Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 10 de janeiro de 2007.
Os ataques aéreos norte-americanos realizados no sul
da Somália tiraram a vida de um grande número de
civis. Os bombardeios, que começaram no domingo à
noite e continuaram na segunda-feira, sinalizam o aprofundamento
do uso da violência por parte do governo corrupto de Bush,
utilizado sob o pretexto da guerra global anti-terrorismo,
mas que, no fundo, visa atender os interesses de Washington.
Os ataques marcam a primeira intervenção militar
direta dos EUA na Somália desde 1994, quando o presidente
Clinton ordenou que as tropas norte-americanas se retirassem,
logo após o episódio da baixa do falcão
negro, que resultou na morte 18 destacamentos especiais
do exército durante as batalhas de rua em Mogadishu. Os
recentes ataques - que fazem parte da tentativa de estabelecer
a hegemonia norte-americana em todo o Chifre da África
- podem fazer com que o conflito na Somália se transforme
numa guerra regional de conseqüências imprevisíveis.
Ontem, dois helicópteros de artilharia, descritos por
oficiais somali como norte-americanos, atacou Afmadow, uma cidade
perto da fronteira com o Quênia, matando 31 civis, incluindo
dois recém-casados, segundo relataram algumas testemunhas.
Após os primeiros ataques, o presidente da Somália,
Abdullahi Yusuf, que é uma marionete do governo dos EUA,
declarou obedientemente que os EUA têm o direito de
combater os terroristas que são suspeitos de terem atacado
as embaixadas norte-americanas no Quênia e na Tanzânia.
Washington alega que as vilas atacadas abrigavam combatentes islamitas,
incluindo membros da Al Qaeda.
Anteriormente a estas agressões, os EUA já haviam
enviado três navios de guerra para patrulhar a costa da
Somália, além de um porta-aviões. O ataque
aéreo norte-americano atingiu a extremidade sul da Somália,
cuja região é palco de duros combates entre as forças
etíopes e a milícias islamitas. É justamente
nesta região que os EUA ancoraram seus navios.
A intervenção militar direta dos EUA é,
em certa medida, produto da inabilidade do governo Bush ao transferir
a responsabilidade de por em prática os seus planos a vários
representantes.
A primeira reação norte-americana à retirada
de suas tropas da capital, Mogadishu, em 1993, foi exigir que
a ONU impusesse sanções ao país. Depois,
o governo dos EUA retirou vários comandantes militares
e acabou, finalmente, patrocinando a criação do
Governo Federal de Transição (TFG). Entretanto,
isto apenas alimentou o sentimento anti-norte-americano na Somália
e estimulou o apoio popular à União das Cortes Islâmicas.
Era evidente que a invasão da Somália, em 24
de dezembro, apoiada pelo governo norte-americano, realizada com
cerca de 15.000 soldados etíopes fortemente armados, que
recebiam o reforço de aviões a jato MIG, destruiria
muito facilmente a milícia islâmica, que era muito
mal equipada. Mas, após ter expulsado com sucesso o regime
dos Tribunais Islâmicos (UIC) utilizando-se dos etíopes,
Washington passou a enfrentar dificuldades em substituir esse
governo e estabilizar o país.
O conflito desencadeado na Somália, por sua vez, juntamente
com os pedidos de Washington para que outras nações
enviem tropas para a região, ameaçam desestabilizar
todo o Chifre da África.
Além das batalhas travadas no sul, perto da fronteira
com o Quênia, as batalhas de rua continuaram ocorrendo em
Mogadishu e em outros lugares - mantidas por cerca de 3.500 membros
das milícias, trabalhadores e jovens residentes nas localidades,
todos revoltados com a presença militar destes que são
inimigos de longa data dos somali. A Somália é povoada
predominantemente por muçulmanos e esteve duas vezes em
guerra com o seu maior vizinho. A Etiópia, cuja elite é
majoritariamente cristã, é vista como uma marionete
dos EUA.
Centenas de pessoas tomaram as ruas da capital, Mogadishu.
Nesta manifestação, pelo menos três civis
foram mortos - atrasando mais uma vez a campanha lançada
pelo governo de transição, que visada
desarmar completamente os civis.
