Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 13 September 2006
Na terça-feira, oficiais sírios impediram uma
tentativa de atentado à embaixada norte-americana em Damasco.
Três dos criminosos foram baleados e mortos, enquanto o
quarto era capturado. Três agentes de segurança da
Síria foram feridos, juntamente com dez civis e um diplomata
chinês.
As autoridades sírias responsabilizaram inicialmente
um grupo pouco conhecido, chamado Jund al-Sham. De acordo com
as informações existentes, este grupo tem vínculos
com a Al Qaeda, de Osama bin Laden.
Ao avaliar um fato como este, é necessário, antes
de mais nada, fazer a seguinte pergunta: quem se beneficia
com uma ação como esta?ou, nesse caso,
quem teria sido beneficiado?
Quem poderia ter algum interesse em atacar a embaixada norte-americana?
O atentado falhou por causa da intervenção de forças
sírias, que foi facilitada pela qualidade aparentemente
precária dos explosivos usados pelos criminosos. No entanto,
caso o atentado tivesse dado certo, a conseqüência
mais provável teria sido o aumento sistemático da
pressão norte-americana contra a Síria. Seções
do governo norte-americano assumiriam a responsabilidade do comando
de ações militares contra a Síria e/ou contra
o Irã.
Num artigo da revista Time publicado ontem (12 de setembro),
Scott Macleod disse que, enquanto o regime da Síria mantém
o conflito com os Estados Unidos, o governo Sírio não
teria interesse em realizar ataque algum. Assad sabe que
isso poderia ser o motivo para uma investida militar americana
na Síria, escreveu ele. As relações
têm estado tensas há anos. Apesar das autoridades
negarem, o pedido de retorno do embaixador norte-americano de
Damasco, foi uma conseqüência do assassinato do primeiro
ministro libanês Rafic Hariri, em fevereiro de 2005.
Por si só, o assassinato de Hariri é altamente suspeito,
sendo impossível excluir o envolvimento de Israel e dos
EUA neste acontecimento.
A hipótese menos provável é que o ataque
tenha sido planejado por alguns indivíduos, motivados puramente
pelo ódio aos Estados Unidos e à política
norte-americana. Não é possível descartar
completamente esta hipótese, mas a infiltração
é uma constante em grupos como o Jund al-Sham, o que as
torna extremamente suscetíveis às manipulações
desta ou daquela força externa.
Tanto a agência de inteligência israelense quanto
a norte-americana possuem um longo histórico de manipulação
desses grupos. Sabe-se que o Jund al-Sham foi criado no Afeganistão,
em 1999, por meio de uma aliança com Abu Musab al-Zarqawi,
financiado por Osama bin Laden. Àquela época os
EUA ainda faziam acordos com o Taliban e com os fundamentalistas
islâmicos afegãos com o intuito de garantir a segurança
do gasoduto que cruzava o país.
Desde a sua fundação, o Jund al-Sham sempre demonstrou
pouco interesse em atacar os EUA. Seu alvo principal tem sido
o governo Sírio, em função de sua orientação
não religiosa. Ele atacou inclusive o Hezbollah, aliado
da Síria.
Considerando o que ocorreu em 12 de setembro de 2006, deve-se
recordar que, segundo o serviço de inteligência norte-americano,
os ataques de cinco anos atrás foram executados por indivíduos
que eram membros da Al Qaeda, autorizados a entrar e a sair dos
EUA livremente, ter aulas de vôo e comprar passagens aéreas
de primeira classe em grandes empresas aéreastudo
isso sob os olhos da inteligência norte-americana, que sabia
que a Al Qaeda planejava seqüestrar aviões e atacar
os Estados Unidos. As seções da inteligência
e da polícia norte-americana estavam preparadas para impedir
qualquer ataque, mas preferiram deixar que ele acontecessecom
o intuito de criar um pretexto para realizar uma série
de objetivos políticos dos EUA.
Durante as últimas semanas, diversos fatos ajudaram
a nos lembrar da função extremamente conveniente
exercida pela Al Qaeda na realização dos interesses
do imperialismo norte-americano. Em grande parte dos discursos
que se referiam a 11 de setembro, Bush reproduziu afirmações
supostamente de Osama bin Laden, nas quais ele teria declarado
que o Iraque é a peça central para a luta pelo califado
islâmico. Isso obviamente é muito útil
para o governo norte-americano, que gostaria de continuar a retratar
a brutal ocupação do Iraque como parte da guerra
ao terror e a relacionar essa ocupação, apesar
de todas as evidências contrárias, aos ataques ocorridos
em 11 de setembro de 2001.
