O texto publicado abaixo é a segunda parte de um
relatório sobre questões artísticas e culturais
preparado por David Walsh para a reunião ampliada do IEB
(WSWS Editorial Board), que aconteceu em Sidney de 22 a 27 de
janeiro de 2006. Walsh é membro do IEB e Editor da área
de Artes do WSWS. Esste artigo foi publicado no WSWS, originalmente
em inglês,no dia 22 de março de 2006.
Nós já descrevemos o percurso de algumas figuras-chave
da geração de 1968 em numerosas ocasiões.
O grupo de camaradas de BushChristopher Hitchens, Paul Berman,
Todd Gitlin (ex-liderança do SDS que declarou, depois do
9/11, que o patriotismo vivido exige sacrifício)
e muitos outros, participantes de longa data das Conferências
Acadêmicas Socialistasteve sua nociva presença
sentida. Renúncia aos princípios, renúncia
ao próprio passado, renúncia à integridade:
tudo isso continua a ser um negócio da China. Oportunismo
e covardia encontram-se lado a lado com a desorientação
e ignorância histórico-política.
Este é um fenômeno mundial. No Egito, uma jornalista
de uma revista do establishment, inspirada pelo discurso de Harold
Plinter no Prêmio Nobel, denunciou a existência de
um aparato cultural que trata a cultura como um ornamento
do Establishment. Ela se referia ao livro Intellectuals
for sale [Intelectuais à venda], que aparentemente
causou um escândalo no país. O autor era um conselheiro
do Ministério da Cultura há 18 anos, antes de cair
em desgraça.
A jornalista notou que histórias de corrupção
e, principalmente, histórias sobre os mecanismos empregados
pelo ministro para cooptar intelectuais, são de arrepiar
os cabelos. Ela falou sobre a destruição
da cultura que tomou lugar no Egito pelas últimas três
décadas, algo que não teria sido possível
sem os intelectuais vendidos.
Um determinado grupo de intelectuais parece ter se colocado
à venda em toda parte.
O ceticismo e a desmoralização estão presentes
tanto na direita como na dita esquerda. Duas figuras
com as quais devemos nos confrontar muito seriamentee aqui
não fazemos ainda um enfrentamento, mas uma breve consideraçãosão
Terry Eagleton, o crítico britânico, e Fredric Jameson,
o acadêmico americano, ambos freqüentemente identificados
como eminentes críticos marxistas. São
eles os críticos marxistas mais importantes
do mundo de língua inglesa, e talvez até mais além,
acredito eu. Ambos estão associados com políticas
revisionistas.
Eagleton, depois de deixar o grupo da Internacional Socialista
em meados dos anos 70, foi, enquanto estava em Oxford, membro
da Liga dos Trabalhadores Socialistas (Workers Socialist League)
de Alan Thornett, fato nada insignificante. Jameson associa explicitamente
sua análise da cultura pós-moderna com a teoria
de capitalismo atrasado de Ernest Mandel.
Um dos mais recentes trabalhos de Eagleton, After Theory
(Depois da teoria), identifica a teoria com
a época de ouro da teoria, associada ao trabalho
de Jacques Lacan, Claude Lévi-Strauss, Louis Althusser
e Michel Foucault, assim como Raymond Williams, Pierre Bourdieu,
Julia Kristeva, Jacques Derrida, Jurgen Habermas, Fredric Jameson
e Edward Said. Não queremos reduzir este grupo de pensadores
a uma massa homogênea, mas, como um todo, este é
um bloco de anti-marxistas, não sem insights, mas
um bloco consciente de anti-marxistasa elite da hostilidade
à dialética e ao materialismo histórico do
fim do século XX.
Eagleton declara na abertura de seu livro que a época
de ouro dos estudos culturais já passou. E segue
em frente: Não é possível voltar a
uma época onde era suficiente achar Keats delicioso
ou Milton um espírito corajoso. Não
é como se todo o projeto [da teoria crítica] tenha
sido um terrível erro agora encerrado por alguma alma piedosa...
Se teoria significa uma reflexão razoavelmente sistemática
sobre as concepções que nos guiam, ela permanece
tão indispensável como sempre.
