Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia20 de janeiro de 2007.
Apenas quatros meses após chegar ao poder, a junta militar
da Tailândia - ou Conselho para Segurança Nacional
(Council for National Security - CSN) - está na
defensiva devido às manifestações que vem
ocorrendo em território nacional e em todo o mundo. Longe
de estar resolvendo a crise política que assola o país,
o regime que se estabeleceu no governo da Tailândia por
meio do golpe de 19 de setembro foi, desde o início, atormentado
por profundas divergências internas, particularmente no
que diz respeito à política econômica.
As últimas críticas foram dirigidas à
decisão tomada pelo governo em 9 de janeiro, segundo a
qual a Lei de Negócios Estrangeiros seria alterada, restringindo
o capital internacional de ser proprietário de empresas
tailandesas. A nova lei obrigaria os investidores internacionais
a vender integralmente suas ações daquelas empresas
locais que eles detivessem o controle acionário, ou seja,
mais de 50% das ações. Eles perderiam também
o direito de voto de todas as ações que superassem
os 50%.
Ao anunciar a medida, o ministro das finanças, Pridiyathorn
Devakula, afirmou que ela se aplicaria às empresas de telecomunicações
e a outros setores da economia que fossem vitais para a
segurança nacional. A legislação isentou
fabricantes exportadores, como a Ford e a Toyota, bem como bancos,
corretores de fundos públicos, varejistas e seguradoras.
Leis de investimentos semelhantes existiam na antiga legislação,
mas em geral eram ignoradas. Outros governos permitiam que investidores
estrangeiros disfarçassem seu controle sobre as companhias
tailandesas através de subsidiárias locais. O setor
de serviços, por exemplo, é supostamente reservado
para negócios locais, mas, na prática, empresas
estrangeiras estão altamente envolvidas em várias
atividades, como entrega expressa, serviços jurídicos
e contabilidade.
A oposição se manifestou imediatamente. As Câmaras
Conjuntas Estrangeiras do Comércio da Tailândia concederam
uma entrevista coletiva à imprensa para denunciar as novas
leis. Diplomatas de várias embaixadas do Ocidente e da
Ásia expuseram suas críticas. A imprensa internacional
também foi violenta. O analista Ping Chew disse ao New
York Times: a Tailândia deu um tiro no pé.
Sei que existem pressões internas, mas eles precisam ser
sensíveis e racionais quanto a isso. De outra forma, eles
impedirão os investimentos internacionais.
O investimento internacional já está recuando.
Os investimentos estrangeiros no país caíram 43%
nos primeiros onze meses de 2006, se comparados a 2005, chegando
a 8,6 bilhões de dólares.
Depois da decisão, o mercado de ações
tailandês caiu 14% - sua maior queda num único dia
desde a crise financeira da Ásia de 1997-98 - forçando
um recuo parcial da nova lei.
Um dia depois do anúncio das mudanças na Lei
de Negócios Estrangeiros, o ministro das finanças,
Pridiyathorn, foi forçado a fazer um novo recuo humilhante,
declarando que a inclusão do setor de telecomunicações
havia sido um erro.
Esse cenário passou a ter uma particular importância
política a partir da venda de 1,9 bilhões de dólares
do conglomerado de telecomunicações Shin Corp, o
que estimulou os protestos contra o Primeiro Ministro expulso,
Thaksin Shinawatra. Thaksin foi amplamente condenado, não
apenas pelas suspeitas de corrupção na venda de
seus negócios familiares, mas também por vender
uma propriedade estratégica tailandesa a investidores estrangeiros
- o ramo de investimentos do governo em Singapura, o Temasek.
Thaksin e seu partido, o Thai Rak Thai (TRT) chegaram ao poder
em 2001 por meio de uma campanha cujo eixo era a oposição
à agenda de reestruturação proposta pelo
FMI. Junto a promessas populistas aos pobres da cidade e do campo,
o TRT afirmou que protegeria os negócios tailandeses da
competição estrangeira. Ao chegar ao poder, no entanto,
Thaksin foi sendo cada vez mais obrigado a acomodar-se às
demandas do capital internacional, num processo que isolou as
camadas da elite econômica que antes haviam apoiado o TRT.
Os militares que tomaram o poder no dia 19 de setembro foram
beneficiados pela hostilidade destes setores a Thaksin. Eles também
apelaram a camadas mais amplas da população, particularmente
em Bangkok, onde a maioria era já hostil aos métodos
autocráticos do governo de Thaksin. Mas a junta militar
enfrenta hoje os mesmos problemas econômicos enfrentados
pelo governo do TRT. Tendo prometido uma administração
eficiente e tecnocrática, o novo regime está sofrendo
uma enxurrada de críticas a sua incompetência e imprevisibilidade.
