Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 14 de julho de 2007.
A mais longa greve dos servidores públicos da história
da África do Sul, que já durava 28 dias, foi encerrada
pela Federação denominada Congresso dos Sindicatos
Sul-Africanos (COSATU Congress of the South African
Trade Unions). O enfrentamento começou no dia 1º
de junho, quando trabalhadores ligados a 17 sindicatos decretaram
greve geral reivindicando um reajuste de 12%. No final da greve
os trabalhadores conseguiram um reajuste salarial de 7,5% e reajustes
nos auxílios à saúde e à moradia.
Quatro sindicatos de professores, incluindo o Sindicato Democrático
dos Professores da África do Sul (SADTU South
African Democratic Teachers Union), declararam que não
pretendiam aceitar a proposta, porque ela estava muito abaixo
das necessidades dos trabalhadores. No entanto, o SADTU suspendeu
a greve pelo menos até o fim das férias escolares.
Outros sindicatos também suspenderam a greve e declararam
que teriam que consultar os trabalhadores. A proposta aceita pela
federação será agora implementada em todo
o setor público.
A greve envolveu 700 mil trabalhadores profissionais,
trabalhadores qualificados e não-qualificados. Eles receberam
amplo apoio do restante da classe trabalhadora sul-africana. Em
13 de junho, centenas de milhares de servidores municipais realizaram
manifestações em solidariedade à greve, das
quais participaram motoristas de ônibus, taxistas, eletricitários,
funcionários de limpeza, trabalhadores da alfândega
e dos aeroportos. Nesse dia, as maiores cidades do país
foram paralisadas pelas manifestações de massa em
apoio à greve dos servidores públicos.
Durante a disputa com o governo, os trabalhadores em greve
enfrentaram a violência e a intimidação por
parte das forças do Estado. Piquetes foram atacados várias
vezes pela polícia, que usou gás lacrimogêneo,
balas de borracha, bombas de efeito moral e cassetetes. Milhares
de soldados foram mobilizados para impedir as greves em hospitais
em todo o país. Soldados armados foram posicionados ao
redor de escolas, hospitais e próximo às manifestações.
Mais de 3 mil trabalhadores da saúde foram considerados
prestadores de serviços essenciais pelo governo
e demitidos por quebra de contrato. Houve uma contínua
campanha de desmoralização dos grevistas por parte
da imprensa e do governo da frente ANC (African National Congress).
Os próprios líderes da COSATU admitiram que não
esperavam que a greve não fosse tão longa. No 19º
dia da paralisação, Zwelinzima Vavi, secretário-geral
da COSATU, disse numa conferência da organização:
a greve continua... não há sinal de que os
trabalhadores estejam se cansando; ao contrário, eles estão
ficando mais irritados, estão ficando mais unidos. Eles
estão mais firmes do que no início da greve.
Ele acrescentou que os trabalhadores gostariam que a greve terminasse
o mais rápido possível, de modo que a normalidade
pudesse retornar aos serviços públicos. Ele disse
que nunca imaginou que a greve fosse durar mais do que 16 dias.
Levou 28 dias para a COSATU preparar o acordo final com o governo
da frente ANC e assegurar a volta ao trabalho. O resultado não
pode ser considerado uma vitória, pois a inflação
anual na África do Sul é de aproximadamente 7%,
principalmente por causa dos recentes aumentos nos preços
dos combustíveis. Além disso, foram incluídas
cláusulas que dificultam ações unificadas
como esta no futuro.
Uma delas é um plano de carreira, chamado
de distribuição específica de cargos
para certos setores dos servidores públicos. De acordo
com IOL, isso vai recompensar o bom desempenho, a
qualificação e o tempo de serviço de
cada trabalhador. A intenção do plano é separar
os trabalhadores mais qualificados dos demais, causando divisões
entre eles mesmos, deixando a cada um a responsabilidade de negociar
sua própria recompensa.
Outra cláusula cria as bases para a assinatura de um
acordo de trabalho mínimo com os trabalhadores
em serviços essenciais. Isso vai garantir que um mínimo
de trabalho seja mantido durante as greves. Os 3 mil trabalhadores
essenciais que foram demitidos durante a greve foram readmitidos
com uma advertência final. A nova cláusula é
uma tentativa de anular e esvaziar futuras greves por meio de
ações na justiça contra os trabalhadores.
Com base no acordo, o governo vai fortalecer o princípio
segundo o qual quem não trabalha não recebe
e descontar os dias parados nos próximos meses. O descanso
semanal remunerado será descontado por inteiro, o que,
segundo o secretário provincial do SADTU, Jonovan Rustin,
vai deixar alguns professores sem nenhum centavo.
A irritação e a frustração sentidas
pelos trabalhadores da África do Sul com o governo pró-mercado
da ANC foram manifestadas claramente na duração
e na combatividade da greve. Estatísticas publicadas recentemente
pelo jornal sul-africano Mail & Guardian mostram que
nos primeiros seis meses desse ano 11 milhões de dias de
trabalho foram perdidos em paralisações da indústria.
Este número já é muito superior ao recorde
de dias perdidos em greves dos anos anteriores. Durante todo o
ano de 1994, o número foi de 3,9 milhões de dias,
tendo ocorrido um declínio permanente até 2005,
quando o número de dias perdidos foi de 500 mil.
