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Operários ocupam Fris-Moldu no Brasil:

Fábrica onde trabalhou Lula

Por Marcela Souza
9 Abril 2007

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Neste último dia 21 de fevereiro de 2007, os trabalhadores da Fris-Moldu Car resolveram parar a produção da fábrica diante da situação de salários atrasados. Há várias semanas, os trabalhadores da Fris-Moldu- Car estão paralisados, ocuparam a fabrica e agora estão acampados diante dela. Já se passaram mais de seis semanas que a produção está parada.

Essa fábrica, que conta com 290 funcionários, já teve 2000 operários, foi fornecedora de auto-peças para a Volks e GM. Até a sua atual paralisação produziu também para grandes montadoras internacionais como a Fiat, Honda e Mitsubishi.

Mas, a fábrica é também muito conhecida por um ilustre ex-operário que trabalhou nela - nada menos nada mais que o atual presidente do país, Luís Inácio Lula da Silva. Anos atrás Lula era um modesto torneiro-mecânico dessa fábrica, depois, graças à sua carreira de sindicalista, presidente do sindicato dos metalúrgicos, líder das grandes greves metalúrgicas de 1978-1980, deputado federal e fundador do PT, finalmente chegou ao governo do país, sendo agora reeleito em 2006.

Os seus ex-companheiros de trabalho e luta, os operários da Fris-Moldu, no entanto, estão hoje em situação totalmente precária. Tiveram que ocupar a fábrica para tentar garantir a subsistência deles e de suas famílias. Já não recebiam nem sequer os salários mensais e muitos estavam já sem ter como sustentar as suas famílias.

Há algumas semanas eles haviam ocupado a fábrica. Os operários mantinham a luta com muito sacrifício: se revezavam em grupos de 30, em turnos seguidos. Com a ocupação, procuravam impedir que a produção fosse retomada sem o pagamento dos salários atrasados. A ocupação da fábrica visava também impedir que o patrão tentasse levar embora as máquinas que restam na fábrica.

Acampamento diante da fábrica

Agora os trabalhadores estão acampados diante da fábrica e o revezamento continua. A ocupação foi suspensa por ordem judicial e ameaças de invasão pelo pelotão de choque da polícia. O tribunal aceitou as alegações falsas do patrão de que estava ocorrendo depredação do patrimônio.

Na verdade, foi uma farsa montada com a segurança da empresa: um dos seguranças levou embora uma televisão, tapetes e um telefone. Por incrível que pareça, essa farsa foi aceita pelo tribunal do trabalho para caracterizar a "depredação do patrimônio" e dar a ordem judicial de desocupação da empresa.

Agora existe uma comissão de operários da fábrica vigiando a empresa na parte de dentro e uma comissão patronal. A situação permanece em constante tensão, sendo que a única garantia dos trabalhadores é o acampamento diante da fábrica que dá segurança aos que ficam lá dentro. Diversas propostas foram feitas pelo patrão para superar a crise.

Uma delas era a venda de duas máquinas, para levantar um capital mínimo. Seria feita a demissão de uma parte dos funcionários, com pequena compensação financeira, e se retomaria a produção para ver se a fábrica se recuperava. Os operários não aceitaram a proposta.

Passividade do sindicato dos metalúrgicos do ABC

Umas das coisas que fica clara em toda a situação dos operários da Fris-Moldu é a passividade do sindicato dos metalúrgicos do ABC. Eles dizem que apóiam os trabalhadores, até dão certas orientações, mas, em nenhum momento fazem o que poderiam realmente fazer: usar a grande massa operária do sindicato como pressão, propor uma greve de solidariedade, ou pelo menos paralisações localizadas em solidariedade aos ex-companheiros de Lula.

