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A resposta de Chagall à Guerra e à Revolução

Marc Chagall—O amor e o palco Exposição na Royal Academy, Piccadilly, Londres, até 4 de outubro de 1998

Por Paul Bond
17 Fevereiro 2007

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 15 de setembro de 1998.

Em junho de 1914 o pintor Marc Chagall viajou de volta a Vitebsk, na Rússia. Ele pretendia fazer uma parada de apenas três meses antes de retomar seus estudos em Paris, mas a eclosão da I Guerra Mundial deixou-o preso em sua terra natal. Em 1915, casou-se com Bella Rosenfeld, sua noiva, em Vitebsk, e durante a guerra trabalhou no Escritório de Economia de Guerra em Petrogrado, onde estava intimamente envolvido com a vanguarda local, tanto exibindo seus próprios trabalhos como visitando outras exposições. Ele permaneceu na Rússia após a Revolução de 1917.

Em setembro de 1918 Chagall foi indicado Comissário para as Artes em Vitebsk, com responsabilidade para teatro no local. No total, sua curta viagem durou cerca de oito anos, tempo em que esteve ocupado com uma grande variedade de trabalhos. Esta pequena exposição traz as pinturas deste período, que, em sua maioria, permaneceram na Rússia desde 1922.

A disposição em três salas, que cobrem um período relativamente curto da vida do artista, nos possibilita focar a reação de Chagall diante das mudanças bruscas provocadas pela I Guerra Mundial e pela Revolução Russa.

As pinturas estão arranjadas em quatro áreas principais. O grupo mais unificado delas é o sobre amor, na Galeria 3, através do qual o observador passa para alcançar as outras galerias. Suas pinturas para o teatro e sobre o teatro estão em duas galerias, enquanto suas obras de propaganda revolucionária estão distribuídas por toda a galeria, junto daquelas sobre a vida judaica em Vitebsk. Todos os grupos se relacionam entre si temática e estilisticamente.

As pinturas de amor ocupam o lugar mais destacado da exposição. A grande tela Promenade (usada como pôster da exibição), mostrando Bella voando por Vitebsk segurando a mão de Chagall, é uma bela introdução ao seu trabalho desse período. Em outros lugares da galeria aparecem diferentes figuras de amantes-voadores, como em Sobre a Cidade, ou um homem velho em Sobre Vitebsk—junto de uma surpreendente seqüência de retratos dele e de Bella apaixonados. Está lá também certo número de pinturas baseadas em quadros religiosos antigos. A Aparição, baseado em A Anunciação de El Greco, representa a inspiração como um anjo despejando cores na tela.

Este é, sem dúvida, o Chagall místico, representando em seu trabalho o que Apollinaire chamou de mundo "sobrenatural". Alguns críticos têm reagido dizendo que isso seria o que Chagall gostaria e deveria ter produzido, em arte, apenas se não tivesse sido tomado pela Revolução Russa. Mas a observação do restante da exposição sugere que Chagall não só respondeu positivamente à possibilidade de um levante artístico na revolução, como também era a favor de usar sua experiência de arte revolucionária em seu trabalho mais pessoal (já se sugeriu, por exemplo, que a cena de Promenade—Chagall preso à terra enquanto Bella voa alto—deve alguma coisa à seu retrato de uma bandeira revolucionária ao vento).

Apesar de sua visão de mundo mística, Chagall também era um entusiasta do desenvolvimento material da cultura, que reconhecia ser a base da situação revolucionária. Ele expressa isso de maneira clara para si próprio quando pergunta, "Quem de nós pode ver, em sua totalidade, seu trajeto, na vida ou na arte, e quem pode dizer onde ele vai dar? Posso dizer que o destino sempre me guiou de lugar para lugar. Eu deveria ser grato a ele pela minha permanência na Rússia durante esses anos decisivos de guerra e revolução".

