Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 11 de setembro 2006
Na Terça feira, 5 de setembro, o Tribunal Judicial Eleitoral
Federal (TEPJF) mexicano declarou Felipe Calderón Hinojosa
o vencedor das eleições presidenciais de 2 de julho.
A decisão apenas inflamou a crise política em andamento,
uma vez que a sociedade mexicana está profundamente polarizada
e as relações de classe estão a ponto de
se romper. Calderón é membro do Partido de Ação
Nacional (PAN).
O TEPJF indicou que mesmo tendo sido encontradas graves irregularidades
na condução do processo eleitoral, não foram
sérias o suficiente para mudar os resultados da votação,
que apontavam a vitória de Calderón sobre Andrés
Manuel López Obrador, do nacionalista-populista PRD (Partido
da Revolução Democrática). A diferença
entre os dois candidatos foi de apenas 240.000 votos, num eleitorado
de 41 milhões, o que significa 0,56%.
O Tribunal foi incapaz de dar uma clara e isenta resposta sobre
quem realmente venceu as eleições populares. Numa
decisão judicial que acusa a Instituição
das Eleições Federais por proceder de maneira a
facilitar as fraudes, os sete membros do TEPJF afirmaram simplesmente
que, apesar das inúmeras irregularidades, não havia
informações suficientes que indicassem que o resultado
teria sido diferente. O tribunal também responsabilizou
o presidente Vicente Fox e um segmento da sociedade mexicana por
se engajarem em práticas injustas que formam uma
fonte de interesses para manipular a eleição.
No entanto, apesar de tudo, estas práticas foram consideradas
eventos isolados que não determinaram o resultado
da eleição.
O veredicto foi bem recebido imediatamente pelo PAN, que ignorou
a apreciação do TEPJF. Também foram indiferentes
à posição do TEPJF, o presidente norte-americano
George Bush, líderes latino-americanosincluindo o
presidente Nestor Kirchner da Argentina e a presidente chilena
do partido socialista, Michelle Bachelete Paul Wolfowitz,
do Banco Mundial. Calderón relatou que falou longamente
com Bush a respeito do fluxo de imigração. Wolfowitz
aconselhou o governo mexicano a atender as necessidades dos pobres,
mas sem aumentar os impostos sobre os ricos; ao invés disso,
ele recomendou uma aceleração das políticas
neo-liberais, que têm sido responsáveis pela crise
social e econômica mexicana.
O Partido da Revolução Institucionalista (PRI),
que governou o México ininterruptamente de 1929 à
2000 , aceitou a decisão. O porta-voz do partido, Carlos
Jimenez Macías, declarou que o parecer do TEJPF deixou
um gosto fétido na boca de uns, mas iremos adiante
com ele. O líder do PRI no congresso, Malio Fabio
Beltrones, expressou sua insatisfação com a falta
de honestidade nas eleições de 2 de julho e clamou
por uma legislação para impedir a interferência
de interesses corporativos nas eleições.
Os líderes do PRD indicaram que apelariam às
organizações de direitos humanos na Europa, Ásia
e América Latina. A previsível reação
do PRD foi o manifesto do Senador Ricardo Montreal para o qual
esse veredicto aprofunda a crise política; a oposição
e o ódio que isso engendra alimentarão o repúdio
e a desconfiança...Da mesma maneira que ninguém
governa por muito tempo sentado em baionetas, ninguém pode
perdurar baseado numa decisão judicial falha.
Questões foram levantadas sobre a legitimidade do próprio
TEJPF. Porfírio Muñoz Ledo, um antigo membro do
PRI e embaixador nas Nações Unidas, que também
serviu como embaixador na União Européia para Fox,
indiciou o presidente Fox por ter se encontrado com membros do
TEJPF e os pressionado para confirmar a vitória de Calderón,
argumentando que qualquer outra decisão judicial resultaria
na catástrofe política e econômica do México.
