Professores na Argentina realizaram uma greve por todo o país
no dia 9 de abril, para protestar contra o assassinato de um de
seus colegas, o professor Carlos Fuentealba, pela polícia,
durante um protesto na província de Neuquén, localizada
no sudoeste do país, a 600 milhas da capital, Buenos Aires.
A greve recebeu o apoio de uma manifestação de
50.000 pessoas, que marcharam do obelisco, no centro de Buenos
Aires, à casa do governo em Neuquén. Os manifestantes
carregavam placas relembrando Fuentealba e com o slogan
Nunca mais, referindo-se à bárbara repressão
utilizada contra a classe trabalhadora argentina na época
em que o país era controlado por uma ditadura militar,
de 1976 a 1983.
Em Neuquén, uma manifestação reuniu mais
de 30.000 pessoas. Outros protestos foram realizados em todo o
país.
Carlos Fuentealba foi morto no dia 4 de abril durante um protesto
de professores na cidade de Neuquén, a capital da província,
no qual eles procuravam bloquear uma estrada para pressionar o
governo a atender sua reivindicação de reajuste
salarial. Policiais do município atacaram os manifestantes.
A morte de Fuentealba foi causada por uma bomba de gás
lacrimogêneo lançada intencionalmente contra sua
cabeça, fraturando seu crânio e causando uma grande
perda de sangue. Ele morreu horas depois do ataque, no hospital
local.
O projétil foi disparado pelo sargento da polícia,
Dario Poblete, a uma distância de aproximadamente dois metros.
Fuentealba ainda estava em seu carro com outros professores, se
preparando para participar do protesto.
Poblete já havia sido condenado a dois anos de prisão
por corrupção. Apesar disso, ele foi mantido na
força policial, depois que a sua sentença foi arquivada
por um tribunal superior.
O assassinato do professor ocorreu em meio a crescentes tensões
sociais na Argentina, onde o acobertamento da crise econômica
de 2001-2003 foi acompanhado de níveis recordes de desigualdades
sociais, crescente falta de emprego e inflação.
O assassinato não é resultado apenas de medidas
violentas e repressivas utilizadas pela polícia argentina
no enfrentamento de problemas de caráter social, mas do
sistema político como um todo. Antes mesmo do corpo do
professor assassinado esfriar, o incidente causou uma série
de agressões e ataques entre os principais candidatos à
presidência e aos governos provinciais, que serão
realizadas em junho.
O governador de Neuquén, Jorge Sobisch, que anunciou
a sua candidatura à presidência pelo conservador
Movimento das Províncias Unidas, acusou Daniel Firmus,
ministro da educação de Kirchner, de ter a responsabilidade
política pela morte do professor. O argumento de Sobisch
era o de que, ao anunciar que o salário base dos professores
seria reajustado de 840 para 1.040 pesos, sem consultar previamente
os governos das províncias, o governo federal criou as
condições propícias ao confronto.
Na Argentina, o salário dos professores é pago
pelas províncias, mas Filmus, que é ministro da
educação e candidato à prefeitura de Buenos
Aires, aprovou uma lei obrigando as províncias a reajustarem
os salários dos professores. Sobisch, oponente político
de Kirchner, se negou a conceder o reajuste salarial, o que acabou
levando os professores a se manifestarem nas ruas.
De sua parte, Kirchner se referiu claramente a Sobisch, numa
declaração feita na segunda-feira, na qual ele diz:
algumas pessoas desejam recriar a Doutrina da Segurança
(imposta pela ditadura militar para justificar a repressão
das massas) e acreditam que para ser um bom homem de Estado, é
necessário que se tenha um porrete nas mãos.
Sobish acusou Kirchner de covardia e reconheceu
abertamente que deu ordens para reprimir os professores. Eu
tomaria a mesma decisão de novo para assegurar a constituição
e a lei, disse ele. Se aqueles que são intolerantes
e querem a anarquia vierem dar ordens na Argentina, então
nós não teremos um futuro muito bom.
O covarde Estado que assassinou Carlos Fuentealba expôs
não somente o cinismo da burguesia argentina, mas também
o oportunismo dos sindicatos burocratizados do país. Os
dirigentes sindicais tiveram vantagens na crise, que possibilitou
o crescimento de sua influência política sobre o
governo Kirchner já desgastado com o episódio
ocorrido no ano passado, a batalha travada entre as federações
rivais CGT e CTA durante a cerimônia de re-enterro de Perón,
ocorrida em Santa Fé. Em resposta ao assassinato, os burocratas
do sindicato organizaram pequenos protestos simbólicos
greves de duas horas no horário do almoço
dos trabalhadores dos transportes e alguns outros setores.
O assassinato também demonstrou de maneira aguda a forma
pela qual a classe dominante argentina trata as questões
políticas nos últimos anos. Durante a ditadura militar,
que deixou o poder há 24 anos, os setores dominantes na
Argentina garantiram estabilidade por meio de um terror aberto
e violência de Estado, sobretudo contra os trabalhadores,
mas também contra todas as formas de oposição
política. Com o fim do regime militar, a oposição
peronista (baseada numa mistura de nacionalismo burguês
e sindicalismo corrupto) chegou finalmente ao poder por meio de
eleições populares.
Em meados de 2003, depois da rebelião popular e da violenta
crise econômica que levou à derrubada do governo
do presidente Fernando de la Rua e do ministro da economia Domingo
Cavallo, o peronismo de esquerda chegou ao poder com
a eleição de Kirchner para presidente.
Uma vez no poder, Kirchner procurou governar atendendo aos
interesses do capital estrangeiro e argentino, enquanto tentava
cooptar setores dos movimentos sociais e explorar a habilidade
da burocracia peronista em conter as explosivas lutas da classe
trabalhadora argentina.
Durante a sua visita a New York em setembro último
onde foi convidado a falar na bolsa de Wall Street Kirchner
defendeu o que ele chamou de sua política econômica
heterodoxa, com os cânones da economia clássica.
O assassinato pela polícia de Carlos Fuentealba, um
professor escolar mal pago que lutava por melhores condições
de vida, e o crescimento da militância da classe trabalhadora
na Argentina como um todo, estão demonstrando cada vez
mais o fracasso da tentativa de Kirchner em ser a ponte entre
as classes que dividem a Argentina.