Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 13 de Janeiro de 2005.
No fim de semana de 8 e 9 de Janeiro, 2005, o Partido da
Igualdade Socialista (SEP) organizou um encontro nacional em Ann
Arbor, Michigan. Esta é a última das três
partes do relato de abertura feito por David North, o secretário
nacional do SEP e presidente da comissão editorial do Site
Socialista de Interligação Mundial(wsws.org).
Na Resolução de perspectivas adotada em agosto
de 1988, o Comitê Internacional da Quarta Internacional
(CIQI) identificou os seguintes elementos críticos de uma
crise revolucionária emergente:
1) A integração do mercado mundial e a integração
global do processo de produção sem precedentes históricos,
das quais a corporação transnacional é a
expressão institucional. Esse processo global intensificou
a contradição fundamental entre economia mundial
e o sistema de Estado nacional.
2) A perda por parte dos Estados Unidos de sua hegemonia econômica
mundial. Essa foi uma mudança histórica que encontrou
sua melhor expressão na transformação dos
EUA de nação credora para nação devedora.
O precipitado declínio econômico dos Estados Unidos
foi a causa essencial da deterioração dos níveis
de vida de largas camadas da classe trabalhadora.
3) A intensificação de conflitos inter-imperialistas,
uma vez que tanto a Europa como o Japão ameaçavam
diretamente a posição dos Estados Unidos no mercado
mundial.
4) A rápida expansão das economias do Sudeste
Asiático, que havia levado à formação
de destacamentos inteiramente novos de proletariado industrial.
Tendências similares estavam em curso na África e
na América Latina. Do ponto de vista global, isso significava
um enorme fortalecimento do potencial econômico e do poder
social da classe trabalhadora.
5) O contínuo empobrecimento de grande parte do Terceiro
Mundo e a total falência das estratégias da
burguesia nacional nesses países.
6) A desestabilização da ordem política
do pós 2ª Guerra, a qual decorreria da guinada a políticas
de restauração capitalista por todos os contingentes
de burocracia stalinista (URSS, Leste Europeu e China).
Quase 17 anos se passaram desde a publicação
dessa análise. A elaboração de uma nova perspectiva
mundial requer que seja feita uma avaliação da perspectiva
elaborada em 1988. Primeiramente deve-se dizer que uma perspectiva
não é uma nota promissória, é um prognóstico,
e, como apontou Trotsky, quanto mais concreto o prognóstico,
mais condicional ele é.
Como diz um ditado, previsões são extremamente
difíceis de se fazer, principalmente sobre o futuro! Aqueles
que querem o futuro previsto com exatidão infalível
devem se dirigir ao oráculo mais próximo.
Não obstante, tendo feito essas advertências,
acredito que a análise de 1988 se mantém fortemente.
Iniciarei pelo último dos elementos essenciais da crise
mundial que foram identificados pelo CIQI em 1988: as conseqüências
revolucionárias e desestabilizadoras que antecipamos como
resultantes da guinada das burocracias stalinistas a políticas
pró-mercado. Permitam-me destacar que os alertas feitos
na resolução de perspectivas de 1988 (e em outros
documentos da época), de que as políticas implementadas
por Gorbachov sob a bandeira da glasnost e da perestroika
representaram um estágio de apogeu das políticas
contra-revolucionárias do stalinismo, eram completamente
opostas ao apoio recebido pelo último líder soviético
por parte dos teóricos pablistas.
Ernest Mandel, que em 1953 foi o co-pensador mais próximo
de Michel Pablo e que depois se transformou no principal teórico
do movimento revisionista, saudou Gorbachov como sendo o político
mais brilhante do mundo e denunciou como absurdas
as afirmações de que suas políticas eram
direcionadas à restauração do capitalismo.