Inúmeros relatos revelam que os militantes islâmicos
evitaram um conflito direto com as tropas etíopes, mesmo
tendo condições de travar uma ação
de guerrilha. Ted Dagne, um especialista regional do Serviço
de Pesquisa do Congresso Americano, afirmou: parece que
os islâmicos foram derrotados, mas há ainda uma força
latente. Uma fonte diplomática comentou: grande
parte da milícia foi mais ou menos desarticulada. Eles
ainda estão presentes, eles ainda estão armados,
e há uma possibilidade real de que eles voltem a se rebelar,
caso um acordo político não seja fechado.
Além disso, os comandantes militares que haviam sido
retirados pelos EUA, mas reprimidos pelos Tribunais Islâmicos
(UIC), tiveram a sua chance de reafirmar sua presença em
Mogadishu.
A Etiópia estava contente em ter podido colaborar com
Washington, derrubando o governo dos Tribunais Islâmicos.
E isto foi muito bem recompensado. O USA Today noticiou
que a Etiópia, que tem uma população sete
vezes maior que a da Somália, recebeu aproximadamente 20
milhões de dólares em ajuda militar dos EUA desde
2002. Isso foi informado pelo porta-voz do Pentágono, o
tenente comandante Joe Carpenter, que afirmou que a Etiópia
tem uma relação de trabalho bastante próxima
com os EUA, incluindo a divisão de inteligência,
o apoio com armamentos e treinamento - por meio dos quais 100
membros do corpo das forças armadas norte-americanas trabalham
atualmente na Etiópia.
O USA Today noticiou ainda que Conselheiros da
Guarda Nacional de Guam têm treinado etíopes nas
técnicas de infantaria básica em dois campos na
Etiópia, segundo informou o Major Kelley Thibodeau - porta-voz
das forças norte-americanas em Djibouti.
O envolvimento dos EUA na ocupação da Etiópia
é coordenado por Djibouti, que serve como centro militar
norte-americano de treinamento e operações para
todo o Chifre da África. O pequeno país foi inicialmente
colônia francesa na Somália e, como seu nome sugere,
é antes de mais nada etnicamente somali. Ele faz fronteira
com a Etiópia, Eritréia e Somália e tem uma
ampla e estratégica costa no Mar Vermelho e no Golfo de
Aden, do qual se avista o Iêmen.
Em 2002, os EUA estabeleceram uma Força Tarefa de 1.800
homens no Chifre da África, situada no Campo Lemonier.
Eles dirigem uma hospedagem de treinamento anti-terrorismo
para vários Estados, incluindo Djibouti, Etiópia,
Quênia, ilhas Seicheles, Sudão, Iêmen e Somália.
Os representantes nada confiáveis de
Washington
Washington não pode contar com o regime repressor etíope
do Primeiro Ministro Meles Zenawi por muito tempo. A Etiópia
é odiada por manter uma longa operação policialesca.
Zenawi declarou que ele gostaria de retirar suas tropas dentro
de poucas semanas. Sua população está dividida
quase que igualmente entre cristãos e muçulmanos,
incluindo muitos somalis na região desértica do
leste, o Ogaden. Por isso, a intervenção enfrenta
uma considerável oposição popular no interior
do país.
Mas até agora não há nenhum plano concreto
de substituição das tropas etíopes.
O regime marionete da Somália não possui forças
militares próprias que sejam consistentes e estáveis.
O governo declara ter uma força de 10.000 homens, o que
é um evidente exagero. No dia 6 de janeiro, o Washington
Post relatou um encontro onde o Primeiro Ministro, Ali Mohamed
Gedi, reuniu as forças nacionais somalis... no quintal
do prédio do antigo parlamento, um prédio vazio
e marcado por ataques de granadas.
Segundo a notícia, cerca de 1.000 homens sentaram-se
ao sol, soldados que estavam inativos por 15 anos, velhos homens
com barbas grisalhas, usando uma camuflagem escura que estava
fora de uso, que eles encontraram no mercado. Poucos tinham botas.
A maioria usava sapatos de couro, sandálias ou tênis
de solado fino. Eles deverão seguir o seu novo comandante,
que assumiu o poder na semana passada com o apoio dos soldados
etíopes, que agora viraram as armas contra a população.
Eles todos se levantaram para cantar o hino nacional
da Somália, com muitos soldados simplesmente movendo seus
lábios, pois tinham esquecido a letra. Quando acabou, cerca
de 100 civis interromperam a nova força gritando: traidores!
Gedi teve que ser escoltado. Diante de tais fatos ocorridos em
Mogadishu, é difícil saber com quem está
o poder. O mesmo poderia ser dito de toda a Somália.
