Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia14 de abril de 2007.
O declínio da indústria automobilística
nos EUA está tendo um efeito devastador nas vidas de centenas
de milhares de trabalhadores, particularmente naqueles dos estados
do centro-oeste como Michigan, Ohio, Indiana e Missouri. Ao longo
dos últimos 18 meses as três grandes fabricantes
de automóveis General Motors, Ford e Chrysler
juntamente com suas fornecedoras de peças, anunciaram o
corte de mais de 1.500 empregos. Ao contrário do que ocorria
no início da década de 1980 quando os problemas
da indústria eram seguidos de um período de recontratação
os analistas afirmam que hoje os cortes de emprego são
conseqüência da permanente retração da
indústria de automóveis americana e da diminuição
do controle do mercado de ações das três grandes.
Além disso, estima-se que para cada emprego eliminado pelas
corporações em suas fornecedoras, outros nove empregos
são perdidos nos comerciantes de carros e outros negócios
dependentes.
Em fevereiro, a DaimlerChrysler revelou seus planos para acabar
com 13.000 empregos nas plantas do Grupo Chrysler dos EUA e do
Canadá. Os executivos alemães da companhia também
deixaram clara a sua intenção de acabar com a fusão
de nove anos com a Chrysler em decorrência das perdas que
vem ocorrendo nas operações americanas. Isso desencadeou
uma onda de ofertas feitas por empresas, pelo especulador bilionário
Kirk Kerkorian e pela não sindicalizada gigante de auto-peças
canadenses Magna. O resultado de tais ofertas pode ser a diminuição
dos salários, da assistência médica e dos
benefícios por demissão dos trabalhadores da Chrysler.
Provavelmente, os novos proprietários liquidariam os ativos
mais rentáveis da massa falida e desmantelariam a empresa,
que tem 80 anos de existência.
A ameaça de retaliações da Chrysler é
o último suspiro do estado de Michigan, que já está
prejudicado por décadas de fechamentos de fábricas
e demissões. Na década de 1950, quando os fabricantes
de automóveis dos EUA tomaram parte de um monopólio
mundial, produzindo quatro de cada cinco carros do mundo, os centros
fabris do estado Detroit, Flint, Lansing e Saginaw
chegaram aos mais altos índices de casas próprias
e de renda per capita dos EUA. Hoje, o índice oficial de
desemprego de Michigan 6,6% ganha somente do Mississipi,
arrasado por um tornado. Michigan e os estados vizinhos, que antes
havia os mais altos salários de trabalhadores industriais
na América, assistem atualmente um número recorde
de embargos de residências, falências e necessidade
emergencial de alimento e assistência médica.
O êxodo dos trabalhadores e suas famílias do estado
está sendo comparado com a migração em massa
da era Dust Bowl, em 1930, quando dezenas de milhares de
fazendeiros arruinados de Oklahoma e outros estados fizeram as
malas e seguiram para a Califórnia. De acordo com o censo
americano, se em 2005 o número de pessoas que deixaram
Michigan foi de 29.700, em 2006 esse número subiu para
42.300. Esta é a maior migração do estado
desde 1984, quando a proximidade da depressão da indústria
automobilística forçou milhares de trabalhadores
e jovens a deixar Michigan para buscar emprego nas companhias
petrolíferas do Texas e outros estados do sudoeste; descrevendo
as condições atuais da classe trabalhadora em Michigan,
um comentarista do New York Times observou recentemente
que em algumas vizinhanças de Michigan que foram
residências de trabalhadores, as casas estão sendo
vendidas agora por preços mais baixos que alguns dos veículos
das linhas de montagem de Detroit, Dearborn, Lansing e outros
lugares do estado.
Os trabalhadores da indústria automobilística
e as suas famílias foram completamente abandonados pelo
sindicato dos trabalhadores da indústria automobilística
(UAW), que ao invés de se opor às demissões
em massa, está colaborando com os patrões na retração
ordenada da indústria. Depois de décadas
de colaboração entre o sindicato e a administração
à custa de seus associados, a burocracia do UAW não
tem a mínima intenção de defender o emprego
e o padrão de vida dos trabalhadores. Pelo contrário,
recentemente o UAW impediu uma greve dos trabalhadores na planta
da Carolina do Norte pertencente à divisão de caminhões
da DaimlerChrysler, onde 1.200 dos 4.000 trabalhadores estão
condenados a perder seus empregos. Em troca da cooperação
do sindicato em desmantelar a Chrysler, os potenciais compradores
da companhia estão considerando a hipótese de dar
um prêmio pela lealdade à burocracia
do UAW na provável nova companhia, incluindo a possibilidade
da burocracia passar a controlar os seus fundos de pensão
multibilionários.
