Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 29 de Agosto de 1998.
Aleksandr Rodchenko, uma exposição. MoMA,
Nova York, 25 de junho-6 de outubro, 1998; Kunsthalle Düsseldorf,
6 de novembro de 1998 - 24 de janeiro de 1999; Moderna Museet,
Stockholm, March 6-May 24, 1999.
A primeira retrospectiva geral nos EUA sobre o artista russo-soviético
Alexander Rodchenko (1891 - 1956) está ocorrendo em Nova
York. Em seguida a exposição será levada
para a Alemanha e para a Suécia.
Um dos grandes artistas do século XX, o trabalho de
Rodchenko foi inovador nos campos da pintura, escultura, colagem,
fotografia e design (capas de livros e revistas, propagandas e
cartazes), entre outros. Ganhou reputação internacional
no começo dos anos 20; pouco mais tarde, o artista entrou
em conflito com a burocracia estalinista e viveu seus últimos
vinte anos de vida na obscuridade e no isolamento. Não
foi assassinado - apenas foi silenciado e excluído.
A atual exposição mostra muitas coisas de uma
só vez. Do ponto de vista histórico, ela amplia
e aprofunda a compreensão sobre uma extraordinária
geração de artistas russos; relembra, também,
o trágico destino da arte e dos artistas nas mãos
dos estalinistas; traz à tona, inevitavelmente, numerosos
problemas formais e estéticos; e, por fim, oferece a um
público substancial uma coleção de importantes
e belas obras.
Rodchenko nasceu em São Petesburgo. Seu pai, filho de
um servo, trabalhava na coxia de um teatro; sua mãe era
lavadeira. No começo de 1900 sua família se mudou
para uma cidade da província, Kazan, onde Rodchenko logo
entrou para a escola de arte. Lá, em 1914, ele encontrou
quem seria sua companheira por toda a vida, Varvara Stepanova
(1894-1958), também ela uma grande artista. Depois de assistir
a uma palestra e a uma performance dos futuristas David Burliuk,
Vasilii Kamenskii e Vladimir Maiakovski, em 1914, aderiu ao movimento
futurista. Mudou-se para Moscou em 1915 e teve sua obra incluída
em uma exposição organizada por Vladimir Tatlin
em março de 1916, junto com Kasimir Malevich, Lyubov Popova,
Alexandra Exter, Nadezhda Udaltsova e o próprio Tatlin.
Rodchenko foi um dos poucos artistas russos que se identificou
com o governo revolucionário após outubro de 1917.
Um ano depois foi trabalhar no bureau da Seção de
Artes Visuais (Izo) de Moscou, no Comissariado de Esclarecimento
do Povo (Narkompros). Rodchenko foi eventualmente nomeado chefe
do bureau do museu da Izo e da mais importante instituição
moscovita, o Museu da Pintura. O bureau do museu adquiriu aproximadamente
2,000 obras de arte moderna de mais de 400 artistas, e organizou
30 museus de província.
Depois de vários anos de investigações
que aparentemente eram puramente formais, sobre traços,
cores e texturas, em 1921 Rodchenko deu uma guinada e se identificou,
quase exclusivamente, com a arte aplicada, voltada à transformação
social. Assim começou a aventura chamada construtivismo.
A discussão sobre as controvérsias deste movimento
está fora do escopo deste artigo, mas, em linhas gerais,
o construtivismo rejeitava a inspiração artística,
proclamando a morte da representação na arte e declarando
que, a partir de então, devemos apenas fazer, processar
e construir.
Este componente ultimatista da visão construtivista
era rejeitada pelos marxistas. Leon Trotsky escreveu que rejeitar
a arte como meio de captar e apreender o conhecimento, por conta
da oposição à arte burguesa contemplativa
e impressionista das últimas décadas, seria como
tomar das mãos da classe que está construindo uma
nova sociedade a sua mais valiosa arma.
Independente da concordância ou rejeição
da posição do construtivismo, penso que seria errado
avaliar esta guinada de Rodchenko em 1921 como um sinal de fraqueza,
menos ainda como de oportunismo. Pelo contrário, sua habilidade
em trabalhar de um modo radicalmente diferente, enquanto mantém
a mesma ferocidade estética essencial, parece-me uma prova
dos excepcionais recursos culturais que estavam à disposição
do artista.
