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Marxismo, o Comitê Internacional e a ciência da perspectiva: uma análise histórica da crise do imperialismo americano.

Parte 2

Por David North
19 de julio de 2007

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 11 de Janeiro de 2005.

No fim de semana de 8 e 9 de Janeiro, 2005, o Partido da Igualdade Socialista (SEP) organizou um encontro nacional em Ann Arbor, Michigan. Esta é a segunda das três partes do relato de abertura feito por David North, o secretário nacional do SEP e presidente da comissão editorial do Site Socialista de Interligação Mundial(wsws.org).

Completando exatamente 20 anos nesta semana, em janeiro de 1985, delegados de várias seções do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) viajaram à Inglaterra para participar do 10º Congresso do Comitê Internacional, que acabou sendo o último congresso internacional presidido pelo Partido Revolucionário dos Trabalhadores da Grã-Bretanha (WRP), liderado por Gerry Healy, Cliff Slaughter e Michael Banda.

Uma crise política se levantava dentro do movimento internacional por mais de uma década até então. Durante os três anos anteriores, o esforço em discutir e examinar concepções filosóficas errôneas e sérios erros na linha política do Comitê Internacional havia sido reprimido pela liderança do WRP. Quando o CIQI se reuniu em janeiro de 1985, o movimento mundial inteiro estava perigosamente desorientado, e o Partido Revolucionário dos Trabalhadores estava na pior forma possível. O esboço da resolução de perspectivas preparado por Slaughter buscava mascarar sua vacuidade analítica com uma retórica bombástica. Em passagem sintomática disso, proclamava: “As leis objetivas do declínio capitalista agora operam sem empecilhos, elas avançaram.”. Se isso fosse verdade, significaria então que teria surgido uma situação não somente sem precedentes na história do capitalismo como também uma que o próprio Marx teria considerado teórica e praticamente impossível.

Afirmar que as leis do declínio capitalista operavam “sem empecilhos” só poderia significar que: 1) toda resistência subjetiva a esse declínio da parte da própria burguesia teria chegado a um fim e, 2)até mesmo aquelas contra-tendências balanceadoras que emergem naturalmente de dentro dos processos do próprio capitalismo para atenuar, quando não reverter inteiramente, o declínio já se tornaram totalmente inoperantes. Em outras palavras, a dialética socioeconômica do capitalismo como um sistema histórico teria simplesmente se acabado.

Uma outra passagem dizia que “A realidade é que as batalhas revolucionárias decisivas já estão sendo travadas” . Mesmo com essas palavras fluindo do bico da caneta tinteiro de Cliff Slaughter, havia sinais inconfundíveis de que a classe trabalhadora estava em recuo por todo o mundo. Se fosse verdade que “as batalhas revolucionárias decisivas” estavam em progresso, seríamos então forçados a reconhecer que elas teriam sido perdidas.

De forma semelhante, intoxicado por sua própria retórica, Slaughter declarava que “O proletariado dos Estados Unidos, nunca derrotado, entra em lutas de natureza revolucionária juntamente com proletários do restante do mundo”. A rigor, a classe trabalhadora dos Estado Unidos havia passado pela experiência de uma série de grandes derrotas desde que Reagan chegara à Casa Branca quatro anos antes. Traídos e desencorajados, as atividades de greve haviam caído ao menor número em décadas.

O fato de tais passagens poderem ser apresentadas como uma contribuição séria à elaboração das perspectivas revolucionárias comprovava o atordoamento teórico e a falência política dos líderes do WRP.

Dada a extraordinária história política dos líderes do Partido Revolucionário dos Trabalhadores, principalmente a de Gerry Healy, a situação na qual eles haviam chegado era profundamente trágica. A participação de Healy no movimento revolucionário se alastrava por mais de meio século, ele cumpriu um papel importante como apoiador de James P. Cannon na luta internacional contra o revisionismo Pablista que levou à fundação do Comitê Internacional da Quarta internacional em 1953. Durante a década seguinte, Healy resistiu aos deslizes do Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) nos Estados unidos e se opôs a seus esquemas de reunificação sem princípios com o movimento Pablista. A sobrevivência do Comitê Internacional, em face de condições políticas extremamente desfavoráveis, deu-se principalmente graças à defesa incansável de Healy dos princípios trotskistas. Sem a luta que ele liderou, a Liga dos Trabalhadores (precursora do Partido Socialista da Igualdade) nunca haveria surgido.

