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Nas favelas, fábricas e universidades

Lula, Cabral e Serra: aliados na violência contra o povo brasileiro

Por V. Hugo
4 de julio de 2007

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A violência do confronto entre a polícia e os traficantes ocorrido na última quarta-feira (27/06) nas favelas do Rio de Janeiro foi algo surpreendente. Com o apoio do governo Lula, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), comandou as polícias civil e militar e a Força Nacional de Segurança para uma das maiores operações de combate ao tráfico no estado. Estima-se que em apenas um dia de confronto morreram 22 pessoas e 11 ficaram feridas no conjunto de 12 favelas conhecido como Complexo do Alemão. Ao todo, 1.350 homens foram mobilizados para a operação.

O Complexo do Alemão abrange 3 quilômetros quadrados e localiza-se nos morros da zona norte do Rio de Janeiro, à apenas alguns quilômetros da costa cheia de ‘glamour’ da “capital das praias” da América do Sul. Ao lado do luxo sustentado principalmente pelo turismo nacional e internacional, amontoam-se nos morros cerca de 300 mil pessoas. Um terço delas têm renda inferior a R$ 380,00 (cerca de US$ 200) mensais.

Em termos de educação, renda per capita e saúde, as condições das pessoas que moram nas favelas está abaixo das condições de vida de alguns países da África. O IDH - índice calculado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que avalia a qualidade de vida da população - das favelas do Complexo do Alemão é de 0,587. O IDH do Gabão é de 0,637 e de Cabo Verde de 0,722. Em alguns países da Europa, o índice é quase o dobro do medido nas favelas do Rio: Noruega (0,927); Bélgica (0,923) e Suécia (0,923). O Brasil está na 69ª colocação no ranking do IDH de 2006 (em 177 países no total), com um índice de 0,792.

O Complexo do Alemão é considerado o quartel-geral do Comando Vermelho, grupo criado em 1979, no presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, Rio de Janeiro, a partir do convívio entre presos comuns e militantes dos grupos armados que combatiam o regime militar. A partir dos anos 80, o tráfico de drogas, especialmente de cocaína, foi responsável pela grande ampliação do poder do Comando Vermelho, que começou a adquirir armamento pesado, como pistolas, metralhadoras, fuzis, granadas e armamento antiaéreo. Os choques entre a polícia e os traficantes passaram a ser comuns nesta região, mas a dimensão da operação realizada no dia 27 foi inédita.

A megaoperação da polícia

O Complexo do Alemão está ocupado pela polícia desde o dia 2 de maio. O Objetivo da operação era capturar os responsáveis pela morte dos soldados Marco Antônio Ribeiro Vieira e Marcos André Lopes da Silva, do 9º Batalhão, assassinados com mais de 30 tiros no dia 1º de maio.

Depois de reunir informações por mais de um mês, a polícia decidiu atacar. Na terça-feira (26), véspera da operação, o Centro de Informação da Polícia Civil soube que, no dia seguinte, traficantes se encontrariam numa casa onde estava escondido o paiol de armas e drogas do Comando Vermelho, na Favela da Grota. Era o momento que a polícia estava esperando.

Os policiais se reuniram às 5 horas da manhã no estande de tiros da Polícia Civil, na zona norte do Rio, e seguiram para o Alemão. O cerco começou por volta das 9 horas. A polícia foi recebida a tiros. O confronto armado entre a polícia e os traficantes durou sete horas.

Mas, afinal, o que pensam os moradores sobre a ação da polícia? Como eles reagiram à presença ostensiva do Estado na favela?

A reação dos moradores

O dia da megaoperação da polícia foi realmente trágico para os moradores. Na favela da Grota, vítimas inocentes saíam dos becos da favela nos braços de parentes e vizinhos. “Isso é uma guerra. Minha neta foi baleada em casa”, disse a avó de Larissa de Andrade Silva, ferida no tornozelo e levada para o Hospital Getúlio Vargas numa lotação. A avó preferiu não se identificar.

Pouco tempo depois, Wesley Glauco, de 17 anos, da mesma favela, deu entrada no hospital, ferido à bala. Na favela da Fazendinha, Arlete dos Santos, de 48 anos, levou um tiro de bala perdida na região lombar, e Karen Cristina Batista Borges, de 20, ficou ferida por estilhaços de granada no tornozelo esquerdo. As duas foram atendidas no hospital.

Por volta das 16:30 horas, três blindados da PM desceram com os primeiros corpos da Grota. Em seguida, o motorista de uma lotação foi obrigado a parar para que seis corpos fossem jogados no interior da van e levados à delegacia.

Familiares e vizinhos de Bruno de Paula, de 20 anos, arrastaram o corpo dele envolvido em lençóis pela rua até a entrada da favela. Eles iniciaram um protesto contra a operação policial. A manifestação foi reprimida minutos depois, quando agentes de segurança lançaram gás pimenta contra o grupo. “Esse rapaz não era bandido”, afirmou uma mulher que pediu para não ser identificada. Policiais civis levaram o corpo para o Instituto Médico Legal (IML).

