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Crise política mexicana se intensifica depois que Calderón é declarado presidente

Por Rafael Azul
22 Setembro 2006

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 11 de setembro 2006

Na Terça feira, 5 de setembro, o Tribunal Judicial Eleitoral Federal (TEPJF) mexicano declarou Felipe Calderón Hinojosa o vencedor das eleições presidenciais de 2 de julho. A decisão apenas inflamou a crise política em andamento, uma vez que a sociedade mexicana está profundamente polarizada e as relações de classe estão a ponto de se romper. Calderón é membro do Partido de Ação Nacional (PAN).

O TEPJF indicou que mesmo tendo sido encontradas graves irregularidades na condução do processo eleitoral, não foram sérias o suficiente para mudar os resultados da votação, que apontavam a vitória de Calderón sobre Andrés Manuel López Obrador, do nacionalista-populista PRD (Partido da Revolução Democrática). A diferença entre os dois candidatos foi de apenas 240.000 votos, num eleitorado de 41 milhões, o que significa 0,56%.

O Tribunal foi incapaz de dar uma clara e isenta resposta sobre quem realmente venceu as eleições populares. Numa decisão judicial que acusa a Instituição das Eleições Federais por proceder de maneira a facilitar as fraudes, os sete membros do TEPJF afirmaram simplesmente que, apesar das inúmeras irregularidades, não havia informações suficientes que indicassem que o resultado teria sido diferente. O tribunal também responsabilizou o presidente Vicente Fox e um segmento da sociedade mexicana por se engajarem em práticas “injustas que formam uma fonte de interesses” para manipular a eleição. No entanto, apesar de tudo, estas práticas foram consideradas “eventos isolados que não determinaram o resultado da eleição”.

O veredicto foi bem recebido imediatamente pelo PAN, que ignorou a apreciação do TEPJF. Também foram indiferentes à posição do TEPJF, o presidente norte-americano George Bush, líderes latino-americanos—incluindo o presidente Nestor Kirchner da Argentina e a presidente chilena do partido socialista, Michelle Bachelet—e Paul Wolfowitz, do Banco Mundial. Calderón relatou que falou longamente com Bush a respeito do fluxo de imigração. Wolfowitz aconselhou o governo mexicano a atender as necessidades dos pobres, mas sem aumentar os impostos sobre os ricos; ao invés disso, ele recomendou uma aceleração das políticas neo-liberais, que têm sido responsáveis pela crise social e econômica mexicana.

O Partido da Revolução Institucionalista (PRI), que governou o México ininterruptamente de 1929 à 2000 , aceitou a decisão. O porta-voz do partido, Carlos Jimenez Macías, declarou que o parecer do TEJPF deixou um “gosto fétido na boca de uns, mas iremos adiante com ele”. O líder do PRI no congresso, Malio Fabio Beltrones, expressou sua insatisfação com a falta de honestidade nas eleições de 2 de julho e clamou por uma legislação para impedir a interferência de interesses corporativos nas eleições.

Os líderes do PRD indicaram que apelariam às organizações de direitos humanos na Europa, Ásia e América Latina. A previsível reação do PRD foi o manifesto do Senador Ricardo Montreal para o qual “esse veredicto aprofunda a crise política; a oposição e o ódio que isso engendra alimentarão o repúdio e a desconfiança...Da mesma maneira que ninguém governa por muito tempo sentado em baionetas, ninguém pode perdurar baseado numa decisão judicial falha”.

Questões foram levantadas sobre a legitimidade do próprio TEJPF. Porfírio Muñoz Ledo, um antigo membro do PRI e embaixador nas Nações Unidas, que também serviu como embaixador na União Européia para Fox, indiciou o presidente Fox por ter se encontrado com membros do TEJPF e os pressionado para confirmar a vitória de Calderón, argumentando que qualquer outra decisão judicial resultaria na catástrofe política e econômica do México. Membros do governo indiciaram Muñoz como mentiroso, mas o político - agora um partidário de López—insiste que tem provas seguras, vindas do próprio Tribunal, de que o encontro realmente ocorreu.

Suspeitas posteriores foram levantadas em relação ao processo eleitoral como um todo, assim que o Instituto de Eleições Federais anunciou que iria negar ao renomado jornal político da cidade do México, El Processo, o acesso às cédulas eleitorais, e que, ao invés disso, se incumbiria de destruí-las.

Onde quer que Calderón esteja, a hostilidade popular a ele é evidende. Durante uma visita à Morelia, capital do estado de Michoacan, ele foi cercado por simpatizantes de López Obrador que o impediram de falar em uma série de eventos. Michoacan é um forte reduto do PRD cujo governador, Cuahutemoc Cárdenas Barlett, aceitou a decisão do TEJPF.

Enquanto isso, López Obrador está em campanha para convocar uma Convenção Nacional na Cidade do México, na Praça Zocalo, em 16 de Setembro. Estima-se que centenas de milhares de delegados de todo o México compareçam e declarem López o vencedor das eleições. Em resposta à decisão do TEPJF, o candidato do PRD incitou seus seguidores para construir a Convenção Nacional e disse que ainda considera Calderón um “usurpador”, o produto de um “coup d´etát”. López também afirmou que o novo governo irá implodir com os conflitos internos dentro do próprio PAN, dominado pela luta por posições dentro do novo governo.

No dia 7 de Setembro, López listou algumas propostas que irá colocar em votação na Convenção, que incluíam mudanças no sistema presidencialista, a proteção aos pobres, a proteção às indústrias nacionais mexicanas e a luta contra a corrupção.