Membros do governo indiciaram Muñoz como mentiroso, mas
o político - agora um partidário de Lópezinsiste
que tem provas seguras, vindas do próprio Tribunal, de
que o encontro realmente ocorreu.
Suspeitas posteriores foram levantadas em relação
ao processo eleitoral como um todo, assim que o Instituto de Eleições
Federais anunciou que iria negar ao renomado jornal político
da cidade do México, El Processo, o acesso às
cédulas eleitorais, e que, ao invés disso, se incumbiria
de destruí-las.
Onde quer que Calderón esteja, a hostilidade popular
a ele é evidende. Durante uma visita à Morelia,
capital do estado de Michoacan, ele foi cercado por simpatizantes
de López Obrador que o impediram de falar em uma série
de eventos. Michoacan é um forte reduto do PRD cujo governador,
Cuahutemoc Cárdenas Barlett, aceitou a decisão do
TEJPF.
Enquanto isso, López Obrador está em campanha
para convocar uma Convenção Nacional na Cidade do
México, na Praça Zocalo, em 16 de Setembro. Estima-se
que centenas de milhares de delegados de todo o México
compareçam e declarem López o vencedor das eleições.
Em resposta à decisão do TEPJF, o candidato do PRD
incitou seus seguidores para construir a Convenção
Nacional e disse que ainda considera Calderón um usurpador,
o produto de um coup d´etát. López
também afirmou que o novo governo irá implodir com
os conflitos internos dentro do próprio PAN, dominado pela
luta por posições dentro do novo governo.
No dia 7 de Setembro, López listou algumas propostas
que irá colocar em votação na Convenção,
que incluíam mudanças no sistema presidencialista,
a proteção aos pobres, a proteção
às indústrias nacionais mexicanas e a luta contra
a corrupção.
Perspectivas dos dois presidentes na polarizada
sociedade mexicana
A recusa de López Obrador em reconhecer a legitimidade
de Calderón e as ameaças que os dois presidenciáveis
rivais estão fazendo são inéditas na moderna
história mexicana. Esta situação só
pode ser compreendida dentro de um contexto de profunda polarização
social, caracterizado por um declínio de 30 anos no padrão
de vida da classe operária e do campesinato.
A decadência prolongada do padrão de vida e a
eliminação dos programas sociais é fruto
da privatização da indústria Mexicana. Começando
em meados dos anos 70, sob pressão de uma crescente economia
globalizada, os sucessivos governos abandonaram o modelo de substituição
de importações e de desenvolvimento e esmagaram
o pacto social entre a classe trabalhadora, o campesinato e a
burguesia, que fora construído pelos generais que criaram
o PRI e estabilizaram o México durante os anos 20 e 30.
As demandas do volátil capital global, que desmantelaram
a indústria nacional mexicana, estão de mãos
dadas com o que pode ser descrito como um assalto selvagem aos
programas sociais. Em conseqüência à série
de crises financeiras, os recursos públicos foram transferidos
dos pobres e miseráveis para as instituições
financeiras internacionais e bancos mexicanos. Em cada mudança
de governo a receita foi sempre a mesma: cortes nos gastos com
programas sociais, combinados com a venda de empresas estatais
para capitalistas domésticos e estrangeiros, flutuação
do capital, desvalorização da moeda, aumento dos
juros, seguidos por uma nova rodada de cortes nos gastos sociais
e de privatizações.
As reformas que acabaram com o pacto social exigiram um enorme
custo, que jamais será esquecido pelos trabalhadores e
camponeses. Os direitos sociais, que foram garantidos
pela constituição mexicana são agora largamente
ignorados. O padrão de vida caiu verticalmente para milhões
de pessoas, enquanto uma minúscula elite desfruta de grande
saúde. Uma explosão de investimentos diretos, realizados
desde 1994o México é o terceiro país
que mais recebe investimentos norte-americanos, atrás apenas
da China e do Brasiltem aumentado as desigualdades nesse
país de 100 milhões de habitantes, sendo benéfico
para o norte, baseado no setor exportador, e desastroso para o
sul, predominantemente agrícola.
