World Socialist Web Site
 

WSWS : Portuguese

Encontro do WSWS International Editorial Board

Os problemas artísticos e culturais da atualidade

Parte 2

Por David Walsh
15 Setembro 2006

Utilice esta versión para imprimir | Enviar por e-mail | Comunicar com o autor

O texto publicado abaixo é a segunda parte de um relatório sobre questões artísticas e culturais preparado por David Walsh para a reunião ampliada do IEB (WSWS Editorial Board), que aconteceu em Sidney de 22 a 27 de janeiro de 2006. Walsh é membro do IEB e Editor da área de Artes do WSWS. Esste artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 22 de março de 2006.

Nós já descrevemos o percurso de algumas figuras-chave da geração de 1968 em numerosas ocasiões. O grupo de camaradas de Bush—Christopher Hitchens, Paul Berman, Todd Gitlin (ex-liderança do SDS que declarou, depois do 9/11, que “o patriotismo vivido exige sacrifício”) e muitos outros, participantes de longa data das Conferências Acadêmicas Socialistas—teve sua nociva presença sentida. Renúncia aos princípios, renúncia ao próprio passado, renúncia à integridade: tudo isso continua a ser um negócio da China. Oportunismo e covardia encontram-se lado a lado com a desorientação e ignorância histórico-política.

Este é um fenômeno mundial. No Egito, uma jornalista de uma revista do establishment, inspirada pelo discurso de Harold Plinter no Prêmio Nobel, denunciou a existência de um “aparato cultural que trata a cultura como um ornamento do Establishment”. Ela se referia ao livro Intellectuals for sale [Intelectuais à venda], que aparentemente causou um escândalo no país. O autor era um conselheiro do Ministério da Cultura há 18 anos, antes de cair em desgraça.

A jornalista notou que “histórias de corrupção e, principalmente, histórias sobre os mecanismos empregados pelo ministro para cooptar intelectuais, são de arrepiar os cabelos”. Ela falou sobre a “destruição da cultura que tomou lugar no Egito pelas últimas três décadas, algo que não teria sido possível sem os intelectuais ‘vendidos’”.

Um determinado grupo de intelectuais parece ter se colocado à venda em toda parte.

O ceticismo e a desmoralização estão presentes tanto na direita como na dita “esquerda”. Duas figuras com as quais devemos nos confrontar muito seriamente—e aqui não fazemos ainda um enfrentamento, mas uma breve consideração—são Terry Eagleton, o crítico britânico, e Fredric Jameson, o acadêmico americano, ambos freqüentemente identificados como eminentes “críticos marxistas”. São eles os “ críticos marxistas” mais importantes do mundo de língua inglesa, e talvez até mais além, acredito eu. Ambos estão associados com políticas revisionistas.

Eagleton, depois de deixar o grupo da Internacional Socialista em meados dos anos 70, foi, enquanto estava em Oxford, membro da Liga dos Trabalhadores Socialistas (Workers Socialist League) de Alan Thornett, fato nada insignificante. Jameson associa explicitamente sua análise da cultura pós-moderna com a teoria de “capitalismo atrasado” de Ernest Mandel.

Um dos mais recentes trabalhos de Eagleton, After Theory (Depois da teoria), identifica a “teoria” com a “época de ouro” da teoria, associada ao trabalho de Jacques Lacan, Claude Lévi-Strauss, Louis Althusser e Michel Foucault, assim como Raymond Williams, Pierre Bourdieu, Julia Kristeva, Jacques Derrida, Jurgen Habermas, Fredric Jameson e Edward Said. Não queremos reduzir este grupo de pensadores a uma massa homogênea, mas, como um todo, este é um bloco de anti-marxistas, não sem insights, mas um bloco consciente de anti-marxistas—a elite da hostilidade à dialética e ao materialismo histórico do fim do século XX.

Eagleton declara na abertura de seu livro que a “ época de ouro “ dos estudos culturais já passou. E segue em frente: “Não é possível voltar a uma época onde era suficiente achar Keats ‘delicioso’ ou Milton um ‘espírito corajoso’. Não é como se todo o projeto [da teoria crítica] tenha sido um terrível erro agora encerrado por alguma alma piedosa... Se teoria significa uma reflexão razoavelmente sistemática sobre as concepções que nos guiam, ela permanece tão indispensável como sempre”.

