Neste último dia 21 de fevereiro de 2007, os trabalhadores
da Fris-Moldu Car resolveram parar a produção da
fábrica diante da situação de salários
atrasados. Há várias semanas, os trabalhadores da
Fris-Moldu- Car estão paralisados, ocuparam a fabrica e
agora estão acampados diante dela. Já se passaram
mais de seis semanas que a produção está
parada.
Essa fábrica, que conta com 290 funcionários,
já teve 2000 operários, foi fornecedora de auto-peças
para a Volks e GM. Até a sua atual paralisação
produziu também para grandes montadoras internacionais
como a Fiat, Honda e Mitsubishi.
Mas, a fábrica é também muito conhecida
por um ilustre ex-operário que trabalhou nela - nada menos
nada mais que o atual presidente do país, Luís Inácio
Lula da Silva. Anos atrás Lula era um modesto torneiro-mecânico
dessa fábrica, depois, graças à sua carreira
de sindicalista, presidente do sindicato dos metalúrgicos,
líder das grandes greves metalúrgicas de 1978-1980,
deputado federal e fundador do PT, finalmente chegou ao governo
do país, sendo agora reeleito em 2006.
Os seus ex-companheiros de trabalho e luta, os operários
da Fris-Moldu, no entanto, estão hoje em situação
totalmente precária. Tiveram que ocupar a fábrica
para tentar garantir a subsistência deles e de suas famílias.
Já não recebiam nem sequer os salários mensais
e muitos estavam já sem ter como sustentar as suas famílias.
Há algumas semanas eles haviam ocupado a fábrica.
Os operários mantinham a luta com muito sacrifício:
se revezavam em grupos de 30, em turnos seguidos. Com a ocupação,
procuravam impedir que a produção fosse retomada
sem o pagamento dos salários atrasados. A ocupação
da fábrica visava também impedir que o patrão
tentasse levar embora as máquinas que restam na fábrica.
Acampamento diante da fábrica
Agora os trabalhadores estão acampados diante da fábrica
e o revezamento continua. A ocupação foi suspensa
por ordem judicial e ameaças de invasão pelo pelotão
de choque da polícia. O tribunal aceitou as alegações
falsas do patrão de que estava ocorrendo depredação
do patrimônio.
Na verdade, foi uma farsa montada com a segurança da
empresa: um dos seguranças levou embora uma televisão,
tapetes e um telefone. Por incrível que pareça,
essa farsa foi aceita pelo tribunal do trabalho para caracterizar
a "depredação do patrimônio" e dar
a ordem judicial de desocupação da empresa.
Agora existe uma comissão de operários da fábrica
vigiando a empresa na parte de dentro e uma comissão patronal.
A situação permanece em constante tensão,
sendo que a única garantia dos trabalhadores é o
acampamento diante da fábrica que dá segurança
aos que ficam lá dentro. Diversas propostas foram feitas
pelo patrão para superar a crise.
Uma delas era a venda de duas máquinas, para levantar
um capital mínimo. Seria feita a demissão de uma
parte dos funcionários, com pequena compensação
financeira, e se retomaria a produção para ver se
a fábrica se recuperava. Os operários não
aceitaram a proposta.
Passividade do sindicato dos metalúrgicos
do ABC
Umas das coisas que fica clara em toda a situação
dos operários da Fris-Moldu é a passividade do sindicato
dos metalúrgicos do ABC. Eles dizem que apóiam os
trabalhadores, até dão certas orientações,
mas, em nenhum momento fazem o que poderiam realmente fazer: usar
a grande massa operária do sindicato como pressão,
propor uma greve de solidariedade, ou pelo menos paralisações
localizadas em solidariedade aos ex-companheiros de Lula.
Segundo o sindicato, eles fizeram diversas tentativas de negociação
com a empresa, mesmo antes da paralisação e chegaram
"a diversos acordos para reverter a questão do FGTS
(direitos trabalhistas que estavam atrasados), saúde, seguro,
etc...Foram uns 15 acordos em 6, 7 meses que não foram
cumpridos". Fica a questão: como um sindicato tão
forte deixa que cerca de 15 acordos fiquem sem cumprir e não
toma providências mais concretas de luta e de solidariedade?
