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Ataques aéreos na Somália: uma nova fase da guerra ilegítima de Washington contra o “terror”

Por Chris Marsden
16 Janeiro 2007

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 10 de janeiro de 2007.

Os ataques aéreos norte-americanos realizados no sul da Somália tiraram a vida de um grande número de civis. Os bombardeios, que começaram no domingo à noite e continuaram na segunda-feira, sinalizam o aprofundamento do uso da violência por parte do governo corrupto de Bush, utilizado sob o pretexto da “guerra global anti-terrorismo”, mas que, no fundo, visa atender os interesses de Washington.

Os ataques marcam a primeira intervenção militar direta dos EUA na Somália desde 1994, quando o presidente Clinton ordenou que as tropas norte-americanas se retirassem, logo após o episódio da “baixa do falcão negro”, que resultou na morte 18 destacamentos especiais do exército durante as batalhas de rua em Mogadishu. Os recentes ataques - que fazem parte da tentativa de estabelecer a hegemonia norte-americana em todo o Chifre da África - podem fazer com que o conflito na Somália se transforme numa guerra regional de conseqüências imprevisíveis.

Ontem, dois helicópteros de artilharia, descritos por oficiais somali como norte-americanos, atacou Afmadow, uma cidade perto da fronteira com o Quênia, matando 31 civis, incluindo dois recém-casados, segundo relataram algumas testemunhas.

Após os primeiros ataques, o presidente da Somália, Abdullahi Yusuf, que é uma marionete do governo dos EUA, declarou obedientemente que “os EUA têm o direito de combater os terroristas que são suspeitos de terem atacado as embaixadas norte-americanas no Quênia e na Tanzânia”. Washington alega que as vilas atacadas abrigavam combatentes islamitas, incluindo membros da Al Qaeda.

Anteriormente a estas agressões, os EUA já haviam enviado três navios de guerra para patrulhar a costa da Somália, além de um porta-aviões. O ataque aéreo norte-americano atingiu a extremidade sul da Somália, cuja região é palco de duros combates entre as forças etíopes e a milícias islamitas. É justamente nesta região que os EUA ancoraram seus navios.

A intervenção militar direta dos EUA é, em certa medida, produto da inabilidade do governo Bush ao transferir a responsabilidade de por em prática os seus planos a vários representantes.

A primeira reação norte-americana à retirada de suas tropas da capital, Mogadishu, em 1993, foi exigir que a ONU impusesse sanções ao país. Depois, o governo dos EUA retirou vários comandantes militares e acabou, finalmente, patrocinando a criação do Governo Federal de Transição (TFG). Entretanto, isto apenas alimentou o sentimento anti-norte-americano na Somália e estimulou o apoio popular à União das Cortes Islâmicas.

Era evidente que a invasão da Somália, em 24 de dezembro, apoiada pelo governo norte-americano, realizada com cerca de 15.000 soldados etíopes fortemente armados, que recebiam o reforço de aviões a jato MIG, destruiria muito facilmente a milícia islâmica, que era muito mal equipada. Mas, após ter expulsado com sucesso o regime dos Tribunais Islâmicos (UIC) utilizando-se dos etíopes, Washington passou a enfrentar dificuldades em substituir esse governo e estabilizar o país.

O conflito desencadeado na Somália, por sua vez, juntamente com os pedidos de Washington para que outras nações enviem tropas para a região, ameaçam desestabilizar todo o Chifre da África.

Além das batalhas travadas no sul, perto da fronteira com o Quênia, as batalhas de rua continuaram ocorrendo em Mogadishu e em outros lugares - mantidas por cerca de 3.500 membros das milícias, trabalhadores e jovens residentes nas localidades, todos revoltados com a presença militar destes que são inimigos de longa data dos somali. A Somália é povoada predominantemente por muçulmanos e esteve duas vezes em guerra com o seu maior vizinho. A Etiópia, cuja elite é majoritariamente cristã, é vista como uma marionete dos EUA.

Centenas de pessoas tomaram as ruas da capital, Mogadishu. Nesta manifestação, pelo menos três civis foram mortos - atrasando mais uma vez a campanha lançada pelo “governo de transição”, que visada desarmar completamente os civis.