Além disso, é em grande parte graças aos esforços de Healy que o Comitê Internacional, principalmente após o rompimento com o SWP em 1963, prestou atenção especial aos sinais de uma crescente crise econômica dentro do capitalismo mundial. Em contraste com os pablistas, cujas políticas oportunistas refletiam sua própria fé profunda na estabilidade do capitalismo pós-guerra, o Comitê Internacional da Quarta Internacional acompanhou de perto os sinais de que os fundamentos financeiros e monetários do capitalismo mundial lançados no final da 2ª guerra estavam sob intensa pressão. O Comitê Internacional se encontrava, então, em uma posição de compreender até mesmo as implicações políticas e econômicas de longo alcance e as implicações políticas das decisões feitas pela administração de Nixon em 1971, as quais trouxeram um fim abrupto aos “Anos Dourados” do capitalismo pós-guerra.

Na noite de domingo de 15 de agosto de 1971, o presidente Richard M. Nixon foi à TV nacionalmente anunciar que estava tomando uma série de medidas econômicas em resposta à deterioração profunda das balanças comercial e de pagamentos dos Estados Unidos, assim como aos sinais de crescente pressão inflacionária. Ele anunciou que os Estados Unidos não iriam mais honrar sua obrigação, de acordo com as regras do sistema monetário internacional que haviam se estabelecido após a conferência de Bretton Woods de julho de 1944, de converter em ouro de acordo com a demanda os dólares detidos por seus parceiros comerciais internacionais. Esse desenvolvimento passou em grande parte desapercebido pelos pablistas. Para o Comitê Internacional, no entanto, ele representou o desenvolvimento econômico mais significativo desde o fim da segunda guerra e abriu caminho para um enorme aprofundamento da crise econômica mundial e para a intensificação do conflito internacional de classes. No coração desse conflito encontrava-se a deterioração da posição mundial do capitalismo americano.

Em sua análise desse desenvolvimento, o CIQI reviu a significância do sistema econômico internacional cujas bases foram fundadas na conferência de Bretton Woods em 1944, durante o estágio final da segunda guerra mundial. Fora dos Estados Unidos, os velhos poderes burgueses estavam arruinados. A burguesia francesa estava politicamente desacreditada e seu sistema financeiro havia estremecido. O regime de Hitler afundou o capitalismo alemão no abismo e o país inteiro estava em chamas. Os custos da 2a Guerra, que seguiu a primeira com um intervalo de apenas 20 anos, haviam levado a Grã-Bretanha à falência. Por toda a Europa, a classe trabalhadora havia tomado a ofensiva contra o fascismo e a barbárie imperialista, o desejo popular pelo estabelecimento revolucionário em lugar do capitalismo era impressionante. Uma situação parecida estava na ordem do dia no Japão, onde a guerra caminhava rapidamente ao seu horrível desenlace. Ao redor da Ásia, África e Oriente Médio, a onda de lutas anti-coloniais e antiimperialistas crescia.

Em meio ao caos da guerra, os Estados Unidos se mantinham como o grande sustentáculo do capitalismo. A guerra havia quebrado todos os seus competidores internacionais, e o país estava numa posição de ditar a seus rivais humilhados a ordem econômica mundial que emergiria das cinzas da guerra. A classe dominante americana, no entanto, entendeu muito bem que seu destino dependia da sobrevivência do capitalismo na Europa. Se a onda revolucionária pós-guerra varresse o continente europeu, estabelecendo o poder da classe trabalhadora nos velhos centros do capitalismo, o destino final de um capitalismo americano isolado estaria selado. Portanto, em uma série de decisões tomadas com uma visão de longo alcance, a classe dominante americana resolveu mobilizar seus imensos recursos industriais e financeiros para estabilizar e reconstruir o sistema capitalista mundial. O fundamento desse plano econômico envolvia a criação de um novo sistema monetário internacional, que providenciaria os recursos necessários para o restabelecimento do comércio mundial (após a interrupção de uma década causada pela depressão e pela guerra) e para a reconstrução da Europa e do Japão.