A situação na fábrica
nos últimos tempos
A situação da empresa vem piorando já
há alguns anos, mas, a situação se agravou
desde 2004, quando José R. F. Rivielli, o atual diretor
da empresa, assumiu a fábrica. Desde então a administração
e as condições dos trabalhadores pioraram muito.
Os operários não recebem os salários desde
janeiro, e a segunda parcela do 13º salário também
não foi paga. O FGTS e o INSS, direitos trabalhistas garantidos
por lei, não eram pagos há nada menos que sete anos!
Há oito meses o convênio médico também
já não era pago. As empresas que administraram o
restaurante na fábrica, de forma terceirizada, nos últimos
tempos, já foram trocadas por 5 vezes, parece que também
por falta de pagamento.
A empresa de segurança, também por falta de pagamento,
já havia sido trocada 8 vezes nos últimos tempos.
Como diz um operário da fábrica, "tudo isso
ia nos prejudicando, causando péssimos serviços
e incertezas do nosso futuro, já percebíamos que
a fábrica estava indo para a falência". Segundo
conta outro companheiro: "Nem o seguro de vida, também
garantido por lei, o patrão pagava mais. Imagina, uma empresa
que não paga seguro de vida!". Como comenta um dos
ex-companheiros de Lula que estava fazendo parte do piquete: "
E se alguém morre ai dentro, num acidente de trabalho?
Como íamos ficar? A família não tinha nenhuma
garantia!"
Por causa de tudo isso, os operários viram que não
tinha mais jeito: tinham que parar e ocupar a fábrica.
Como conta um outro operário: "Em janeiro o patrão
nem comprou matéria prima. A gente produziu com o resto
da gordura que tinha aqui. Hoje se fosse voltar não tínhamos
mais condições. Não tem nem mais matéria
prima" diz o trabalhador. Esse quadro vem se agravando desde
setembro de 2006, quando a GM, que representava 60% da produção
da fábrica, deixou de contratar os serviços da Fris-Moldu
Car.
Segundo um dos operários, o motivo da crise é
a péssima administração dessa atual diretoria
" todo nós já estávamos percebendo há
muito tempo". Outro operário diz: "olha, sem
o patrão e essa diretoria a gente mesmo conseguiria tocar
a fábrica muito melhor!". Outro companheiro da Fris-Moldu
diz: "é desvio de dinheiro e corrupção
mesmo. Em janeiro ocorreu um faturamento de 1 milhão de
reais. A gente, porém, não viu nada disso. O valor
da retenção dos salários já é
de 580 mil reais". Ou seja, só com o faturamento de
janeiro "dava para pagar todo mundo. A gente não viu
a cor desse dinheiro. Só vê helicóptero, carro
importado e o luxo da diretoria gastando. O Rivielli, dono da
fábrica, tem um banco também".
As festas da diretoria com travestis
Os operários relatam também as festas pornográficas
que aconteciam nos escritórios da própria fábrica.
Um operário mostra: "olha essa foto". Na foto
um dos diretores aparece sentado numa poltrona com um travesti
no colo. Contam os operários revoltados: " Tinham
as festas da diretoria toda hora na própria fábrica.
E esses eram os convidados deles: travestis. Eles chamavam até
os travestis para vir aqui". Outro operário mostra
mais uma foto em que um homem vestido de mulher, com jóias
e peruca, está sentado abraçando um senhor de terno
e gravata, que é apontado como um dos patrões.
Os nossos repórteres perguntaram:"o motivo disso
tudo é incompetência mesmo?" Damião,
membro da comissão de fabrica, responde: "É.
Não tinham produtos novos. A linha muda em 2 ou 3 anos.
Sem produtos novos se perde o cliente mesmo. E o pessoal tinha
desenvolvido novos produtos, mas tudo ia para a gaveta e ficava
lá perdido".