A idéia de que “teoria” significa reflexão “sobre as concepções que nos guiam”, e não a análise e o conhecimento do mundo exterior e suas leis de movimento, é muito esclarecedora. (E, de fato, essa idéia gera atualmente livros e mais livros, como pode-se verificar em uma visita a qualquer livraria dos grandes centros metropolitanos ou próxima às universidades).

Além do fato que a sua descrição da crítica pré-pós-modernista é uma caricatura, e de que a crítica burguesa séria do século XX fez muito mais do que declarar Keats “delicioso”, devemos lembrar que Eagleton é um marxista auto-declarado. Ele parece estar argumentando que antes de Althusser, Lévi-Strauss, Derrida e Habermas nenhuma teoria crítica séria existiu, que antes disso só havia o academicismo burguês. Mas e a tradição marxista? Há toda uma produção que nem chega a ser lembrada nesse contexto, tão completa é a identificação de Eagleton com as tendências vagamente identificadas como estruturalistas, pós-estruturalistas ou pós-modernistas. Eagleton se apresenta como um crítico dessas tendências, apesar de tê-las como bases do seu próprio trabalho.

O livro de Eagleton tem outro tipo de valor. Ele esclarece acerca da presente situação da “teoria cultural”, e aqui, apesar de seu tom complacente, o autor sem dúvida fala com conhecimento de primeira mão. “Estruturalismo, marxismo, pós-estruturalismo e seus semelhantes não são mais temas tão sexies. O que é sexy agora é sexo. Na academia em geral, o interesse na filosofia francesa deu lugar a um interesse no beijo francês. Em alguns círculos culturais, a política da masturbação exerce mais fascinação que a situação política do Oriente Médio. O socialismo perdeu para o sado-masoquismo. Entre os estudantes de cultura, o corpo é um tópico altamente na moda, mas freqüentemente é o corpo erótico, não o corpo faminto. Existe um interesse intenso em corpos copulando, mas não em corpos trabalhando. Os estudantes de classe média se agrupam silenciosamente nas bibliotecas, trabalhando em temas sensacionalistas como vampirismo, cyborgues e filmes pornôs.”

“Nada é mais compreensível. Trabalhar com a literatura de látex ou com as implicações políticas do piercing no umbigo é seguir literalmente aquele sábio provérbio que diz que o estudo deve ser divertido. É como escrever uma tese de mestrado um estudo comparativo de sabores do whisky, ou sobre a fenomenologia de passar o dia deitado na cama. Isto cria uma continuidade entre o intelecto e a vida cotidiana. Sempre existem vantagens em ser capaz de escrever sua tese de PhD diante do aparelho de TV”. Mas que quadro agradável!

Fredric Jameson, como já discutimos em outro artigo, vê o capitalismo global como um fenômeno verdadeiramente aterrorizante e impressionante, no qual a população é dominada por uma rede de controle burocrático e pela manipulação da mídia em uma escala massiva. A possibilidade de convulsão social, e muito menos “o envelhecimento, a avaria e a morte de um sistema global como esse” é amplamente excluída.

Jameson, em 1995, argumentou que o capitalismo nunca teve tanto espaço para manobra, escrevendo que “todas as forças ameaçadoras que ele gerou contra si mesmo no passado.... parecem hoje em desarranjo completo quando não estão em um caminho ou outro efetivamente neutralizado”. Um novo proletariado poderia surgir em alguma data futura, mas enquanto isso “nós mesmos ainda estamos no buraco, e ninguém pode dizer quanto tempo nós ainda vamos ficar nele”.

Em seu livro mais recente, aparentemente continuamos no buraco, e talvez em um buraco ainda mais profundo. Jameson escreveu um livro enaltecendo as vantagens do utopismo, uma tendência sobre a qual nós já escrevemos e falamos.