O protegido de Mandel, Tariq Ali, foi tão longe a ponto
de dedicar um livro a Boris Yeltsin. A miopia dos revisionistas
talvez possa ser, pelo menos um pouco, desculpada quando notamos
que a burguesia internacional não possuía uma visão
tão apurada assim em suas apreciações acerca
das conseqüências das políticas de Gorbachov.
Todos eles confessaram em seguida que foram completamente tomados
de surpresa pela repentina queda dos regimes stalinistas no Leste
Europeu e na URSS.
Revendo a análise feita pelo CIQI da crise dos regimes
stalinistas, pode-se dizer sem medo de contestação
que elas anteciparam as reviravoltas de 1989-1991, as quais incluem
a revolta de massas dos estudantes e trabalhadores na China que
culminou com o massacre da Praça da Paz Celestial. O que
não poderia ser previsto era o resultado político
imediato dessa crise, ao longo da qual ficou claro que décadas
de repressão stalinista, dirigida acima de tudo sobre tendências
socialistas na classe trabalhadora e intelligentsia, haviam deixado
cicatrizes profundas na consciência das massas. Pouco restava
da perspectiva socialista que uma vez inspirou largas camadas
da classe trabalhadora. Com o encorajamento das burocracias, os
protestos de massas no Leste Europeu e depois na URSS foram canalizados
a uma linha pró-capitalista. Portanto, o resultado inicial
das revoltas anti-stalinistas foi o estabelecimento de regimes
restauracionistas.
Porém, isso não invalida a perspectiva que havia
sido adiantada pelo CIQI, principalmente quando consideramos ramificações
históricas mais abrangentes dos eventos de 1989 a 1991.
O quê, na análise final, levou à repentina
dissolução dos regimes stalinistas no Leste Europeu
e na URSS?
Paradoxalmente, esses regimes provaram ser os pior adaptados
ao impacto das tendências econômicas que o Comitê
Internacional havia identificado em sua análise da crise
econômica mundial, nomeadamente, da aceleração
na globalização econômica. Não foi
o atraso das economias do Leste Europeu e da União Soviética,
e sim sua crescente complexidade que constituiu os moldes de auto-suficiência
nacional autárquica cada vez mais insustentável.
Mas quanto mais essas economias buscaram, sob pressão da
necessidade, acesso aos recursos do mercado mundial (através
da expansão do comércio, do encorajamento a investimentos
internacionais e da busca de créditos), mais elas expunham
suas empresas a pressões impiedosas para as quais estavam
mal preparadas.
A reação inicial da classe trabalhadora soviética
às políticas pró-mercado de Gorbachov foi
uma série de greves altamente politizadas, principalmente
dos mineiros. Cada vez mais temerosos de um movimento à
esquerda da classe trabalhadora, as burocracias stalinistas fizeram
o que puderam para assegurar que a queda de seus regimes colocaria
o poder nas mãos de setores pró-capitalistas. E
nisso eles foram bem sucedidos. Mas o resultado político
das reviravoltas não altera o fato de que sua origem econômica
era latente nos processos postos em movimento pela globalização.
A questão da forma política não é
insignificante. Não somos indiferentes às conseqüências
políticas da queda dos regimes stalinistas. A restauração
do capitalismo na Europa do Leste, na antiga URSS e na China teve
um impacto colossal no desenvolvimento da política mundial
e, devemos acrescentar, na economia mundial nos anos 90 e na primeira
década do século XXI. Para apreciarmos a magnitude
das conseqüências da restauração do capitalismo,
temos apenas que nos perguntar como seria o mundo hoje se os eventos
no Leste Europeu, URSS e China tivessem culminado em revoluções
políticas que colocassem no poder regimes democráticos
e socialistas da classe trabalhadora. No mínimo, eu duvidaria
muito que teríamos assistido a exuberância especulativa
que alimentou o aumento nos valores das ações em
Wall Street e em outros mercados acionistas durante os anos 90.
Não há dúvidas que a queda da União
Soviética fez crescer, ao menos temporariamente, a autoconfiança
da burguesia internacional e americana. Principalmente para os
Estados Unidos, o fim da URSS abriu caminhos vastos e novos ao
exercício de seu poderio militar.