Maria de Lourdes Alves, de 50 anos, também afirmou que policiais estavam sendo violentos com moradores no interior da favela. “A gente sai de casa e não sabe se volta com vida. Estou sem almoço, porque depois do que vi de manhã quando saí de casa, não tive coragem de entrar na Grota antes que a polícia saísse”, disse ela. Outro morador disse que prestaria queixa contra policiais pelo desaparecimento de R$ 2,5 mil de sua casa. “Será que não podemos confiar em quem deveria nos socorrer?”, questionou ele antes de ser retirado por policiais.

A afirmação do governo de que não há inocentes entre as vítimas causou revolta na população local. A Polícia Civil não soube informar quais os antecedentes criminais dos mortos já identificados, o que aumenta a suspeita de que tenham morrido inocentes. Três adolescentes de 13, 14 e 16 anos estão na lista oficial dos mortos por policiais. Moradores do complexo do Alemão afirmaram que apenas 9 dos 22 mortos na operação policial teriam envolvimento com a criminalidade.

Um ambiente de guerra civil

No dia da operação policial, o clima nas favelas do Complexo do Alemão era de uma verdadeira guerra civil. A movimentação policial causou o fechamento de pelo menos oito escolas na região. Durante vários dias, 4.600 crianças permaneceram sem aula. O Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) fez um alerta sobre a situação de crianças que são impedidas de estudar por viverem em áreas de confronto e comparou os estudantes do complexo do Alemão com os da faixa de Gaza e do Iraque. A violência urbana do Brasil “impede que meninas e meninos freqüentem as escolas. Ataques às crianças são inaceitáveis. As escolas devem ser ambientes seguros para que meninas e meninos possam aprender e se desenvolver”, afirmou a diretora-executiva do Unicef, Ann Veneman, numa nota à imprensa. Segundo a nota, a situação das crianças que foram às aulas durante esse período foi ainda pior. “As crianças ficaram sem aulas ou foram transferidas para uma única escola, onde milhares de estudantes dividem as salas de aula em quatro turnos diários de apenas 2:15 horas”, disse o comunicado.

Outros identificam a operação no Complexo do Alemão com o que ocorreu no Haiti: em fevereiro, o bairro de Cité Soleil, o mais violento de Porto Príncipe, a capital haitiana, enfrentou uma operação semelhante: 750 homens de vários países, sob o comando do Brasil, invadiram a favela deixando 6 mortos. O saldo de mortes no Complexo do Alemão, no entanto, é bem maior. Nos 60 dias transcorridos desde o início da operação, já morreram nas favelas do Rio 46 pessoas e 84 ficaram feridas.

O correspondente da BBC no Brasil, Gary Duffy, afirmou que “dava para sentir que a polícia não era muito bem vista pelos moradores das favelas. Eles não confiavam na polícia”. Duffy, que está trabalhando no Brasil há apenas três meses - cobriu a disputa entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte de 1984 a 1998. “Há uma certa semelhança entre o que aconteceu aqui e o que acontecia na Irlanda do Norte. Lá, quando a polícia e o Exército entravam nas áreas católicas, as mulheres costumavam sair com tampas de metal e batê-las no chão para avisar as pessoas envolvidas com o IRA. Aqui no Alemão, houve vários disparos de fogos de artifício para avisar os traficantes que a polícia estava vindo”, afirmou o jornalista.

Os moradores locais temem as balas perdidas, e aqueles que têm condições estão deixando o local. Várias casas e apartamentos em volta das favelas estão à venda. Quando são vendidas, os preços são muito baixos. O fotógrafo Sidraque Santos, de 41 anos, que nasceu e morou toda a sua vida no conjunto de favelas do Rio, diz que nunca viu operação como a de quarta-feira. Após a operação, o fotógrafo admitiu que já pensa em deixar esse morro carioca. “Não tem como ficar aqui”, disse ele ao jornal Estado de São Paulo. Santos contou que “na favela do Cruzeiro, teve um rapaz que foi abordado pela polícia e saiu correndo. A polícia gritou: pára, pára, pára. Ele não parou e a polícia atirou. Quando chegaram para ver o morto, ele estava com um crachá de uma associação de surdos e mudos”.

O real significado da repressão policial

A violência aberta manifestada no complexo do Alemão na semana passada é a mais clara demonstração do aprofundamento da repressão no Brasil. No entanto, a repressão não é direcionada apenas contra o crime organizado. Nas favelas, as principais vítimas deste confronto são as pessoas comuns que moram nas favelas. Mas, acima de tudo, é importante perceber que a atitude violenta por parte do Governo Lula e de seus aliados nos governos estaduais tem como objetivo mostrar para toda a população que eles estão dispostos a tudo para sufocar aqueles que se opuserem a eles.

