Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 9 de setembro
O editorial do Australian de segunda-feira, intitulado
Fim da linha para o Irã, é mais um sinal
de que as vastas fontes do império mundial das telecomunicações
sob o comando de Murdoch estão sendo mobilizadas para apoiar
uma nova guerra dos EUA contra o Irã. Um editorial semelhante
denominado Um Irã nuclear não é uma
opção foi publicado no mesmo jornal na semana
anterior. No Times de Londres foi divulgado um texto de
opinião intitulado Que bagunça sobre o Irã.
Além disso, há a agitação contínua
de comentadores da Fox News, nos EUA.
A mensagem comum é: o Irã desprezou os prazos
finais da União Européia; está produzindo
armas nucleares; o tempo está se esgotando; diplomacia
é uma perda de tempo perigosa e a ação militar
é um imperativo urgente. O mesmo tema dominou discursos
recentes de Bush, Cheney e Rumsfeld ao longo da última
semana, refletindo uma mudança definitiva na administração
Bush. Seu propósito é o de igualar o regime de Teerã
ao diabo e produzir um clima de medo e histeria indispensável
para justificar a ação militar dos EUA contra o
Irã. Murdoch e seus comitês editoriais seguiram o
exemplo.
O editorial do Australian ignorou os esforços
da União Européia e das potências européias
no sentido de resolver o impasse nuclear por vias diplomáticas:
observando a lenta dança do Irã e do resto
do mundo sob o programa nuclear de Teerã, duas coisas ficam
cada vez mais claras. Os déspotas teocráticos do
Irã estão determinados a adquirir armas atômicas,
usando-as para ameaçar Israel e controlar não somente
o Oriente Médio, mas para avançar além dessa
região. Apesar disso, boa parte do mundo aparenta estar
disposta a deixá-los alcançar seu objetivo,
declarava o editorial.
O argumento é recheado de cinismo e hipocrisia. Na invertida
concepção do Australian, o regime iraniano
é a principal ameaça à paz, procurando através
da força militar controlar não somente o Oriente
Médio, mas avançar além dessa região.
Na verdade, a descrição se aplica melhor aos Estados
Unidos, que em nome de sua falsa guerra ao terror
ocuparam o Afeganistão, invadiram ilegalmente o Iraque
e apoiaram a invasão criminosa de Israel ao Líbano.
A administração Bush não hesita em controlar
a região. Em meio às ruínas do Líbano,
a Secretária de Estado, Condoleeza Rice, declarou abertamente
que o objetivo de Washington seria o de moldar um novo Oriente
Médio.
Da mesma maneira que ocorreu durante a invasão ao Iraque,
os defensores da administração Bush não hesitam,
atualmente, em basear-se em mentiras. O Australian não
forneceu prova alguma para a grave acusação de que
Teerã estaria adquirindo armas nucleares. Ao
invés de evidências concretas, ele ofereceu o argumento
ilusório de que o Irã, com sua vasta reserva de
petróleo e gás, não teria necessidade de
energia nuclear, e deveria estar, portanto, produzindo armas atômicas.
No entanto, não foi o atual regime que iniciou os programas
nucleares do Irã, mas o anterior, aquele do Xá Mohammed
Reza Pahlavi, que tinha o apoio dos EUA. Foi também o Xá
quem argumentou que o petróleo e o gás do país
deveriam ser destinados à exportação. Foi
ele também que, nos anos 60, planejou a construção
de uma rede de 23 estações de energia nuclear, o
que também recebeu o apoio dos EUA.
