Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 12 de julho de 2007.
Mesmo tendo anunciado o início da segunda greve de 24
horas dos trabalhadores dos correios no final da tarde de quinta-feira
(12), o Sindicato dos Trabalhadores da Comunicação
(CWU) estava fazendo o máximo para apunhalar os trabalhadores
pelas costas.
A maioria dos trabalhadores dos correios votou a favor da greve
contra a oferta do Royal Mail, que consistia num reajuste
salarial de 2,5% e um plano que prevê o corte de cerca de
40.000 empregos e o fechamento de agências. No dia 29 de
junho, dezenas de milhares de trabalhadores do Royal Mail
realizaram a sua primeira greve de 24 horas, suspendendo as entregas
de correspondências em todo o país pela primeira
vez em onze anos.
Há fortes razões para que haja disposição
de luta entre os trabalhadores. O reajuste proposto pela direção
da empresa representa somente metade da inflação,
numa época em que a crescente taxa de juros está
aumentando consideravelmente os custos de vida e de moradia. As
condições de vida dos trabalhadores dos correios
expressam de maneira especial a precária situação
financeira enfrentada por milhões de pessoas, pois eles
estão entre os trabalhadores mais mal pagos da Inglaterra.
Além disso, a contínua liberalização
do mercado dos correios ameaça um corte de empregos ainda
maior do que os 40.000 já citados.
Contrariando o sentimento existente entre os trabalhadores,
o CWU tornou clara a sua disposição em chegar a
um acordo com o Royal Mail, que terá conseqüências
desastrosas para seus associados.
Nesta semana, o vice-secretário geral do CWU, Dave Ward,
fez um covarde pedido ao presidente dos correios, Alan Leighton,
para se envolver pessoalmente em negociações
significativas. Em troca, Ward garantiu que o sindicato
defenderia o fim da greve diante dos trabalhadores.
O multimilionário Leighton foi indicado em 2003 pelo
ex-primeiro ministro Tony Blair com a meta de modernizar
o Royal Mail por meio do corte de dezenas de milhares de
empregos e da exploração dos trabalhadores. Enquanto
Leighton insiste que não há dinheiro suficiente
para um reajuste salarial decente, o chefe executivo da companhia,
Adam Crozier, recebe um salário anual de £ 790.000.
Seu bônus em 2004/2005 foi de £ 2 milhões.
O acordo de modernização do CWU é
essencial, escreveu Ward, do CWU. Mas ele alertou Leighton
que para melhorar a eficiência é necessário
ter os trabalhadores conosco, trabalhando conjuntamente
para encarar o desafio da concorrência.
As promessas de Ward deixam claro que enquanto o CWU não
conseguir controlar os trabalhadores, ele procura utilizar a revolta
e a militância deles para assegurar seu lugar à mesa
de negociação, mas, logo que puder, irá impor
todos os ataques exigidos pelo Royal Mail em nome da modernização.
É impossível proteger os salários e a
garantia de emprego dos trabalhadores e defender um serviço
postal decente aceitando os desafios da concorrência.
Afinal de contas, é precisamente este desafio
da concorrência que está por trás da ofensiva
contra as condições de trabalho e os salários
no contexto do mercado global da comunicação.
O CWU sabe muito bem disso. O último conjunto de cortes
de custos não surgiu do nada. Ele faz parte de uma ofensiva
antiga que tem o objetivo de privatizar o Royal Mail, que
causou a perda de mais de 50.000 empregos e a precarização
dos serviços nos últimos anos.
Existem agora outras 18 companhias competindo contra o Royal
Mail. A competição é particularmente
intensa no lucrativo setor de correspondências, onde a participação
do Royal Mail caiu cerca de 40%. Recentemente ele perdeu
lucrativos contratos para a Prudential, a Amazon e para o departamento
de Trabalho e Pensões.
A direção do Royal Mail argumenta que
os seus trabalhadores recebem 25% a mais que aqueles do setor
privado, o que dá algumas indicações de como
a liberalização tem sido usada para
diminuir o salário dos trabalhadores. Nós
não somos mais um monopólio as pessoas têm
outras opções. Nossos concorrentes são muito
mais eficientes e podem nos vencer por meio de seus baixos preços,
insistiu Leighton.
Sua declaração é significativa.
A ação dos trabalhadores dos correios foi comparada
à greve dos mineiros de 1984-1985. À primeira vista,
isso parece forçado demais, pois os trabalhadores dos correios
estão realizando atualmente uma séria de paralisações
de 24 horas, enquanto a greve de mineiros durou um ano.
Mas existem semelhanças e lições importantes
a serem tiradas dessa luta dos mineiros.
A mineração na Inglaterra era uma indústria
estatal e a sua destruição representou o início
de um grande programa de privatização das empresas
e indústrias públicas por sucessivos governos conservadores
e trabalhistas.
O serviço de correios é uma das últimas
empresas que permanecem nas mãos do Estado. Ele também
vai enfrentar o processo de privatização, ou pelo
menos passará a ser regido pelos princípios do mercado,
o que exige a redução do número de trabalhadores,
tornando-o mais lucrativo, além de abrir o mercado postal
para outras companhias privadas.
