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Governo intervém em fábricas ocupadas pelos trabalhadores

Por V. Hugo
2 de agosto de 2007

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Depois de quase 5 anos em poder dos trabalhadores, a Cipla e a Interfibra sofreram, no último dia 31 de maio, a intervenção da Polícia Federal, que invadiu a fábrica com 150 policiais fortemente armados e substituiu a direção da fábrica eleita pelos trabalhadores por um interventor federal. Em junho foi a fábrica Flaskô que sofreu intervenção. A Flaskô é um fábrica localizada em Sumaré (SP), pertencente ao mesmo grupo da Cipla e a Interfibra, todas produtoras de plástico. Diferentemente do que aconteceu na intervenção destas duas últimas, os 70 trabalhadores da Flaskô resistiram, paralisaram a produção e impediram a demissão dos membros da Comissão de Fábrica. Desta vez o interventor não conseguiu assumir o controle da fábrica.

A Cipla é responsável por cerca de 1.000 empregos diretos e uma das maiores fábricas da cidade de Joinville, situada no interior de Santa Catarina. Ela entrou em concordata em 1994, depois de não recolher impostos por 2 anos. Em 1998, além dos demais impostos, a empresa deixou de recolher o FGTS e o INSS dos trabalhadores.

Em janeiro de 2002, em conseqüência desta situação caótica, os trabalhadores entraram em greve, decisão que contrariou a posição da direção do sindicato. Em conseqüência disso, 80 trabalhadores foram demitidos por justa causa. O sindicato sufocou a greve e expulsou os demitidos da porta da fábrica. Depois da greve, a situação piorou, pois o pagamento dos salários começou a atrasar. Em setembro de 2002 os trabalhadores entraram novamente em greve. Mais uma vez, o sindicato se posicionou contra, por considerar a greve ilegal. Os patrões alegavam não ter condições de pagar os salários e os direitos atrasados. Depois de 8 dias de greve, os trabalhadores assumiram o controle da fábrica.

A recuperação da Cipla e da Interfibra

Uma das primeiras medidas adotadas pelos trabalhadores após a ocupação das fábricas foi eleger uma Comissão de Fábrica. A comissão fez o levantamento da situação das empresas: a dívida era absolutamente impagável, ou seja, mais de R$ 500 milhões, 80% devidos à Previdência e à Receita Federal; os trabalhadores recebiam de R$ 30 a 50 por semana, menos do que o valor do mísero salário mínimo nacional, que era de R$ 200,00 mensais.

Com a ocupação das fábricas pelos trabalhadores, a situação começou a mudar: a administração dos trabalhadores conseguiu pagar mais de 80% dos salários, férias, e demais direitos não pagos pelos antigos proprietários, e ainda pagou mais de R$ 2 milhões do passivo trabalhista deixado pelos patrões para aqueles que haviam saído da empresa; o banco de horas foi abolido e a jornada de trabalho foi reduzida, em abril de 2003, de 44 para 40 horas semanais, com o sábado livre, e de 40 para 30 horas semanais, em janeiro de 2007, sem a redução dos salários. Além de ter mantido todos os mil postos de trabalho, 40 novos empregos foram gerados na Cipla por meio da adoção da jornada de 30 horas no início deste ano.

Todas as linhas gerais da administração eram decididas em assembléias com todos os trabalhadores. Foi criada uma associação para financiar a luta política, mantida pela contribuição espontânea dos próprios trabalhadores.

No momento da ocupação, a Cipla faturava R$ 950 mil por mês e a Interfibra estava fechada há alguns meses. Após alguns anos de ocupação, o faturamento da Cipla e da Interfibra atingiu quase R$ 5 milhões. No entanto, isso não era suficiente para pagar todos os compromissos, como o FGTS e os impostos. Além disso, no momento da intervenção, faltava ainda quitar a metade 13º salário de 2006.

A ajuda do governo venezuelano foi determinante nessa significativa melhoria das condições financeiras da empresa. No decorrer dos 5 anos, o governo Chavez enviou mais de R$ 4 milhões em matérias primas. Os dirigentes da Comissão de Fábrica consideram que sem essa ajuda as empresas já teriam fechado há muito tempo. Segundo o acordo firmado com Chavez, nos próximos meses seriam enviados mais R$ 4 milhões, caso a intervenção não tivesse ocorrido. Mas com a intervenção o envio foi suspenso.

A situação atual na Cipla

Após a intervenção o pagamento dos salários começou a atrasar novamente. Falta pagar uma parte do salário de maio (o pagamento foi apenas de R$ 1.100) e o de junho (apenas R$ 700). A jornada voltou a ser a antiga, o banco de horas passou a ser aplicado novamente, e cerca de 50 trabalhadores foram demitidos. Novas demissões estão previstas. O interventor, que recebe um salário de R$ 87 mil mensais, que equivale a quase 10% do total da folha de pagamentos, considerou que as despesas com salários estavam muito altas, e decidiu reduzir em 20% os custos, ou seja, R$ 180 mil de um total de R$ 900 mil. Estão na lista de demissão todos os trabalhadores de setores que serão terceirizados, como os ferramenteiros, as cozinheiras, as zeladoras e os vigilantes, além daqueles que já têm tempo ou idade para se aposentar. O trabalhador, que antes fazia parte das decisões tomadas em assembléia, hoje é totalmente ignorado.

