Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 11 de Janeiro de 2005
No fim de semana de 8 e 9 de Janeiro, 2005, o Partido da
Igualdade Socialista (SEP) organizou um encontro nacional em Ann
Arbor, Michigan. O relato de abertura foi feito por David North,
o secretário nacional do SEP e presidente da comissão
editorial do Site Socialista de Interligação Mundial
(wsws.org).
Ao abrir o encontro nacional de membros do Partido da Igualdade
Socialista, é importante observarmos um minuto de silêncio
em homenagem às dezenas de milhares de pessoas no Sul da
Ásia que morreram mês passado no tsunami que varreu
o oceano Índico.
Ao redor do globo houve uma expansão de profunda empatia
às vítimas do tsunami, assim como expressões
verdadeiras de solidariedade. Que diferentes são essas
manifestações de luto verdadeiro das demonstrações
de preocupação hipócritas, formais e de má
vontade da parte dos líderes do imperialismo britânico
e americano! Nem Bush nem Blair foram capazes de expressar interesse,
de maneira convincente, no destino de milhões de pessoas
cujas vidas foram devastadas pela catástrofe.
Até mesmo a mídia estava envergonhada pela maneira
com a qual a Casa Branca respondeu, ou, sendo mais preciso, falhou
em responder à tragédia que se desdobrou. Primeiro
houve o silêncio extraordinário, que persistiu por
quase 3 dias enquanto o presidente americano folgava em seu rancho
no Texas e o primeiro ministro britânico cuidava de seu
bronzeado em uma praia egípcia, totalmente alheios às
conseqüências do tsunami. Então veio a mísera
oferta de Bush de 15 milhões de dólares em ajuda,
aumentada com má vontade para 35 milhões e, mais
tarde, para 350 milhões. Obviamente, quando comparada com
as quantias despendidas pelos Estados Unidos em operações
voltadas para matar pessoas, principalmente no Iraque, o dígito
de 350 milhões representa nada mais do que meros trocados.
De fato, 350 milhões é apenas uma pequena porcentagem
do valor total de dinheiro pago anualmente aos 500 maiores diretores
executivos americanos em forma de salários e opções
para compra de ações, cujo número chega aos
bilhões de dólares. Em 2003, a recompensa total
de Charles M. Cawley da MBNA excedeu os 45 milhões; a de
Stanley O´Neil da Merrill Lynch foi de 28.3 milhões,
a de Daniel P. Amos da Aflac foi 37.3 milhões; a de Kennedy
Chennault da American Express foi de 40 milhões; a de Patrick
Stokes da Anheuser Busch foi 49 milhões. Selecionei esses
nomes aleatoriamente de uma lista de aproximadamente 1.000 executivos
publicada em um site que investiga recompensas de executivos.
Quando se considera a quantia de dinheiro movimentada pelas
contas bancárias dessas pessoas, o tamanho das contribuições
de caridade vindas dos Estados Unidos relatadas pela mídia
não parece assim tão impressionante. Pode-se ter
certeza de que o contribuinte comum da classe trabalhadora está
doando uma porcentagem muito maior de seu rendimento semanal para
esforços humanitários do que o executivo que, antes
de assinar um cheque, discute a questão com seus contadores
e calcula os descontos nos impostos.
Depois das conseqüências do tsunami apareceu uma
série de artigos na imprensa explicando as causas geológicas
do desastre, sendo isso informação científica
de relevância, mas que precisa ser complementada por análises
dos fatores sociais significantes que constituem um elemento causal
maior na desastrosa perda de vidas. Essa tarefa geralmente é
evitada pela mídia, que acha mais fácil pontificar
o caráter inescrutável das terríveis intenções
da natureza. Dessa forma, somos informados pelo colunista David
Brooks do New York Times: Os humanos não são
a preocupação principal do universo. Somos apenas
insetos na crosta terrestre. A terra dá de ombros e 140.000
insetos morrem, vítimas de forças muito maiores
e mais permanentes do que eles mesmos. Um comentário
desse nível, composto em partes iguais de ignorância
e desprezo pela humanidade serve a um claro propósito:
evadir a realidade e mascarar as desagradáveis verdades
políticas e econômicas.