A idéia de que teoria significa reflexão
sobre as concepções que nos guiam, e
não a análise e o conhecimento do mundo exterior
e suas leis de movimento, é muito esclarecedora. (E, de
fato, essa idéia gera atualmente livros e mais livros,
como pode-se verificar em uma visita a qualquer livraria dos grandes
centros metropolitanos ou próxima às universidades).
Além do fato que a sua descrição da crítica
pré-pós-modernista é uma caricatura, e de
que a crítica burguesa séria do século XX
fez muito mais do que declarar Keats delicioso, devemos
lembrar que Eagleton é um marxista auto-declarado. Ele
parece estar argumentando que antes de Althusser, Lévi-Strauss,
Derrida e Habermas nenhuma teoria crítica séria
existiu, que antes disso só havia o academicismo burguês.
Mas e a tradição marxista? Há toda uma produção
que nem chega a ser lembrada nesse contexto, tão completa
é a identificação de Eagleton com as tendências
vagamente identificadas como estruturalistas, pós-estruturalistas
ou pós-modernistas. Eagleton se apresenta como um crítico
dessas tendências, apesar de tê-las como bases do
seu próprio trabalho.
O livro de Eagleton tem outro tipo de valor. Ele esclarece
acerca da presente situação da teoria cultural,
e aqui, apesar de seu tom complacente, o autor sem dúvida
fala com conhecimento de primeira mão. Estruturalismo,
marxismo, pós-estruturalismo e seus semelhantes não
são mais temas tão sexies. O que é sexy agora
é sexo. Na academia em geral, o interesse na filosofia
francesa deu lugar a um interesse no beijo francês. Em alguns
círculos culturais, a política da masturbação
exerce mais fascinação que a situação
política do Oriente Médio. O socialismo perdeu para
o sado-masoquismo. Entre os estudantes de cultura, o corpo é
um tópico altamente na moda, mas freqüentemente é
o corpo erótico, não o corpo faminto. Existe um
interesse intenso em corpos copulando, mas não em corpos
trabalhando. Os estudantes de classe média se agrupam silenciosamente
nas bibliotecas, trabalhando em temas sensacionalistas como vampirismo,
cyborgues e filmes pornôs.
Nada é mais compreensível. Trabalhar com
a literatura de látex ou com as implicações
políticas do piercing no umbigo é seguir literalmente
aquele sábio provérbio que diz que o estudo deve
ser divertido. É como escrever uma tese de mestrado um
estudo comparativo de sabores do whisky, ou sobre a fenomenologia
de passar o dia deitado na cama. Isto cria uma continuidade entre
o intelecto e a vida cotidiana. Sempre existem vantagens em ser
capaz de escrever sua tese de PhD diante do aparelho de TV.
Mas que quadro agradável!
Fredric Jameson, como já discutimos em outro artigo,
vê o capitalismo global como um fenômeno verdadeiramente
aterrorizante e impressionante, no qual a população
é dominada por uma rede de controle burocrático
e pela manipulação da mídia em uma escala
massiva. A possibilidade de convulsão social, e muito menos
o envelhecimento, a avaria e a morte de um sistema global
como esse é amplamente excluída.
Jameson, em 1995, argumentou que o capitalismo nunca teve tanto
espaço para manobra, escrevendo que todas as forças
ameaçadoras que ele gerou contra si mesmo no passado....
parecem hoje em desarranjo completo quando não estão
em um caminho ou outro efetivamente neutralizado. Um novo
proletariado poderia surgir em alguma data futura, mas enquanto
isso nós mesmos ainda estamos no buraco, e ninguém
pode dizer quanto tempo nós ainda vamos ficar nele.
Em seu livro mais recente, aparentemente continuamos no buraco,
e talvez em um buraco ainda mais profundo. Jameson escreveu um
livro enaltecendo as vantagens do utopismo, uma tendência
sobre a qual nós já escrevemos e falamos.
A Utopia parece estar recuperando a sua vitalidade enquanto
slogan político e perspectiva politicamente energizante.
De fato, toda uma nova geração da esquerda pós-globalização...
têm mais e mais freqüentemente adotado esse slogan,
numa situação na qual o descrédito tanto
dos partidos comunistas como dos socialistas, e o ceticismo em
relação às concepções tradicionais
de revolução, tem deixado livre o campo discursivo...