Porém, se considerarmos o estado do capitalismo mundial
e a posição dos Estados Unidos dentro do sistema
de outros elementos da crise internacional identificada no documento
de 1988, e dentro do contexto ainda mais abrangente da situação
pós Breton Woods tomada como um todo, um quadro mais realista
se colocará à nossa vista. Todos os elementos de
crise aos quais apontou o CIQI em 1988 ainda persistem em 2005.
Na verdade, eles se tornaram mais intensos e perigosos.
Vista historicamente, a queda da URSS não curou as profundas
doenças internas do sistema capitalista mundial e nem criou
um panorama para seu desenvolvimento progressivo. Pelo contrário,
ela abriu novas áreas de expansão para suas malignidades
fatais. Longe de uma diminuição nas conseqüências
da dissolução da URSS, a última década
e meia viu uma intensificação tremenda nas contradições
entre os inevitáveis processos de globalização
econômica e os imperativos absolutos do arcaico sistema
de Estado-Nação. Quanto aos conflitos históricos
entre poderes imperialistas maiores, estes foram exacerbados pela
queda da URSS, cuja existência possuía um dos fatores
que, desde o fim da Segunda Guerra, haviam restringido a tendência
a conflitos entre Estados capitalistas. A última década
e meia também presenciou um massivo avanço no tamanho
e poder da classe trabalhadora asiática.
O documento de 1988 colocou grande ênfase no declínio
econômico dos Estados Unidos e na perda resultante de sua
posição hegemônica. Esse processo não
foi revertido durante os últimos 17 anos, mesmo apesar
das tentativas dos Estados Unidos em atingir tal reversão
através do uso do poder militar. De fato, a dependência
cada vez mais inevitável da violência para atingir
seus objetivos globais reflete não somente um declínio
no poder econômico, mas um estado de profunda desorientação
da elite americana ávida por dinheiro.
Eu havia me referido anteriormente à quebra do sistema
Bretton Woods. Esse evento, eu havia explicado, foi um ponto de
virada no destino do capitalismo pós-guerra. O fim de um
sistema baseado na conversibilidade do dólar ao ouro revelou
os limites do poderio econômico do capitalismo americano
e colocou em movimento um prolongado processo de declínio
econômico. Um exame da posição econômica
do capitalismo americano, que se concentra na dimensão
das dívidas e déficits dos EUA e não no poder
de fogo de seu arsenal militar, indica claramente que estamos
agora em um estágio bem avançado da crise que foi
aberta com o colapso do sistema Bretton Woods em agosto de 1971.
Os índices objetivos do declínio
americano
Durante este ano, nos círculos financeiros internacionais
se expressaram preocupações crescentes sobre o estado
da economia americana, em especial sobre os enormes déficits
em conta corrente e na posição do investimento internacional
líquido (NIIP), e sobre o impacto desses déficits
no valor do dólar americano. A seriedade dessas preocupações
levantadas e a queda no dólar refletem o reconhecimento
de que esses problemas não são somente americanos,
esses problemas são mundiais.
Mesmo após a passagem de quase 35 anos, a burguesia
mundial não foi capaz de encontrar uma alternativa estável
ao Bretton Woods. O sistema prevalecente de taxas flutuantes nunca
passou de uma série de ajustes ad hoc, perpetuamente vulneráveis
a sérias turbulências no câmbio internacional.