Comenta-se que o Governo transitório está procurando
sustentar esta força com cerca de 1.000 soldados do norte
da Somália, da região autônoma de Puntland,
a região natal do presidente temporário, Abdullahi
Yusuf, que está fazendo alianças com vários
comandantes militares. Esta é a receita para o desastre.
O governo Bush está tentando superar as dificuldades
reunindo uma força militar proveniente de vários
países africanos. Em janeiro de 2005, os representantes
de Estado da Autoridade Intergovernamental de Desenvolvimento
(IGAD) - Djibouti, Eritréia, Etiópia, Quênia,
Sudão, Uganda e Somália - propuseram uma missão
militar na Somália. A ONU estimulou esta missão
ao levantar parcialmente um embargo de armas à Somália,
em 1992 - embora nunca tenha sido realmente aplicado. No final
do ano passado, o Grupo Internacional de Contato com a Somália,
que inclui os EUA, a União Européia e diversas nações
africanas, propôs que uma força de 8.000 homens fosse
criada para apoiar o governo transitório, que estava sob
o cerco da milícia islâmica. A Resolução
1725 da ONU, adotada em 6 de dezembro, autorizava a criação
de tal força regional pelo IGAD e a União Africana.
A Secretária de Estado norte-americana responsável
pela África, Jendavi Frazer, anunciou que Washington destinará
24 milhões de dólares adicionais, como apoio ao
desenvolvimento e aos esforços de paz na Somália,
dos quais pelo menos 10 milhões de dólares serão
destinados para a referida força de intervenção.
Este valor representa um acréscimo àquilo que tinha
sido prometido pela Secretária de Estado Condoleezza Rice
(16,5 milhões de dólares).
A União Européia também prometeu um acréscimo
de 36 milhões de euros (aproximadamente 47 milhões
de dólares) como ajuda, juntamente com os 15 milhões
de euros já concedidos para financiar a força de
paz africana.
Num encontro da IGC, em Nairobi, no Quênia, em 5 de janeiro,
no qual estavam presentes a ONU, a EU, os EUA, a União
Africana, a Liga Árabe e os países do IGAD, o presidente
de Uganda, Yoweri Museveni, prometeu o envio de 1.000 a 2.000
homens, condicionado à aprovação do parlamento.
Fraser espera que as tropas sejam enviadas até o final
deste mês. A Etiópia também enviou vários
ministros para Djibouti, Egito, Quênia e Sudão, a
fim de pleitear o envio de tropas para a Somália.
Analistas questionaram se o envio de tropas de Uganda - que
estão mal equipadas e despreparadas para uma luta com a
Etiópia - e de qualquer outro país realmente se
efetivará. David Schinn, um antigo embaixador na Etiópia
e professor na escola para estudos Internacionais Avançados
John Hopkins, afirmou: eu não posso imaginar como
(as tropas de Uganda) poderiam entrar sem que os outros entrassem
também. Ele observou que houve rumores de que a Nigéria
e o Sudão também planejam mandar tropas. Entretanto,
apesar de tudo, até agora a força de paz não
passa de uma ficção, de uma idéia.
No ano passado, o antigo secretário da ONU, o general
Kofi Annan, mandou uma carta para o Conselho de Segurança,
observando que Uganda e Sudão se tornaram cada vez mais
relutantes em relação ao envio de tropas para a
Somália, uma vez que a luta ali se intensificara e não
havia um ambiente seguro.
Um ambiente seguro é a última coisa que a Somália
oferece para uma força de intervenção. O
Ministro das Relações Exteriores do Quênia
, Raphael Tuju, advertiu: a falência de uma ação
imediata levará a um vazio que poderia ser certamente explorado
pelos comandantes militares e outras forças extremistas.
Tuju também está fazendo lobby para que outros países
mandem tropas. O Quênia fechou suas fronteiras para cerca
de 30.000 refugiados da Somália. Atualmente o Quênia
já abriga 160.000 refugiados. O Governo negou que 600 refugiados,
a maioria mulheres e crianças, tenham sido deportados,
em caminhões do governo, de um acampamento na fronteira
em Liboi.
Por causa destas dificuldades, os EUA pediram que a EU e o
novo secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, exijam que o
governo de transição busque um acordo
político com as forças islâmicas moderadas.
De qualquer maneira, o presidente temporário, Yusuf, rejeitou
todos estes pedidos declarando, na rede de televisão Al-Jazeera,
que as negociações com os islâmicos não
acontecerão... Nós manteremos a linha dura com os
terroristas em qualquer lugar do país.