O impacto do tsunami expõe de uma maneira particularmente
gráfica a natureza irracional do capitalismo, sua incapacidade
de desenvolver as forças produtivas de uma maneira na qual
se elevem os níveis de vida das amplas massas da população.
A mídia faz alarde sobre o milagre asiático,
mas o fato é que os benefícios da infusão
de capital na região na última década recaem
apenas sobre pequenas elites privilegiadas. Centenas de milhões
de asiáticos vivem em favelas que, até mesmo sob
as condições climáticas mais favoráveis,
oferecem proteção escassa aos elementos naturais.
Isso testemunha o caráter desumano do desenvolvimento econômico
em uma região em que um desastre que custa a vida de mais
de 150.000 pessoas não é considerado como um evento
econômico fundamental pela comunidade financeira internacional.
As bolsas de valores da região, incluindo a da Indonésia,
Tailândia, Índia e até do Sri Lanka, não
sofreram nenhuma baixa significativa com as conseqüências
do tsunami. O motivo é que grande parte da população
desses países vive num estado de pobreza tão brutal
que sua relação com a economia nacional é
de caráter apenas tangencial.
As condições sociais existentes nesses países
devem ser relacionadas com suas histórias políticas.
Vejamos os países que sofreram as maiores perdas na semana
passada: Indonésia e Sri Lanka. È impossível
entender a natureza da moderna sociedade indonesa, sua pobreza
aterradora, subnutrição alastrada, expectativa de
vida abaixo de 65 anos para os homens, sem nos referirmos aos
eventos de 1 de Outubro de 1965. Nesse dia, a CIA, trabalhando
com oficiais militares fascistas liderados pelo General Suharto,
organizou um golpe que retirou o presidente nacionalista de esquerda
Sukarno do poder. No decorrer do golpe, militares e esquadrões
da morte muçulmanos de direita, operando com listas providenciadas
pela CIA, massacraram mais de meio milhão de membros do
Partido Comunista Indonésio e de outros grupos de esquerda.
Durante as próximas três décadas, o regime
brutalmente repressivo e apoiado pelos EUA do General Suharto
manteve a Indonésia segura para investimentos capitalistas.
A natureza caótica e destrutiva do desenvolvimento capitalista
culminou no tsunami financeiro que devastou a economia do país
em 1998.
Já o Sri Lanka, muito antes de o tsunami haver varrido
sua vulnerável costa, havia sido devastado pelas políticas
reacionárias e chauvinistas dos sucessivos governos burgueses.
O desenvolvimento da crítica infra-estrutura social havia
se subordinado às demandas financeiras de uma guerra civil
provocada pela burguesia nacional.
Quando examinado em seu verdadeiro contexto político
e socioeconômico, fica claro que o impacto destrutivo do
tsunami é muito mais uma conseqüência do trabalho
do homem do que do da natureza.
Em algum lugar do futuro, o desenvolvimento da ciência
e da tecnologia deverá permitir que a humanidade domine
a natureza a tal ponto que será inconcebível que
uma força tão elementar e primitiva quanto um tsunami
possa extinguir milhares de vidas. No mínimo o homem deverá
poder prever tais eventos de uma forma que permita a aplicação
de contramedidas de salvamento de vidas. De fato sabemos que tal
tecnologia existe e está disponível por todo o Pacífico.
A questão é, o domínio pelo homem da natureza
depende de seu domínio dos fundamentos socioeconômicos
de sua própria existência, da abolição
de todos os elementos de irracionalidade da estrutura econômica
da sociedade, isto é, da substituição do
capitalismo pelo socialismo.
