Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 23 de julho de 2007.
Com a abertura das negociações entre o Sindicato
dos Trabalhadores da Indústria Automobilística (UAW
- United Auto Workers) e as fabricantes de carros americanas Ford,
Chrysler e GM, as direções das empresas deixaram
claro que esperam enormes concessões por parte do sindicato.
Wall Street e as empresas estão exigindo mudanças
históricas, que devem reduzir drasticamente a diferença
de custos - que chegam a U$ 30 por hora - entre as fabricantes
americanas e as japonesas que foram transferidas para os EUA.
As negociações foram formalmente abertas na sexta-feira
(20) com uma cerimônia no centro de operações
mundial da Chrysler, em Auburn Hills, Michigan. As negociações
com a Ford e a GM começaram na segunda-feira (23). De acordo
com o UAW, 177.000 trabalhadores estão representados pelo
acordo nacional que vence em 14 de setembro. Outros 3.100 trabalhadores
da Chrysler Jeep, localizada em Toledo, Ohio, negociam um contrato
separado. Ainda 420.000 aposentados e 121.000 cônjuges sobreviventes
estão representados por estes acordos, mas não têm
direito a voto.
As negociações começam em meio a uma crise
na indústria automobilística dos EUA na qual GM,
Ford e Chrysler enfrentam uma forte pressão dos competidores
internacionais nos Estados Unidos e no exterior. Uma vez que os
mercados de veículos automotores dos EUA, Europa e Japão
estão saturados, em conseqüência de um excesso
de montadoras, as "Três Grandes" fabricantes americanas,
que antigamente dominavam o mercado, estão demitindo dezenas
de milhares de trabalhadores, escondendo dívidas de fábricas
e se readaptando como participantes muito menores no mercado mundial.
Atualmente as companhias sediadas nos Estados Unidos contribuem
com menos da metade das vendas internas de veículos. Vendas
estas que seguem em queda, já que o preço da gasolina
faz os carros americanos, que são geralmente mais pesados
e de alto consumo de combustível, menos atraentes. A Ford
se equilibra à beira da falência e a GM perde continuamente
fatias de mercado. Enquanto isso a Chrysler está sendo
vendida para a Cerberus Capital Management, uma empresa conhecida
como uma garimpeira de ativos.
Os associados do UAW são hoje pouco mais de 500.000,
dois terços do número da sua época áurea,
quando alcançou 1,5 milhões de sócios, em
1979. Desde 2003 os filiados da Ford caíram 41% e da GM
e Chrysler, 39% e 30%, respectivamente.
Com a última rodada de cortes de empregos e planos de
demissão voluntária, que será realizada no
final deste ano, restarão apenas 46.000 associados do UAW
na Chrysler. Em 1979, havia 110.000 sócios. Estima-se que
o número de associados do UAW caia para 55.000 na Ford
e 76.000 na GM. Em 1979, as Três Grandes empregavam 750.000
associados do UAW.
No último ano, as Três Grandes, em conjunto com
a fabricante de autopeças Delphi, eliminaram cerca de 100.000
empregos na América do Norte. Ao todo, cerca de 150.000
empregos foram eliminados no setor automobilístico no ano
passado, e os números continuam crescendo.
Para sobreviver, as empresas automobilísticas dizem
que terão que atacar o padrão de vida dos trabalhadores.
Particularmente, pretendem reestruturar a assistência médica
dos aposentados para retirar dos seus custos obrigações
da ordem de dezenas de bilhões de dólares. Ainda
que as concessões feitas pelo UAW tenham reduzido o preço
da hora a mais ou menos o mesmo nível da Honda, Toyota
e Nissan, que não fazem parte do sindicato, as Três
Grandes ainda estão em desvantagem por causa dos custos
relacionados a benefícios para aposentados, já que
as japonesas que operam nos EUA contam com uma força de
trabalho mais jovem, com poucos ou até mesmo nenhum aposentado.
As Três Grandes, ao contrário, pagam benefícios
médios para mais de 1 milhão de aposentados e seus
dependentes.
As companhias e o UAW pretendem criar um fundo administrado
pelo sindicato, conhecido como Associação Voluntária
de Benefício dos Empregados (VEBA -Voluntary Employees'
Benefit Association), que assumiria a responsabilidade pelas obrigações
relativas às aposentadorias e às despesas médicas
das Três Grandes, que em média chegam a U$ 90 - U$
110 bilhões. Este fundo seria criado a partir de um adiantamento
único de dinheiro, baseado numa porcentagem por dólar,
fazendo com que o UAW se responsabilizasse por todos os futuros
pagamentos de benefícios. Segundo entrevistas concedidas
à imprensa, a Ford e outras companhias já começaram
a vender ativos para levantar dinheiro para esse fundo.
O UAW negociou recentemente uma VEBA com a fabricante de autopeças
Dana Corp., que transfere responsabilidades da ordem de U$ 1,1
bilhão em assistência médica de aposentados
para o UAW em troca de um adiantamento único de U$ 780
milhões, que representa cerca de 71 centavos por dólar.
