Desde o início do mês de julho, várias
greves explodiram em diversas regiões do Peru. Desde o
dia 05 os professores da rede pública nacional (secundaristas)
cruzaram os braços em uma greve contra um decreto do governo
que imprime uma radical reforma educacional no país e atinge
diretamente o plano de carreira dos docentes. Segundo o SUTEP
(Sindicato Unitário dos Trabalhadores da Educação),
esta nova lei acarretará a perda de vários direitos
dos professores.
Desde então, os professores têm enfrentado a polícia
em manifestações em várias regiões
e cidades (Cerro de Pasco, Puno, Cusco, Huancayo, Piura, Iquitos,
Arequipa, entre outras) e, especialmente em Lima, a capital do
país.
Em Lima, os professores protestaram em frente ao Congresso
Nacional e, em vários locais (juntamente com os camponeses
e operários e mineiros), fecharam a Carretera Panamericana,
principal rodovia do Peru que liga Lima ao norte e ao sul do país.
Em Huancayo, os professores tomaram a sede do Ministério
da Educação exigindo que seja criado um projeto
de lei para discutir a carreira do magistério e que o mesmo
tenha a participação dos professores ligados ao
Sutep.
Também a CGT (Central Geral dos Trabalhadores), principal
central sindical operária do país, convocou uma
greve geral dos trabalhadores em nome de uma maior distribuição
de renda no país. Na cidade andina de Ayacucho, os camponeses
se uniram à greve geral. Desde o início do mês,
os camponeses ayacuchanos protestam por melhores condições
de crédito à agricultura campesina e chegaram a
manter preso por cinco horas o governador da província
de Huanto.
Em Lima, pelo menos sete mil pessoas se concentraram no centro
histórico da capital, vigiados de perto pela polícia.
Em Machu Pichu, uma das novas "sete maravilhas modernas do
mundo", as rodovias de acesso ao santuário incaico
foram bloqueadas e milhares de turistas chegaram a ficar isolados
nas montanhas por falta de transportes. Em Cuzco, os turistas
foram obrigados a deixar a cidade em bicicletas e carroças
devido à paralisação do transporte ferroviário.
Também os camponeses produtores de folhas de coca da
região amazônica do Peru teriam paralisado suas atividades
e fechado várias rodovias da região, em protesto
por mais créditos e contra a campanha de erradicação
forçosa do cultivo desta planta. Segundo a imprensa peruana,
há pelo menos 150.000 camponeses cultivando este produto
no país. Nesta região, o comércio está
fechado e os transportes públicos parados.
Se juntam ainda aos produtores de folha de coca, o produtores
de algodão, arroz e pecuaristas de todo o país.
O protesto se dirige também contra o Tratado de Livre Comércio
(TLC), que o governo peruano estaria negociando com o governo
dos EUA.
Diante de tal onda de greves e protestos que varrem o país,
qual a resposta do presidente Alan García? O governo simplesmente
taxou os grevistas de radicais, suicidas e loucos. O governo peruano
desde o início colocou a polícia para conter e enfrentar
os grevistas. O resultado é uma onda de violência
e mortes de civis, provocada, segundo os manifestantes, pelas
tropas governamentais.
Na região de Andahuaylas, um protesto de camponeses
liderado pela FEDRA (Frente Regional de Defesa Agrária)
pedia maiores subsídios ao governo e a eliminação
do Imposto Seletivo ao Consumo de Fertilizantes (ISC). No entanto,
a polícia reprimiu os manifestantes e o ex-prefeito da
cidade de Argama, Jorge Altamirano Morán, foi assassinado
à queima-roupa com um tiro de fuzil de tipo FAL, arma de
uso exclusivo das forças policiais, que perfurou o pulmão
esquerdo do ex-alcaide. Durante o funeral, mais de 3.000 pessoas
gritavam nas ruas de Andahuaylas "Alan García,
assassino! Polícia, assassina!".
Em Satipo, os confrontos com a polícia deixaram pelo
menos um camponês morto e sete feridos a bala, entre eles
um adolescente de 14 anos. Na capital, Lima, uma professora de
40 anos morreu com um tiro no enfrentamento com a polícia.
Também uma criança de doze anos morreu na cidade
andina de Abancay, durante as manifestações. Ali,
a polícia acusou, e prendeu, 16 professores pela morte
da criança.
Este fato gerou revolta na população, que foi
para a frente da Corte Superior de Justiça pedir a imediata
libertação dos presos. Em Huaraz, local de destino
de escaladores de montanhas de todo o mundo, os confrontos com
as forças do governo teriam ferido pelo menos dez policiais
e dois camponeses.
Na província de Apurímac os camponeses exigem
a renúncia do presidente regional e do alcaide porque,
nas palavras dos camponeses, eles "não nos representam
junto ao governo central".
Alan García, que está na presidência do
Peru a menos de um ano e derrotou nas eleições o
pseudo-nacionalista Ollanta Humala, aliado de Hugo Chávez,
presidente da vizinha Venezuela, faz um governo pró-EUA
e está em vias de passar a fazer parte do Tratado de Livre
Comércio (TLC) com os Estados Unidos, juntamente com Colômbia
e Equador.
García prometeu ao governo americano um combate rigoroso
à produção de folha de coca e, em especial,
à transformação dela em cocaína. Segundo
o jornal on-line RPP (18/0707), em 2003 havia 44.200 hectares
de terras produzindo folhas de coca no país. Em 2004, este
número havia passado para 50.300 hectares, um aumento de
14% nas terras de cultivo da folha no Peru.