Os associados do UAW foram forçados a fazer a escolha
entre uma oferta de aceitar que sejam demitidos ou
de insistir, esperando que sobrevivam à próxima
rodada de demissões. O pacote oferecido para os associados
do UAW em dia com suas contribuições e com no mínimo
um ano de trabalho inclui uma soma total de 100.000 dólares
e cobertura médica limitada por seis meses. Não
confiando no UAW, mais de 4.300 trabalhadores da Chrysler já
escolheram se aposentar prematuramente ou receber os pacotes,
deixando seus empregos.
Nós tivemos somente algumas semanas para tomar
uma decisão que mudará as nossas vidas, disse
Robert, que trabalhou por mais de 15 anos numa fábrica
da Chrysler em Detroit. Se eu não pegar o pacote
e aceitar ser demitido, depois serei posto no banco de empregos,
onde continuarei a receber um pagamento. Mas depois do próximo
contrato de trabalho, que será assinado em setembro, o
banco de trabalho não existirá mais e seremos postos
na rua sem nada.
Se tivermos que nos mudar para procurar emprego em outro
lugar, não poderemos vender nossas casas porque o preço
delas desabou e os embargos aumentaram vertiginosamente. Teremos
que tirar as crianças da escola, com todos os traumas que
isso pode causar, e mudar para um outro estado. Mesmo se eu conseguir
vender a minha casa, terei um grande prejuízo. Muitos trabalhadores
ficaram perplexos, dizendo que isso não pode acontecer
conosco, mas é isso. Eu estive correndo por aí procurando
assistência odontológica para os meus filhos, porque
daqui a algumas semanas eu provavelmente não terei mais
a cobertura.
Essa é uma transformação enorme
em nossas vidas e não temos controle sobre ela. As pessoas
que estão no poder estão ganhando muito dinheiro.
Quanto eles precisam 40 milhões, 50 milhões
de dólares? Veja as vidas que eles destruíram. Esses
pacotes são uma coisa realmente terrível para a
classe trabalhadora.
O massacre do dia dos namorados
Robert descreveu o sentimento dos trabalhadores no chão
de fábrica quando esperavam o anúncio das demissões
programado para o dia dos namorados, no dia 14 de fevereiro: seis
semanas antes de haver o anúncio, nós sabíamos
que haveria más notícias, nós só não
imaginávamos o quão ruim eram essas notícias.
Nós ouvíamos rumores constantes. Há dois
anos havia conversas a respeito da possível venda da companhia,
mas os altos executivos negavam isso. Eles admitiam que estavam
procurando por compradores da companhia. A divisão alemã
quer se desligar da americana, e eles farão o que o puderem
para consegui-lo. Nós estamos tentando passar por isso,
mas estamos assistindo à desintegração da
fábrica diante de nossos olhos. A companhia começou
pintando as máquinas de branco, ao invés do característico
azul da Chrysler, e nós percebíamos que o local
estava sendo preparado para ser vendido.
Aumentar os lucros no menor espaço de tempo é
a única coisa com a qual eles estão preocupados.
Nós tínhamos equipamentos multimilionários
que quebraram. Três ou quatro anos atrás eles teriam
enviado alguém da Alemanha para consertá-los imediatamente.
Agora levou 10 dias somente para mandarem alguém ver o
que estava acontecendo. Eles não investirão mais
e demitirão a maioria dos técnicos das máquinas.
Isso é um grande sinal que eles simplesmente deixarão
a fábrica morrer. Minha crença pessoal é
que eles venderão o nosso prédio a uma empresa estrangeira
que se comprometa em administrá-lo. Não será
mais a Chrysler.
Quando Tom LaSorda tomou o controle da divisão
da Chrysler como presidente, uma das primeiras coisas que ele
disse foi que sua responsabilidade era com os acionistas, não
com os empregados. É para os caras que investem na companhia,
que é propriedade da elite, e não para caras como
eu, que possuem 100 ações na 401K. Depois do anúncio
do corte de empregos, as ações subiram para 5,40
dólares. Se eu as vendesse eu teria apenas 540 dólares?
Os grandes ganham milhões e eles sabiam antes o que iria
acontecer. Eles ganham mais em um dia de transação
do que um trabalhador da Chrysler ganha em toda a sua carreira.
Nós só estamos tentando encontrar uma saída
e colocar comida na mesa para as nossas crianças. Todos
os dias nós só pensamos nisso. Essas pessoas estão
controlando as nossa vidas.