Um idéia mais clara de sua resposta ao florescimento entusiástico da cultura no momento logo após a Revolução, aparece quando estudamos os seus trabalhos para o Teatro de Câmara Judaico, que foi dedicado às produções ídiches (tal projeto somente foi possível graças ao levante Bolchevique contra as restrições de cidadania, movimentação e educação por parte do regime czarista). Chagall já usava termos que ligavam o teatro ao levante social. Falando do início da guerra, ele afirmou: "não percebi que... aquela comédia sangrenta estava para começar, e que ela teria como resultado a transformação do mundo inteiro, incluindo Chagall, em um novo cenário teatral em que grandes performances de massa se desenvolveriam."

Por volta de 1920, quando trabalhou nas peças de Moscou, Chagall mostrou a sua compreensão profunda das possibilidades artísticas abertas para o teatro pela nova sociedade. Ele disse ao diretor e aos atores do Teatro Judeu: "joguemos fora todas essas velharias. Vamos encenar um milagre". As pinturas são cheias de energia e vida. A peça final, Amor no Palco, é um elegante retrato de dois dançarinos de ballet clássico (com as feições de Chagall e Bella) delineados em um suave cenário cinza e branco. A influência da vanguarda russa—Kandinsky e Malevich, cujos trabalhos o artista conheceu em Petrogrado—fica clara nas formas essenciais e envolventes que aparecem entre as figuras dos dançarinos. É uma peça muito especial, que se relaciona a outras pinturas de sua vida. O belo movimento dos dançarinos prepara o espectador para a grande energia das dias enormes telas que são expostas na mesma sala, quadros que ocupam uma parede inteira.

Introdução ao Teatro Judeu traz o observador dos bastidores aos limites do palco. Devido às suas grandes dimensões, conseguimos observar cada detalhe do teatro. Abram Efros, diretor de arte do teatro, está conduzindo o próprio Chagall em direção ao diretor da peça, Aleksei Granovsky. Atrás das cortinas descobre-se pessoas bebendo. Animais escondidos em cantos estranhos, atores com metade dos seus figurinos e enormes arco-íris levam o olho cada vez para perto do palco. No centro da peça um grupo klezmer toca com tanto entusiasmo que seus instrumentos se desintegram em suas mãos. Se este trabalho é a visão geral de Chagall sobre o poder do teatro, na tela que está na parede oposta ele define suas percepções deste teatro em particular.

Em cada um dos quatro quadros Música, Dança, Drama e Literatura uma única figura personifica a forma artística com o contexto de um casamento hassídico (um longo Banquete de Casamento acima deles amarra todos juntos). Novamente eles explodem em um exuberante entretenimento para os que estão ao seu redor. A Música tem uma face verde e uma rabeca alaranjada, e dança entre cabanas camponesas. O extasiante Dança é acompanhado por uma pessoa de ponta cabeça, apoiando-se nas mãos, mas também por pessoas trabalhando duro ao fundo. Em Drama um ator faz sua platéia chorar de rir. Apenas Literatura é uma figura contemplativa, mas atrás de seu pergaminho há um bode. É um teatro vibrante, firmemente ligado às pessoas.

Isto se torna mais claro na segunda galeria onde muitos dos seus figurinos e desenhos de sets estão expostos, junto de estudos para grandes murais. Está claro também que ele considerava seu trabalho de pintura como parte integrante da criação de uma peça de teatro. Seus projetos de figurinos colocam os atores em poses específicas. O protagonista Solomon Mikhoels (que é mostrado em vários projetos criando formas monstruosas com as mãos) disse para Chagall: "estive estudando seus desenhos, e os entendi. Eles me fizeram mudar a interpretação do meu papel completamente. A partir de agora estou apto para usar meu corpo, me mover e falar de forma diferente".

O fato desta elevação do potencial artístico estar intimamente ligada à situação pós Revolução Russa é mais visível nos dois pequenos esboços para cartazes comemorativos do primeiro aniversário da Revolução, que Chagall executou como Comissário do Povo. Esses cartazes também destacam o uso que ele fez de tal desenvolvimento em suas obras mais pessoais. É difícil não ver conexão da pequena obra O Cavaleiro com A Aparição. Na primeira o mensageiro revolucionário toca sua corneta entre os minúsculos povoados, e uma bandeira vermelha cruza a tela, às suas costas.