Antes de 1971, o dólar americano garantia estabilidade
financeira mundial. Desde então, ele é o principal
agente de instabilidade financeira. Essa situação
perigosa deriva do fato de que o dólar permanece, apesar
das eternas flutuações e de seu valor nos mercados
cambiais mundiais, a maior moeda de reserva mundial. Em relação
a esse fato, várias observações devem ser
feitas:
Primeiramente, a significância crucial das flutuações
nas moedas e que estas expressam um desequilíbrio fundamental
dentro de uma economia mundial fraturada pela persistência
do Estado nacional. Uma organização econômica
racional da economia mundial seria aquela vastamente estimulada
por uma única e universalmente válida moeda mundial
estável. Isso foi reconhecido na década de 40 pelos
representantes burgueses com visão de maior alcance. Franklin
Delano Roosevelt brincou com a idéia de propor o estabelecimento
de uma moeda mundial, a qual propôs que se chamasse unitas,
e pediu a seu conselheiro econômico que tinha uma queda
pelo socialismo, Harry Dexter White, para que pensasse em planos
para sua realização. Mas Roosevelt, sempre realista,
compreendeu que essa expressão particular de seu altruísmo
social instintivo não era compatível com os interesses
do capitalismo americano. A proposta nunca viu a luz do dia. Significantemente,
ao mesmo tempo, o economista britânico John Maynard Keynes
estava desenvolvendo seu próprio esquema de uma moeda mundial,
a qual chamou de bancor. Mas sem apoio americano, ela foi
o que os britânicos chamariam de algo fadado à
derrota. S Sob o capitalismo, a moeda nacional funciona
como a emissária da burguesia de cujo Estado ela é
emitida. Qualquer relação entre a política
monetária nacional da qual tal moeda é uma representante
e o bem maior da economia global é certamente bem-vinda,
mas, em última análise, não deve ser esperada.
Em segundo lugar, os Estados Unidos tirou e continua a tirar
uma enorme vantagem econômica da posição privilegiada
que o dólar ocupa desde 1947 como a principal moeda de
reserva mundial. Na medida em que o dólar é empregado
como meio de transações financeiras internacionais,
e é portanto intencionalmente acumulado por bancos centrais
de todo o mundo, os Estados Unidos são livres dos obstáculos
fiscais e financeiros que são impostos a todos os outros
países. É-lhes permitido administrar déficits
em conta corrente para muito além do que seria considerado
tolerável para qualquer outro país. No entanto,
até mesmo para os EUA, chega-se a um ponto no qual o tamanho
do déficit se torna uma questão preocupante e até
mesmo alarmante. Um trilhão em dívidas aqui e um
trilhão lá e, de repente, estamos falando de dinheiro
de verdade. Aí então, até os presidentes
dos bancos centrais começam a passar noites em branco preocupados
com o valor dos dólares acumulados em seus cofres.
Em terceiro lugar, a crise atual do dólar chega em um
momento no qual a soberania global da moeda americana encara um
desafio sem precedentes na história, na forma do euro.
O economista vencedor do prêmio Nobel Robert Mundell escreveu
recentemente que os dois eventos mais importantes na economia
mundial durante os últimos 50 anos foram, primeiro, a queda
do sistema Bretton Woods em 1971, e segundo, o lançamento
do euro. Agora mesmo, uma porcentagem substancial e rapidamente
crescente das transações internacionais financeiras
está denominada em euros, o que faz crescer as pressões
financeiras sobre os Estados Unidos.
Enquanto maníacos iludidos de direita como o colunista
Charles Krauthammer celebram a emergência de um mundo unipolar,
dominado pelos Estados Unidos, os mercados financeiros mundiais
se tornaram, definitivamente, bipolares. E enquanto outro estrategista
da hegemonia americana, Walter Russel Meade, ignora com desdém
as objeções européias à guerra no
Iraque e prevê que os Estados Unidos irão lidar com
os obstrucionistas franceses no tempo certo, além de observar
cinicamente que a vingança é um prato que
se serve frio, se esquece de considerar que os Estados Unidos
poderão ser obrigados a pagar pelos ingredientes desse
prato em euros.
O surgimento do militarismo americano é profundamente
conectado a essas tendências econômicas desfavoráveis.