“A Utopia parece estar recuperando a sua vitalidade enquanto slogan político e perspectiva politicamente energizante. De fato, toda uma nova geração da esquerda pós-globalização... têm mais e mais freqüentemente adotado esse slogan, numa situação na qual o descrédito tanto dos partidos comunistas como dos socialistas, e o ceticismo em relação às concepções tradicionais de revolução, tem deixado livre o campo discursivo...”

“O que é difícil não é a presença de um inimigo, mas sim a crença universal de que não apenas esta tendência é irreversível, mas também as alternativas históricas ao capitalismo se provaram inviáveis e impossíveis, e nenhum outro sistema sócio-econômico é concebível, e muito menos realizável na prática. Os utópicos não só se oferecem para conceber tais sistemas alternativos, mas a própria forma da utopia é ela mesma uma meditação descritiva sobre uma diferença radical, uma alternativa radical, e sobre a natureza sistêmica da totalidade social, ao ponto que não se possa imaginar qualquer mudança fundamental na existência social sem que sejam geradas tantas visões utópicas quantas são as fagulhas de um cometa”.

Isto é Jameson por excelência, uma pretensiosa acomodação com a realidade existente, uma devoção ao fato consumado. Incapaz de imaginar uma revolta contra as dificuldades do presente, ele é um produto do radicalismo dos anos 70, que há muito desistiu (se é que a teve algum dia) da confiança na capacidade revolucionária da classe trabalhadora, e da classe trabalhadora norte-americana, acima de tudo.

Muitos outros se submeteram a uma desintegração moral e intelectual ainda mais pronunciada.

A vida intelectual e artística francesa revela algumas dessas tendências na sua forma mais aguda—um eclipse temporário, mas sério, do cinema e da ficção francesa. Um romancista/editor diz categoricamente que “a literatura francesa se tornou um deserto”. Nesse deserto encontramos, como um dos mais proeminentes autores franceses, Michel Houellebecq. Já escrevemos sobre ele no WSWS há alguns anos atrás (www.wsws.org/articles/2003/may2003/nov-m02.shtml).

Nos seus romances, Houellebecq alterna descrições de atividades sexuais frias, deliberadamente exibicionistas, com longas passagens descrevendo as ridículas travessuras de setores da classe média francesa para permanecer vagando espiritualmente, passagens sem contexto histórico ou simpatia humana. São trabalhos entediantes que deslizam sobre a superfície da vida francesa. Seu narrador ou personagens sugerem um racismo anti-árabe que o autor diz que não é a sua voz, mas é tamanha a ausência de uma estrutura ou distanciamento crítico no trabalho que é impossível ter certeza disso.

As atividades degradantes não são criticadas, mas sim se chafurda nelas. Esta é uma resposta sem mediação à decadência generalizada do capitalismo francês e mais especificamente, da decomposição da geração de 1968— e a culpa de tudo é transferida para a própria população e para sua capacidade de auto-ilusão. Houellebecq tem sido comparado com Louis-Ferdinand Céline, autor de Longa Jornada Noite Adentro. Trotsky, num famoso ensaio, chamou Céline de um moralista ferido, que teve que escolher entre a luz e a escuridão, e acabou por escolher o fascismo e o anti-semitismo. Isto já deveria ser suficientemente alarmante, mas Houellebecq não é Céline. Não tem urgência nem seriedade, nenhuma graça em sua sátira, exceto quando ataca os que não têm nenhuma defesa.

Algumas palavras sobre o cinema e a ficção americana. Nos últimos anos, tem acontecido nos EUA um certo “revival” do romance social—Don DeLillo, Jonathan Franzen, Richard Powers entre outros. Os livros desses autores anunciam alguns processos sociais—como a existência de uma vida econômica globalizada, guiada pelos computadores; a criminalidade dos grandes negócios e do governo; a cassação dos direitos espirituais do povo americano; a crescente desafeição da população, sua alienação, seu isolamento e sua desgraça moral.