O jornal diz ainda que, em contraposição a esta
política governista de erradicação do plantio
da cultura da coca, a região sul-andina de Cuzco oficializou
uma ordem que "declara patrimônio regional a coca e
também legaliza seu cultivo em um vale para uso tradicional
e industrialização".
Este enfrentamento entre as autoridades locais, em especial
de governadores provinciais e prefeitos de várias cidades,
e o governo central se manifestou também no apoio de várias
destas autoridades regionais e locais aos protestos dos grevistas
da educação, dos camponeses e trabalhadores em geral.
Muitos presidentes regionais (governadores de províncias)
inclusive lideram os movimentos grevistas, como é o caso
(entre outros) de Hugo Ordóñez, presidente da província
de Tacna, do Partido Nacionalista, e de Ernesto Molina, presidente
da província de Ayacucho, ambos de oposição
ao governo de Alan García.
Segundo a ministra de Comércio Exterior do Peru, Mercedes
Aráoz, com as greves nas regiões turísticas,
em especial em Cuzco e Machu Picchu, deixam de circular na economia
do país pelo menos 500 mil dólares diários
de turistas de todo o mundo que querem conhecer as cidades históricas
e os santuários incaicos.
Em resposta a esta rebeldia de autoridades regionais, que vem
já de algum tempo, a presidência da república
fez aprovar no último dia 26 de abril no congresso, de
maioria governista, uma lei que dá faculdades extraordinárias
ao presidente Alan García para que este possa legislar
por decreto durante 60 dias. Com tais poderes, o governo tornou
público no último dia 21 um pacote de medidas contendo
onze novas leis que revoga várias leis constitucionais.
Entre estas normas decretadas, inclui-se a proibição
dos altos funcionários do Estado (ministros, congressistas,
alta direção dos ministérios, presidentes
e governadores regionais e alcaides) de participarem das greves
ao lado dos manifestantes, sob pena de perda imediata do cargo:
"O artigo 220 precisa que os funcionários públicos
que desempenham cargos de confiança ou direção
serão inabilitados a participarem de uma greve".
Segundo o jurista peruano Aníbal Quiroga, esta medida
tem como meta principal calar as autoridades locais, ao mesmo
tempo em que "distorce tanto as funções dos
presidentes como também o processo de descentralização
[político-administrativa]".
Neste pacote de medidas, o presidente também deu carta-branca
para que as forças armadas do país possam reprimir
violentamente as manifestações grevistas. Segundo
o jornal peruano on-line La República, de 23/0707,
o Código Penal foi alterado para legalizar a morte de civis
pelas forças armadas: "O artigo 20 desta norma estabelece
a inimputabilidade para os membros das Forças Armadas que,
no cumprimento de seu dever e no uso de suas armas na forma regulamentada,
causem lesões ou morte'".
Ainda segundo o jornal, o diretor da Associação
dos Direitos Humanos do Peru (Aprodeh), Francisco Soberón,
"não se pode exonerar de responsabilidade penal as
Forças Armadas antes da realização de suas
operações... Isso é atribuição
do juiz e dos fiscais que coletam as denúncias contra".
Tais medidas de Alan Garcia, no entanto, foram rechaçadas
pelos presidentes regionais de Áncash, Apuríma,c
Arequipa, Cajamarca, Cusco, Huánuco, Ica, Lambayeque, Loreto,
Moquegua, Puno, Tacna e Ucayali. Estes governadores, juntamente
com os prefeitos locais, já se pronunciaram totalmente
contrários a tais decretos. As críticas mais duras
teriam partido das autoridades de Arequipa, Loreto, Tacna e Ucayali,
os quais questionam a constitucionalidade de tais decretos governamentais.
O presidente da província de Tacna, Hugo Ordóñez,
disse que o pacote de medidas "é de cunho antidemocrático,
torna vulnerável o estado de direito e viola a Constituição".
Segundo o advogado penal Mario Amoretti, as medidas tomadas
pelo governo de Alan García são "muito preocupantes",
pois, quando o governo pediu ao congresso poderes extraordinários
para poder legislar por decretos "explicou que era para enfrentar
e reprimir o crime organizado, mas a maioria dos artigos deste
pacote de leis está direcionada para reprimir aqueles que
realizam greves ou protestos".
O advogado diz ainda que algumas destas leis determinam a prisão
de até 35 anos para quem dirigir uma greve. Para Amoretti,
Alan García teria tomado medidas que nem mesmo Alberto
Fujimori (que teria governado o país de forma ditatorial
durante a década de 1990) teria decretado: "Nem
Fujimori ditou leis tão duras e perigosas" (La
República - 23/0707).
Alan García, deste modo, ao proibir todas as principais
instâncias do executivo e legislativo peruanos de apoiarem
abertamente as greves populares, bem como ao garantir legalmente
a não-punição aos militares que matarem grevistas
civis, caminha cada vez mais para um governo bonapartista onde
todo o poder se concentra nas mãos de um serviçal
do grande capital.
No Peru de Alan Garcia, para garantir a irracionalidade do
capitalismo e a acumulação de lucros nos bolsos
da burguesia, pisar em cima da Constituição, amordaçar
a sociedade civil, concentrar todo o poder em mãos do presidente
e matar impunemente trabalhadores em greves tornou-se, assim,
norma legal.