O fundo controlado pelo UAW se responsabilizará por quaisquer
cortes que forem necessários para compensar algum déficit.
O acordo é considerado um modelo para as Três
Grandes. Se for adotado, o acordo permitirá que as companhias
eliminem algo em torno de U$ 30 - U$ 40 bilhões em dívidas.
Não dando a mínima importância à
redução de salários e de benefícios,
a degradação das condições de trabalho
e a extinção de centenas de milhares de empregos,
o UAW vê na VEBA um meio para defender seus próprios
interesses financeiros, independente do futuro dos trabalhadores.
O UAW tem planos de entrar no ramo da assistência médica
fazendo as companhias automobilísticas arcar com um fundo
que transformaria o sindicato numa das maiores redes de assistência
médica do país.
Ao propor as mudanças no sistema de assistência
médica, as administrações das companhias
pretendem destruir todas as conquistas dos trabalhadores da indústria
automobilística nos últimos 70 anos. Almejam, particularmente,
uma redução permanente nos pagamentos através
de um sistema de dois níveis de salários. No acordo
recentemente assinado com a fabricante de autopeças Delphi,
o UAW concordou em tornar permanente e estender a todos os trabalhadores
o corte de quase 50% nos salários imposto aos novos contratados.
Com a Dana, o UAW também concordou com um sistema de dois
níveis de salários, que permitirá à
companhia fazer novas contratações com pagamentos
sensivelmente mais baixos do que os dos trabalhadores atuais.
A questão do salário em dois níveis é
de particular importância para os fabricantes de automóveis,
já que quase metade dos atuais trabalhadores das Três
Grandes - 63% deles estão na GM - estará aposentada
em 5 anos. As empresas automobilísticas estão determinadas
a contratar novos trabalhadores pagando-lhes salários drasticamente
mais baixos e oferecer menos benefícios.
A direção nacional do sindicato está sondando
dirigentes locais a respeito de uma estrutura de dois níveis
de salários. O UAW já estabeleceu uma escala salarial
de dois níveis para os trabalhadores da planta de montagem
da Chrysler em Belvidere, Illinois. Segundo o acordo, os novos
trabalhadores recebem apenas U$ 18,50 por hora, U$ 10,00 a menos
do que na escala padrão, não tem nenhuma garantia
e recebendo pouco ou nenhum benefício. Denominados "trabalhadores
temporários aprimorados" eles podem ser contratados
por um período de até dois anos.
Um grupo desses trabalhadores entrou com uma ação
coletiva no ano passado contra o UAW e a Chrysler, alegando que
nunca foram informados de que haviam sido contratados por um salário
mais baixo e com menos garantias.
As empresas também pretendem fazer mudanças nas
regras de trabalho e a eliminação na classificação
de trabalho, o que permitirá o aumento da intensidade da
exploração no chão da fábrica. O UAW
já concordou com os chamados acordos de operação
competitiva em várias unidades da Ford. Na unidade 600
do complexo Ford Rouge, em Dearborn, Michigan, foi fechado um
acordo que permitia a contratação de trabalhadores
não sindicalizados recebendo metade do salário para
fazer o trabalho que antes era realizado por trabalhadores sindicalizados.
As linhas gerais do acordo entre o UAW e as Três Grandes
certamente já foram traçadas. De sua parte, o UAW
já demonstrou que está disposto a aceitar qualquer
proposta que for exigida pelas companhias. Numa entrevista coletiva
concedida à imprensa na sexta-feira (20), durante a abertura
das negociações com a Chrysler, o presidente do
UAW, Ron Gettelfinger, não levantou nenhuma reivindicação
sequer. Quando perguntado se algum ponto era inegociável,
o líder do sindicato disse que tudo estava aberto para
discussão. "Estamos entrando com a cabeça aberta",
afirmou ele.
Numa nota à imprensa, a direção do UAW
comemora o fato das "ações tomadas pelo nosso
sindicato terem feito com que os nossos empregadores poupem milhões
de dólares, contribuindo para que eles conquistem uma posição
mais competitiva".
O que está sendo preparado é a transformação
dos Estados Unidos em força de trabalho para a indústria
automobilística. Os salários, pensões e benefícios
médicos das fábricas de automóveis, que no
passado determinaram o padrão de vida da classe trabalhadora
americana como um todo, irão para o lixo. Será criada
uma força de trabalho nova, altamente explorada, com salários
baixos, recebendo pouco ou mesmo nenhum benefício. Isso
terá enorme impacto nas condições de vida
de trabalhadores de todas as indústrias e de todas as profissões.
Esse é o resultado trágico e inevitável
das políticas pró-capitalistas e nacionalistas do
UAW. Submetendo-se às condições impostas
pela produção global e pelas corporações
transnacionais, o UAW se transformou numa espécie de agenciador
de força de trabalho. Em troca da garantia da oferta de
trabalhadores com baixos salários, altamente explorados,
as Três Grandes permitem que o sindicato continue recolhendo
tributos dos trabalhadores e aumente ainda mais a sua renda, quando
cederem para ele o seu fundo multibilionário de assistência
médica.