Em O cavaleiro, é a imaginação que invade o espaço; nessa, a revolução. Os curadores da exposição afirmam que "não é de se surpreender que os projetos de Chagall não eram considerados suficientemente políticos pelos funcionários locais do partido". A atitude de Chagall para com a revolução pode ter sido complexa, mas afirmar que seu trabalho não era "adequadamente político" surpreende quando sabemos que no espaço de apenas dois meses ele produziu 150 banners e arcos para decoração das ruas.

O que liga seu trabalho expressamente político aos seus projetos para o teatro (e também às suas figuras voadoras) é o estudo aprofundado da vida judaica em Vitebsk. Sua pintura de gênero talvez seja a menos interessante, mas lança luz sobre seus outros trabalhos do mesmo período. Obras como A Loja do Tio em Liozno, Rua de Vitebsk e Vista de uma Janela em Vitebsk esboçam o pano de fundo para trabalhos maiores como Sobre a Cidade. Estudos como O Louco da Vila e Tio Zussy não apenas capturam alguns aspectos da vida comunitária, como também os seus personagens também estão escondidos dentre a platéia dos teatros nas grandes telas de Moscou. Em seus elegantes e raros trabalhos em preto e branco, ele não só captura os mesmo aspectos da vida judaica como também (em obras como Homem com Marionetes e Acrobata) exemplos mais antigos de teatro judaico.

Chagall havia retornado para Vitebsk de Paris, onde era um participante ativo no florescimento de uma nova arte (Apollinaire, que Chagall conheceu, era próximo de Picasso; Robert e Sonia Delaunay eram amigos próximos). Em Petrogrado, ele havia feito parte da vanguarda. Em Vitebsk, o artista procurava as origens de seu modernismo, de sua nova arte, e procurando inspiração na gran de agitação social que o cercava. Como ele mesmo colocou, "sem dúvida, senti que, depois de quatro anos em Paris, estava pronto para ficar e trabalhar em minha cidade natal. Eu queria buscar esse sonho no céu e no chão de Vitebsk, e precisamente no espírito revolucionário que me parecia favorável para a explosão de uma nova arte".

Pela duração de sua estadia na Rússia revolucionária, Chagall parecia estar atento ao potencial que surgia no mundo ao seu redor, e expressou isso largamente enquanto a busca de uma nova direção para a arte. O artista declarou que "todos nos parecemos e todos somos provavelmente nostálgicos, não do que nós gostaríamos de saber ou das coisas externas a nós, mas dos nossos próprios sonhos, do nosso próprio impulso em direção a uma revolução em nossa vida interna, que é o descobrimento da pureza, da simplicidade, do natural, como os rostos das crianças ou a voz de alguém que temos o hábito de chamar de Divindade"; nota-se nesta afirmação uma expressão em termos claramente religiosos. É significante, entretanto, que ele tenha usado um conceito que iria adquirir grande peso dentro do movimento surrealista: o da revolução da vida interior.

Talvez o exemplo mais forte disso seja o grande quadro O Espelho. Aqui a pequena figura de Bella está caída em uma cadeira fora de escala, em frente a um gigante espelho arroxeado. Existe um mundo por detrás da percepção consciente do sujeito, e os surrealistas mais tarde reconheceriam aí o lugar de Chagall em suas formulações artísticas. Em 1942, André Breton pôde escrever em "Gênese e Perspectiva do Surrealismo nas Artes Plásticas": "no começo dos movimentos dadaísta e surrealista, que deviam juntar a poesia com as artes plásticas, não foi dado crédito suficiente para Chagall. Isso foi uma grave omissão".

Essa exposição, que mostra as respostas do pintor à imaginação e à revolução, à realidade e à representação teatral, nos permite ver Chagall ligando momentaneamente um mundo interior e exterior e agindo como um condutor entre a pintura e o teatro. Por um breve período, o trabalho de Chagall, que Breton chamou de "determinadamente mágico", floresceu em resposta à primeira tentativa de criar uma nova sociedade.

Ver também:
Rodchenko's art and fate: the experiment continues
[29 de agosto de 1998]
André Breton and problems of twentieth-century culture