O New York Times de 13 de janeiro declarou que o veredicto
do grande capital internacional a respeito do novo regime de Bangkok
era negativo: investidores e analistas políticos
parecem contar os dias até que a democracia seja restabelecida
e um novo governo possa tomar seu lugar.
Um artigo da BBC de 14 de janeiro comentou: parece evidente
que os novos ditadores da Tailândia têm a intenção
de afastar-se das políticas econômicas agressivas
do Sr. Thaksin, preferindo uma prática mais nacionalista
e protecionista. Mas até onde eles pretendem ir é
ainda uma incógnita, pois, até o presente momento,
há poucas evidências de uma agenda econômica
definitiva.
Num artigo recente, o diretor do Instituto de Pesquisa para
o Desenvolvimento da Tailândia, Deunden Nikomborirak, colocou
a seguinte questão: quem ganharia com as políticas
econômicas do governo? E respondeu: eu diria
que certos grandes empresários locais seriam os maiores
beneficiados ao ver seus competidores estrangeiros abandonando
a Tailândia para que os tailandeses tenham novamente o que
merecem... Nós ainda não aprendemos quanto estrago
os monopólios locais podem causar para nosso país.
A oposição pública ao golpe cresce, inclusive
em Bangkok. Uma consulta popular feita na capital na primeira
semana de janeiro apontou que o apoio ao governo militar caiu
90% em setembro. As críticas se dirigiam abertamente às
medidas antidemocráticas do governo. Elas se tornaram mais
intensas após a explosão de várias bombas
no dia 31 de dezembro, em Bangkok. Inicialmente, os militares
culparam Thaksin pelos ataques, mas depois retiraram a acusação.
Numa assembléia pública na Universidade de Thammasat,
no dia 14 de janeiro, o Comissário de Direitos Humanos,
Jaran Ditthapicai, disse que estava claro que, desde as bombas
de ano novo, o governo não está dando sinais de
que cumprirá sua promessa de retornar à democracia
dentro de um ano. Lei marcial prolongada, tentativas de
controle dos noticiários da imprensa e outras violações
dos direitos humanos e liberdades apontam para o fato de que os
líderes do golpe aproveitam de seu poder e querem permanecer
com ele, observou o Comissário.
Outros acadêmicos e ativistas no fórum de Thammasat
condenaram a maneira pela qual uma nova constituição
estaria sendo redigida por pessoas escolhidos a dedo
pelos militares. O chefe da Federação pela Democracia,
Weng Tojirakarn, fez a seguinte pergunta: como podem elaborar
uma carta democrática aqueles que concordam com um processo
desses? A resposta óbvia era que as forças
armadas não têm intenção de redigir
uma constituição democrática.
No dia 10 de janeiro, o secretário geral da CNS, Winai
Phatthiyakul, pediu aos proprietários dos meios de comunicação
que eles não publicassem qualquer comentário político
feito por Thaksin. Ele observou que um dos primeiros passos do
governo seria o de confiar a si próprio o poder de fechar
quaisquer redações e emissoras que não cumprissem
suas ordens. Apesar das ameaças, a imprensa tailandesa
tem sido cada vez mais crítica a respeito do regime e de
suas políticas.
Já ocorrerem uma série de protestos a favor da
democracia em Bangkok, apesar da imposição da lei
marcial. O último, realizado dia 19/01, envolveu membros
da Rede Anti-Golpe de 19 de setembro, que distribuiu panfletos
e convocou a população da periferia de Bangkok a
se opor às políticas econômicas do governo.
A inquietação é também crescente
nas áreas rurais em que Thaksin tinha uma importante base
eleitoral. A Rede pelo Povo Tailandês anunciou que mil fazendeiros
chegariam a Bangkok na sexta (26) para pedir que o governo atendesse
às suas reivindicações. Não foi possível
saber se o movimento aceitou a proposta feita pelo governo na
última hora.
Cerca de 40.000 fazendeiros que apoiaram o programa pecuário
(agora interrompido) de Thaksin ameaçaram despejar todo
o seu capim em frente ao prédio do governo, caso eles não
recebam o pagamento por seus produtos. O governo está visivelmente
preocupado com a possibilidade da explosão de revoltas
sociais. O general Saprang Kalayana-mitr, secretário-assistente
da CNS, declarou publicamente que o governo precisa urgentemente
resolver o problema dos fazendeiros, antes que outros se juntem
aos protestos.
Entretanto, do mesmo modo que os governos anteriores, o novo
regime militar é incapaz de resolver a crise social que
aflige os pobres urbanos e rurais.