No ambiente dominante de reação política,
com seu impacto sufocante sobre as emoções e o intelecto
das pessoas, a possibilidade de tal transformação
parece impossível e totalmente remota, no entanto, as condições
históricas para essa mesma transformação
estão maturando rapidamente. De fato, há indicações
crescentes de que começamos um novo ano no qual o capitalismo
entra em um novo período de crises econômicas e reviravoltas
políticas. A tarefa diante deste encontro é fazer
a avaliação mais precisa possível da situação
mundial, para então julgar nessas bases as possibilidades
reais para o socialismo e determinar as tarefas políticas
que advêm dessa avaliação. Esse trabalho é
de caráter científico.
Em abril de 1933, Trotsky escreveu uma carta a Sidney Hook,
desafiando certas formulações em um ensaio entitulado
Marxismo: Dogma ou Método?, que o jovem professor
radical havia escrito para o Nation. Hook havia escrito
que o marxismo não é nem um dogma, nem mito
e nem ciência objetiva, mas sim um método realista
de ação de classe, ao que Trotsky respondeu:
O que significa aqui a palavra realista? Claramente,
ela significa baseada sobre o verdadeiro conhecimento do objetivo,
no caso os processos sociais; o conhecimento do objetivo é
uma ciência. A política marxista é realista
na medida em que é baseada no marxismo como uma ciência.
[2]
A concepção de Trotsky, de que a formulação
de perspectivas políticas é um trabalho científico,
contém em si mesma a premissa que os processos políticos
se desdobram de acordo com leis. Essa atitude é anátema
a todas as variedades pragmáticas de antimarxismo, que
elevam a probabilidade e o acaso ao nível do absoluto no
processo histórico, que insistem que história e
política são determinadas, em última instância,
pela ação recíproca de acasos e um número
ilimitado de variantes insperadas e/ou imprevisíveis. O
velho François Furet, historiador que havia sido membro
do Partido Comunista Francês, sumarizou esse ponto de vista
da maneira que se segue: Um verdadeiro entendimento de nossa
época só é possível quando nos livramos
da ilusão da necessidade: a única forma de explicar
o século vinte, na medida em que uma explicação
se faz possível, é reafirmando seu caráter
imprevisível, um atributo negado pelos maiores responsáveis
por suas tragédias.[3]
O argumento de Furet se move por dentro de um sistema bem rígido:
como não é possível prever o futuro com qualquer
nível significante de certeza, é absurdo falar em
necessidade histórica. Para Furet, necessidade implica
na existência de forças irreversíveis que
levam a um e somente um resultado possível. Como é
claro que o caminho do desenvolvimento histórico pode levar
a resultados diferentes e até mesmo contraditórios,
a convicção de que o processo histórico é
sujeito a leis e que, além disso, tais leis podem ser interpretadas
e influenciadas, constitui uma ilusão marxista. Não
é surpresa que a crítica ferrenha de Furet ao determinismo
histórico é feita no contexto de uma polêmica
de um livro inteiro devotado a estabelecer a absoluta necessidade
do capitalismo agora e por todos os tempos.
A posição de Furet, deveras comum entre os anti-marxistas,
revela uma incompreensão ingênua do que é
significado do conceito de lei e necessidade. O caráter
científico do marxismo não é determinado
pela exatidão de suas predições. O grau de
exatidão que o marxismo ou qualquer outra disciplina científica
pode atingir é a descrição de que qualquer
fenômeno é determinado no final das contas pela natureza
do próprio fenômeno. A natureza objetiva do fenômeno
que é o sujeito da história, a sociedade humana,
não é de um caráter que poderia permitir
até mesmo o mais consciente materialista histórico
a predizer exatamente o que irá acontecer em
dois dias, duas semanas, dois meses e de aí em diante.
