Na próxima semana a Editora Imprensa Operária
entregará uma nova edição do livro de Leon
Trotsky Em defesa do marxismo. A nova edição
contém 260 páginas e custa 16,90 Euros. O livro
pode ser encomendado via Internet ou nas livrarias e, no dia 16
de setembro, estará à venda também na sede
eleitoral do Partido pela Igualdade Social em Berlin. Nós
apresentamos aqui o Prefácio da nova edição.
Prefácio
Há explicações políticas e teóricas
que mesmo depois de décadas são ainda hoje bastante
atuais. O mais conhecido é sem dúvida o debate em
torno de Bernstein que, no final do século XIX, sacudiu
a social-democracia alemã e internacional e, finalmente,
conduziria à cisão entre os social-democratas e
o movimento comunista. Bastante significativa também, ainda
que menos conhecida, é a discussão apresentada no
presente documento. Ela realizou-se em 1939, dentro do Socialist
Workers Party, no movimento trotsquista americano. Leon Trotsky,
que naquela época vivia em exílio no México
e pouco tempo depois seria assassinado por um agente stalinista,
participou ativamente nesta discussão. Em defesa do
marxismo contém os artigos e cartas da contribuição
de Trotsky para aquele debate.
Sobretudo, esta explicação permite compreender
a questão sobre o caráter da União Soviética,
que até hoje é bastante atual. Apesar dos crimes
da direção stalinista, a União Soviética
foi um Estado operário? Houve algo para se defender ali?
Ou tratava-se de uma outra forma de domínio totalitário,
semelhante ao nacional-socialismo?
Com a dissolução da União Soviética
em 1991 estas perguntas pareciam terem sido resolvidas. Os ideólogos
burgueses e pós-stalinistas sepultaram, juntamente com
a União Soviética, também o marxismo e o
socialismo. O projeto socialista como um todo se mostrava uma
enorme ilusão. A Revolução de Outubro teria
sido um erro gigantesco ou um crime colossal, resultando necessariamente
em todos os crimes posteriores do regime stalinista. O desenvolvimento
da humanidade teria conseguido sua coroação com
o capitalismo; uma forma superior de sociedade não seria
possível; a história teria chegado ao fim.
Quinze anos depois as coisas apresentam-se diferentes. A introdução
das relações capitalistas na União Soviética
e no Leste europeu teve como resultado uma catástrofe social
que, em tempos de paz, jamais foi vista. Nunca antes a estrutura
socialconstrução, saúde, previdência
social, culturahavia sido destruída de forma tão
radical em tão curto espaço de tempo como na sucessão
estatal da União Soviética durante os últimos
quinze anos. A expectativa de vida masculina na Rússia
baixou de 65 para míseros 59 anos. A quantidade de mortes
supera a de nascimentos. Se persistir o desenvolvimento atual,
em cinqüenta anos o país terá perdido um terço
de sua população. Uma minoria se apropriou das riquezas
do país e está fabulosamente rica, enquanto que
a maioria absoluta vegeta sem trabalho e sem meios de subsistência.
Liberdade e democracia mostram-se como palavras ocas e vazias.
Elas não são compatíveis com as flagrantes
diferenças sociais. O governo de Vladimir Putin iguala-se
progressivamente ao velho regime stalinista e dispõe de
todos os vícios (arbitrariedade, censura, predomínio
policial) e não sobre suas virtudes (medidas corretas de
segurança e igualdade sociais).
Os resultados negativos do colapso da União Soviética
não se restringem ao Leste europeu. Foram percebidos também
no Ocidente. O fim da Guerra Fria não introduziu uma era
de paz mundial e desarmamento generalizado, mas uma nova era de
guerras quentes e não frias. Os Estados Unidos
da América procuram compensar sua importância econômica
em baixa através de sua superioridade militar. Com isto,
não se importam com as regras e normas do direito internacional
que eles mesmos antes defendiam. Entretanto, muitos geo-estrategistas
acreditam ser inevitável um conflito entre a potência
econômica em ascensão da China e a grande potência
em declínio dos EUAassim como há um século
atrás o conflito entre a Alemanha ascendente e a Grã-Bretanha
e França declinantes não deixou uma solução
amigável.