Segundo o sindicato, eles fizeram diversas tentativas de negociação com a empresa, mesmo antes da paralisação e chegaram "a diversos acordos para reverter a questão do FGTS (direitos trabalhistas que estavam atrasados), saúde, seguro, etc...Foram uns 15 acordos em 6, 7 meses que não foram cumpridos". Fica a questão: como um sindicato tão forte deixa que cerca de 15 acordos fiquem sem cumprir e não toma providências mais concretas de luta e de solidariedade?

A situação na fábrica nos últimos tempos

A situação da empresa vem piorando já há alguns anos, mas, a situação se agravou desde 2004, quando José R. F. Rivielli, o atual diretor da empresa, assumiu a fábrica. Desde então a administração e as condições dos trabalhadores pioraram muito.

Os operários não recebem os salários desde janeiro, e a segunda parcela do 13º salário também não foi paga. O FGTS e o INSS, direitos trabalhistas garantidos por lei, não eram pagos há nada menos que sete anos! Há oito meses o convênio médico também já não era pago. As empresas que administraram o restaurante na fábrica, de forma terceirizada, nos últimos tempos, já foram trocadas por 5 vezes, parece que também por falta de pagamento.

A empresa de segurança, também por falta de pagamento, já havia sido trocada 8 vezes nos últimos tempos. Como diz um operário da fábrica, "tudo isso ia nos prejudicando, causando péssimos serviços e incertezas do nosso futuro, já percebíamos que a fábrica estava indo para a falência". Segundo conta outro companheiro: "Nem o seguro de vida, também garantido por lei, o patrão pagava mais. Imagina, uma empresa que não paga seguro de vida!". Como comenta um dos ex-companheiros de Lula que estava fazendo parte do piquete: " E se alguém morre ai dentro, num acidente de trabalho? Como íamos ficar? A família não tinha nenhuma garantia!"

Por causa de tudo isso, os operários viram que não tinha mais jeito: tinham que parar e ocupar a fábrica. Como conta um outro operário: "Em janeiro o patrão nem comprou matéria prima. A gente produziu com o resto da gordura que tinha aqui. Hoje se fosse voltar não tínhamos mais condições. Não tem nem mais matéria prima" diz o trabalhador. Esse quadro vem se agravando desde setembro de 2006, quando a GM, que representava 60% da produção da fábrica, deixou de contratar os serviços da Fris-Moldu Car.

Segundo um dos operários, o motivo da crise é a péssima administração dessa atual diretoria " todo nós já estávamos percebendo há muito tempo". Outro operário diz: "olha, sem o patrão e essa diretoria a gente mesmo conseguiria tocar a fábrica muito melhor!". Outro companheiro da Fris-Moldu diz: "é desvio de dinheiro e corrupção mesmo. Em janeiro ocorreu um faturamento de 1 milhão de reais. A gente, porém, não viu nada disso. O valor da retenção dos salários já é de 580 mil reais". Ou seja, só com o faturamento de janeiro "dava para pagar todo mundo. A gente não viu a cor desse dinheiro. Só vê helicóptero, carro importado e o luxo da diretoria gastando. O Rivielli, dono da fábrica, tem um banco também".

As festas da diretoria com travestis

Os operários relatam também as festas pornográficas que aconteciam nos escritórios da própria fábrica.

Um operário mostra: "olha essa foto". Na foto um dos diretores aparece sentado numa poltrona com um travesti no colo. Contam os operários revoltados: " Tinham as festas da diretoria toda hora na própria fábrica. E esses eram os convidados deles: travestis. Eles chamavam até os travestis para vir aqui". Outro operário mostra mais uma foto em que um homem vestido de mulher, com jóias e peruca, está sentado abraçando um senhor de terno e gravata, que é apontado como um dos patrões.

Os nossos repórteres perguntaram:"o motivo disso tudo é incompetência mesmo?" Damião, membro da comissão de fabrica, responde: "É. Não tinham produtos novos. A linha muda em 2 ou 3 anos. Sem produtos novos se perde o cliente mesmo. E o pessoal tinha desenvolvido novos produtos, mas tudo ia para a gaveta e ficava lá perdido".

