Depois de quase 5 anos em poder dos trabalhadores, a Cipla
e a Interfibra sofreram, no último dia 31 de maio, a intervenção
da Polícia Federal, que invadiu a fábrica com 150
policiais fortemente armados e substituiu a direção
da fábrica eleita pelos trabalhadores por um interventor
federal. Em junho foi a fábrica Flaskô que sofreu
intervenção. A Flaskô é um fábrica
localizada em Sumaré (SP), pertencente ao mesmo grupo da
Cipla e a Interfibra, todas produtoras de plástico. Diferentemente
do que aconteceu na intervenção destas duas últimas,
os 70 trabalhadores da Flaskô resistiram, paralisaram a
produção e impediram a demissão dos membros
da Comissão de Fábrica. Desta vez o interventor
não conseguiu assumir o controle da fábrica.
A Cipla é responsável por cerca de 1.000 empregos
diretos e uma das maiores fábricas da cidade de Joinville,
situada no interior de Santa Catarina. Ela entrou em concordata
em 1994, depois de não recolher impostos por 2 anos. Em
1998, além dos demais impostos, a empresa deixou de recolher
o FGTS e o INSS dos trabalhadores.
Em janeiro de 2002, em conseqüência desta situação
caótica, os trabalhadores entraram em greve, decisão
que contrariou a posição da direção
do sindicato. Em conseqüência disso, 80 trabalhadores
foram demitidos por justa causa. O sindicato sufocou a greve e
expulsou os demitidos da porta da fábrica. Depois da greve,
a situação piorou, pois o pagamento dos salários
começou a atrasar. Em setembro de 2002 os trabalhadores
entraram novamente em greve. Mais uma vez, o sindicato se posicionou
contra, por considerar a greve ilegal. Os patrões alegavam
não ter condições de pagar os salários
e os direitos atrasados. Depois de 8 dias de greve, os trabalhadores
assumiram o controle da fábrica.
A recuperação da Cipla e da Interfibra
Uma das primeiras medidas adotadas pelos trabalhadores após
a ocupação das fábricas foi eleger uma Comissão
de Fábrica. A comissão fez o levantamento da situação
das empresas: a dívida era absolutamente impagável,
ou seja, mais de R$ 500 milhões, 80% devidos à Previdência
e à Receita Federal; os trabalhadores recebiam de R$ 30
a 50 por semana, menos do que o valor do mísero salário
mínimo nacional, que era de R$ 200,00 mensais.
Com a ocupação das fábricas pelos trabalhadores,
a situação começou a mudar: a administração
dos trabalhadores conseguiu pagar mais de 80% dos salários,
férias, e demais direitos não pagos pelos antigos
proprietários, e ainda pagou mais de R$ 2 milhões
do passivo trabalhista deixado pelos patrões para aqueles
que haviam saído da empresa; o banco de horas foi abolido
e a jornada de trabalho foi reduzida, em abril de 2003, de 44
para 40 horas semanais, com o sábado livre, e de 40 para
30 horas semanais, em janeiro de 2007, sem a redução
dos salários. Além de ter mantido todos os mil postos
de trabalho, 40 novos empregos foram gerados na Cipla por meio
da adoção da jornada de 30 horas no início
deste ano.
Todas as linhas gerais da administração eram
decididas em assembléias com todos os trabalhadores. Foi
criada uma associação para financiar a luta política,
mantida pela contribuição espontânea dos próprios
trabalhadores.
No momento da ocupação, a Cipla faturava R$ 950
mil por mês e a Interfibra estava fechada há alguns
meses. Após alguns anos de ocupação, o faturamento
da Cipla e da Interfibra atingiu quase R$ 5 milhões. No
entanto, isso não era suficiente para pagar todos os compromissos,
como o FGTS e os impostos. Além disso, no momento da intervenção,
faltava ainda quitar a metade 13º salário de 2006.
A ajuda do governo venezuelano foi determinante nessa significativa
melhoria das condições financeiras da empresa. No
decorrer dos 5 anos, o governo Chavez enviou mais de R$ 4 milhões
em matérias primas. Os dirigentes da Comissão de
Fábrica consideram que sem essa ajuda as empresas já
teriam fechado há muito tempo. Segundo o acordo firmado
com Chavez, nos próximos meses seriam enviados mais R$
4 milhões, caso a intervenção não
tivesse ocorrido. Mas com a intervenção o envio
foi suspenso.
A situação atual na Cipla
Após a intervenção o pagamento dos salários
começou a atrasar novamente. Falta pagar uma parte do salário
de maio (o pagamento foi apenas de R$ 1.100) e o de junho (apenas
R$ 700). A jornada voltou a ser a antiga, o banco de horas passou
a ser aplicado novamente, e cerca de 50 trabalhadores foram demitidos.
Novas demissões estão previstas. O interventor,
que recebe um salário de R$ 87 mil mensais, que equivale
a quase 10% do total da folha de pagamentos, considerou que as
despesas com salários estavam muito altas, e decidiu reduzir
em 20% os custos, ou seja, R$ 180 mil de um total de R$ 900 mil.
Estão na lista de demissão todos os trabalhadores
de setores que serão terceirizados, como os ferramenteiros,
as cozinheiras, as zeladoras e os vigilantes, além daqueles
que já têm tempo ou idade para se aposentar. O trabalhador,
que antes fazia parte das decisões tomadas em assembléia,
hoje é totalmente ignorado.