Dentro dos países capitalistas caíram, juntamente
com o suposto naufrágio do socialismo, todos os impedimentos
à emergência social. O que foi dito durante a Guerra
Friaque a economia de mercado poderia conceder a grande
parte da população um altíssimo nível
de vida igual a uma economia estatal dirigida de forma planificadavale
hoje para a exploração de todos os modelos sociais
como pressuposto para o funcionamento da economia capitalista.
Também na Europa e na América a polarização
social alcançou uma extensão nunca antes vista.
Enquanto baixa o nível de vida médio da população,
surge um amplo exército de desempregados e subempregados
e mesmo a classe média academicamente instruída
desce de forma cada vez mais profunda à classe proletária.
No outro pólo da sociedade, cresce uma camada pequena,
mas extremamente influente de milionários e bilionários.
Também aqui o abismo social não é compatível
com liberdade e democracia. Por isso, sob o pretexto de passar-se
por uma luta contra o terrorismo, se promove a destruição
dos direitos democráticos de forma aberta e gritante.
Como se pode explicar o atraso social que foi estabelecido
a nível mundial após a queda da União Soviética?
Quem considerou a União Soviética meramente como
um acidente de percurso da história, como caminho histórico
errado, não pode responder a estas perguntas. Um fenômeno
histórico complexo e contraditório como a União
Soviética não pode definir-se por categorias unidimensionais
como totalitarismo. Sem esclarecer as questões
da União Soviéticasem compreender como ela
surgiu, o que ela representou, porque ela se degenerou e entrou
em colapso, além de compreender o que ela defendeu e o
que ela condenounão é possível imaginar
uma saída progressiva para o beco-sem-saída da sociedade
atual. Sem uma compreensão da União Soviética
não se pode compreender nem o passado nem o futuro. A questão
da União Soviética continua também no século
XXI como uma questão-chave.
Nistoe na defesa do método marxista, o qual Trotsky
pôs em relaçãoestá posto o significado
do presente livro. Juntamente com outros escritos de Trotsky,
sobretudo em A Revolução traída, este
livro constitui a chave para a compreensão do caráter
contraditório da União Soviética. Devem-se
analisar os escritos de Trotsky como os escritos de um historiador
sério, que quer descobrir a lógica interna do processo
histórico, em vez de considerar a história apenas
como um monte de entulhos, peças destituídas de
relação que se moldam sobre a base dos preconceitos.
Trotsky apresentou com clareza sem igual as lutas sociais,
políticas e ideológicas que determinaram o destino
da União Soviética. Seu papel como participante
ativo não prejudicou sua objetividade. Objetividade não
é neutralidade. Ou pode-se ser neutro perante as grandes
lutas do destino da humanidade? Alguém esperaria de um
cronista do Terceiro Reich que o mesmo permanecesse em estrita
neutralidade entre os nacional-socialistas e seus opositores democratas
e socialistas? Um tal trabalho não seria objetivo, mas
suspeito.
A atividade da Oposição de Esquerda, dirigida
por Trotsky, contra o stalinismo fornece a prova viva de que a
degeneração da União Soviética não
foi o resultado inevitável da Revolução de
Outubro, mas o resultado da contra-revolução iniciada
pelo tribunal do Termidor (como Trotsky chamou-o, parodiando a
Revolução Francesa) contra a Revolução
de Outubro. O regime stalinista precisou de mais ou menos quinze
anos para se consolidar. Começou com intrigas políticas
e falsificações históricas, partiu para a
perseguição e supressão de seus opositores
marxistas e finalmente liquidou, nos processos de Moscou, aqueles
que deram seu sangue pela Revolução. Só nos
anos de 1937 e 1938 foram fuzilados quase 700 mil homens sob ordem
estatal. A maioria dos alvos havia permanecido fiel à Revolução
de Outubrofoi um assassinato político em massa sem
igual na história. Stalin se apoiou sobre uma camada social
que era profundamente conservadora e avessa aos ideais da Revoluçãoigualdade
social e internacionalismo: a burocracia no Estado e no Partido.
A luta de frações no Socialist
Workers Party
A luta de frações, que forma o objeto deste livro,
começou um ano depois desta grande limpeza. O impulso para
isso foi o pacto Hitler-Stalin, o pacto de não agressão
entre a União Soviética e os nazistas alemães,
que preparou o caminho para a entrada na Polônia e à
segunda guerra mundial.