A posição do governo Lula

Em junho de 2003, os trabalhadores da Cipla e da Interfibra levaram ao presidente Lula um abaixo-assinado com 70 mil assinaturas em apoio à ocupação. Eles exigiam a estatização das empresas, única maneira de mantê-las definitivamente em funcionamento. Em audiência com os representantes do movimento, Lula afirmou que a estatização não estava nos planos do governo, mas prometeu fazer algo para ajudar os trabalhadores das fábricas ocupadas.

Dois anos depois, a direção da Comissão de Fábrica da Cipla enviou carta ao presidente Lula, afirmando que "os trabalhadores estavam esperando respeitosamente a solução que Lula havia prometido dois anos antes". Na carta, os dirigentes tratavam Lula de "companheiro". Apesar de todo o respeito e cordialidade manifestada pela direção do movimento, Lula novamente não atendeu ao pedido.

A direção da Flaskô tem estabelecido uma relação semelhante com o presidente Lula, isentando o "companheiro" de qualquer responsabilidade quanto à intervenção. Em seu jornal eletrônico do dia 13/07/07, a direção da Flaskô convoca os leitores a "ir pra cima dos órgãos e pessoas do governo federal que dão cobertura" às intervenções nas fábricas. Ora, será que são apenas alguns órgãos e algumas pessoas do governo federal que dão cobertura às intervenções? Será que o presidente Lula não tem responsabilidade nisso? Até quando a direção do movimento das fábricas ocupadas continuará a blindar o Lula?

Ao invés de intervir nas fábricas ocupadas pelos trabalhadores, porque o "companheiro" Lula não manda o Ministério da Previdência processar as empresas privadas que estão devendo ao INSS? A imprensa já denunciou estes devedores várias vezes: a Companhia Vale do Rio Doce, segunda maior mineradora do mundo, deve R$ 192 milhões; a maior fábrica de celulose do Brasil, a Klabin, deve R$ 186 milhões; a Volkswagen deve R$ 212 milhões; a SPTrans, empresa privada que tem a concessão do transporte público na cidade de São Paulo e que se beneficia de uma das maiores tarifas do país (R$ 2,30), deve R$ 848 milhões ao INSS. Lula não toma nenhuma atitude em relação a isso. O que faz é intervir nas fábricas ocupadas pelos trabalhadores, cobrando uma dívida que nem foi contraída por eles, mas pelos antigos proprietários.

Qual a saída dos trabalhadores das fábricas ocupadas?

A ocupação de fábricas é um importante instrumento de luta dos trabalhadores, pois, através dela, coloca-se na prática a questão de quem é realmente, afinal, o dono das fábricas: a classe que produziu, com seu trabalho, os prédios, as máquinas e as matérias-primas, ou a classe que enriqueceu apropriando-se do trabalho alheio. Além disso, essa rica experiência serve para demonstrar aos trabalhadores que eles não precisam de patrões para produzir suas próprias vidas.

A ocupação de fábricas não é uma tática nova no movimento operário. Em junho de 1936, os operários franceses transformaram as ocupações de fábricas, que se generalizavam em toda a França, numa situação revolucionária, chegando muito próximo à tomada do poder, mas acabaram sendo traídos pelo Partido Comunista Francês (PCF) que, por dirigir os principais sindicatos do país, conseguiu pôr fim à greve geral, fazendo um acordo com o governo.

As dificuldades que os trabalhadores das fábricas ocupadas estão enfrentando no Brasil é conseqüência de seu isolamento. É impossível que algumas fábricas isoladas consigam competir com os grandes monopólios, a não ser que recorram a expedientes artificiais, como é o caso da ajuda do governo venezuelano. Da mesma maneira que um país que passou por uma revolução proletária não consegue se manter isolado diante da concorrência imperialista mundial, como comprovam a experiência da ex-URSS, pensar que é possível sustentar por muito tempo a ocupação de fábricas isoladas seria não apenas uma ilusão, mas um enorme equívoco. Assim como as trágicas experiências do país acima mencionado, as ocupações de algumas fábricas isoladas tendem a desenvolver uma casta burocrática, que passa inevitavelmente a controlar as fábricas de acordo com seus próprios interesses.

A única saída para os trabalhadores das fábricas ocupadas é tirarem o movimento do isolamento, e isso não se faz buscando o apoio do governo Lula ou de Chavez. Os trabalhadores só podem contar com a sua própria força. O movimento das fábricas ocupadas somente sairá do isolamento se as ocupações se generalizarem por todo o país. Toda a empresa que ameaçar demitir em massa ou fechar deve ser ocupada.

Nesse sentido, além de ocupar as fábricas falidas, como estão fazendo os operários da Cipla, Interfibras, Flaskô e Flakepet, é necessário organizar os operários das principais forças produtivas do país, prepará-los para resistir a qualquer demissão ou fechamento de fábrica, o que somente é possível por meio da construção de um partido revolucionário de massas que tenha expressão nacional e que não submeta, em hipótese alguma, os interesses dos trabalhadores a nenhum governo burguês.