Outro operário comenta: "Aconteciam atrasos na produção e a empresa tinha que pagar a multa. A montadora, a GM ou a Volks, precisava naquele dia de tal peça, se a peça não estava lá no dia marcado, tinha que pagar uma multa porque atrasava toda a produção. Aí colocavam a culpa nos trabalhadores, dizendo que a produção é que tinha atrasado por causa dos operários". Com essas acusações, aproveitavam para cortar as parcelas já negociadas dos pagamentos atrasados de salários.

O tribunal da justiça decretou para 14 de março de 2007 a penhora dos bens da empresa, mas, o processo corre devagar e vem sendo sempre postergado. Os operários já deram entrada com o pedido de falência, Segundo outro operário, "agora isso aqui tem que tomar um novo rumo. Já tenho 18, 19 anos de empresa" diz ele. A maioria dos trabalhadores acha que devem garantir o que é deles, mantendo a vigilância da fábrica e, quem sabe, pondo a fábrica para funcionar sem os diretores incompetentes.

A palavra de ordem dos trabalhadores é: "unidos, daqui não sai mais nada"

A preocupação imediata dos operários agora é preservar o maquinário e as instalações da fábrica: "agora ele - o patrão- já levou tudo que tinha que levar. Levou tudo embora, deixou a gente nessa situação. Não deve mais voltar. Está lá em Santos com seu helicóptero. Pegou tudo que podia pegar daqui e foi embora. É assim: vem, limpa tudo, e foge com tudo".

A vigilância da fábrica deve ser mantida com o revezamento dos operários no acampamento diante da empresa. Como explica um companheiro: "tem que ser garantida a vigilância para não haver nenhuma retirada de equipamento, mas também para garantir a segurança dos meios de produção e para não dar margem a um ataque aos próprios trabalhadores". Outro acrescenta "unidos, daqui não sai mais nada".

Agora os operários estão levantando a perspectiva de criar uma cooperativa. Já existe o exemplo da Conforja, em Diadema, região próxima. Como comentou um operário: "No inicio eles tiveram uma perda, até organizar tudo, reconquistar os clientes, mas hoje parece que estão até contratando novos trabalhadores". Como observa outro trabalhador: "o tempo de recuperação é um tempo duro, mas depois é melhor a cooperativa do que patrões incompetentes como esses".

Se Lula pode ser presidente operário pode dirigir a fábrica

Outro operário comenta rindo: " se o Lula, que era nosso companheiro, que trabalhava ali todo sujo como nós, pode ser presidente e administrar o país, se ele pode até se encontrar com o Bush e fechar acordos internacionais, nós também podemos dirigir esta fábrica e nos dar muito bem".

Sabe-se que a criação de cooperativas isoladas não é também uma solução para a maioria dos trabalhadores e para a sociedade como um todo. Só um projeto realmente socialista, que reorganizasse toda a economia mundial, sob o controle dos trabalhadores, pode ser uma saída para o desemprego sempre crescente e para a barbárie capitalista que avança a escala planetária.. Essas propostas de cooperativas, mesmo quando prosperam, em geral, apenas criam novos patrões e novas formas de exploração.

De qualquer forma, as diversas experiências em que os trabalhadores ocupam fábricas falidas e retomam a produção sem os patrões, mostram em micro escala o que se poderia fazer hoje em escala mundial. Na verdade, como mostraram os primeiros anos da Revolução Russa de 1917 e como já dizia Marx no século XIX, ao fazer a sua "Crítica da Economia Política" (burguesa), em nenhuma fábrica do mundo, há muito tempo, os operários precisam dos patrões para organizar a produção, para viver, produzir e trabalhar muito melhor.

Diante da crise sempre crescente da barbárie capitalista e da degeneração total da classe dominante, mais do que nunca, é atual o projeto de uma sociedade internacional organizada, comandada e dirigida pelos próprios trabalhadores.