Trotsky, já em 1933, chegou à conclusão
de que o Partido Comunista da União Soviética, e
a Internacional Comunista, que era dominada pela burocracia, não
mais poderiam ser reconduzidas ao caminho da política revolucionária,
socialista. O motivo era a derrota da classe operária na
Alemanha, à qual Stalin e o Komintern, em grande medida,
foram co-responsáveis. Moscou impunha ao Partido Comunista
da Alemanha uma política de ultraesquerda e que nos últimos
tempos era já impotente, a qual paralisou e levou à
cisão dos operários alemães e proporcionou
assim a ascensão de Hitler. Como, apesar da catástrofe
alemã, nenhuma seção do Komintern levantou
as conseqüências políticas, Trotsky exortou
a construção de uma nova Internacional Comunista:
a Quarta Internacional. Ela foi fundada em Paris em 1938.
A Quarta Internacional interveio na União Soviética
para a derrubada da burocracia dominante através de uma
revolução política, mas ao mesmo tempo defendeu
as relações de propriedade produzidas pela Revolução
de Outubro. Ela preocupou-se com o destino histórico da
União Soviética não por opção.
Tratava-se de uma sociedade transitória, que poderia tanto
se desenvolver em direção ao socialismo como também
retroceder para o capitalismo. Entre as relações
de propriedade e o regime existente havia uma contradição
fundamental. Assim, o regime da URSS contém um contradição
ameaçadora, escreveu Trotsky no programa de fundação
da Quarta Internacional. Mas é ainda o regime de
um estado operário degenerado. Este é o diagnóstico
social. O prognóstico político coloca como alternativa:
ou expulsar a burocraciaque sempre foi muito mais um instrumento
da burguesia mundial, que repele novas formas de propriedade e
empurra o país para o capitalismo -, ou a classe operária
destrói a burocracia e abre o caminho para o socialismo
(Léon Trotsky. O Programa de Transição.
Essen, 1997, p.120).
Partindo deste caráter contraditório da União
Soviética, a Quarta Internacional intercedeu em sua defesa
na guerra. Trotsky indicou duas coisas fundamentais para isto:
Primeiro, a derrota da URSS colocaria à disposição
do imperialismo novos recursos poderosos e poderia prolongar a
agonia da sociedade capitalista por muitos anos. Segundo, o fundamento
social da URSS, se livrando da burocracia parasitária,
era garantir, naquela situação, o progresso econômico
e cultural de forma ilimitada, enquanto que o fundamento capitalista
não tinha outra alternativa senão mostrar-se como
derrota ulterior. A defesa da União Soviética
por parte da Quarta Internacional não significou apoio
ao regime stalinista, mas estava inseparavelmente unida à
luta contra este regime.
Antes de Stalin ter-se unido a Hitler a União Soviética
gozava de enorme simpatia entre os intelectuais de esquerda e
liberais nos Estados Unidos e na Europa. Isto durou tanto tempo
que muitos apoiaram os processos de Moscou ou pelo menos se calaram,
fazendo pouco caso disso. Na Alemanha, Bertolt Brecht e Lion Feuchtwanger
foram típicos representantes deste gênero.
Em 1935, o Komintern (a III Internacional) abandonou a política
de ultra-esquerda, que havia sido responsável pela catástrofe
alemã e mudou para a política de frente popular.
Até então a Internacional havia recusado andar junto
com a social-democracia, o que agora ambicionava em nome do pacto
de frente popular com a social-democracia e os partidos puramente
burgueses. Desta maneira se rebaixou às classes dominantes
da Grã-Bretanha, França e EUA para vencer, numa
frente comum, a Alemanha nacional-socialista.
A política de frente popular logo deveria ter resultados
devastadores, parecidos com aqueles da política ultra-esquerdista
anterior. Na Espanha e na França, onde os governos de frente
popular haviam dado bons resultados, os stalinistas perseguiram
e reprimiram os operários revolucionários para não
comprometer sua aliança burguesa. Como resultado, na Espanha
venceu o fascismo de Franco e na França a direita assumiu
o poder. Nos EUA, o Partido Comunista apoiou o presidente Franklin
D. Roosevelt e com cuja política do New Dealum
programa de intervenção estatal na economia e medidas
de fomento ao empregoa burguesia americana se preveniu contra
a radicalização da classe operária durante
a grande depressão, após a quebra da bolsa em 1929.