Os desastres financeiros do pós 1ª Guerra haviam convencido os Estados Unidos que a expansão do comércio mundial e que a reconstrução do capitalismo mundial eram incompatíveis com o regime de restrição de créditos do velho padrão do ouro. Porém, o que poderia substituir o ouro como um primeiro instrumento de crédito e comércio? A resposta simples seria o papel-moeda americano.

Sob as leis estabelecidas pelo novo Fundo Monetário Internacional, criado em 1947, o dólar americano serviria como a principal moeda reserva, isto é, como uma moeda através da qual ocorre a transação de um grande volume de comércio internacional. Todas as moedas internacionais teriam seus valores calculados em termos do dólar. Por sua vez, o dólar teria seu valor definido em relação ao ouro, para ser preciso, 35 dólares equivalia a uma onça.

Por detrás desses arranjos estavam dois importantes fatores: primeiro, uma porção substancial do suprimento mundial de ouro era guardado nos cofres de Fort Knox, Kentucky; segundo, e mais importante, a supremacia industrial dos Estados Unidos após a segunda guerra garantiu que suas balanças comerciais registrariam um grande superávit. Os dólares investidos ou transferidos ao exterior eram repatriados eventualmente quando países estrangeiros consumiam produtos e serviços americanos.

Portanto, o sistema monetário do pós-guerra, um sistema baseado no dólar e ancorado no ouro, era uma expressão da supremacia global dos Estados Unidos dentro das relações capitalistas. Até onde se possa falar de uma era de hegemonia americana, esta foi o período definido pela operação do sistema monetário internacional Bretton Woods baseado no dólar.

No entanto, o sistema Bretton Woods continha em si mesmo uma contradição fatal: o sucesso de sua operação tinha suas premissas na habilidade dos Estados Unidos manterem o saldo positivo em sua balança comercial e de pagamentos, ao mesmo tempo em que providenciava capital à Europa e Japão para reconstruir suas indústrias e oferecia mercado às exportações desses países. Era inevitável que o ressurgimento das indústrias européias e japonesas iriam subjugar a supremacia uma vez inquestionável dos Estados Unidos nos mercados mundiais e ter um impacto em sua balança comercial e de pagamentos. A acumulação resultante de dólares no exterior, a qual cresceria até ser substancialmente acima do valor das reservas de ouro detidas nos EUA, chegariaem algum momento a questionar a viabilidade do sistema Bretton Woods. Um economista europeu, Robert Triffin, chamou atenção a essa contradição no final dos anos 50. Nos meados da década de 60, era visivelmente aparente que as pressões sobre o sistema se tornavam mais sérias. A crise foi exacerbada pelo aumento na pressão financeira no orçamento americano causado pelo custo da guerra no Vietnã e pelo financiamento de novos programas sociais concedidos pela classe dominante americana em face às lutas das massas.

Como havia antecipado o CIQI, a quebra do sistema Bretton Woods tinha conseqüências econômicas, políticas e sociais de longo alcance. As relações econômicas internacionais estavam desestabilizadas a um nível desconhecido desde a década de 30. O velho sistema de taxas de câmbio fixas deu lugar a um novo e imprevisível sistema baseado em moedas flutuantes, com o valor de cada moeda nacional sendo determinado pelo mercado. Quanto ao dólar, não mais conversível em ouro a um preço fixo, este entrou em um processo de declínio prolongado, sua desvalorização levou quase que imediatamente a um estouro na inflação global e a um colapso nos valores de ações nos mercados acionários. Até 1973, o capitalismo mundial havia confrontado a combinação mais perigosa de crises econômicas e políticas desde os anos 30.