Perspectivas dos dois presidentes na polarizada sociedade mexicana

A recusa de López Obrador em reconhecer a legitimidade de Calderón e as ameaças que os dois presidenciáveis rivais estão fazendo são inéditas na moderna história mexicana. Esta situação só pode ser compreendida dentro de um contexto de profunda polarização social, caracterizado por um declínio de 30 anos no padrão de vida da classe operária e do campesinato.

A decadência prolongada do padrão de vida e a eliminação dos programas sociais é fruto da privatização da indústria Mexicana. Começando em meados dos anos 70, sob pressão de uma crescente economia globalizada, os sucessivos governos abandonaram o modelo de substituição de importações e de desenvolvimento e esmagaram o pacto social entre a classe trabalhadora, o campesinato e a burguesia, que fora construído pelos generais que criaram o PRI e estabilizaram o México durante os anos 20 e 30.

As demandas do volátil capital global, que desmantelaram a indústria nacional mexicana, estão de mãos dadas com o que pode ser descrito como um assalto selvagem aos programas sociais. Em conseqüência à série de crises financeiras, os recursos públicos foram transferidos dos pobres e miseráveis para as instituições financeiras internacionais e bancos mexicanos. Em cada mudança de governo a receita foi sempre a mesma: cortes nos gastos com programas sociais, combinados com a venda de empresas estatais para capitalistas domésticos e estrangeiros, flutuação do capital, desvalorização da moeda, aumento dos juros, seguidos por uma nova rodada de cortes nos gastos sociais e de privatizações.

As reformas que acabaram com o pacto social exigiram um enorme custo, que jamais será esquecido pelos trabalhadores e camponeses. Os “direitos sociais”, que foram garantidos pela constituição mexicana são agora largamente ignorados. O padrão de vida caiu verticalmente para milhões de pessoas, enquanto uma minúscula elite desfruta de grande saúde. Uma explosão de investimentos diretos, realizados desde 1994—o México é o terceiro país que mais recebe investimentos norte-americanos, atrás apenas da China e do Brasil—tem aumentado as desigualdades nesse país de 100 milhões de habitantes, sendo benéfico para o norte, baseado no setor exportador, e desastroso para o sul, predominantemente agrícola.

Para uma nação de 44 milhões de trabalhadores, apenas 22 milhões são empregados no setor formal, trabalhando em “empregos regulares”, com uma mínima proteção aos trabalhadores e baixos salários. Aproximadamente 9 milhões trabalham nos EUA . O restante está desempregado ou trabalha no chamado setor informal, com salários muitíssimo baixos e sem qualquer direito legal. Ao mesmo tempo, a agricultura mexicana está cambaleante, em razão da integração do país à economia norte-americana. Quinze milhões de produtores de milho em pequenas e médias propriedades, por serem incapazes de competir com o milho mais barato produzido nos EUA, estão começando a deixar o campo em direção às cidades, somando-se aos milhões de desempregados.

No norte do país e ao redor da cidade do México, Guadalajara e Monterrey, novas indústrias têm se instalado a fim de explorar o trabalho barato, recrutando novas camadas de jovens trabalhadores em setores como automotivo, eletroeletrônico e tecidos. Marginalizados desde o PRI até os sindicatos corporativistas, estes jovens ainda têm que encontrar sua expressão política como uma força independente.

O conflito social já está crescendo. Em Oaxaca, o que começou com uma luta de professores por aumento de salários se transformou numa luta política. Professores em greve e seus companheiros ocuparam o centro da cidade, escritórios do governo e estações de rádio, impondo a renúncia do governador Ulises Ruiz, um político corrupto do PRI, responsável pela repressão e o assassinato de professores em protesto no mês de junho. Foram marcadas novas eleições. Outras lutas militantes eclodiram dentre trabalhadores siderúrgicos, em Michoacan, e nas minas de cobre, em Sonora. De modo cada vez mais generalizado, os trabalhadores estão superando os tradicionais sindicatos atrelados ao estado.

López Obrador insiste que seus partidários mantenham a “moral num patamar alto” e que a Assembléia Democrática Nacional irá prevalecer como o genuíno governo mexicano. Sua postura intransigente é coerente com a estratégia de direcionar o explosivo descontentamento social expresso na rebelião de Oaxaca para novas instituições, que irão assegurar o lucro e um mínimo de bem estar social.

O programa de López Obrador, baseado em modestas concessões para os pobres, procura minimizar as conseqüências das políticas sociais e econômicas promovidas tanto pelo PAN de Calderón, quanto pelo PRI, desde meados da década de 70. Ele é representante de dissidências e facções de grupos que, pertencentes à classe dominante, ouvem soar o alarme da potencial instabilidade, implícita na crise social e econômica, que pode levar a nação a lutas revolucionárias, ameaçando o próprio capitalismo.

Calderón, ao contrário, formado em Harvard, segue o modelo favorável aos EUA e às instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial, para quem os lucros do capital internacional são primordiais. Essas instituições demandam políticas que garantam o lucro, incluindo o uso da força para a repressão às lutas dos trabalhadores e dos camponeses. A questão real, afinal de contas, é se Calderón será apto a governar até o final, durante os seis anos de mandato.

Por sua parte, López Obrador está jogando na roleta mágica do aprendiz, tentando mobilizar e controlar as poderosas forças sociais, dirigidas por uma longa e contida demanda por empregos, uma genuína reforma do país, uma equilibrada distribuição de renda e de bem-estar, um padrão de vida decente, incluindo saúde, educação e aposentadoria—necessidades que não serão atendidas por completo sem uma direção revolucionária que se oponha ao capitalismo no México e no mundo.