Como o Guardian expôs recentemente: Seria
o Royal Mail, que é proprietário de 113.000
caixas de correio e 33.000 bicicletas vermelhas que visitam quase
todos os endereços do país, mesmo os mais distantes,
na maior parte dos dias da semana, o último grande serviço
público britânico? Ou ele já seria uma companhia
comercial, que precisa competir com concorrentes privados e que,
aliás, está perdendo negócios para eles rapidamente?
O Telegraph foi ainda mais claro: era impossível
manter a mineração da forma como ela vinha sendo
realizada no Reino Unido. O mesmo problema ocorre agora com o
Royal Mail. Se o Royal Mail não pretende
se tornar irrelevante como a Placa de Carvão Nacional
(NCB - National Coal Board), o CWU deve fazer uma
parceria com a administração para criar um negócio
moderno com chance de ter sucesso, ao invés de simplesmente
sobreviver.
Como a carta de Ward deixa claro, é precisamente tal
parceria com a administração que o CWU
almeja. O sindicato apoiou Gordon Brown para a liderança
do Labour Party (Partido Trabalhista), apesar de ele ter concordado,
quando era chanceler, com os planos de modernização
do Royal Mail.
O governo trabalhista pressionou pela privatização
dos serviços postais de maneira ainda mais incisiva do
que o governo conservador que o antecedeu. Em 2005, o governo
desregulamentou o mercado postal do Reino Unido três
anos antes do prazo estabelecido pela União Européia.
A antecipação teve como objetivo garantir que o
capital privado do Reino Unido teria muitas vantagens com a desregulamentação
dos serviços postais em todo o continente, programada para
2009. Somente no último dia 11 o parlamento europeu aprovou
os planos para a depreciação dos serviços
postais universais, que levaram a significativos cortes num setor
que emprega atualmente mais de cinco milhões de pessoas.
O plano se baseia na abolição da chamada área
reservada. De acordo com o plano, as operadoras formaram
um monopólio nacional das entregas de correspondências
com peso menor que 50 gramas. A operação de monopólios
nacionais nessa área reservada obrigou o estabelecimento
daquilo que se denominou de Obrigação de Serviços
Universais (USO), segundo a qual todos os cidadãos da União
Européia têm a garantia de ter sua correspondência
coletada e entregue ao menos uma vez por dia durante cinco dias
por semana. Por meio do novo plano, as operadoras privadas poderão
entrar nesse lucrativo mercado, 85% do qual é relacionado
à entrega de cartas, passando a explorar os setores mais
lucrativas, sem precisar cumprir a USO.
Isso fará com que a USO se torne ainda mais cara para
as entregas nacionais, o que acarretará inevitavelmente
o seu abandono.
Envolvido em preocupações acerca da perda de
empregos e salários, o parlamento europeu solicitou o adiamento
da liberalização por dois anos, deixando para 2011,
mas propôs uma cláusula de reciprocidade, segundo
a qual os países que desregulamentaram completamente os
seus serviços postais poderiam barrar operadoras de outros
países que ainda não tivessem entrado em seus mercados.
A situação atual abre o caminho para uma luta
frenética por lucro em toda a Europa, com conseqüências
diretas nos empregos e salários dos trabalhadores e na
qualidade dos serviços prestados à população.
Em fevereiro deste ano, ao receber denúncias das principais
concorrentes européias a Deutsche Post e
a companhia de correios holandesa TNT a Comissão
Européia iniciou uma investigação a respeito
de empréstimos não comerciais realizados por meio
dos fundos do governo do Reino Unido ao Royal Mail.
Lições políticas fundamentais devem ser
tiradas da greve dos mineiros. É impossível defender
os empregos dos trabalhadores dos correios e a qualidade dos seus
serviços, enquanto os trabalhadores estiverem sob a direção
de um sindicato que se submete aos interesses do capital, como,
por exemplo, a necessidade da empresa se tornar competitiva.
Os trabalhadores dos correios estão enfrentando uma
luta política não somente contra o Royal Mail,
mas contra a burocracia sindical e o Partido Trabalhista
as forças que permitiram à elite destruir a indústria
de mineração. Eles devem se opor à tentativa
da direção do CWU de limitar a luta numa mera reivindicação
ao primeiro ministro Gordon Brown. O Partido Trabalhista é
um partido do grande capital, completamente insensível
às reivindicações dos trabalhadores. Nem
um único emprego, serviço ou condição
de trabalho será preservado se não houver uma mobilização
política contra o governo trabalhista.
Além disso, essa é uma luta que não pode
se limitar ao enfrentamento localizado com o Royal Mail.
Os trabalhadores dos correios de todo o continente estão
sendo estimulados por seus sindicatos a sacrificar seus empregos,
salários e condições de trabalho, a fim de
que seus patrões possam assegurar seus lucros no mercado
de ações.
Ao invés disso, os trabalhadores do Royal Mail
devem procurar preparar ativamente uma ofensiva que una todos
os trabalhadores numa oposição à direção
do CWU e de seus aliados no continente. Os trabalhadores dos correios
devem unir-se com base numa política socialista, insistindo
que os serviços públicos essenciais devem ter o
objetivo de atender o interesse de toda a população
e não dos grandes acionistas.