Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 27 de julho de 2007.
Três dias de vendas acima do normal em Wall Street reduziram
em quase 540 pontos o índice Dow-Jones Industrial Average
e tornaram pó centenas de bilhões aplicados no mercado
acionário. A queda brusca, ocorrida pouco tempo depois
da quebra da marca de 14.000 pontos no Dow-Jones na semana passada,
ressalta a crescente instabilidade dos EUA e do sistema financeiro
mundial.
O clima no pregão da quinta feira (26 de julho) foi
descrito por todos os meios de comunicação como
de "pânico" e "medo". Os operadores
tiveram que reagir a uma enxurrada de más notícias
econômicas: quedas bruscas nas vendas de residências
novas e usadas, mais uma elevação do preço
do petróleo, baixa demanda de bens duráveis e dificuldades
financeiras nas aquisições de duas importantes empresas.
O Dow-Jones havia caído quase 450 pontos no meio da
tarde de quinta-feira. Até as últimas horas do pregão
não havia se recuperado completamente. No cômputo
geral, as ações em queda superaram as ações
em alta por uma margem de 14 a 1, e o pregão foi extremamente
pesado, com um volume de comercialização recorde
na Bolsa de Nova York de 2,78 bilhões de ações.
O desequilíbrio da bolsa de Nova York se refletiu em
todo o mundo. Em conseqüência do recuo em Wall Street,
as bolsas da Europa despencaram nas últimas horas de operação
do mesmo dia. A Bolsa de Londres sofreu sua maior queda em quatro
anos e o índice FTSE 100 caiu 3,15%. Houve baixas semelhantes
na Alemanha e na França.
Impulsionando o início das liquidações,
a maior empresa hipotecária dos EUA, a californiana Countrywide,
anunciou, na terça-feira (24), que estava disposta a dar
baixas contábeis por perdas devidas a pagamentos atrasados
ou inadimplência dos mutuários. A companhia informou
que os divórcios e a perda de emprego são as duas
principais causas que fazem com que os mutuários deixem
de pagar, e que um número cada vez maior de mutuários
com boa reputação no mercado está começando
a atrasar seus pagamentos. Atualmente, as pessoas que procuram
créditos hipotecários de alto risco não são
somente aquelas que têm renda mais baixa e má reputação.
Há um ano, a proporção de atraso de até
30 dias dos clientes conhecidos como bons pagadores era de 1,8%.
Hoje esse índice quase triplicou, chegando a 4,6%.
Numa conferência telefônica com analistas, Angelo
Mozilo, presidente e diretor da Countrywide, informou que o preço
dos imóveis estava caindo "como nunca havia caído
antes, exceto na época da Grande Depressão".
Na quarta-feira (26), a Associação Nacional de
Corretores de Imóveis (National Association of Realtors)
divulgou um relatório informando que as vendas de residências
usadas haviam caído 3,8% em junho, atingindo o mais baixo
nível de vendas dos últimos quatro anos. No dia
seguinte, o Departamento de Comércio anunciou que as vendas
de residências novas haviam caído 6,6% no mesmo mês,
uma queda três vezes maior do que a expectativa e a maior
desde janeiro.
O preço médio de venda de um imóvel residencial
novo caiu para U$ 237.900 valor que não é
baixo, pois representa ainda quase cinco vezes a renda média
anual de uma família. Apesar disso, esse valor é
2,2% mais baixo do que há um ano atrás. No sul,
a venda de residências novas subiu ligeiramente, mas despencou
27,1% no nordeste, 22,5% no oeste e 17,1% no meio-oeste. Nas quatro
regiões, a venda de residências usadas caiu entre
1,7 a 7,3%.
Outros números contribuíam para o ambiente negativo
nas bolsas. O Departamento de Comércio relatou um aumento
de 1,4% na demanda de bens duráveis, mas se fosse abstraída
uma única venda - a de uma aeronave de alto valor - o relatório
teria apresentado queda na demanda. O preço do barril de
petróleo chegou a atingir U$ 77, e o dólar caiu
1% com relação ao iene, uma queda grande para um
único dia. Mas o que causou mais dano foi a evidência
quantitativa e qualitativa de um colapso no mercado imobiliário.
A Pulte Homes, de Bloomfield Hills, em Michigan, a segunda
maior construtora imobiliária dos EUA, divulgou uma perda
de U$ 507 milhões no segundo trimestre, que contrasta com
o lucro de U$ 243 milhões do ano passado, sem contar com
um prejuízo extra decorrente da queda dos preços
dos terrenos.
A maior construtora, a D.R. Horton Inc., apresentou uma situação
semelhante: de U$ 293 milhões de lucro no segundo trimestre
do ano passado para U$ 824 milhões de prejuízo neste
ano, incluindo baixas contábeis substanciais devido aos
preços descendentes de casas e terrenos. Durante uma conferência
telefônica com investidores e repórteres financeiros,
o presidente da Horton, Donald Tomnitz, afirmou que a crise no
crédito hipotecário de alto risco causava um impacto
direto na sua companhia. "Em alguns dos nossos escritórios
espalhados pelo país, estamos tentando checar a situação
do mesmo comprador duas ou três vezes, em conseqüência
das mudanças que vem ocorrendo no setor hipotecário,"
revelou. "Não temos como prever quando haverá
uma recuperação do mercado. Por enquanto não
estamos vendo nenhuma melhora no horizonte".
