Entrou em vigor no Uruguai no dia 1º de julho a reforma
tributária que estabelece o Imposto de Renda sobre as Pessoas
Físicas, o IRPF. Segundo o presidente Vázquez, a
reforma está fundamentada em princípios constitucionais
uruguaios, tais como a justiça social e a distribuição
eqüitativa da renda. Esta reforma é apresentada como
uma das mais importantes do governo esquerdista de
Tabaré Vázquez e propõe tanto um novo imposto
sobre os salários quanto um novo sistema de impostos sobre
todo o país.
Alguns analistas sugerem que esta é a primeira grande
reforma de esquerda realizada por Vázquez, porque, segundo
a ótica deles, as taxas cobradas se ajustam proporcionalmente
ao montante de renda de cada contribuinte, trazendo uma maior
justiça tributária para o país.
Danilo Astori (Ministro da Economia e possível candidato
à sucessão de Vázquez) foi quem assumiu publicamente
a implantação do IRPF. Segundo o artigo 1º
do decreto que institui a reforma, o Imposto de Renda sobre Pessoas
Físicas é um tributo anual de caráter pessoal
e direto, que cobra o imposto sobre a renda de pessoas físicas
uruguaias residentes no país. Ao tratar de renda, o decreto
trata tanto dos rendimentos de capital e incrementos patrimoniais,
quanto, principalmente, das rendas de trabalho e imputações
estabelecidas legalmente.
A reforma tributária de Vázquez prevê também
a eliminação de 14 impostos e a baixa de cinco pontos
percentuais no Imposto sobre o lucro empresarial. O Imposto sobre
o Valor Agregado (IVA) será reduzido de 23 para 22% e a
Confis (Contribuição ao Financiamento e à
Segurança Social) será extinta.
O que se pode concluir desta reforma que cria um imposto direto
sobre os salários dos trabalhadores e diminui o imposto
sobre os lucros do capital? Seria mesmo esta reforma, como dizem
os jornalistas econômicos do país, uma reforma de
esquerda que promove efetivamente uma melhor justiça tributária?
Antes da reforma, os empresários uruguaios pagavam cerca
de 458 milhões de dólares, após sua implantação
estima-se que pagarão apenas 394 milhões de dólares
com o Imposto de Renda das Atividades Empresariais.
O governo argumenta que esta perda de receita pela diminuição
do imposto sobre os lucros do capital não influenciarão
no montante de impostos arrecadas pelo Estado anualmente. Em outras
palavras: segundo o governo, as receitas totais do Estado não
diminuirão com a reforma tributária. De onde virá,
então, a diferença que irá cobrir a diminuição
de impostos sobre os lucros do capital?
O Ministério da Economia e Finanças e a Assessoria
Econômica da Direção Geral Impositiva estimam
que a arrecadação com o novo IRPF será de
350 milhões de dólares. No entanto, o que se arrecadava
com o antigo Imposto sobre as Retribuições Pessoais
(IRP) era de 150 milhões de dólares. A diferença
de 200 milhões de dólares não será,
na sua maior parte, extraída do bolso dos empresários,
que pagarão 33 milhões de dólares, nem dos
profissionais liberais, que pagarão 39 milhões de
dólares, mas será, sim, extraída do bolso
dos trabalhadores e aposentados, que juntos pagarão 278
milhões de dólares em impostos ao governo.
Como uma reforma dita de esquerda, pode fazer com
que os empresários paguem menos e, mesmo assim, se aumente
em 200 milhões de dólares a arrecadação
do Estado? A única resposta é que este aumento virá
dos impostos cobrados sobre a classe dos assalariados e dos aposentados.
Apesar da reforma tributária de Vázquez ser apresentada
como uma reforma de esquerda, muitos trabalhadores não
se iludiram com ela. Na metade de junho, vários sindicatos
começaram a pronunciar-se contra o IRPF. A ADEOM (Associação
de Empregados e Operários Municipais) anunciou o começo
das mobilizações contra a reforma. A COFE (Confederação
de Organizações de Funcionários do Estado)
também emitiu uma declaração contra a reforma
tributária. Neste período, havia um viés
de crítica ainda na AEBU (Associação de Bancários
do Uruguai) e na Rede de Economistas de Esquerda.
A ADEOM, mesmo propondo uma revisão menos profunda do
IRPF, propunha que a reforma fosse revista. Um porta-voz da COFE
falou da importância de se somar forças para que
a PIT-CNT não apóie a reforma. Havia, entre esses
organismos, o reconhecimento de que não se tratava de uma
reforma sobre a renda, mas sobre os salários, porque não
existe renda em salários baixos ou baixíssimos de
trabalhadores, uma vez que a renda deve ser entendida como uma
forma de rendimento excedente.
A PIT-CNT (principal central sindical do Uruguai e base de
apoio de Vázquez), em resposta às diversas manifestações
contra a reforma tributária que exigiam seu posicionamento
frente a ela, lançou um informe no dia 11 de julho (dez
dias após a instauração da reforma), no Instituto
Costa Duarte (que pertence a ela). Segundo o informe, pesquisas
de mercado realizadas na primeira semana de vigência da
reforma tributária indicavam que nos grandes supermercados
registraram-se baixa no preço dos principais produtos da
cesta básica dos trabalhadores.
O apoio declarado da PIT-CNT à reforma ficou evidente
neste informe. Segundo a matemática dela, o imposto pago
pelos trabalhadores seria compensado pela queda dos preços
da cesta básica. Ora, quem garante que a queda dos preços
será suficiente para compensar o novo imposto? Quem garante
que esta queda será permanente e os preços não
voltarão a subir nos próximos dias? Quem garante
que esta queda de preço se estenderá para todos
os supermercados e para todos os produtos da cesta básica?
O imposto, como já afirmou o governo, veio para ficar.
Mas a queda dos preços veio também para ficar? Dificilmente
pode-se acreditar em tal afirmação. O mais provável
é que dentro de certo tempo, após a estabilização
da reforma, os preços das mercadorias voltem a subir.
Mais uma vez a PIT-CNT dá provas de seu caráter
traidor, sendo um instrumento a mais para garantir a exploração
dos trabalhadores uruguaios. Ao invés de justificar e defender
a reforma tributária de Vázquez, a PIT-CNT deveria
organizar os trabalhadores para lutar contra tal nova forma de
exploração.
Uma reforma tributária a favor dos trabalhadores seria
um imposto progressivo, sobre as grandes fortunas e grandes propriedades,
um imposto sobre os lucros financeiros e a grande propriedade
fundiária. Mas, evidentemente, a reforma de Vázquez
não tem nada a ver com isso. Ao contrário, nessa
reforma, como nas diversas reformas realizadas pelos governos
ditos esquerdistas da América Latina, os únicos
beneficiados são os capitalistas.
No Uruguai, como em todos os países capitalistas, além
de ser expropriado pelo patrão e sustentar a acumulação
de capital do empresário, o trabalhador deve financiar
o Estado burguês que o oprime. Por um lado, os capitalistas
o exploram na produção de mais-valia, por outro,
o Estado burguês ainda lhe retira parte do seu já
baixo salário. No meio deles está a PIT-CNT, central
sindical traidora, que ainda tenta iludir os trabalhadores com
falsas pesquisas e argumentos retóricos, confundindo os
já sofridos trabalhadores uruguaios.