e socialista,
que surge como a expressão do caráter internacional
da produção moderna e dos interesses comuns dos
trabalhadores em todo o mundo, uma perspectiva que proponha a
transformação socialista da sociedade, subordinando
os interesses por lucro do grande capital aos interesses sociais
e às necessidades da classe trabalhadora, que é
a vasta maioria da população.
Nós apelamos a todos os trabalhadores da Airbus e a
todos aqueles que apóiam sua luta para que construam comitês
de defesa em seus próprios locais de trabalho e que estabeleçam
contato com o comitê editorial do World Socialist Web
Site (WSWS) e discutam essas questões com nossos colegas.