É possível que alguns setores do regime iraniano
tenham ambições de produzir armas nucleares, mas
após três anos de inspeções, a Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA) não encontrou
prova alguma. Apesar disso, a Agência se nega a admitir
a inexistência de armas. Ao contrário, nega a inexistência:
somos incapazes de provar que o Irã não possui programas
de armas. Mesmo que o governo do Irã estivesse extremamente
determinado em produzir a bomba atômica, seus aparelhos
atuais são completamente inadequados para alcançar
tal objetivo. Um reator para a investigação de água-pesada
localizado em Arak, capaz de produzir plutônio, só
poderia entrar em funcionamento em 2009. A aparelhagem de enriquecimento,
localizada em Natanz, ainda possui apenas uma pequena cascata
de 164 centrífugas operando a gás. Seriam necessárias
milhares delas para produzir quantidades suficientes de urânio
altamente enriquecido. Até mesmo na Avaliação
da Inteligência Nacional, elaborada pela CIA e vazada no
ano passado, admite-se que precisaria de uma década para
que o Irã fosse capaz de produzir armas nucleares. Nada
disso, no entanto, faz com que o Australian pare de afirmar
grosseiramente: cada vez mais se aproxima o dia no qual
Teerã se tornará capaz de produzir uma bomba suja
ou uma arma completa de fissão atômica.
O sentimento de pânico que permeia o editorial do Australian
é determinado pela profunda crise política enfrentada
pela Casa Branca. As ocupações dos EUA no Afeganistão
e no Iraque se tornaram desastres absolutos, a guerra de Israel
(que teve o apoio dos EUA) contra o Hezbollah no Líbano
foi outro desastre e, internamente, há hostilidade aberta
à administração Bush, particularmente quanto
à contínua presença militar dos EUA no Iraque.
Mesmo assim, longe de recuar, os EUA estão se preparando
para se lançar em uma nova aventura militar. Sua agenda
é nada menos do que a afirmação da hegemonia
norte-americana sobre as regiões do Oriente Médio
e da Ásia Central, ricas em recursos naturais, ao mesmo
tempo provocando uma tensão bélica com a finalidade
de intimidar a oposição interna e justificar futuros
ataques aos mais elementares direitos democráticos.
O verdadeiro veneno do Australian foi direcionado à
boa parte do mundo, que dificulta a realização
dos planos da administração BushRússia
e China, que se opuseram a quaisquer medidas punitivas contra
o Irã, e as forças européias, que continuam
a propor negociações, bem como alguns membros das
instituições norte-americanas, que esboçaram
sua preocupação quanto às conseqüências
do militarismo intransigente dos EUA. O editorial fala por um
governo que percebe seu profundo isolamento e sente, às
vésperas das eleições de novembro e a apenas
dois anos do término do segundo mandato de Bush, que seu
tempo está se esgotando.
Como tem feito durante as guerras dos EUA contra a Iugoslávia,
o Afeganistão e o Iraque, o jornal expôs o novo alvo
de agressão como se esse fosse o agente do mal
e o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad o novo Hitler. Atacando
os oponentes da administração Bush, declarou: a
esse respeito, o clima atual relembra o fim dos anos 30, quando
muitos no Ocidente apoiavam o direito da Alemanha de se armar
novamente por ter tido seu orgulho ferido pelo Tratado de Versalhes,
ou relembra também os anos 40, quando alguns consideraram
que o ataque japonês a Pearl Harbour foi simplesmente uma
resposta às sanções em relação
ao petróleo impostas ao Japão Imperial.
Mas, assim como a Iugoslávia, o Afeganistão e
o Iraque, o Irã não é uma potência
imperialista. Diferentemente do Japão e da Alemanha dos
anos 30, o Irã não possui capacidade militar suficiente
para ameaçar seriamente os Estados Unidos, mesmo se produzisse
armas atômicas. A comparação mais correta
ao Terceiro Reich e ao regime do Japão Imperial é
a própria administração Bush, que procura
contrabalancear o declínio econômico dos Estados
Unidos e tenta resolver o aprofundamento das contradições
sociais por meio do uso de sua força militar, ameaçando
seus rivais e estabelecendo um domínio extremo sobre importantes
recursos naturais. Assim como os atuais admiradores e apoiadores
da administração Bush, os apologistas do regime
de Hitler encontravam-se, nos anos 30, entre as porções
mais à direita das elites políticas.
O Australian retrata Ahmadinejad em termos apocalípticos,
como um homem que reivindica para si o título de Imam (líder)
escondido, o profeta do fim dos tempos. O objetivo
do jornal é justificar a guerra como o único caminho:
ameaças diplomáticas e sanções
poderiam ter o efeito perverso de encorajar o Sr. Ahmadinejad.