O que é difícil não é a presença
de um inimigo, mas sim a crença universal de que não
apenas esta tendência é irreversível, mas
também as alternativas históricas ao capitalismo
se provaram inviáveis e impossíveis, e nenhum outro
sistema sócio-econômico é concebível,
e muito menos realizável na prática. Os utópicos
não só se oferecem para conceber tais sistemas alternativos,
mas a própria forma da utopia é ela mesma uma meditação
descritiva sobre uma diferença radical, uma alternativa
radical, e sobre a natureza sistêmica da totalidade social,
ao ponto que não se possa imaginar qualquer mudança
fundamental na existência social sem que sejam geradas tantas
visões utópicas quantas são as fagulhas de
um cometa.
Isto é Jameson por excelência, uma pretensiosa
acomodação com a realidade existente, uma devoção
ao fato consumado. Incapaz de imaginar uma revolta contra as dificuldades
do presente, ele é um produto do radicalismo dos anos 70,
que há muito desistiu (se é que a teve algum dia)
da confiança na capacidade revolucionária da classe
trabalhadora, e da classe trabalhadora norte-americana, acima
de tudo.
Muitos outros se submeteram a uma desintegração
moral e intelectual ainda mais pronunciada.
A vida intelectual e artística francesa revela algumas
dessas tendências na sua forma mais agudaum eclipse
temporário, mas sério, do cinema e da ficção
francesa. Um romancista/editor diz categoricamente que a
literatura francesa se tornou um deserto. Nesse deserto
encontramos, como um dos mais proeminentes autores franceses,
Michel Houellebecq. Já escrevemos sobre ele no WSWS há
alguns anos atrás (www.wsws.org/articles/2003/may2003/nov-m02.shtml).
Nos seus romances, Houellebecq alterna descrições
de atividades sexuais frias, deliberadamente exibicionistas, com
longas passagens descrevendo as ridículas travessuras de
setores da classe média francesa para permanecer vagando
espiritualmente, passagens sem contexto histórico ou simpatia
humana. São trabalhos entediantes que deslizam sobre a
superfície da vida francesa. Seu narrador ou personagens
sugerem um racismo anti-árabe que o autor diz que não
é a sua voz, mas é tamanha a ausência de uma
estrutura ou distanciamento crítico no trabalho que é
impossível ter certeza disso.
As atividades degradantes não são criticadas,
mas sim se chafurda nelas. Esta é uma resposta sem mediação
à decadência generalizada do capitalismo francês
e mais especificamente, da decomposição da geração
de 1968 e a culpa de tudo é transferida para a própria
população e para sua capacidade de auto-ilusão.
Houellebecq tem sido comparado com Louis-Ferdinand Céline,
autor de Longa Jornada Noite Adentro. Trotsky, num famoso
ensaio, chamou Céline de um moralista ferido, que teve
que escolher entre a luz e a escuridão, e acabou por escolher
o fascismo e o anti-semitismo. Isto já deveria ser suficientemente
alarmante, mas Houellebecq não é Céline.
Não tem urgência nem seriedade, nenhuma graça
em sua sátira, exceto quando ataca os que não têm
nenhuma defesa.
Algumas palavras sobre o cinema e a ficção americana.
Nos últimos anos, tem acontecido nos EUA um certo revival
do romance socialDon DeLillo, Jonathan Franzen, Richard
Powers entre outros. Os livros desses autores anunciam alguns
processos sociaiscomo a existência de uma vida econômica
globalizada, guiada pelos computadores; a criminalidade dos grandes
negócios e do governo; a cassação dos direitos
espirituais do povo americano; a crescente desafeição
da população, sua alienação, seu isolamento
e sua desgraça moral.
No último trabalho de DeLillo, Cosmopolis, um
tipo de comédia de humor negro, um bilionário de
28 anos, administrador de propriedades, que mora em um apartamento
de 104 milhões de dólares, segue seu caminho por
Manhattan na sua limusine no meio de um congestionamento do meio-dia.