Esses acontecimentos substanciaram a análise que o Comitê Internacional havia feito da crise global do capitalismo. Os anos 70 foram uma década que testemunhou um levante revolucionário da classe trabalhadora. Em resposta à inflação, a classe foi à ofensiva: a greve dos mineiros britânicos no inverno de 1973-74 forçou a renúncia do governo Tory (Partido Conservador); em abril de 1974, caiu a ditadura fascista de Portugal, seguida pela queda da ditadura militar do General Papadopoulos na Grécia. Um mês depois, em agosto de 1974, Richard Nixon renunciou à presidência; menos de um ano depois, entre abril e maio de 1975, a guerra imperialista no Vietnã e na Camboja chegou a um fim humilhante.

Mas esse levante foi prejudicado pelas políticas contra-revolucionárias das burocracias stalinistas e social-democratas no movimento internacional dos trabalhadores. Até mesmo no Irã, onde as greves dos petroleiros ao fim de 1978 foram decisivas no enfraquecimento do regime do Xá (que havia sido instalado pela CIA em 1953), as políticas stalinistas preveniram a vitória de uma revolução socialista. Ao invés disso, o poder caiu nas mãos das forças religiosas e nacionalistas. As traições das lutas da classe trabalhadora providenciaram ao imperialismo o tempo necessário para planejar sua própria estratégia contra-revolucionária e ir à ofensiva contra a classe trabalhadora.

Enquanto a maré política virava, o Partido Revolucionário dos Trabalhadores da Grã-Bretanha (WRP) falhou em fazer uma nova análise da situação e introduzir as mudanças necessárias em sua própria prática. Cliff Slaughter havia avisado diversas vezes às seções do CIQI: “Quando suas perspectivas não forem confirmadas, é necessário revê-las.” Porém, o WRP não seguiu seu próprio conselho e foi incapaz de adaptar sua prática à virada na situação política. Quando as perspectivas para a revolução socialista se apagaram, o WRP buscou manter sua força organizacional na base de relações novas e oportunistas com seções da burocracia trabalhista britânica e movimentos nacionais burgueses na África e no Oriente Médio. Voltando suas costas às lições da longa luta contra o revisionismo do CIQI, o WRP desenvolveu uma linha política que se assemelhava cada vez mais com aquela dos pablistas. E, além disso, em sua fixação unilateral pelo que foi percebido por Healy como sendo os imperativos organizativos do WRP, a linha da seção britânica assumiu uma orientação cada vez mais nacionalista. O trabalho do CIQI como um partido internacional ficou cada vez mais subordinado às atividades de “construção do partido” nacional do WRP.

A crise que surgiu dentro do WRP no verão e outono de 1985 era o resultado inevitável de seu prolongado afastamento dos princípios trotskistas e da desorientação política conseqüente daquela traição. O WRP chegara a valorizar mais suas diversas alianças com burocratas trabalhistas, nacionalistas burgueses e radicais pequeno-burgueses do que as relações fraternas com seus camaradas e co-pensadores dentro do CIQI. Até mesmo no outono de 1985, enquanto o partido se encontrava entre os destroços provocados por suas políticas desastrosas, membros do WRP se vangloriavam descaradamente de seus novos laços com várias tendências antitrotskistas. Em um encontro público em Londres, Slaughter ofereceu sua mão ostensivamente a Monty Johnstone, um dos representantes mais notórios do Partido Comunista Britânico.

Por debaixo dessas ações se encontrava uma análise completamente falsa da situação política internacional. Em nenhum momento ocorreu a qualquer dirigente do WRP que as diversas organizações reformistas e oportunistas que eles cortejavam estavam elas mesmas à beira de um desastre. Tendo abandonado o trabalho sério e sistemático sobre as perspectivas internacionais, o WRP havia falhado completamente em tomar ciência das novas tendências na economia capitalista mundial, quanto mais em considerar suas implicações no desenvolvimento da luta de classes internacional.

Após o rompimento com o WRP em fevereiro de 1986, o Comitê Internacional enfrentou duas tarefas teóricas cruciais e inter-relacionadas. A primeira foi fazer uma análise detalhada das raízes da traição ao trotsquismo perpetrada pelo WRP e responder a seu ataque à história da Quarta Internacional. A segunda era de retomar o trabalho crítico de perspectivas que havia sido abandonado pelo WRP. A crítica ao WRP e a nova avaliação da história da Quarta Internacional possibilitou que o Comitê Internacional restabelecesse suas ligações históricas com a herança programática inteira do movimento trotskista, considerada desde a fundação da Oposição de Esquerda em 1923. Ao mesmo tempo, a retomada do trabalho sistemático sobre as perspectivas internacionais era necessária a fim de reorientar o trabalho do CIQI de acordo com as tendências objetivas reais de desenvolvimento da economia capitalista mundial.