Para uma nação de 44 milhões de trabalhadores,
apenas 22 milhões são empregados no setor formal,
trabalhando em empregos regulares, com uma mínima
proteção aos trabalhadores e baixos salários.
Aproximadamente 9 milhões trabalham nos EUA . O restante
está desempregado ou trabalha no chamado setor informal,
com salários muitíssimo baixos e sem qualquer direito
legal. Ao mesmo tempo, a agricultura mexicana está cambaleante,
em razão da integração do país à
economia norte-americana. Quinze milhões de produtores
de milho em pequenas e médias propriedades, por serem incapazes
de competir com o milho mais barato produzido nos EUA, estão
começando a deixar o campo em direção às
cidades, somando-se aos milhões de desempregados.
No norte do país e ao redor da cidade do México,
Guadalajara e Monterrey, novas indústrias têm se
instalado a fim de explorar o trabalho barato, recrutando novas
camadas de jovens trabalhadores em setores como automotivo, eletroeletrônico
e tecidos. Marginalizados desde o PRI até os sindicatos
corporativistas, estes jovens ainda têm que encontrar sua
expressão política como uma força independente.
O conflito social já está crescendo. Em Oaxaca,
o que começou com uma luta de professores por aumento de
salários se transformou numa luta política. Professores
em greve e seus companheiros ocuparam o centro da cidade, escritórios
do governo e estações de rádio, impondo a
renúncia do governador Ulises Ruiz, um político
corrupto do PRI, responsável pela repressão e o
assassinato de professores em protesto no mês de junho.
Foram marcadas novas eleições. Outras lutas militantes
eclodiram dentre trabalhadores siderúrgicos, em Michoacan,
e nas minas de cobre, em Sonora. De modo cada vez mais generalizado,
os trabalhadores estão superando os tradicionais sindicatos
atrelados ao estado.
López Obrador insiste que seus partidários mantenham
a moral num patamar alto e que a Assembléia
Democrática Nacional irá prevalecer como o genuíno
governo mexicano. Sua postura intransigente é coerente
com a estratégia de direcionar o explosivo descontentamento
social expresso na rebelião de Oaxaca para novas instituições,
que irão assegurar o lucro e um mínimo de bem estar
social.
O programa de López Obrador, baseado em modestas concessões
para os pobres, procura minimizar as conseqüências
das políticas sociais e econômicas promovidas tanto
pelo PAN de Calderón, quanto pelo PRI, desde meados da
década de 70. Ele é representante de dissidências
e facções de grupos que, pertencentes à classe
dominante, ouvem soar o alarme da potencial instabilidade, implícita
na crise social e econômica, que pode levar a nação
a lutas revolucionárias, ameaçando o próprio
capitalismo.
Calderón, ao contrário, formado em Harvard, segue
o modelo favorável aos EUA e às instituições
financeiras internacionais, como o Banco Mundial, para quem os
lucros do capital internacional são primordiais. Essas
instituições demandam políticas que garantam
o lucro, incluindo o uso da força para a repressão
às lutas dos trabalhadores e dos camponeses. A questão
real, afinal de contas, é se Calderón será
apto a governar até o final, durante os seis anos de mandato.
Por sua parte, López Obrador está jogando na
roleta mágica do aprendiz, tentando mobilizar e controlar
as poderosas forças sociais, dirigidas por uma longa e
contida demanda por empregos, uma genuína reforma do país,
uma equilibrada distribuição de renda e de bem-estar,
um padrão de vida decente, incluindo saúde, educação
e aposentadorianecessidades que não serão
atendidas por completo sem uma direção revolucionária
que se oponha ao capitalismo no México e no mundo.