Da metade dos anos 20 em diante, Rodchenko se dedicou mais
e mais à fotografia. Parece apropriado que um artista tão
preciso e técnico em sua abordagem do mundo exterior e
interior, tão hostil às atitudes piedosas em relação
ao passado cultural, tenha assumido uma atividade que ao
mesmo tempo era e não era arte, como escreveu Peter
Galassi no catálogo da exposição no MoMA.
Se Rodchenko esperava, conscientemente ou não, que ao
trabalhar com fotografia (e seus elementos, como a objetividade
e o realismo), iria de alguma forma apaziguar os conflitos
com o crescente regime burocrático, estava enganado. Segundo
Galassi, Rodchenko e (seu amigo e colega cineasta Dziga)
Vertov realmente acreditavam na revolução, em sua
promessa de um mundo livre e novo, e entraram nela de cabeça,
num abandono quase pueril. Esta era a ideologia de seus trabalhos.
No fim da década de 20, entretanto, esta era uma interpretação
da ideologia revolucionária que aqueles no poder não
podiam permitir que outros sustentassem.
Em abril de 1928, Rodchenko foi acusado de formalismo
burguês, por usar ângulos pouco comuns ao fotografar.
É assombroso. A burocracia estalinista não se caracterizava
pela profundidade de pensamento; ela era bastante sensível,
entretanto, a tudo o que fosse desconhecido ou perigoso à
sua dominação. O estilo de Rodchenko, inclusive
os seus esforços em desfamiliarizar os objetos, torná-los
estranhos, era bastante atacado. Uma vez começados
os ataques, eles nunca paravam, e, embora Rodchenko tenha admitido
seus erros, e passado a realizar seus trabalhos com
uma intenção sincera de corrigi-los,
infalivelmente ele voltava a inovar. Os princípios estéticos
e intelectuais absorvidos no período de insurreição
revolucionária estavam profundamente entranhados no artista.
Alguns dos ataques verbais eram absurdos demais para serem
tomados seriamente enquanto crítica estética. Galassi
observa que algumas discussões estavam envenenadas
por um cínico interesse pessoal de indivíduos e
grupos que buscavam o apoio do crescente regime totalitário.
Por exemplo, Rodchenko foi muito atacado por conta da série
de fotos do movimento dos Pioneiros, garotas e garotos de nove
ou dez a quatorze anos. O crítico Ivan Bokhanov denunciou
uma das imagens mais famosas de Rodchenko, um close de uma jovem
com expressão determinada em seu rosto: a garota
pioneira não deve olhar para cima. Isso não tem
coerência ideológica. As pioneiras e as garotas da
Komsomol (organização juvenil do Partido Comunista
da União Soviética) devem olhar para adiante.
O artista passou as últimas duas décadas
da sua vida isolado, amargurado, confuso, desmoralizado e pobre
(Galassi). Em seu diário, pouco tempo depois do fim da
II Guerra Mundial, Rodchenko escrevia: já não
precisam de mim, sou totalmente desnecessário, quer eu
trabalhe ou não, quer eu viva ou morra. Poderia mesmo estar
morto, sou o único que se preocupa com minha própria
existência. Sou um homem invisível.
Alto nível estético e intelectual
Uma ponto alto da atual exposição é o
fato de ser exposto o alto nível estético e intelectual
de Rodchenko em relação a uma grande variedade de
tarefas. (Este reconhecimento não determina a priori a
capacidade artística de alguém. Esta é uma
outra questão, que analisarei brevemente abaixo). Esteja
o artista pintando quadros de figuras geométricas, desenhando
o logotipo das linhas aéreas estatais, ou ainda fotografando
cenas das ruas de Moscou, pode-se perceber uma grande inteligência
e uma extraordinária sensibilidade em seus trabalhos. Percebe-se
que as decisões nunca são arbitrárias, pelo
contrário, são o resultado de sérias considerações
estéticas, filosóficas e, principalmente, sociais.
O neto do artista, Alexander Lavrentev, em um dos textos
do catálogo, comenta a fascinação de Rodchenko
pelo progresso da ciência e suas implicações.
Numa exposição de suas obras em 1920, Rodchenko
escreveu um texto no qual dizia: Em cada uma das minhas
obras faço uma nova experimentação, com um
valor diferente em relação à anterior.
O título do texto era Tudo é experimento.