Esse é um jeito muito ruim de fazer as coisas.
Você pensava que existissem leis e direitos corporativos.
Eles deveriam ter responsabilidade social quando fazem negócios.
Mas obviamente essas coisas nunca acontecerão. Os democratas
são exatamente como os republicanos. Eles não se
importam. O que acontece quando você perde a sua casa? O
que eles farão? Granholm (o governador de Michigan) e os
democratas dizem que eles defendem a classe trabalhadora e os
programas sociais, mas na verdade eles estão cortando os
programas para a população, enquanto eles estão
gastando bilhões de dólares na guerra do Iraque.
Os democratas falam para as corporações, não
para a classe trabalhadora.
Globalização
Robert se referiu à tentativa de Granholm e de outros
políticos democratas, assim como do UAW, de responsabilizar
a injusta competição internacional pela
perda de empregos, particularmente pelos fabricantes de automóveis
asiáticos. A Toyota não é responsável
pela perda dos nossos empregos, disse ele. A responsabilidade
é das pessoas que estão no topo da Chrysler, que
querem sempre mais. Eu chamo isso de lei do capitalismo. Eles
precisam continuar expandindo e fazendo mais dinheiro. E eles
não podem conseguir isso por meio dos consumidores, que
não pagarão mais por um carro. As pessoas comprarão
os carros mais baratos, porque também têm que brigar
pelos seus interesses. O que você fará se puder comprar
um Toyota mais barato que um Chrysler, que consome muito combustível?
Eu não sou contra a globalização.
O slogan nacionalista compre produtos americanos não
resolve o problema. Essas são corporações
multinacionais que abusam das pessoas em todo o mundo, não
somente aqui em Detroit. Nós precisamos da globalização,
mas deve haver um meio mais justo para isso de forma a ajudar
a todos e não somente umas poucas pessoas no topo que estão
tirando vantagens do trabalho de todos ao redor do mundo. Eles
estão sempre procurando por mão de obra mais barata.
O UAW na Chrysler diz Compre Chrysler. Bem,
a Chrysler não é mais uma empresa americana
é uma empresa alemã. A companhia teve um lucro total
de 1,7 bilhões de dólares no ano passado. Nós
somente começamos a perder dinheiro no minuto
em que decidimos nos recusar a aceitar as mesmas concessões
em relação à assistência médica
que os trabalhadores da GM e da Ford aceitaram. A DaimlerChrysler
cortou empregos na Alemanha também. Os trabalhadores de
todo o mundo estão travando a mesma luta. Os trabalhadores
da Ford na planta de Fiesta, na Rússia, acabaram de fazer
uma greve, e a companhia resolveu isso lhes dando um trocado extra.
Os trabalhadores da Chrysler foram golpeados com uma reestruturação
após a outra, depois da fusão entre a Chrysler e
a Daimler Benz , incluindo a de 2001, quando a companhia eliminou
26.000 empregos ou um quinto de seus trabalhadores da produção
e da administração. O UAW, que juntamente com o
IG Metall alemão, compõe o quadro de supervisão
da DaimlerChrysler, pressionou seus associados a aceitarem a aceleração
da produção e outras medidas de cortes de custos,
que supostamente salvariam seus empregos. O resultado foi a piora
das condições para os trabalhadores por um lado,
e grandes pagamentos aos executivos alemães e americanos,
por outro. Embora a companhia tenha perdido 1,5 bilhão
de dólares no ano passado, o presidente da Chrysler, Tom
LaSorda, embolsou 3 milhões de dólares em compensações,
1,1 milhão na forma de bônus anual e mais 2 milhões
em ações.
Robert comentou: eles não podem aumentar ainda
mais os lucros reduzindo os materiais da fábrica. Agora
eles começarão a nos atacar por meio da assistência
médica. Os acionistas não estão ganhando
dinheiro suficiente. Eles precisam manter o crescimento. O único
lugar de onde podem tirá-lo é do bolso dos trabalhadores.
Eles já fizeram tudo o que podiam para cortar os custos
do aço. Eles cortaram tanto os custos com metal que agora
o aço passa por todo o processo e quando o comprador olhar
para o carro na loja o painel estará se rompendo de tão
fraco que é o metal. Isso é inaceitável.
Não se pode produzir carros como esses. Mas eles diminuíram
tanto a quantidade de metal por uma única razão:
economizar dinheiro.
Traídos pelo UAW
O sindicato possibilitou a destruição dos
empregos, disse Robert. Ele costumava ser um instrumento
para melhorar contratos, agora é para acertar concessões.