Através do uso de poder militar, os Estados Unidos esperam
ganhar vantagens geo-estratégicas que possam ser usadas
para finalizar ou reverter o declínio em sua influência
econômica. No entanto, os custos de manutenção
de um arsenal militar massivo e de financiamento de suas operações
militares globais acabam por exacerbar o problema financeiro que
subjaz a isso. Os enormes déficits orçamentários
contribuem para a deterioração dos déficits
em conta corrente, para um maior enfraquecimento do dólar
e para a maior atratividade do euro como uma alternativa. Durante
os últimos três anos, a taxa de câmbio do dólar
decaiu em relação ao euro aproximadamente 35% [ver
quadro 1]. Portanto, os Estados Unidos estão encurralados
em um dilema político para o qual não conseguem
encontrar uma saída racional.
Quadro 1. Número de euros para um dólar (médias
mensais), 2001-2004. Fonte: www.x-rates.com.
Em relação ao euro, deve-se afirmar que sua atratividade
é de um caráter relativo, ao invés de absoluto.
O euro só aparece bem quando posto ao lado de seu feioso
irmão mais velho. O projeto de unidade européia,
da qual o euro é o produto, é rachado de contradições
internas.
Vejamos agora os números: O déficit comercial
dos Estados Unidos totalizou 420 bilhões de dólares
em 2002, excedeu 500 bilhões em 2004 e espera-se que o
déficit passará para muito além de 600 bilhões
em 2005 [ver quadro 2]. A posição do investimento
internacional líquido (NIIP) dos Estados Unidos - o
estoque total de concessões estrangeiras acumuladas sobre
os Estados Unidos (subtraindo os débitos e patrimônios)
menos o estoque de concessões americanas sobre o restante
do mundo [1] - aumentou de -360 bilhões em 1997 para
-2,65 trilhões em 2003. Ainda não temos os números
finais, mas espera-se que a NIIP estará ao redor de -3,3
trilhões em 2004. Esse número representa 24% do
produto interno bruto (PIB) dos Estados Unidos. Devemos nos lembrar
que a NIIP americana era positiva até 1989. Até
1995, a posição do investimento internacional líquido
era de apenas -306 bilhões, mas ao final de 1999 havia
alcançado -1 trilhão. A hemorragia deve continuar
e os Estados Unidos continuará a administrar déficits
enormes em conta corrente, o que fez com que tivessem que emprestar
665 bilhões de dólares em 2004 [ver quadro 3]. Ninguém,
com a possível exceção de Bush e seus seguidores,
acredita que esta situação se mantenha por muito
tempo.
Quadro 2. Exportações e importações
dos EUA, 1960-2002. Fonte: US Bureau of Economic Analysis
Quadro 3. Balanços de conta corrente dos EUA, 1960-2002.
Fonte: US Bureau of Economic Analysis.
O déficit em conta corrente é decorrente do aumento
extraordinário no déficit orçamentário
federal [Ver quadro 4].
Quadro 4. Déficit/Superávit orçamentário
do governo americano, 1972-2003. Fonte: Congressional Budget Office.
Números a partir de 2003 são projetados a partir
de julho de 2003.
Permitam-me citar um artigo de co-autoria do secretário
do tesouro, Robert Rubin e dos notáveis economistas Allen
Sinai e Peter Orszag:
O orçamento federal dos EUA está em um
caminho insustentável. Na ausência de qualquer mudança
significativa em sua política orçamentária,
os déficits do governo federal devem chegar a 5 trilhões
de dólares na próxima década. Tais déficits
farão com que as dívidas governamentais aumentem
significantemente em relação ao PIB. A partir de
então, quanto mais a geração do baby
boom (nascidos de 1945 a 1964) alcançar a idade de
aposentadoria e requerer serviços sociais e hospitalares,
os déficits governamentais tendem a aumentar mais ainda.
A escala dos desequilíbrios orçamentários
projetados pela nação está agora tão
grande que o risco de severas conseqüências adversas
deve ser levado muito a sério, apesar de ser impossível
prever quando tais conseqüências possam ocorrer...