Não é coincidência que, no dia 20 de junho, o governador de São Paulo, José Serra, colocou a tropa de choque para reprimir e expulsar, por volta das 2:30 horas da madrugada, os estudantes que ocupavam o prédio da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp (Universidade Estadual Paulista), no campus de Araraquara, interior de São Paulo. Os estudantes foram encaminhados para a delegacia de polícia.

Também não é casual a atitude do governo Lula que, no dia 31 de maio, mandou 150 homens da Polícia Federal invadir as fábricas Cipla e Interfibra, em Joinvile, Santa Catarina, ocupadas pelos trabalhadores, levando mandatos de prisão contra os dirigentes, alegando que a empresa devia para a Previdência. Mas, afinal, porque Lula não mandou a Polícia Federal intervir quando a fábrica estava nas mãos dos antigos patrões, que são os verdadeiros devedores? Porque Lula não intervém no Bando Itaú, no Unibanco ou na construtora Mendes Júnior, que juntos deviam, já em 2005, mais de R$ 1 bilhão à Previdência?

Portanto, só o que sobra para os moradores comuns das favelas, para os trabalhadores e para a juventude no Brasil é a repressão deste Estado cada vez mais policialesco. Mas, será que as medidas repressivas tomadas por parte do governo seriam a expressão da sua força?

Vejamos a situação que se encontra o governo Lula: desde o primeiro mandato, o governo vem sofrendo um desgaste brutal devido aos escândalos de corrupção: em maio, o Ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, teve que deixar o cargo, após ter sido descoberto seu envolvimento com a máfia das obras públicas, liderada pela construtora Gautama; o irmão mais velho do presidente Lula, Genival Inácio da Silva, o Vavá, está sob acusação de tráfico de influência no governo em favor da chamada máfia dos caça níqueis, que explora jogos ilegais. Se Lula ainda mantém elevados índices de popularidade nas pesquisas de opinião, é em conseqüência das esmolas oficiais - como o programa bolsa família, o vale gás, etc. - concedidas aos trabalhadores mais pobres, que vivem em condições extremamente precárias, programas que servem apenas para manter os trabalhadores na miséria e cada vez mais dependentes do governo.

O parlamento, por sua vez, também afunda na lama da corrupção: a amante de Renan Calheiros, presidente do Senado Federal, denunciou que a pensão do filho que tem com o senador era paga pela construtora Mendes Júnior.

Defendendo-se de acusações que surgem a cada semana, o governo e o parlamento estão completamente imobilizados. Gastam grande parte do tempo buscando provar sua duvidosa inocência. Diante de tanta corrupção e impunidade, que só se aprofundam desde o escândalo do mensalão em 2005, os trabalhadores e os jovens não estão depositando mais nenhuma esperança nas CPI’s (Comissões Parlamentares de Inquérito) ou nas Comissões de Ética, isto é, nos julgamentos dos corruptos pelos próprios corruptos. Os trabalhadores e jovens começam a sair às ruas para se manifestar. Manifestações que reúnem milhares de pessoas começam a se tornar freqüentes nas principais cidades brasileiras. Diante de um movimento que começa a ganhar força, o que resta ao frágil governo Lula e seus aliados? A única coisa que resta a eles é usar o último recurso para segurar as massas: a força das armas.

Somente assim é possível compreender a megaoperação policial posta em prática no Complexo do Alemão. Mais do que combater o crime organizado, a intenção dos governos federal e estaduais é fazer uma demonstração de força, para todos os trabalhadores e estudantes do Brasil saibam do que o governo é capaz de fazer contra aqueles que se insubordinam. Foi exatamente este o tom da ordem dada por Lula ao comandante da Aeronáutica, no dia 25 de junho, quando os controladores de vôo realizavam uma operação padrão, retardando a saída dos vôos em vários aeroportos brasileiros. Lula disse: “coloque ordem na casa para manter o bom funcionamento dos aeroportos e a disciplina militar, porque é preciso respeitar a hierarquia”. E o presidente ex-operário concluiu: “eu fiz muitas greves na minha vida, e eu consigo perceber quando tem má-fé, quando tem má vontade”.

Certamente, Lula deve ter dirigido as greves no ABC na década de 1980 com muita “boa fé” e “boa vontade”, que, aliás, o tornaram confiável à classe dominante e fizeram com que tivesse o apoio de amplos setores desta classe para chegar à Presidência da República e cumprir o papel que ele pode fazer melhor do que ninguém: bloquear o movimento de massas, mesmo que para isso seja preciso comandar ou apoiar os seus aliados no comando da polícia e do exército contra os trabalhadores nas favelas, nas fábricas e contra os estudantes nas universidades, e defender assim os interesses do grande capital.

Diante de tudo isso, só resta uma saída para os trabalhadores e jovens do Brasil e de todo o mundo: a construção de uma nova direção que rompa e supere as burocracias sindical e estudantil aliadas aos governos burgueses corruptos.