A posição do governo Lula
Em junho de 2003, os trabalhadores da Cipla e da Interfibra
levaram ao presidente Lula um abaixo-assinado com 70 mil assinaturas
em apoio à ocupação. Eles exigiam a estatização
das empresas, única maneira de mantê-las definitivamente
em funcionamento. Em audiência com os representantes do
movimento, Lula afirmou que a estatização não
estava nos planos do governo, mas prometeu fazer algo para ajudar
os trabalhadores das fábricas ocupadas.
Dois anos depois, a direção da Comissão
de Fábrica da Cipla enviou carta ao presidente Lula, afirmando
que "os trabalhadores estavam esperando respeitosamente a
solução que Lula havia prometido dois anos antes".
Na carta, os dirigentes tratavam Lula de "companheiro".
Apesar de todo o respeito e cordialidade manifestada pela direção
do movimento, Lula novamente não atendeu ao pedido.
A direção da Flaskô tem estabelecido uma
relação semelhante com o presidente Lula, isentando
o "companheiro" de qualquer responsabilidade quanto
à intervenção. Em seu jornal eletrônico
do dia 13/07/07, a direção da Flaskô convoca
os leitores a "ir pra cima dos órgãos e pessoas
do governo federal que dão cobertura" às intervenções
nas fábricas. Ora, será que são apenas alguns
órgãos e algumas pessoas do governo federal que
dão cobertura às intervenções? Será
que o presidente Lula não tem responsabilidade nisso? Até
quando a direção do movimento das fábricas
ocupadas continuará a blindar o Lula?
Ao invés de intervir nas fábricas ocupadas pelos
trabalhadores, porque o "companheiro" Lula não
manda o Ministério da Previdência processar as empresas
privadas que estão devendo ao INSS? A imprensa já
denunciou estes devedores várias vezes: a Companhia Vale
do Rio Doce, segunda maior mineradora do mundo, deve R$ 192 milhões;
a maior fábrica de celulose do Brasil, a Klabin, deve R$
186 milhões; a Volkswagen deve R$ 212 milhões; a
SPTrans, empresa privada que tem a concessão do transporte
público na cidade de São Paulo e que se beneficia
de uma das maiores tarifas do país (R$ 2,30), deve R$ 848
milhões ao INSS. Lula não toma nenhuma atitude em
relação a isso. O que faz é intervir nas
fábricas ocupadas pelos trabalhadores, cobrando uma dívida
que nem foi contraída por eles, mas pelos antigos proprietários.
Qual a saída dos trabalhadores das fábricas
ocupadas?
A ocupação de fábricas é um importante
instrumento de luta dos trabalhadores, pois, através dela,
coloca-se na prática a questão de quem é
realmente, afinal, o dono das fábricas: a classe que produziu,
com seu trabalho, os prédios, as máquinas e as matérias-primas,
ou a classe que enriqueceu apropriando-se do trabalho alheio.
Além disso, essa rica experiência serve para demonstrar
aos trabalhadores que eles não precisam de patrões
para produzir suas próprias vidas.
A ocupação de fábricas não é
uma tática nova no movimento operário. Em junho
de 1936, os operários franceses transformaram as ocupações
de fábricas, que se generalizavam em toda a França,
numa situação revolucionária, chegando muito
próximo à tomada do poder, mas acabaram sendo traídos
pelo Partido Comunista Francês (PCF) que, por dirigir os
principais sindicatos do país, conseguiu pôr fim
à greve geral, fazendo um acordo com o governo.
As dificuldades que os trabalhadores das fábricas ocupadas
estão enfrentando no Brasil é conseqüência
de seu isolamento. É impossível que algumas fábricas
isoladas consigam competir com os grandes monopólios, a
não ser que recorram a expedientes artificiais, como é
o caso da ajuda do governo venezuelano. Da mesma maneira que um
país que passou por uma revolução proletária
não consegue se manter isolado diante da concorrência
imperialista mundial, como comprovam a experiência da ex-URSS,
pensar que é possível sustentar por muito tempo
a ocupação de fábricas isoladas seria não
apenas uma ilusão, mas um enorme equívoco. Assim
como as trágicas experiências do país acima
mencionado, as ocupações de algumas fábricas
isoladas tendem a desenvolver uma casta burocrática, que
passa inevitavelmente a controlar as fábricas de acordo
com seus próprios interesses.
A única saída para os trabalhadores das fábricas
ocupadas é tirarem o movimento do isolamento, e isso não
se faz buscando o apoio do governo Lula ou de Chavez. Os trabalhadores
só podem contar com a sua própria força.
O movimento das fábricas ocupadas somente sairá
do isolamento se as ocupações se generalizarem por
todo o país. Toda a empresa que ameaçar demitir
em massa ou fechar deve ser ocupada.
Nesse sentido, além de ocupar as fábricas falidas,
como estão fazendo os operários da Cipla, Interfibras,
Flaskô e Flakepet, é necessário organizar
os operários das principais forças produtivas do
país, prepará-los para resistir a qualquer demissão
ou fechamento de fábrica, o que somente é possível
por meio da construção de um partido revolucionário
de massas que tenha expressão nacional e que não
submeta, em hipótese alguma, os interesses dos trabalhadores
a nenhum governo burguês.