As companhias automobilísticas já realizaram esses
cortes eles alegam que são cortes financeiros. Quantas
concessões nós devemos dar? Nós demos uma
concessão em 2001 que custou dezenas de milhares de empregos.
Eu vi pessoas perdendo seus empregos. Eles iam para cima delas
com um segurança para escoltá-las para fora do prédio.
Eu estou falando de pessoas que deram 15 ou 20 anos de suas vidas
para o sucesso da companhia. E a companhia não lhes deu
nenhuma segurança. Isso não é uma equipe.
A única equipe é a dos grandes, os tão falados
treinadores, juntamente com o sindicato. Eles sempre
usam esse papo de equipe. Se qualquer supervisor fala
uma palavra com os trabalhadores é sempre para falar à
equipe. Que equipe?
Os trabalhadores mais velhos manterão aquilo que
tem. Quem se importa se for imposto um sistema duplo de salários?
O sindicato fala dessa coisa de cada um por si. Não
existe uma forma de resistir por meio do sindicato. Os dirigentes
sindicais não querem que seu estilo de vida seja prejudicado.
Nós nunca vemos o Ron Gettlefinger, o presidente do UAW.
Ele não vem para o chão de fábrica. Essas
são pessoas que têm a nossa segurança em suas
mãos. Mas a única coisa que fazem é seguir
com o programa. Gettlefinger é parte do quadro de diretores
na Alemanha como um representante dos trabalhadores.
Ele sabe o que a companhia está fazendo. Já não
existe qualquer resistência. Se qualquer questão
séria é levantada num encontro do sindicato, o presidente
local acabará com a reunião.
O UAW está seguindo adiante com o programa. Os
líderes do UAW têm muito medo que os trabalhadores
entrem em greve porque eles não terão seus pagamentos.
E os líderes e os representantes das fábricas recebem
grandes pagamentos. Os nossos representantes recebem o equivalente
a 10 ou 12 horas de trabalho eles não podem se preocupar
com os trabalhadores.
O UAW está colaborando com os esforços dos patrões
em acabar com uma geração inteira de trabalhadores
mais antigos, que recebem salários relativamente mais altos,
e por meio de uma medida de seguro-trabalho e proteções
por demissão, trocá-los por uma quantidade muito
menor de trabalhadores, que receberão salários mais
baixos, muitos deles contratados temporariamente.
Comentando o que esperar do futuro para os trabalhadores, Robert
disse: eles vão se livrar de todos os trabalhadores
que recebem 27 dólares por hora. Eles não querem
mais ter uma classificação de emprego de 10-a-12.
Eles querem duas ou três classificações com
baixos salários. Eles querem um trabalhador médio
que possa fazer com que a linha de montagem volte a funcionar
caso ela pare. Mas para isso é necessário um trabalhador
habilitado. Isso é o que eles estão forçando
com o Acordo de Operações Modernas e o que eles
chamam de nosso Treinamento Inteligente, ou seja,
uma equipe que trabalha conjuntamente. Eles se livrarão
de todos nós e trarão trabalhadores temporários
e mal pagos. A Delphi quer contratar pessoas por um ou dois anos
de cada vez. Isso faz com que a companhia não precise pagar
os benefícios. Ter trinta anos numa empresa se tornará
uma coisa do passado.
Eles estão fechando plantas em todo o mundo. Eu
vi um desenho animado mostrando dois homens de negócios
trabalhando juntos. Um olha para o outro e diz: o que você
acabou de dizer àquele trabalhador? O outro responde:
eu lhe disse para parar de falar e trabalhar mais rápido.
Quanto você está pagando a ele?, pergunta
o outro homem. Eu estou pagando 5 dólares por dia,
diz ele. E quanto você está ganhando pelo que
ele produz?, pergunta o outro homem. Estou ganhando
25 dólares por dia. O outro homem diz: então,
em outras palavras, ele está te pagando 20 dólares
por dia para você mandar ele trabalhar mais rápido.
Essa é a realidade do sistema capitalista.
Cinqüenta por cento das crianças que estavam
nas escolas serão obrigadas a trabalhar nos restaurantes
como garçons altamente educados, que lutarão todo
o mês para pagar suas contas. Eles não têm
a menor idéia do que acontecerá depois que eles
se formarem, porque ninguém lhes fala a verdade. Quanto
tempo mais levará para as pessoas perceberem que uma transformação
é necessária? Veja o que está acontecendo
hoje. Inúmeras pessoas não conseguem pôr comida
em suas mesas. A maioria está vivendo no limite. As pessoas
lêem sobre a guerra e eles sabem que os políticos,
incluindo os democratas, não estão falando a verdade.