Isso não é um argumento contra a aplicação
de leis no processo histórico ou contra a possibilidade
de seu estudo científico. Pelo contrário, isso requer
uma apreciação mais profunda de como a aplicação
de leis se manifesta no processo histórico. Como Lukács
explicou: leis científicas só podem se comprovar
no mundo real como tendências e como necessidades somente
no choque entre forças opostas, somente em uma mediação
que ocorre por meio de intermináveis acidentes. [4]
O fato de o processo histórico não ser predeterminado,
que seu desenvolvimento se dá em várias direções,
é uma conseqüência do fato que a evolução
social prossegue através da luta de classes, as quais estão
em busca de fins diferentes e mutuamente incompatíveis.
Mas nem as classes como um todo, nem os partidos ou indivíduos
através dos quais seus interesses socioeconômicos
encontram maior ou menor expressão, funcionam como agentes
livres. A amplitude e a natureza de suas atividades são
essencialmente definidas pelas leis do modo de produção
capitalista.
Isso não é somente verdadeiro para a classe trabalhadora,
mas também para a elite dominante burguesa. A perspectiva
política de nosso partido não procede de desejos
e esperanças motivados subjetivamente. Os marxistas não
concebem a revolução como uma punição
aos pecados dos capitalistas e nem como uma recompensa por seus
próprios esforços altruístas para abolir
a pobreza. As perspectivas do partido revolucionário devem
se desenvolver de uma análise das contradições
objetivamente reais do modo de produção capitalista.
Essa análise forma a base mais geral da perspectiva revolucionária.
Sua elaboração mais detalhada requer que o desenvolvimento
dessas contradições, em sua expressão social
e política da vida real, seja investigado por dentro de
várias camadas de mediação histórica,
social, cultural e intelectual através das quais essas
contradições devem passar.
Uma perspectiva marxista deve se preocupar com processos históricos
abarcando décadas ou então com um conjunto mais
imediato de condições políticas concretas
nas quais o limite temporal de ação revolucionária
é de duração muito menor. Mas até
mesmo no último caso, o ponto de referência do partido
marxista é sempre o processo histórico mais amplo.
As táticas que são planejadas para atender as exigências
das circunstâncias e dos problemas conjunturais devem estar
de acordo com os objetivos principistas definidos pelo programa
histórico e as tarefas do movimento socialista internacional.
Deve-se acrescentar que não é possível entender
problemas e condições conjunturais a não
ser que sejam estudados dentro dos moldes dos objetivos estratégicos
definidos pela natureza do período histórico.
Finalmente, o desenvolvimento de perspectivas revolucionárias
requer uma atitude ativa e não contemplativa para com a
sociedade e a luta de classes. Objetividade não significa
passividade. A avaliação do partido revolucionário
da realidade objetiva e o balanço das forças de
classe incluem uma estimativa do impacto e das conseqüências
de sua própria intervenção no processo revolucionário.
A interpretação correta do mundo, como Marx explicou
em sua 11ª tese sobre Feuerbach, só pode se desenvolver
na luta pela sua transformação.
Mas a apreciação correta do elemento ativo
no processo de cognição, cuja descoberta e elucidação
constituíram uma das grandes conquistas da filosofia idealista
alemã do fim do século XVIII e início do
XIX (acima de tudo, na obra de Hegel), não pode ser levada
a significar que o mundo objetivo pode ser moldado e transformado
da maneira que qualquer um quiser. Não há tendência
filosófica com implicações mais perigosamente
reacionárias que aquela que separa a atividade do desejo
da cognição científica dos processos sociais
objetivos e governados por leis que constituem os determinantes
essenciais da prática social do homem. A atividade do partido
revolucionário deve proceder de uma avaliação
correta das tendências básicas do desenvolvimento
socioeconômico em escala mundial. Sem que se baseie nesse
fundamento, o trabalho do movimento revolucionário pousará
sobre nada mais substancial do que impressões e adivinhações...
e isso acabará em desastre.