Na quarta plenária do Comitê Internacional em julho de 1987, a seguinte questão foi colocada: de quais tendências do desenvolvimento da economia mundial e da luta de classes internacional a Quarta Internacional é necessariamente uma expressão? Considerada historicamente, havia relações profundas entre o desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo em escala mundial, seu impacto correspondente no crescimento da classe trabalhadora como uma força social, e as formas políticas através das quais essas tendências socioeconômicas objetivas encontravam expressão no desenvolvimento histórico do movimento marxista internacional.

A fundação da Primeira Internacional em meados de 1860 foi a antecipação política da emergência de um proletariado internacional nas bases da expansão da indústria capitalista e do comércio em escala mundial. As formas ainda imaturas desse processo social e econômico foram insuficientes para sustentar os esforços da Primeira Internacional, que parou com suas atividades práticas no meio da década de 1870. No entanto, dentro de menos de duas décadas, o crescimento extraordinariamente rápido da indústria na Europa ocidental e na América do Norte estimulou o desenvolvimento de um novo proletariado industrial e, junto com isso, seu movimento em direção a uma organização política independente. Ao mesmo tempo, a expansão do sistema colonial atraía massas no mundo todo ao vértice do desenvolvimento capitalista internacional.

A fundação da Segunda Internacional em 1889 refletiu esse novo estágio no desenvolvimento capitalista e seu crescimento resultante no tamanho e na significância econômica da nova classe trabalhadora industrial. Durante o próximo quarto de século, o desenvolvimento da Segunda Internacional foi ligado à expansão da indústria capitalista. Enquanto esse processo era, em essência, internacional, a forma dominante de sua expressão era o crescimento das poderosas economias industriais nacionais e a emergência de fortes organizações trabalhistas nacionais. De fato, a Segunda Internacional mantinha a perspectiva de solidariedade da classe trabalhadora internacional, mas o trabalho prático de suas seções era profundamente embasado nos fundamentos da indústria nacional, e, quando adentrou a segunda década do século XX, ela falhou em considerar a medida em que a crescente ameaça do militarismo imperialista refletia a erosão da soberania das economias nacionais sob pressão da economia mundial.

O estourar da 1ª Guerra, o colapso da Segunda Internacional e a emergência da Terceira Internacional foram as expressões fundamentais dessa mudança. Como explicou Trotsky:

“Em 4 de Agosto de 1914 soou a hora final dos programas nacionais de todos os tipos. O partido revolucionário do proletariado só pode se basear em um programa internacional correspondente ao caráter da época atual, a época do mais alto desenvolvimento e colapso do capitalismo. Um programa comunista internacional não é de maneira alguma a soma total de programas nacionais nem um amálgama de suas características comuns. O programa internacional deve proceder diretamente de uma análise das condições e tendências da economia mundial e do sistema político mundial levados em consideração como um todo em todas as suas contradições e conexões, isto é, com a interdependência mutuamente antagônica de suas partes separadas. Na época presente, a um nível muito maior do que no passado, a orientação nacional do proletariado deve e pode seguir somente uma orientação mundial e não vice-versa. Aqui jaz a diferença básica e primordial entre o internacionalismo comunista e todas as variedades de nacional-socialismo” (The Third International After Lenin (London, 1974), pp. 3-4).