No último trabalho de DeLillo, Cosmopolis, um tipo de comédia de humor negro, um bilionário de 28 anos, administrador de propriedades, que mora em um apartamento de 104 milhões de dólares, segue seu caminho por Manhattan na sua limusine no meio de um congestionamento do meio-dia. Ele conduz seu negócio, que no momento consiste em apostar contra o yen (ele perde centenas de milhões no curso do romance de 200 páginas), da sua limusine, em uma série de monitores e equipamentos portáteis no seu banco de trás. No caminho, ele encontra-se com vários de seus consultores—financeiro, de segurança, médico— e sua “chefe de teoria”. Ele encontra sua esposa de 22 dias, que parece uma total estranha para ele, faz sexo com várias pessoas (mas não com a esposa) e termina sendo assassinado, tudo no curso dessa única viagem pela cidade. É um trabalho perspicaz, ocasionalmente até divertido, mas um tanto frio.

Algo não satisfaz nesses novos romances americanos: brilhantes, mas de certa maneira inumanos, distantes da realidade cotidiana, por vezes jocosos, exagerados. James Wood, comentador de livros do New Republic, tentou usar as fraquezas desses trabalhos contra eles próprios em um artigo, escrito logo depois dos ataques de 11/9. Wood, que é um dos mais sérios críticos de ficção nos EUA, incitou os romancistas americanos a abandonar os esforços de desvelar a realidade social, esperando que o 11/9 fosse “permitir um espaço para o estético, para o contemplativo, para romances que não nos digam ‘como o mundo funciona’, mas ‘o que alguém sentiu a respeito de alguma coisa’—na verdade, o que um monte de pessoas sentiu sobre um monte de coisas (isto é normalmente chamado de romances sobre seres humanos)”.

Wood argumenta que depois dos ataques terroristas os “escritores não terão segurança para fazer o papel de analistas de uma sociedade que carrega um fardo tão pesado. Certamente eles irão pisar em ovos, ao fazer generalizações. Agora é muito fácil e rápido parecer datado”. E pergunta: “Agora, quem se atreve a ser um entendido de política e sociedade”?

Uma questão mais razoável, dada a dimensão da atrocidade de 11/9, atrelada como foi com a política internacional e a história, deveria ter sido: “Agora, quem se atreve a não ser entendido sobre política e sociedade”?

A contraposição de Wood, de romance “humano” versus romance “social” é profundamente falsa. Ele quer romances sobre “consciência individual”, como ele diz. Nós também queremos livros sérios sobre seres humanos, não exemplos ou tratados.

Mas o que é individualidade? A maneira particular, Trotsky nota, na qual “elementos tribais, nacionais, de classe, temporais e institucionais” são fundidos. A individualidade reside na maneira única em que esses elementos são combinados.

O leitor contém os mesmos elementos essenciais que o escritor, talvez em diferentes combinações; é por isso que o leitor consegue compreender o artista—o que serve de ponte entre um ser humano e outro não é o único, mas o comum. Somente através do comum que o único é compreendido.

Se o particular não fosse reduzido ao geral, não haveria comunicação nem arte. E esse elemento comum é feito das mais profundas e persistentes condições de vida, educação, trabalho e assim por diante. Essa condição social é, antes de tudo, a condição de filiação de classe. Qualquer consideração séria em relação à alma humana, exige, portanto, uma consideração séria sobre a classe social e a história. Lirismo e análise da sociedade não são opostos um ao outro como supõe a ignorância burguesa.

Embora Wood esteja errado a respeito das grandes questões, as suas críticas sobre a escola dos romances sociais norte-americanos são bastante válidas; e essas críticas, na minha opinião, valem também para o cinema. “Hoje em dia qualquer um que possua um laptop pode se considerar um gênio, preenchendo o seu romance com pequenos ensaios e grandes demonstrações de conhecimento. De fato, ‘saber das coisas’ se tornou uma das qualificações do romancista contemporâneo....O resultado—pelo menos na América—são romances de imensa auto consciência, com nenhuma humanidade, livros muito ‘brilhantes’ que conhecem milhares de coisas mas não conhecem nenhum ser humano.”