No maior e mais caro mercado imobiliário do país,
a Califórnia, as execuções hipotecárias
subiram 799% entre 01 de abril e 30 de junho deste ano em comparação
com o mesmo período do ano passado. Cerca de 17.408 imóveis
foram tomados de volta pelas instituições de crédito
no último trimestre. A inadimplência subiu 158% em
todo estado durante o mesmo período.
Investidores da bolsa e a imprensa financeira têm prestado
cada vez mais atenção na crise do crédito
hipotecário de alto risco, porque a exploração
de mutuários pobres e vulneráveis se tornou um dos
empreendimentos mais lucrativos para credores hipotecários
e seus vários intermediários financeiros, desde
bancos até os fundos de hedge (fundos de alto risco que
são destinados apenas a alguns investidores selecionados),
que obtém seus lucros por meio destes empréstimos
que são concedidos mediante a cobrança de altas
taxas de juros.
Mais de U$ 1,2 trilhão em crédito hipotecário
de alto risco foram concedidos em 2005 e 2006. A maior parte disso
foi vendida para grandes empresas hipotecárias e transformada
em complexos instrumentos financeiros, para serem comprados e
vendidos por fundos de hedge, empresas de capital fechado e outros
grandes investidores de Wall Street, num processo conhecido como
"securitização". As duas maiores agências
de classificação de risco, Moody's e Standard &
Poor, apenas recentemente começaram a diminuir as negociações
desses títulos, conhecidos como obrigações
de dívida com garantia ou CDOs (collateralized debt obligations),
preocupados com o crescente número de inadimplências
no pagamento de dívidas hipotecárias.
Atualmente, o valor total de crédito hipotecário
de alto risco securitizado chega a U$ 1,8 trilhão, segundo
estimativas recentes da imprensa financeira. Os principais agentes
de Wall Street procuraram abafar a crescente preocupação
de que as CDOs seriam um castelo de cartas que desmoronaria com
a inadimplência dos mutuários. Ben Bernanke, presidente
do Federal Reserve (o FED, Banco Central dos EUA) comunicou ao
Congresso Nacional na semana passada que as perdas dos grandes
credores de crédito hipotecário de alto risco poderiam
chegar a U$ 50 a U$ 100 bilhões, mas alegou que o impacto
seria limitado.
Alguns analistas, no entanto, apontam para perigos de longo
alcance desta crise dos empréstimos de alto risco. William
Gross, da Pimco Bonds, alertou, no seu comentário mensal
de 24 de julho, sobre uma "repentina crise de liquidez no
mercado de alto risco". A reação em cadeia
minaria a disponibilidade de crédito fácil para
financiar os LBOs (leveraged buyouts - que são as operações
de aquisição de empresas utilizando dinheiro emprestado),
recompra de ações, fusões e aquisições.
Estas operações são as maiores responsáveis
pela subida dos preços das ações. "As
ações não terão mais o apoio fácil
do duplo impacto dos LBOs e recompra de títulos",
concluiu Gross.
Os efeitos práticos desse processo já eram visíveis
na quarta-feira (25), quando a DaimlerChrysler foi obrigada a
adiar a venda da sua divisão Chrysler para a sociedade
anônima de capital fechado Cerberus, que teve dificuldade
em obter empréstimos bancários. No mesmo dia, banqueiros
de outra gigante de capital fechado, a Kohlberg Kravis Roberts,
sacaram U$ 10 bilhões em empréstimos para financiar
a aquisição da Alliance Boots, uma rede de drogarias
britânica. Ao todo, cerca de 20 débitos como esses
foram adiados ou revistos por causa da crescente pressão
no mercado de crédito, incluindo o plano da GM de vender
sua unidade da Allison Transmission para o Carlyle Group, mais
uma gigante de capital fechado.
Um artigo de primeira página no Washington Post
na quinta-feira (26) apontava a origem comum de eventos como o
colapso do preço das ações da agência
de viagens virtual Expedia, a crise do empréstimo hipotecário
e a queda do valor das ações da Blackstone, uma
sociedade anônima que abriu seu capital no mês passado.
"Na raiz de todos esses eventos aparentemente sem conexão
está uma nova realidade, uma realidade que pode significar
problemas para toda a economia norte-americana: a era do dinheiro
barato parece estar no fim", observava o jornal. Durante
anos, o crédito fácil incentivou um crescimento
aparentemente sem esforço do mercado financeiro. "Mas
agora, a maioria dos investidores, que até um mês
atrás estavam dispostos a emprestar dinheiro a baixas taxas
de juro para Wall Street, está recuando, pois todos estão
preocupados em ter que pagar o preço de um padrão
de empréstimos totalmente frouxo".
"O problema começou num dos setores financeiros
mais instáveis - o financiamento residencial para pessoas
com má reputação no mercado - mas está
se espalhando. Em conseqüência da escassez do crédito
fácil, os pagamentos de grandes contratos empresariais
começam a atrasar. A pergunta agora é até
onde a dor vai se estender e quantas pessoas vão se machucar".