Assim, pouco antes do aniversário, uma nova fita surgiu
mostrando bin Laden saudando os seqüestradores de 11 de setembro
pelos ataques: um outro conveniente lembrete de que a guerra
ao terror continua.
De forma muito oportuna, os democratas acusaram a administração
Bush de falhar em capturar e matar bin Laden. Fazem isso com a
intenção de aparecerem como os mais consistentes
defensores da guerra ao terror. Nenhum deles observa
que a razão mais provável dele não ter sido
capturado ou morto é o fato de que ele continua a ser muito
útil à Agência Central de Inteligência.
Antes de mais nada, foi a CIA que o adotou, na década de
80, como aliado na guerra contra a União Soviética,
ocorrida no Afeganistão.
Agora ocorre um atentado na Síria, aparentemente organizado
por um sombrio e amorfo grupo ligado a bin Laden. Este ataque
acontece numa época em que as instituições
políticas norte-americanas entram numa crise crescente.
A ocupação no Iraque, por sua vez, também
enfrenta uma profunda crise. Representantes democratas e republicanos
exigem que um maior número de tropas norte-americanas se
una às milícias Shia no sul e à organização
Sunni, no oeste. A invasão israelense do Líbano
tem sido um fracasso. Ela serviu somente para aumentar o prestígio
do Hezbollah e a força do Irã na região.
Começam a aparecer os desentendimentos entre a Europa
e os Estados Unidos com relação à política
iranianasustentada no desastre israelita-americano no Líbano.
A União Européia busca criar sua própria
área de influência no regime do Teerã. Ao
mesmo tempo, grande parte da população começa
a rejeitar essa completa fraude de guerra ao terror,
o que gera uma crescente oposição e ceticismo em
relação aos EUA. O discurso do presidente no quinto
aniversário está demonstrando claramente sua retórica
irreal e inacreditável.
Existe uma significativa fração da elite norte-americana
que considera como única solução para estes
problemas um aprofundamento da ofensiva norte-americanaincluindo
ataques ao Irã e à Síria e a completa militarização
da sociedade norte-americana. Um ataque a uma embaixada norte-americana
na Síria serviria, de maneira extremamente conveniente,
como pretexto para ações como estas.
Não estamos afirmando que os agressores da última
terça-feira estivessem trabalhando diretamente para seções
da inteligência norte-americana. Individualmente, eles provavelmente
eram motivados por uma combinação entre uma posição
contrária à intervenção norte-americana
no Oriente Médio e o caráter extremamente reacionário
do fundamentalismo islâmico. Tais ações são
organizadas de forma artesanal. Os indivíduos que se envolvem
não percebem que estão sendo manipulados. A extrema
precariedade da operaçãoque não conseguiu
nem sequer entrar na embaixadademonstra que os responsáveis
diretos pelo planejamento da ação eram muito inexperientes.
É possível que isso servisse como um pretexto
para atacar a Síria, e esse ataque poderiae mesmo
com o seu fracasso ainda podereforçar o argumento
do governo norte-americano de que a guerra ao terror ainda não
acabou, justificando assim a política e o discurso de Bush
na segunda-feira. Isto ainda lhe permitiria aumentar a pressão
sobre a Síria.
De fato, na terça-feira, além das observações
que comumente são feitas após um atentado, os principais
comentários dos membros do governo norte-americano tinham
o seguinte teor: parem de abrigar grupos terroristas, parem
de ser agentes estimuladores do terror, declarou o porta-voz
da Casa Branca Tony Snow. Trabalhar conosco para lutar contra
o terror, assim como fez a Líbiaesse será
o próximo passo da Síria. A Secretária
de Estado, Condoleezza Rice, disse que o atentado demonstrou que
os terroristas ainda podem atacar instituições diplomáticas
em qualquer lugar, apesar de todo o esforço extraordinário
que tem sido feito para preveni-los.
É claro que, além do envolvimento norte-americano,
existem diversas possibilidades que não devem ser descartadas.
De qualquer forma, estes casos sempre dão margem à
especulação.