Uma recente pesquisa feita pela COSATU mostrou que entre 1998
e 2002 a parcela da renda nacional que cabia aos trabalhadores
caiu de 50% para menos de 45%. Durante o mesmo período,
o lucro das empresas passou de menos de 27% para 32%. Os números
mostram que em 2006, o salário dos executivos aumentou
34%, enquanto o dos trabalhadores aumentou entre 1% e 2% acima
da inflação. Outros estudos mostraram que a relação
entre os salários dos altos executivos e dos trabalhadores
é de mais de 50 para 1. A maioria das famílias da
África do Sul vive abaixo da linha da pobreza.
De 1994 a 2003, o desemprego dobrou na África do Sul.
O atual nível de desemprego real está entre 37%
e 41%. O padrão de vida de muitos trabalhadores foi rebaixado
por meio da substituição de empregos estáveis,
de jornada inteira, por empregos informais e subempregos com baixos
salários, sem estabilidade e sem benefícios. Sessenta
por cento dos trabalhadores na indústria da construção
estão empregados com contratos temporários, assim
como 30% dos mineiros.
Mas a luta não acabou com o fim da greve dos servidores
públicos. Há grande possibilidade de greves nas
indústrias química, petrolífera, elétrica
e de mineração de ouro, impulsionadas pelos baixos
salários. No dia 9 de julho, 260 mil metalúrgicos
e engenheiros entraram em greve geral, exigindo um reajuste salarial
entre 9% e 10%.
Foi essa nova onda de greves que fez com que a COSATU buscasse
a qualquer custo terminar a greve dos trabalhadores dos serviços
públicos naquele momento.
A greve tem sido considerada por muitos como uma demonstração
de força com vistas ao congresso da ANC que ocorrerá
em dezembro deste ano. Alguns observadores comentam que a greve
foi utilizada pela COSATU para pressionar o presidente Thabo Mbeki
e a ANC com relação à escolha do candidato
nas eleições presidenciais de 2009.
Em 13 de junho, a BBC publicou uma entrevista com Robert Schrire,
chefe do departamento de Ciência Política da Universidade
da Cidade do Cabo, na qual ele afirma que na organização
da greve, a questão fundamental para a COSATU era: quem
governará o país? Será o grupo próximo
à COSATU e ao Partido Comunista Sul-Africano (SACP
South African Communist Party) ou o grupo próximo
a Mbeki?
Na verdade, Vavi e a cúpula da COSATU estavam determinados
e evitar um confronto direto com o governo. Numa nota à
imprensa a respeito do encontro da ANC ocorrido no dia 27 de junho,
na véspera do término da greve, a COSATU classificou
a ANC como o partido da libertação,
acrescentando: ele representa as aspirações
e esperanças [dos trabalhadores] por uma vida melhor.
No entanto, há na burocracia sindical o sentimento de
que a COSATU e o SACP, apesar de serem aliados da ANC, não
têm um papel central no governo. Eles se sentem deixados
de lado por políticas que promovem a ascensão econômica
dos negros, que enriquece um pequeno grupo ao redor de Mbeki.
Eles reclamam que não têm plenos direitos no governo
e não podem compartilhar de todos os benefícios
do poder.
Apesar do fato de não haver nenhuma diferença
de princípios entre os que compõem os dois extremos
da frente ANC, a COSATU e o SACP estão extremamente atentos
ao abismo social que se abre entre a classe trabalhadora empobrecida
e a pequena e seleta camada de super-ricos, e sentem a necessidade
de bloquear a oposição da classe trabalhadora.
Enquanto eles criticam as políticas econômicas
do governo por defenderem os interesses das corporações
transnacionais, eles não se opõem ao sistema do
lucro. Foi recentemente revelado que tanto a COSATU quanto o SACP
fizeram investimentos em empresas privadas de saúde, enquanto
criticavam, ao mesmo tempo, a privatização do sistema.
Nas últimas semanas, Mbeki deixou claro que pretende
ser presidente da ANC por mais um mandato, apesar da Constituição
não permitir que ele seja novamente presidente da África
do Sul. Sua intenção é, sem dúvida,
garantir que seu indicado seja eleito candidato à presidência
do país.
O candidato favorecido pela COSATU e pelo SACP é Jacob
Zuma, um homem que nunca se opôs a nenhuma das políticas
pró-mercado do governo. Como vice-presidente, ele foi o
segundo homem no comando de Mbeki de 1999 até a sua deposição
em 2005.
Ligado à ala radical da ANC e com uma retórica
exigência de cumprimento dos objetivos da Carta da Liberdade
da ANC, Zuma é um personagem útil, com aparência
de esquerda, que serve para o governo ganhar o apoio
de alguns setores, dissuadindo, dessa forma, a formação
de uma oposição social e política.
Zuma fez grandes esforços para distanciar-se da greve
dos servidores públicos. No dia posterior às manifestações
de massa em apoio à greve, ele declarou à Agência
France-Presse: eu não penso que [a greve]
esteja fazendo bem para o país. Eu penso que as duas partes
deveriam ter encontrado uma solução antes da greve.
Ele disse que tais cenas sujam a reputação internacional
do país, que tenta consolidar sua posição
como a locomotiva da economia do continente e organizador da Copa
do Mundo de 2010. Eu penso que não ficou bem para
o país. Estes são assuntos que os negociadores de
ambas as partes, trabalhadores e governo, deveriam ter levado
em conta.
Nem Zuma nem qualquer outro dos candidatos da ANC à
presidência têm nada a oferecer aos trabalhadores.
A atual onda de greves demonstrou a urgência da necessidade
de criar um novo movimento político socialista da classe
trabalhadora, oposto não só à ANC e a todas
as suas facções, mas aos seus aliados pró-capitalistas,
o SACP e a cúpula da COSATU.