Outro operário comenta: "Aconteciam atrasos na
produção e a empresa tinha que pagar a multa. A
montadora, a GM ou a Volks, precisava naquele dia de tal peça,
se a peça não estava lá no dia marcado, tinha
que pagar uma multa porque atrasava toda a produção.
Aí colocavam a culpa nos trabalhadores, dizendo que a produção
é que tinha atrasado por causa dos operários".
Com essas acusações, aproveitavam para cortar as
parcelas já negociadas dos pagamentos atrasados de salários.
O tribunal da justiça decretou para 14 de março
de 2007 a penhora dos bens da empresa, mas, o processo corre devagar
e vem sendo sempre postergado. Os operários já deram
entrada com o pedido de falência, Segundo outro operário,
"agora isso aqui tem que tomar um novo rumo. Já tenho
18, 19 anos de empresa" diz ele. A maioria dos trabalhadores
acha que devem garantir o que é deles, mantendo a vigilância
da fábrica e, quem sabe, pondo a fábrica para funcionar
sem os diretores incompetentes.
A palavra de ordem dos trabalhadores é:
"unidos, daqui não sai mais nada"
A preocupação imediata dos operários agora
é preservar o maquinário e as instalações
da fábrica: "agora ele - o patrão- já
levou tudo que tinha que levar. Levou tudo embora, deixou a gente
nessa situação. Não deve mais voltar. Está
lá em Santos com seu helicóptero. Pegou tudo que
podia pegar daqui e foi embora. É assim: vem, limpa tudo,
e foge com tudo".
A vigilância da fábrica deve ser mantida com o
revezamento dos operários no acampamento diante da empresa.
Como explica um companheiro: "tem que ser garantida a vigilância
para não haver nenhuma retirada de equipamento, mas também
para garantir a segurança dos meios de produção
e para não dar margem a um ataque aos próprios trabalhadores".
Outro acrescenta "unidos, daqui não sai mais nada".
Agora os operários estão levantando a perspectiva
de criar uma cooperativa. Já existe o exemplo da Conforja,
em Diadema, região próxima. Como comentou um operário:
"No inicio eles tiveram uma perda, até organizar tudo,
reconquistar os clientes, mas hoje parece que estão até
contratando novos trabalhadores". Como observa outro trabalhador:
"o tempo de recuperação é um tempo duro,
mas depois é melhor a cooperativa do que patrões
incompetentes como esses".
Se Lula pode ser presidente operário
pode dirigir a fábrica
Outro operário comenta rindo: " se o Lula, que
era nosso companheiro, que trabalhava ali todo sujo como nós,
pode ser presidente e administrar o país, se ele pode até
se encontrar com o Bush e fechar acordos internacionais, nós
também podemos dirigir esta fábrica e nos dar muito
bem".
Sabe-se que a criação de cooperativas isoladas
não é também uma solução para
a maioria dos trabalhadores e para a sociedade como um todo. Só
um projeto realmente socialista, que reorganizasse toda a economia
mundial, sob o controle dos trabalhadores, pode ser uma saída
para o desemprego sempre crescente e para a barbárie capitalista
que avança a escala planetária.. Essas propostas
de cooperativas, mesmo quando prosperam, em geral, apenas criam
novos patrões e novas formas de exploração.
De qualquer forma, as diversas experiências em que os
trabalhadores ocupam fábricas falidas e retomam a produção
sem os patrões, mostram em micro escala o que se poderia
fazer hoje em escala mundial. Na verdade, como mostraram os primeiros
anos da Revolução Russa de 1917 e como já
dizia Marx no século XIX, ao fazer a sua "Crítica
da Economia Política" (burguesa), em nenhuma fábrica
do mundo, há muito tempo, os operários precisam
dos patrões para organizar a produção, para
viver, produzir e trabalhar muito melhor.
Diante da crise sempre crescente da barbárie capitalista
e da degeneração total da classe dominante, mais
do que nunca, é atual o projeto de uma sociedade internacional
organizada, comandada e dirigida pelos próprios trabalhadores.