Ele descreve o que ele chama de “realismo histérico”: um tipo de realismo se parece com um moto perpétuo que foi forçado a funcionar com toda a rapidez. Histórias e sub-histórias brotam em cada página. Existe uma perseguição da vitalidade a qualquer custo”. Estas são críticas válidas de um tipo de obra arte de esquerda, atrelado, penso eu, com várias concepções pós-modernistas (mais explicitamente, no caso de Don DeLillo) e de temperamento político corrompido.

No cinema de arte, nós vimos o filme “tour de force”, brilhantes demonstrações de recriação histórica, por exemplo, com um conteúdo relativamente vazio. Tudo pode ser feito.... mas quase nada é feito. Relacionado a isto está a predominância do exagero, das performances exageradas, momentos cômicos ou absurdos que excedem as normas de tolerância, e onde falta o senso de proporção.

O senso de proporção artística é ausente quando o artista ou os artistas estão mais ou menos distantes das reais forças que guiam a sociedade, quando a verdadeira matriz social e as forças psicológicas não são claras e falta concretude. Ceticismo sobre as capacidades humanas e uma aversão à sociedade humana também são freqüentemente presentes.

Claramente, existem problemas históricos objetivos contidos nessas dificuldades. A arte não pode salvar a si mesma ou inteiramente clarificar a si mesma. O movimento social das massas tem um papel decisivo. Trotsky escreve sobre “a luta pela liberdade das classes oprimidas e pessoas [que] dispersam as nuvens de ceticismo e pessimismo que cobrem o horizonte da humanidade”.

Nós devemos manter um senso de proporção e uma certa paciência. Não há razão em simplesmente martelar indivíduos, quando o problema reside nas condições gerais. Apesar de tudo, nós temos que insistir na necessidade de mudança, lutar por isso, e desse modo, ajudar a construir as bases.

Auerbach diz, muito à propos, a respeito do grande escritor francês Balzac: “Na prática, os seus personagens e suas atmosferas, contemporâneas como elas deveriam ser, são sempre representadas como um fenômeno que nasce dos eventos e forças históricas... a fonte da sua invenção não é a imaginação livre, mas a vida real, como ela se apresenta em todo lugar. Agora, a respeito desta vida múltipla, impregnada de história, cruelmente representada com toda sua trivialidade cotidiana, preocupações práticas, feiúra e vulgaridade, Balzac tinha uma atitude como a que Stendhal teve antes dele: na forma determinada pela sua atualidade, sua trivialidade, suas leis sociais intrínsecas, ele toma seriamente e até tragicamente... A novidade desta atitude [exibida por Balzac e Stendhal], e os novos temas, tratados seriamente, problematicamente, tragicamente, causou o desenvolvimento gradual de um estilo inteiramente novo, sério ou mesmo elevado.”

Assim, temos um tratamento sério ou elevado, problemático e até trágico da vida real, em sua concretude e movimentação histórica e social. Não temos exemplos nem prescrições. Tentamos apenas iluminar criticamente o caminho, como Trotsky disse... queremos encorajar esta mistura de seriedade artística e vida cotidiana... como ela irá tomar forma hoje não será determinado pelo que fizeram romancistas franceses de 150 ou 200 anos atrás, mas este tipo de crescimento da seriedade e do estilo elevado no tratamento da nossa existência contemporânea é uma das chaves para o desenvolvimento de uma nova arte.

No seu debate nos anos 30, o dramaturgo Brecht acusou o crítico e pró-Stalinista Lukacs de querer “Balzac, só que moderno”. Esta não é a nossa concepção. Nossa realidade, a realidade da sociedade contemporânea de massas, é extremamente complexa. Uma incrível quantidade de coisas aconteceu desde então.

Tratar da vida requer um alto grau de objetividade artística e um sentimento profundo pela humanidade. Nós não estamos procurando repetir qualquer fase específica da história da arte. Isto não é possível, de maneira nenhuma. Mas seria leviano, nas atuais circunstâncias, quando um verdadeiro retrocesso vem ganhando espaço, quando muito vem se perdendo, ignorar as origens e a evolução do realismo moderno.