Ele conduz seu negócio, que no momento consiste em apostar
contra o yen (ele perde centenas de milhões no curso do
romance de 200 páginas), da sua limusine, em uma série
de monitores e equipamentos portáteis no seu banco de trás.
No caminho, ele encontra-se com vários de seus consultoresfinanceiro,
de segurança, médico e sua chefe de
teoria. Ele encontra sua esposa de 22 dias, que parece uma
total estranha para ele, faz sexo com várias pessoas (mas
não com a esposa) e termina sendo assassinado, tudo no
curso dessa única viagem pela cidade. É um trabalho
perspicaz, ocasionalmente até divertido, mas um tanto frio.
Algo não satisfaz nesses novos romances americanos:
brilhantes, mas de certa maneira inumanos, distantes da realidade
cotidiana, por vezes jocosos, exagerados. James Wood, comentador
de livros do New Republic, tentou usar as fraquezas desses
trabalhos contra eles próprios em um artigo, escrito logo
depois dos ataques de 11/9. Wood, que é um dos mais sérios
críticos de ficção nos EUA, incitou os romancistas
americanos a abandonar os esforços de desvelar a realidade
social, esperando que o 11/9 fosse permitir um espaço
para o estético, para o contemplativo, para romances que
não nos digam como o mundo funciona,
mas o que alguém sentiu a respeito de alguma coisana
verdade, o que um monte de pessoas sentiu sobre um monte de coisas
(isto é normalmente chamado de romances sobre seres humanos).
Wood argumenta que depois dos ataques terroristas os escritores
não terão segurança para fazer o papel de
analistas de uma sociedade que carrega um fardo tão pesado.
Certamente eles irão pisar em ovos, ao fazer generalizações.
Agora é muito fácil e rápido parecer datado.
E pergunta: Agora, quem se atreve a ser um entendido de
política e sociedade?
Uma questão mais razoável, dada a dimensão
da atrocidade de 11/9, atrelada como foi com a política
internacional e a história, deveria ter sido: Agora,
quem se atreve a não ser entendido sobre política
e sociedade?
A contraposição de Wood, de romance humano
versus romance social é profundamente falsa.
Ele quer romances sobre consciência individual,
como ele diz. Nós também queremos livros sérios
sobre seres humanos, não exemplos ou tratados.
Mas o que é individualidade? A maneira particular, Trotsky
nota, na qual elementos tribais, nacionais, de classe, temporais
e institucionais são fundidos. A individualidade
reside na maneira única em que esses elementos são
combinados.
O leitor contém os mesmos elementos essenciais que o
escritor, talvez em diferentes combinações; é
por isso que o leitor consegue compreender o artistao que
serve de ponte entre um ser humano e outro não é
o único, mas o comum. Somente através do comum que
o único é compreendido.
Se o particular não fosse reduzido ao geral, não
haveria comunicação nem arte. E esse elemento comum
é feito das mais profundas e persistentes condições
de vida, educação, trabalho e assim por diante.
Essa condição social é, antes de tudo, a
condição de filiação de classe. Qualquer
consideração séria em relação
à alma humana, exige, portanto, uma consideração
séria sobre a classe social e a história. Lirismo
e análise da sociedade não são opostos um
ao outro como supõe a ignorância burguesa.
Embora Wood esteja errado a respeito das grandes questões,
as suas críticas sobre a escola dos romances sociais norte-americanos
são bastante válidas; e essas críticas, na
minha opinião, valem também para o cinema. Hoje
em dia qualquer um que possua um laptop pode se considerar um
gênio, preenchendo o seu romance com pequenos ensaios e
grandes demonstrações de conhecimento. De fato,
saber das coisas se tornou uma das qualificações
do romancista contemporâneo....O resultadopelo menos
na Américasão romances de imensa auto consciência,
com nenhuma humanidade, livros muito brilhantes que
conhecem milhares de coisas mas não conhecem nenhum ser
humano.
Ele descreve o que ele chama de realismo histérico:
um tipo de realismo se parece com um moto perpétuo que
foi forçado a funcionar com toda a rapidez. Histórias
e sub-histórias brotam em cada página. Existe uma
perseguição da vitalidade a qualquer custo.