Quando Trotsky escreveu essas palavras em 1928, a concepção de que a economia mundial formava a base essencial sobre a qual a estratégia revolucionária deveria se desenvolver já se encontrava sob ataque dentro da Internacional Comunista. O programa stalinista do socialismo em um só país era a antípoda do internacionalismo que constituía a base estratégica da conquista de poder pelo Partido Bolchevique em 1917. A concepção stalinista de que o desenvolvimento da economia nacional soviética seria o determinante decisivo e primordial do sucesso do projeto socialista na URSS representou um retorno à posição nacionalista que havia prevalecido na Segunda Internacional. É bom notar que a perspectiva de Stalin encontrava uma resposta dentro das lideranças de muitas seções da Internacional Comunista, que dividiam sua concepção de que as condições nacionais imediatas encontradas pela classe trabalhadora em cada país específico deveriam formar o verdadeiro ponto de partida da atividade prática.

Dentre aqueles que não apenas defendiam a orientação nacionalista de Stalin, mas também buscavam justificá-la teórica e politicamente estava Antônio Gramsci.”Com razão,” escreveu ele,”a linha de desenvolvimento é em direção ao internacionalismo, mas o ponto de partida é ‘nacional’ e é desse ponto de partida que se deve começar” (Prison Notebooks (New York, 1971), p. 240). Sob a luz da história subseqüente do Partido Comunista da Itália, o qual resgatou a burguesia e o capitalismo italiano após o colapso do regime de Mussolini e se transformou em um partido nacional reformista par excellence, as implicações políticas da posição de Gramsci ficaram explícitas. Não é surpresa que os stalinistas italianos abraçaram a memória de Gramsci, que morrera nos anos 30 em decorrência de abusos sofridos nas mãos dos fascistas, e o honraram como sua inspiração teórica.

A Quarta Internacional foi fundada por Trotsky em resposta à degeneração stalinista da 3ª Internacional. A explosão da 2ª Guerra imperialista demonstrou da maneira mais trágica a primazia da economia mundial e da política mundial. No entanto, paradoxalmente, a restabilização do capitalismo depois da guerra, nas premissas de Bretton woods, levou a um ressurgimento do programa de reformismo nacional no movimento trabalhista internacional.

A renovada expansão do comércio mundial, o crescimento nos PIBs de economias capitalistas nacionais e até mesmo o extraordinário aumento na qualidade de vida na União Soviética durante os anos 50 e 60 trouxeram aos partidos reformistas, incluindo às organizações stalinistas, um novo sopro de vida. Mas por mais impressionante que fosse o crescimento nos PIBs e até mesmo nos padrões de vida durante o período, esse período provou não ser nada além de uma prolongada bonança do reformismo nacional. A quebra do sistema Bretton Woods e o início de uma prolongada crise econômica caracterizada por surtos decorrentes de inflação, recessão, desemprego crescente e uma queda contínua da lucratividade, junto com uma virada da burguesia, mais notável nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, em contra-ofensiva à classe trabalhadora, levou à falência total do reformismo nacional como uma política viável.

Foi sob essas condições, no verão de 1987, que o Comitê Internacional começou as preparações para fazer uma nova resolução de perspectivas. Para responder à questão posta no início dessa discussão na quarta plenária, o Comitê Internacional dirigiu sua atenção ao estudo das novas formas de produção capitalista que emergiram durante o fim dos anos 70 e início dos 80, facilitadas pelos desenvolvimentos na tecnologia de computação e pela disponibilidade de formas mais rápidas e baratas de transporte e comunicação. A criação da corporação transnacional representou um avanço qualitativo na integração global da produção e nas finanças capitalistas. Esse desenvolvimento elevou a um nível de tensão sem precedentes a contradição histórica entre economia mundial e o sistema de Estado nacional dentro do qual o capitalismo era enraizado historicamente, o qual permanece como a unidade básica de organização política.

Uma solução revolucionária a essa crise só poderia ser encontrada nas bases do internacionalismo socialista, isto é, através da unificação prática e política da classe trabalhadora internacional. Nenhum dos partidos e organizações de orientação nacional existentes, sejam eles stalinistas, social-democratas ou trabalhistas reformistas, poderia solucionar a crise. Realmente, a interminável série de derrotas que eles haviam sofrido nos períodos recentes advinha inevitavelmente da total impotência de sua orientação nacional em face das novas formas de organização capitalista internacional. Somente o programa internacional do Comitê Internacional correspondia ao desafio imposto à classe trabalhadora pela integração global do capitalismo.