Então quais podem ser algumas das contradições individuais que foram trazidas à tona com o agravamento das contradições sociais? Obviamente, as brutais realidades econômicas e sociais, as condições de trabalho, todos os dilemas psicológicos associados às vastas mudanças e às novas pressões—as amarras em que as pessoas se encontram, despedaçadas por diferentes demandas—o impacto do amor e da amizade, e das relações pessoais, as contradições morais criadas pelas chocantes mudanças e novas circunstâncias. A relação entre todas as camadas sociais. A história de um homem de negócios pode revelar coisas sobre a vida que estariam de outra maneira escondidas. Não há escassez de drama no nosso mundo.

Como isso vai ser representado?

É impossível prever. Pode ser que se comece sem grandes ousadias formais ou inovações, que talvez não sejam os desafios imediatos do artista. Pode ser que se comece com formas um tanto conservadoras ou convencionais, mas que repentinamente passem a tratar de problemas explosivos, trazendo consigo também algumas das antigas referências.

Nós fazemos campanha por um cuidado e uma atenção muito maiores para os problemas da vida cotidiana, nos contrapondo, sempre, aos populistas, estalinistas e radicais variados. A verdade sobre a realidade só pode emergir se for tratada da forma artística mais sofisticada e sublime, em relação com a história universal, sem clichês ou embelezamentos.

“A criação artística tem as suas leis—mesmo quando ela serve conscientemente a um movimento social... A arte só pode ser uma forte aliada da revolução enquanto permanecer fiel a si mesma” (Trotsky, Art and Politics In Our Epoch). E aqui emergem os limites das melhores escolas do pós-guerra, como o Neo-realismo italiano, o cinema iraniano e outras. Estas escolas se censuravam, atavam as suas mãos, de acordo com critérios populistas, que de longe obstruíam uma grandeza clássica e a seriedade. Trabalhos ingênuos, simples ou simplificados não bastarão. Uma mudança no estado de espírito está inquestionavelmente a caminho—percebemos isto mesmo no festival de cinema de Toronto; temos o exemplo recente de Pinter - um distanciamento moral do capitalismo e sua cultura oficial, uma sugestão da reviravolta que está por vir. Em seu discurso no prêmio Nobel, Pinter dedicou um violento ataque à política americana, chamando seus crimes de “sistemáticos, constantes, viciosos e sem remorso”. Ele descreveu a invasão do Iraque como “um ato de banditismo, um ato de um grosseiro terrorismo de estado, demonstrando absoluto desprezo ao conceito de lei internacional”.

E concluiu: “acredito que a despeito das enormes probabilidades que existem, uma forte, inabalável, feroz determinação intelectual, como cidadãos, para definir a verdade real de nossas vidas e de nossas sociedades, é uma obrigação crucial que recai sobre todos nós. Isto é de fato obrigatório”.

Um comentário como esse não é uma aberração, uma voz isolada; ele parece refletir um sentimento crescente entre os observadores mais sensíveis das condições humanas e suas expectativas de encontrar uma audiência para as suas idéias e protestos, audiência que tem aparecido.

Nós nos referimos ao significado do filme Munich, não como um marco na história do cinema, mas como um trabalho que opõe a brutalidade e a dureza de boa parte do que vem sendo feito na cultura de massas, incluindo incendiários estúpidos como Tarantino.

O que precisamos, de fato? De um esforço internacional maior e mais concentrado em seguir os desenvolvimentos artísticos e intelectuais—uma aproximação mais teórica e sistemática. Não podemos simplesmente pular de um trabalho para outro. Nós precisamos ter uma teoria da cultura artística contemporânea e sua evolução, examinando Eagleton, Jameson e outras figuras, seguindo o trabalho da crítica literária burguesa. Nós precisamos de uma cooperação e participação internacional maiores—nos EUA, mais atenção à ficção, em particular, e aos debates em torno dela; na Inglaterra e a na Alemanha ao teatro, em particular; na Ásia, ao cinema e aos romances também; a Austrália, textos de ficção em particular. No geral, precisamos prestar mais atenção nas artes visuais. O que fazemos tem um peso objetivo e significado, um peso e significado que só se aprofundará e alargará. O que dizemos e fazemos é amplamente seguido. Temos todo o direito de acreditar no sucesso de nossos esforços.

Concluído