A perda de confiança entre investidores nacionais
e estrangeiros (conseqüente desses déficits) poderia
afastar carteiras dos ativos em dólar e assim fazer pressão
para que as taxas de juros domésticas subissem. Essas
mesmas forças poderiam levar investidores e negócios
a reduzirem o uso do dólar como moeda mundial principal
para transações internacionais. Isso, por sua vez,
limitaria a habilidade dos Estados Unidos financiarem déficits
em conta corrente através de passivos em dólar e
portanto aumentar a exposição líquida da
nação a mudanças substanciais nas taxas de
câmbio.
Sob esse tipo de cenário, o aumento nas taxas
de juros, a depreciação do dólar e o declínio
na confiança dos investidores reduziriam quase certamente
os preços das ações e da riqueza familiar,
além de aumentar os custos de financiamento às empresas.
Esses efeitos poderiam então se espalhar dos mercados financeiros
à economia real. [2]
Um estudo publicado pelo Escritório Orçamentário
do Congresso (CBO), citado por Rubin, Sinai e Orszag em seu relatório,
apresentou o seguinte cenário apocalíptico:
Investidores internacionais poderão parar de investir
em títulos americanos, a taxa de câmbio do dólar
poderá afundar, as taxas de juro poderão subir,
os preços aos consumidores poderão aumentar muito
ou a economia poderá contrair-se fortemente. Em meio à
antecipação dos lucros em queda e da inflação
e taxas de juros em ascenso, os mercados financeiros poderão
entrar em colapso e os consumidores reduzirem subitamente o consumo.
Além disso, problemas econômicos nos Estados Unidos
poderiam vazar ao restante do mundo e enfraquecer seriamente as
economias dos parceiros comerciais americanos.
Uma política de inflação mais alta
poderia reduzir o valor real das dívidas governamentais,
mas a inflação não é uma estratégia
propícia em longo prazo para lidar com déficits
orçamentários persistentes... Se o governo continuasse
a imprimir dinheiro para financiar o déficit, a situação
levaria eventualmente à hiperinflação (como
aconteceu na Alemanha dos anos 20, Hungria nos anos 40, Argentina
nos anos 80 e Iugoslávia nos anos 90)... Uma vez que um
governo perde a credibilidade nos mercados financeiros, reconquistá-la
pode se provar difícil.
Ao apresentarmos esses números e citarmos a opinião
de experts, não é nossa intenção afirmar
que qualquer uma das possibilidades sugeridas acima devam se confirmar
precisamente da forma indicada pelo relatório do CBO. Deve-se
admitir, apesar de toda evidência contrária, que
ainda há setores influentes da elite americana que não
estão dispostos a seguir com a administração
de Bush enquanto ela caminha cegamente para o abismo. Antes que
o déficit em conta corrente chegue a 50% ou 70% do PIB
e o valor do dólar caia mais 30% ou 40%, além dos
35% de queda já sofridos nos últimos 3 anos, certos
setores poderosos da burguesia intervirão para exigir uma
mudança no curso. Mas qual alternativa é possível?
Não interessam quais políticas alternativas são
propostas, todas carregam com si sérias conseqüências.
Além do mais, todas as políticas alternativas, sem
mencionar a continuação do curso atual, devem levar
a ataques mais profundos nos níveis de vida e nas condições
sociais da classe trabalhadora dos Estados Unidos.
Nunca se deve esquecer que o processo histórico fundamental
do qual esses índices são uma expressão é
o prolongado declínio do capitalismo americano. O destino
do dólar está inevitavelmente ligado ao poder produtivo
e à posição mundial da indústria americana.
O auto-enriquecimento repugnante da classe dominante - de fato,
o que o faz tão particularmente repugnante - é que
o processo de fazer dinheiro foi ficando cada vez mais divorciado
da capacidade produtiva real da indústria americana. O
capital americano vasculha o mundo atrás de mão-de-obra
e matéria-prima baratas enquanto a base manufatureira de
sua indústria se deteriora e os níveis de vida de
amplas camadas da classe trabalhadora estagnam ou se deterioram.