Inúmeros relatos revelam que os militantes islâmicos evitaram um conflito direto com as tropas etíopes, mesmo tendo condições de travar uma ação de guerrilha. Ted Dagne, um especialista regional do Serviço de Pesquisa do Congresso Americano, afirmou: “parece que os islâmicos foram derrotados, mas há ainda uma força latente”. Uma fonte diplomática comentou: “grande parte da milícia foi mais ou menos desarticulada. Eles ainda estão presentes, eles ainda estão armados, e há uma possibilidade real de que eles voltem a se rebelar, caso um acordo político não seja fechado”.

Além disso, os comandantes militares que haviam sido retirados pelos EUA, mas reprimidos pelos Tribunais Islâmicos (UIC), tiveram a sua chance de reafirmar sua presença em Mogadishu.

A Etiópia estava contente em ter podido colaborar com Washington, derrubando o governo dos Tribunais Islâmicos. E isto foi muito bem recompensado. O USA Today noticiou que a Etiópia, que tem uma população sete vezes maior que a da Somália, recebeu aproximadamente 20 milhões de dólares em ajuda militar dos EUA desde 2002. Isso foi informado pelo porta-voz do Pentágono, o tenente comandante Joe Carpenter, que afirmou que a Etiópia tem uma “relação de trabalho bastante próxima” com os EUA, incluindo a divisão de inteligência, o apoio com armamentos e treinamento - por meio dos quais 100 membros do corpo das forças armadas norte-americanas trabalham atualmente na Etiópia.

O USA Today noticiou ainda que “Conselheiros da Guarda Nacional de Guam têm treinado etíopes nas técnicas de infantaria básica em dois campos na Etiópia, segundo informou o Major Kelley Thibodeau - porta-voz das forças norte-americanas em Djibouti”.

O envolvimento dos EUA na ocupação da Etiópia é coordenado por Djibouti, que serve como centro militar norte-americano de treinamento e operações para todo o Chifre da África. O pequeno país foi inicialmente colônia francesa na Somália e, como seu nome sugere, é antes de mais nada etnicamente somali. Ele faz fronteira com a Etiópia, Eritréia e Somália e tem uma ampla e estratégica costa no Mar Vermelho e no Golfo de Aden, do qual se avista o Iêmen.

Em 2002, os EUA estabeleceram uma Força Tarefa de 1.800 homens no Chifre da África, situada no Campo Lemonier. Eles dirigem “uma hospedagem de treinamento anti-terrorismo” para vários Estados, incluindo Djibouti, Etiópia, Quênia, ilhas Seicheles, Sudão, Iêmen e Somália.

Os representantes nada confiáveis de Washington

Washington não pode contar com o regime repressor etíope do Primeiro Ministro Meles Zenawi por muito tempo. A Etiópia é odiada por manter uma longa operação policialesca. Zenawi declarou que ele gostaria de retirar suas tropas dentro de poucas semanas. Sua população está dividida quase que igualmente entre cristãos e muçulmanos, incluindo muitos somalis na região desértica do leste, o Ogaden. Por isso, a intervenção enfrenta uma considerável oposição popular no interior do país.

Mas até agora não há nenhum plano concreto de substituição das tropas etíopes.

O regime marionete da Somália não possui forças militares próprias que sejam consistentes e estáveis. O governo declara ter uma força de 10.000 homens, o que é um evidente exagero. No dia 6 de janeiro, o Washington Post relatou um encontro onde o Primeiro Ministro, Ali Mohamed Gedi, reuniu “as forças nacionais somalis... no quintal do prédio do antigo parlamento, um prédio vazio e marcado por ataques de granadas”.

Segundo a notícia, “cerca de 1.000 homens sentaram-se ao sol, soldados que estavam inativos por 15 anos, velhos homens com barbas grisalhas, usando uma camuflagem escura que estava fora de uso, que eles encontraram no mercado. Poucos tinham botas. A maioria usava sapatos de couro, sandálias ou tênis de solado fino. Eles deverão seguir o seu novo comandante, que assumiu o poder na semana passada com o apoio dos soldados etíopes, que agora viraram as armas contra a população”.

“Eles todos se levantaram para cantar o hino nacional da Somália, com muitos soldados simplesmente movendo seus lábios, pois tinham esquecido a letra. Quando acabou, cerca de 100 civis interromperam a nova força gritando: ‘traidores!’ Gedi teve que ser escoltado. Diante de tais fatos ocorridos em Mogadishu, é difícil saber com quem está o poder. O mesmo poderia ser dito de toda a Somália”.