O Australian ignora o fato de que o regime iraniano tenha,
ao longo da última década, demonstrado disposição
para negociar o fim do impasse com os Estados Unidos. Os EUA,
por outro lado, descartam repetidamente a possibilidade de realizar
acordos com o Irã. Em discussões com os poderes
europeus, uma das principais reivindicações de Teerã
é a garantia de segurança, que tem sido continuamente
descartada pela administração Bush com a seguinte
afirmaçãotodas as opções
estão sobre a mesa.
O Australian declara: a única opção
para o mundo é a opção militar, apesar da
oportunidade de ataque contra o programa nuclear do Irã
estar rapidamente se fechando, enquanto o Irã joga com
o tempo e solidifica seu equipamento. O presidente dos EUA, George
Bush, e o Primeiro Ministro de Israel, Ehmud Olmert, podem estar
enfraquecidos por seus múltiplos de cálculo no Iraque
e no Líbano, respectivamente. Mas eles podem também
não ter escolha. Só lhes resta agir, já que
ninguém mais no mundo parece preparado para tal.
O propósito não era o de avisar Bush e Olmert.
Como a equipe editorial de Murdoch sabe muito bem, a Casa Branca
e o Pentágono têm estado envolvidos por mais de um
ano na elaboração de planos detalhados para uma
campanha aérea massiva contra o Irã. Falando no
programa de rádio Democracy Now, no mês passado,
o experiente jornalista Seymour Hersh explicou que a Casa Branca
considerava a guerra de Israel contra o Líbano a precursora
inevitável de uma guerra contra o Irã.
Questionado a respeito dos atuais planos dos EUA de bombardear
o Irã, Hersh respondeu: Bem, não se pode aplicar
racionalidade a isso. Penso que é simplesmente algo que
Bush e Cheney querem fazer. Como eu disse anteriormente, eles
querem conquistar o Irã. Eles não querem fazer um
acordo com o Irã. Eles consideram que o Irã é
o eixo do mal ao cubo. E assim, francamente, minha real preocupação
é em relação ao que aconteceráeu
penso que nada acontecerá antes das próximas eleições.
Isso é impossível. Minha verdadeira preocupação
é o que acontecerá quando George Bush estiver prestes
a deixar o cargo, sem poder ser reeleito.
Hersh escreveu uma série de abrangentes artigos no New
Yorker, baseado em fontes do alto escalão do Pentágono
e da CIA, nos quais ele detalha os planos para um ataque militar
ao Irã, incluindo discussões censuradas sobre o
uso de armas nucleares. Como indica o editorial do Australian,
ao invés das derrotas no Líbano e no Iraque terem
representado um freio para novos planos, elas se tornaram um novo
incentivo à ação. Os setores mais fascistas
da elite política norte-americana declaram estridentemente
que os EUA não podem vencer no Iraque sem antes levar à
luta a Síria e ao Irã.
Em seu artigo do mês passado, intitulado A Verdadeira
Guerra, Michael Leeden, do conservador Instituto Empresarial
Americano, expôs a tortuosa lógica do militarismo:
mesmo se continuarmos a vencer cada batalha em cada região
do Iraque e do Afeganistão, nós vamos unicamente
prolongar a luta... mas se o poder dos mullahs for substituído
por um governo fortalecido por dezenas de milhões de pessoas
pró-americanos e pró-democracia - pessoas hoje oprimidas
pelos malvados senhores do terror em Teerã - a luta no
Iraque e no Afeganistão seria rapidamente transformada
numa operação cujo balanço de poder estaria
decisivamente ao lado dos governos, declarou ele.
Neste absurdo mundo de fantasia, os malvados senhores
do terror em Teerã são responsáveis
por todos os problemas enfrentados pela administração
Bush. Remova-os e a população do Iraque, Afeganistão
e Irã receberão os soldados norte-americanos de
braços abertos. Esta é a linha do Australian.
Esta é a receita de uma guerra interminável que
tenta destruir a resistência da população
do Oriente Médio às ambições dos EUA.
Esta linha não procura convencer, mas forçar e intimidar.
O editorial do Australian é mais uma indicação
de que um ataque ao Irã está sendo planejado para
mais cedo do que se pensa.