Quais, então, são nossos prognósticos
políticos? A classe dominante americana não pode
se livrar desta crise com medidas pacíficas, e isso se
aplica não somente à sua política internacional,
mas dentro dos Estados Unidos também. Além das fronteiras
dos EUA, as ações do imperialismo americano se tornarão
ainda mais precipitadas e brutais. O fato extraordinário
de o governo americano ter proclamado, sem pudor, que a guerra
é um meio aceitável e apropriado para se atingir
metas geo-estratégicas só pode ser entendido como
expressão de um conhecimento muito nítido de que
não há outra forma de os Estados Unidos compensarem
sua perda da posição proeminente que ocupavam nas
décadas seguintes à 2ª guerra.
Se os EUA querem manter sua posição de poder
imperialista dominante, eles devem assegurar seu acesso às
fontes essenciais de petróleo e gás natural no Oriente
Médio e Ásia. Não só isso, como também
devem se colocar em uma posição na qual tenham a
palavra final na alocação desses recursos críticos
a outros poderes influentes, que incluem não só
a Europa e Japão, mas também China e Índia.
E, finalmente, devem certificar-se de que o preço do petróleo
seja cotado em dólares, e não em euros.
Mas a agenda sanguinária do imperialismo americano requer
o re-direcionamento de recursos financeiros essenciais da área
social da economia para a área militar. Isso não
pode ser atingido sem uma séria exacerbação
das já preocupantes tensões sociais existentes nos
Estados Unidos. O que a administração de Bush pode
fazer? Não há nenhuma resposta boa e fácil:
Mutatis mutandis, levando-se em consideração
as evidentes diferenças, a situação que confronta
a administração de Bush quando esta adentra o quarto
ano de sua falsa e auto-proclamada guerra ao terror,
é assustadoramente parecida com a que confrontava o regime
nazista no fim dos anos 30, às vésperas da 2ª
guerra. Como explicou um perspicaz historiador:
... do ponto de vista [nazista], parecia não haver
qualquer problema de política econômica ou social
em 1938/39 para o qual houvesse soluções simples
ao alcance das mãos. As preparações forçadas
para a guerra desde o início de 1938 haviam esgotado as
capacidades e as reservas de todos os lados... As dificuldades
convergiram em uma crise geral que abraçava todo o sistema
econômico e governamental; no cerne disso encontrava-se
a questão de como o produto social deveria ser dividido
entre as necessidades civis e militares. Em outras palavras, o
governo se encontrava diante do problema político agudo
de quanto sacrifício poderia exigir do povo em troca de
rearmamentos e guerra. [3]
Se isso foi um problema num país onde a burguesia havia
conduzido ao poder a ditadura mais brutal e impiedosa que o mundo
havia visto, o dilema político enfrentado pela administração
de Bush é ainda mais agudo. Já existe uma grande
oposição popular a seu governo. O próprio
fato de que sua administração não encontra
meios de expressão dentro das estruturas políticas
existentes transmite a essa oposição social latente
um caráter excepcionalmente explosivo.
A tarefa do Partido da Igualdade Socialista deve ser se basear
na lógica da crise econômica mundial, antecipar uma
renovação da luta social nos Estados Unidos e orientar-se
pela força revolucionária da sociedade americana
- a classe trabalhadora. Para aqueles que não conhecem
a história dos conflitos sociais nos Estados Unidos, dos
anos 1870 ao fim dos anos 1980, e que cresceram e amadureceram
em um ambiente social no qual greves, confrontos com a polícia,
atos de massas e outras formas típicas da luta de classes
como tradicionalmente praticadas nos Estados Unidos por mais de
um século são quase desconhecidas, essa insistência
no papel revolucionário da classe trabalhadora pode parecer
utópica, quando não totalmente estranha. Mas a experiência
histórica demonstra que a imobilidade, ou, usando palavras
mais apropriadas, a indiferença e a estagnação
da última década e meia representam uma divergência
absoluta dos padrões originais da história social
americana.