Comenta-se que o Governo transitório está procurando sustentar esta força com cerca de 1.000 soldados do norte da Somália, da região autônoma de Puntland, a região natal do presidente temporário, Abdullahi Yusuf, que está fazendo alianças com vários comandantes militares. Esta é a receita para o desastre.

O governo Bush está tentando superar as dificuldades reunindo uma força militar proveniente de vários países africanos. Em janeiro de 2005, os representantes de Estado da Autoridade Intergovernamental de Desenvolvimento (IGAD) - Djibouti, Eritréia, Etiópia, Quênia, Sudão, Uganda e Somália - propuseram uma missão militar na Somália. A ONU estimulou esta missão ao levantar parcialmente um embargo de armas à Somália, em 1992 - embora nunca tenha sido realmente aplicado. No final do ano passado, o Grupo Internacional de Contato com a Somália, que inclui os EUA, a União Européia e diversas nações africanas, propôs que uma força de 8.000 homens fosse criada para apoiar o governo transitório, que estava sob o cerco da milícia islâmica. A Resolução 1725 da ONU, adotada em 6 de dezembro, autorizava a criação de tal força regional pelo IGAD e a União Africana.

A Secretária de Estado norte-americana responsável pela África, Jendavi Frazer, anunciou que Washington destinará 24 milhões de dólares adicionais, como apoio ao desenvolvimento e aos esforços de paz na Somália, dos quais pelo menos 10 milhões de dólares serão destinados para a referida força de intervenção. Este valor representa um acréscimo àquilo que tinha sido prometido pela Secretária de Estado Condoleezza Rice (16,5 milhões de dólares).

A União Européia também prometeu um acréscimo de 36 milhões de euros (aproximadamente 47 milhões de dólares) como ajuda, juntamente com os 15 milhões de euros já concedidos para financiar a força de paz africana.

Num encontro da IGC, em Nairobi, no Quênia, em 5 de janeiro, no qual estavam presentes a ONU, a EU, os EUA, a União Africana, a Liga Árabe e os países do IGAD, o presidente de Uganda, Yoweri Museveni, prometeu o envio de 1.000 a 2.000 homens, condicionado à aprovação do parlamento. Fraser espera que as tropas sejam enviadas até o final deste mês. A Etiópia também enviou vários ministros para Djibouti, Egito, Quênia e Sudão, a fim de pleitear o envio de tropas para a Somália.

Analistas questionaram se o envio de tropas de Uganda - que estão mal equipadas e despreparadas para uma luta com a Etiópia - e de qualquer outro país realmente se efetivará. David Schinn, um antigo embaixador na Etiópia e professor na escola para estudos Internacionais Avançados John Hopkins, afirmou: “eu não posso imaginar como (as tropas de Uganda) poderiam entrar sem que os outros entrassem também”. Ele observou que houve rumores de que a Nigéria e o Sudão também planejam mandar tropas. Entretanto, apesar de tudo, até agora a força de paz “não passa de uma ficção, de uma idéia”.

No ano passado, o antigo secretário da ONU, o general Kofi Annan, mandou uma carta para o Conselho de Segurança, observando que Uganda e Sudão se tornaram cada vez mais relutantes em relação ao envio de tropas para a Somália, uma vez que a luta ali se intensificara e não havia “um ambiente seguro”.

Um ambiente seguro é a última coisa que a Somália oferece para uma força de intervenção. O Ministro das Relações Exteriores do Quênia , Raphael Tuju, advertiu: “a falência de uma ação imediata levará a um vazio que poderia ser certamente explorado pelos comandantes militares e outras forças extremistas”. Tuju também está fazendo lobby para que outros países mandem tropas. O Quênia fechou suas fronteiras para cerca de 30.000 refugiados da Somália. Atualmente o Quênia já abriga 160.000 refugiados. O Governo negou que 600 refugiados, a maioria mulheres e crianças, tenham sido deportados, em caminhões do governo, de um acampamento na fronteira em Liboi.

Por causa destas dificuldades, os EUA pediram que a EU e o novo secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, exijam que o “governo de transição” busque um acordo político com as forças islâmicas “moderadas”. De qualquer maneira, o presidente temporário, Yusuf, rejeitou todos estes pedidos declarando, na rede de televisão Al-Jazeera, que as negociações com os islâmicos “não acontecerão... Nós manteremos a linha dura com os terroristas em qualquer lugar do país”.