Estas são críticas válidas de um tipo de
obra arte de esquerda, atrelado, penso eu, com várias concepções
pós-modernistas (mais explicitamente, no caso de Don DeLillo)
e de temperamento político corrompido.
No cinema de arte, nós vimos o filme tour de
force, brilhantes demonstrações de recriação
histórica, por exemplo, com um conteúdo relativamente
vazio. Tudo pode ser feito.... mas quase nada é feito.
Relacionado a isto está a predominância do exagero,
das performances exageradas, momentos cômicos ou absurdos
que excedem as normas de tolerância, e onde falta o senso
de proporção.
O senso de proporção artística é
ausente quando o artista ou os artistas estão mais ou menos
distantes das reais forças que guiam a sociedade, quando
a verdadeira matriz social e as forças psicológicas
não são claras e falta concretude. Ceticismo sobre
as capacidades humanas e uma aversão à sociedade
humana também são freqüentemente presentes.
Claramente, existem problemas históricos objetivos contidos
nessas dificuldades. A arte não pode salvar a si mesma
ou inteiramente clarificar a si mesma. O movimento social das
massas tem um papel decisivo. Trotsky escreve sobre a luta
pela liberdade das classes oprimidas e pessoas [que] dispersam
as nuvens de ceticismo e pessimismo que cobrem o horizonte da
humanidade.
Nós devemos manter um senso de proporção
e uma certa paciência. Não há razão
em simplesmente martelar indivíduos, quando o problema
reside nas condições gerais. Apesar de tudo, nós
temos que insistir na necessidade de mudança, lutar por
isso, e desse modo, ajudar a construir as bases.
Auerbach diz, muito à propos, a respeito do grande
escritor francês Balzac: Na prática, os seus
personagens e suas atmosferas, contemporâneas como elas
deveriam ser, são sempre representadas como um fenômeno
que nasce dos eventos e forças históricas... a fonte
da sua invenção não é a imaginação
livre, mas a vida real, como ela se apresenta em todo lugar. Agora,
a respeito desta vida múltipla, impregnada de história,
cruelmente representada com toda sua trivialidade cotidiana, preocupações
práticas, feiúra e vulgaridade, Balzac tinha uma
atitude como a que Stendhal teve antes dele: na forma determinada
pela sua atualidade, sua trivialidade, suas leis sociais intrínsecas,
ele toma seriamente e até tragicamente... A novidade desta
atitude [exibida por Balzac e Stendhal], e os novos temas, tratados
seriamente, problematicamente, tragicamente, causou o desenvolvimento
gradual de um estilo inteiramente novo, sério ou mesmo
elevado.
Assim, temos um tratamento sério ou elevado, problemático
e até trágico da vida real, em sua concretude e
movimentação histórica e social. Não
temos exemplos nem prescrições. Tentamos apenas
iluminar criticamente o caminho, como Trotsky disse... queremos
encorajar esta mistura de seriedade artística e vida cotidiana...
como ela irá tomar forma hoje não será determinado
pelo que fizeram romancistas franceses de 150 ou 200 anos atrás,
mas este tipo de crescimento da seriedade e do estilo elevado
no tratamento da nossa existência contemporânea é
uma das chaves para o desenvolvimento de uma nova arte.
No seu debate nos anos 30, o dramaturgo Brecht acusou o crítico
e pró-Stalinista Lukacs de querer Balzac, só
que moderno. Esta não é a nossa concepção.
Nossa realidade, a realidade da sociedade contemporânea
de massas, é extremamente complexa. Uma incrível
quantidade de coisas aconteceu desde então.
Tratar da vida requer um alto grau de objetividade artística
e um sentimento profundo pela humanidade. Nós não
estamos procurando repetir qualquer fase específica da
história da arte. Isto não é possível,
de maneira nenhuma. Mas seria leviano, nas atuais circunstâncias,
quando um verdadeiro retrocesso vem ganhando espaço, quando
muito vem se perdendo, ignorar as origens e a evolução
do realismo moderno.
Então quais podem ser algumas das contradições
individuais que foram trazidas à tona com o agravamento
das contradições sociais? Obviamente, as brutais
realidades econômicas e sociais, as condições
de trabalho, todos os dilemas psicológicos associados às
vastas mudanças e às novas pressõesas
amarras em que as pessoas se encontram, despedaçadas por
diferentes demandaso impacto do amor e da amizade, e das
relações pessoais, as contradições
morais criadas pelas chocantes mudanças e novas circunstâncias.