Lavrentev comenta que nesse período Rodchenko
estava tentando definir as leis de construção
que governavam o mundo físico. As categorias do espaço
e do tempo interessaram-no menos como conceitos filosóficos
do que como modelos astronômicos, geométricos e psicológicos
do mundo. Ele buscava desvelar as peças físicas,
biológicas e conceituais do mundo, a matéria prima
de sua construção. A noção de
que um número (infinito) de pontos em um dado segmento
de linha era igual ao número de pontos que formava todo
o universo, aparentemente trouxe a Rodchenko a esperança
de que suas próprias construções (lineares)
podiam ajudá-lo a vislumbrar as profundezas do tempo e
do espaço.
Que esta busca quase mística fosse de certa forma confusa
e um pouco sem direção não é o que
está em questão. A ambição e a amplitude
dos objetivos de Rodchenko são comoventes e impressionantes.
Sou tão interessado no futuro que gostaria de ser
capaz de ver vários anos adiante, escrevia ele em
1920.
Rodchenko era um indivíduo notável, mas além
dele muitos artistas russos da época tinham preocupações
igualmente sérias. Os oponentes do marxismo, de uma maneira
um tanto grosseira, apontavam para o fato de que Malevich, Tatlin
e outros já tinham trabalhos reconhecidos antes de Outubro
de 1917, o que provaria de que a revolução seria
um fator secundário na formação de suas vidas
artísticas. Sem dúvida, seria um reducionismo extremo
atribuir todas as conquistas do começo dos anos 20 à
tomada do poder pelos bolcheviques, por mais estrondosa que esta
tenha sido.
Talvez seja interessante considerar indivíduos como
Rodchenko tanto como produtos quanto como produtores de uma época
revolucionária, que encontrou sua maior expressão
na Revolução de Outubro, um evento que deu um forte
impulso a outras experimentações e inovações.
O estalinismo pode ser visto como uma resposta contra-revolucionária
a esse desenvolvimento histórico.
Tenho diferentes reações às diferentes
fases do trabalho de Rodchenko e aos vários meios com os
quais ele trabalhou. As pinturas de figuras geométricas
não suscitam nenhuma emoção, apesar de sua
hábil execução. De fato, muitas de suas pinturas
parecem tão severas que mal permitem qualquer resposta
emotiva - como, sem dúvida, era a intenção.
Antes, no entanto, que se clame, diante de um destes quadros,
por um pouco mais de humanidade!, é bom considerar
as difíceis condições sob as quais trabalhavam
o artista e seus companheiros (digo isto deixando de lado, por
estar fora do escopo deste artigo, algumas questões ideológicas
não-resolvidas).
Nossa época empunha um machado, escreveu
Trotsky. Ele nos diz na mesma obra que a arte necessita
de conforto, e até de abundância. Rodchenko
tinha 22 anos quando estourou a I Guerra Mundial, e a Revolução
de Outubro e a Guerra Civil de 1918-1921 a seguiram. Sabemos que
na época em que pintava obras célebres como Preto
sobre preto, em 1918, Rodchenko chegou mesmo a passar fome.
A Revolução, incluindo sua imensa privação,
era sem dúvida inspiradora, mas também gerava severas
tensões no sistema nervoso, cuja estabilidade e sanidade
são mais centrais para o trabalho do artista do que para
o cientista ou o líder político.
Por volta de 1924, o mal degenerativo conhecido como estalinismo
buscava seu caminho pelo governo soviético. Resumidamente,
a nenhum dos grandes artistas soviéticos foi permitido
o luxo de uma vida desenvolvida orgânica e naturalmente.
Temos, assim, apenas algumas fagulhas magníficas do que
estes seriam capazes.
Os primeiros quadros de Rodchenko eram formalmente brilhantes,
mas um pouco intangíveis, incompreensíveis. Penso
que ele começou a se encontrar em seu trabalho de fotomontagem.
Suas ilustrações para o livro Sobre isto (Pro
eto) (1923), de Maiakovski, são irresistíveis.
Ele combinou fotos do poeta e de sua amada Lília Brik com
vários itens recortados de revistas; encontrou, assim,
o equivalente visual dos versos angustiados e tragicômicos
de Maiakovski. Acompanhando as linhas Tapei meus ouvidos
/ em vão! / ouvi / minha / minha própria voz / a
faca da minha voz me atravessa as patas, havia arranjado,
por exemplo, um gigantesco Maiakovski sentado soturnamente em
uma ponte, ursos polares, outra imagem em tamanho natural do poeta
com a mão na cabeça, e um barco, aparentemente navegando
através de águas congeladas.