Se estudarmos os índices mais básicos de conflito
de classes nos Estados Unidos - estatísticas de greve -
ficamos completamente chocados com o desaparecimento virtual de
ações de massas durante as últimas duas décadas
[ver quadros 5, 6 e 7]. O número de trabalhadores envolvidos
em paralisações, o número de dias de trabalho
perdidos e, mais importante, a porcentagem do total de tempo de
trabalho perdido em decorrência de greves caiu a ponto de
agora ser quase insignificante. Esses números são
completamente atípicos em relação ao padrão
básico de relações de classe enquanto elas
se desenvolviam nos EUA entre 1870 e 1980.
Quadro 5. Número de trabalhadores envolvidos em paralisações
com mil ou mais trabalhadores, 1947-2003. Fonte: US Bureau of
Labor Statistics.
Quadro 6. Número de dias de trabalho ociosos devido
a paralisações envolvendo mil ou mais trabalhadores,
1947-2003. Fonte: US Bureau of Labor Statistics.
Quadro 7. Fração de tempo de trabalho perdido
em decorrência de paralisações envolvendo
mil ou mais trabalhadores, 1947-2003. Fonte: US Bureau of Labor
Statistics.
Qual explicação deve ser oferecida para o surpreendente
declínio nos índices mais primários de conflito
social nos Estados Unidos? Ou a classe trabalhadora americana
se tornou completamente indiferente à queda em sua posição
social e o enorme crescimento da desigualdade social durante as
últimas duas décadas foi atingido sem influenciar
de qualquer forma tensões e conflitos na sociedade americana,
ou a estrutura política existente e as formas de
organização através das quais os trabalhadores
tradicionalmente expressavam seu descontentamento social trabalharam
de forma a suprimir todas as manifestações de raiva
da classe trabalhadora. A última é uma explicação
muito mais plausível. É também a explicação
correta.
A emergência da classe trabalhadora como uma força
política revolucionária e independente não
é só uma questão de organização,
mas de consciência social, perspectiva política e
visão teórica que enxergue dentro das leis da história
e do modo de produção capitalista. Durante as décadas
na qual gozou de influência expressiva nos Estados Unidos,
o movimento trabalhista se devotou a extirpar todos os traços
desses componentes intelectuais essenciais de consciência
de classe. Mais do que isso, seu provincianismo nacional, combinado
com uma devoção servil ao Partido Democrata, bloqueou
qualquer resposta efetiva à ofensiva capitalista da década
de 80 e às novas condições econômicas
criadas pela globalização capitalista.
A renovação de intensos conflitos sociais e de
classe nos Estados Unidos e internacionalmente é inevitável.
Nossa tarefa agora é preparar-nos para a inevitável
renovação do conflito de classes em escala mundial
através da elaboração de uma perspectiva
e um programa internacional nos quais a classe trabalhadora deva
basear suas lutas, trabalhando energicamente para ampliar a influência
do Site Socialista de Interligação Mundial, apresentando
a uma nova geração da juventude, de estudantes e
trabalhadores o socialismo e educando-os como marxistas sobre
as bases da incomparável história do Comitê
Internacional da Quarta Internacional.
Fim
Notas:
1. The U.S. as a Net Debtor: The sustainability of the U.S.
External Imbalances, by Nouriel Roubini and Bred Setser (November
2004)
2. Sustained Budget Deficits: Longer-Run U.S. Economic Performance
and the Risk of U.S. Financial and Fiscal Disarray, January
4, 2004, available at http://www.brook.edu/views/papers/orszag/20040105.pdf
3. Nazism, Fascism and the Working Class, by Tim Mason
(Cambridge, UK, 1995), p. 106.