A relação entre todas as camadas sociais. A história
de um homem de negócios pode revelar coisas sobre a vida
que estariam de outra maneira escondidas. Não há
escassez de drama no nosso mundo.
Como isso vai ser representado?
É impossível prever. Pode ser que se comece sem
grandes ousadias formais ou inovações, que talvez
não sejam os desafios imediatos do artista. Pode ser que
se comece com formas um tanto conservadoras ou convencionais,
mas que repentinamente passem a tratar de problemas explosivos,
trazendo consigo também algumas das antigas referências.
Nós fazemos campanha por um cuidado e uma atenção
muito maiores para os problemas da vida cotidiana, nos contrapondo,
sempre, aos populistas, estalinistas e radicais variados. A verdade
sobre a realidade só pode emergir se for tratada da forma
artística mais sofisticada e sublime, em relação
com a história universal, sem clichês ou embelezamentos.
A criação artística tem as suas
leismesmo quando ela serve conscientemente a um movimento
social... A arte só pode ser uma forte aliada da revolução
enquanto permanecer fiel a si mesma (Trotsky, Art and
Politics In Our Epoch). E aqui emergem os limites das melhores
escolas do pós-guerra, como o Neo-realismo italiano, o
cinema iraniano e outras. Estas escolas se censuravam, atavam
as suas mãos, de acordo com critérios populistas,
que de longe obstruíam uma grandeza clássica e a
seriedade. Trabalhos ingênuos, simples ou simplificados
não bastarão. Uma mudança no estado de espírito
está inquestionavelmente a caminhopercebemos isto
mesmo no festival de cinema de Toronto; temos o exemplo recente
de Pinter - um distanciamento moral do capitalismo e sua cultura
oficial, uma sugestão da reviravolta que está por
vir. Em seu discurso no prêmio Nobel, Pinter dedicou um
violento ataque à política americana, chamando seus
crimes de sistemáticos, constantes, viciosos e sem
remorso. Ele descreveu a invasão do Iraque como um
ato de banditismo, um ato de um grosseiro terrorismo de estado,
demonstrando absoluto desprezo ao conceito de lei internacional.
E concluiu: acredito que a despeito das enormes probabilidades
que existem, uma forte, inabalável, feroz determinação
intelectual, como cidadãos, para definir a verdade real
de nossas vidas e de nossas sociedades, é uma obrigação
crucial que recai sobre todos nós. Isto é de fato
obrigatório.
Um comentário como esse não é uma aberração,
uma voz isolada; ele parece refletir um sentimento crescente entre
os observadores mais sensíveis das condições
humanas e suas expectativas de encontrar uma audiência para
as suas idéias e protestos, audiência que tem aparecido.
Nós nos referimos ao significado do filme Munich,
não como um marco na história do cinema, mas
como um trabalho que opõe a brutalidade e a dureza de boa
parte do que vem sendo feito na cultura de massas, incluindo incendiários
estúpidos como Tarantino.
O que precisamos, de fato? De um esforço internacional
maior e mais concentrado em seguir os desenvolvimentos artísticos
e intelectuaisuma aproximação mais teórica
e sistemática. Não podemos simplesmente pular de
um trabalho para outro. Nós precisamos ter uma teoria da
cultura artística contemporânea e sua evolução,
examinando Eagleton, Jameson e outras figuras, seguindo o trabalho
da crítica literária burguesa. Nós precisamos
de uma cooperação e participação internacional
maioresnos EUA, mais atenção à ficção,
em particular, e aos debates em torno dela; na Inglaterra e a
na Alemanha ao teatro, em particular; na Ásia, ao cinema
e aos romances também; a Austrália, textos de ficção
em particular. No geral, precisamos prestar mais atenção
nas artes visuais. O que fazemos tem um peso objetivo e significado,
um peso e significado que só se aprofundará e alargará.
O que dizemos e fazemos é amplamente seguido. Temos todo
o direito de acreditar no sucesso de nossos esforços.