Os dois artistas juntaram forças durante a NEP para
propagar várias empresas do governo, os produtos e os serviços
que estas ofereciam. A exposição traz uma prazerosa
seleção destes trabalhos. Rodchenko pensava o design
da embalagem, e Maiakovski o que seria escrito. Uma caixa de biscoitos
Krosnyi Aviator (Aviador Vermelho), por exemplo, trazia
uma mensagem alarmando as armas inimigas sobre a invencibilidade
da Força Aérea Vermelha. Dizia: Nossa aviação
toma os céus / e nós propagamos a idéia em
todos os lugares / mesmo nos doces: / Se é nosso o céu
/ o inimigo rasteja feito um caranguejo. Um anúncio
para a cerveja Trekhgornoe (Três Picos) em 1925 dizia,
A cerveja Trekhgornoe expulsa a hipocrisia e a luz do luar.
Rodchenko criou, nas palavras de um visitante americano na
década de 1920, uma espantosa variedade de coisas:
capa de livros e revistas, marcadores, jóias para a companhia
aérea estatal, pôsteres de filmes... A exposição
mostra uma réplica do Clube dos Trabalhadores da URSS,
projetado para a Exposição Internacional de Artes
Decorativas e Industriais, ocorrida em Paris em 1925 (ele também
desenhou a capa da versão soviética do catálogo
da exposição). O Clube, nas palavras de um dos próprios
organizadores da exposição, era uma entidade
nova, pós-revolucionária, um local público
que pretendia oferecer tanto esclarecimento político, quanto
descanso e renovação após a jornada de trabalho.
Os trabalhos fotográficos de Rodchenko tomam, aproximadamente,
metade da exposição. Talvez sejam os seus melhores
trabalhos. O princípio da contraposição
, como chamado por um crítico, parece ser aplicável
aqui. Num meio mais frio e técnico, Rodchenko é
capaz de dar vazão ao seu lado mais caloroso, mais humano.
As fotos que tirou de Maiakovski em 1924, mostrando um homem soturno,
bastante vulnerável, são maravilhosas. Assim é
o retrato de sua velha mãe, também de 1924.
As atitudes de Rodchenko diante dos acontecimentos políticos
dos seus dias são desconhecidas, ao menos para mim. É
interessante notar que incluiu fotos de Trotsky em, pelo menos,
dois dos 25 pôsteres litográficos que ilustram A
história do VKP [Partido Comunista (Bolchevique) de toda
a Rússia], os quais lhes foram encomendados em 1925-26.
Em 1927, uma de suas fotos revela uma enorme pilha de arquivos
em uma mesa, e é intitulada Abaixo a burocracia.
Na mostra constam também seleções de fotos
de alguns ensaios, como A construção da Rua
Miasnitskaia, as fotos dos Pioneiros (1928-30), as da fábrica
AMO (1929) e do Moinho do Vakhtan (1930), a sua cobertura da construção
do canal entre os mares Branco e Báltico (1933), um projeto
levado adiante com um enorme sacrifício e às custas
de muitas vidas.
Achei as duas fotos de Varvara Stepanova muito expressivas
e penetrantes. A primeira é de 1924, e mostra uma mulher
vigorosa, cabelos castanhos, rosto redondo, segurando um cigarro
com uma das mãos e apoiando a cabeça com a outra.
Seu rosto tinha um sorriso um pouco cínico, como se dissesse,
O que você está aprontando agora?; seu
cabelo estava um desarrumado e suas roupas e rosto um pouco sujos,
embora talvez fosse apenas a luz. De qualquer forma, ela parecia
estar em um intervalo do trabalho.
A outra é de 1936. Trata-se da mesma mulher, embora
não seja nada fácil perceber isso. Ela está
vestida para sair, com um casaco, um chapéu caindo sobre
um dos olhos. Olhando para baixo. Sua expressão? Parece
confusa, perdida, resignada. A luz, que entra por uma janela por
detrás do fotógrafo, recai sobre Stepanova fazendo
uma sombra em seu rosto e uma sombra vertical no lado esquerdo
do seu corpo. Ela aparenta estar, por assim dizer, aprisionada.
É uma das fotos mais assustadoras que já vi. De
1924 para 1936 - apenas 12 anos - pouco mais de uma década:
tempo suficiente para destruir as conquistas do início
do século.
Esta é uma exposição fascinante. Vá
vê-la se estiver perto de você.