O pacto de não-agressão entre Hitler e Stalin
terminou com o flerte inesperado dos liberais com a União
Soviética. Frustrada com a derrota avassaladora da classe
operária na Alemanha e na guerra burguesa na Espanha, desenganada
com o começo da guerra, a camada pequeno-burguesa mudou
de perspectivas revolucionárias. Em 14 de dezembro de 1939
a União Soviética foi expulsa da Liga das Nações
por causa da invasão da Finlândia. Este ambiente
de revolta não passou sem deixar vestígios nos trotsquistas
americanos.
A origem do Socialist Workers Party remonta ao ano de
1928, quando James P. Cannon, um membro dirigente do Partido Comunista
e a mais antiga liderança do Industrial Workers of the
World, contrabandeia e publica as críticas de Trotzky
ao esboço de programa do Komintern para o Sexto Congresso.
Nos anos seguintes, os trotsquistas americanos ganharam influência
considerável entre os operários industriais, que
haviam se radicalizado nos anos 30 e puderam atrair uma série
de intelectuais estrangeiros, os quais não mais se conformavam
com os crimes do stalinismo. Por fim, reagiram contra a pressão
política que, após o pacto Hitler-Stalin, pesou
sobre seu ambiente social. Eles encontraram dificuldades progressivas
para realizar a defesa da União Soviética.
No outono de 1939 formou-se uma fração, sob a
direção de Max Shachtman, um dos membros fundamentais
do movimento trotsquista americano, e do professor de filosofia
James Burnham. Este exigiu que a Quarta Internacional mudasse
seu programa, como conseqüência dos resultados mais
recentes: depois que Stalin havia se unido a Hitler, a União
Soviética não seria mais um Estado operário
e não precisaria mais ser defendida.
Trotsky opôs-se com veemência e apoiou James P.
Cannon, juntamente com a maioria do Socialist Workers Party,
sob sua presidência. Ele insistiu que a União Soviética
seria ainda um Estado operário, ela estaria, no entanto,
degenerada.
O conflito sobre o caráter da União Soviética
desenvolveu-se como uma ampla luta de frações, girando
em torno da perspectiva histórica do movimento operário
revolucionário e em torno da defesa do marxismo. Foram
colocadas perspectivas ideológicas opostas que ainda hoje
marcam seus efeitos. Partindo de sua recusa em defender a União
Soviética, Burnham e Shachtman desenvolveram-se como referências
de tendências políticas de direita, que durante a
Guerra Fria, e mesmo hoje em dia, representam um papel importante.
Burnham se tornou um ideólogo da direita americana e Shachtman
um burocrata sindical anticomunista.
Essa recusa de defender a URSSpor causa da defesa dos
crimes e da burocracia stalinista que soou inicialmente
como uma posição extremamente radical, na realidade
acabou em uma capitulação ante o imperialismo. A
burocracia stalinista, não obstante, apoiou uma política
reacionária nas relações socialistas de propriedade
que haviam sido produzidas pela Revolução de Outubro.
Devido aos crimes da burocracia, eles recusaram-se a defender
a União Soviética e atribuíram-lhe estas
características que, na verdade, ela não possuía:
eles consideraram a burocracia como a nova classe exploradora,
quando na realidade ela era somente uma úlcera parasitária
no organismo do estado operário.
Dialética materialista
A definição correta da União Soviética
seria resultado de uma aproximação dialética:
não poderia levar em conta isoladamente o caráter
reacionário da camarilha governante e nem as medidas isoladas
tomadas na política exterior, tais como o pacto Hitler-Stalin,
pacto este que, aliás, Trotsky já vinha prevenindo
há muito tempo. No decorrer desta discussão política,
Trotsky viu-se obrigado a aprofundar-se, de forma pormenorizada,
na questão do método marxista.
Se Burnham fosse um materialista dialético,
escreveu ele em um trecho, investigaria as três questões
seguintes:
1. Qual a origem histórica da URSS? 2. Por quais transformações
passou este Estado em sua existência? 3. Estas transformações
passaram de um estágio quantitativo para um estágio
qualitativo? Isto significa que elas produziram a necessária
dominação histórica de uma nova classe de
exploradores?
E continuava Trotsky: Se respondesse a estas questões,
Burnham seria obrigado a convencer-se de que a única conclusão
possível seria aceitar que a URSS é sempre ainda
um Estado operário degenerado.
Burnham, professor de filosofia por profissão, desprezou
a dialética. Shachtman a aceitou, mas, afirmou Trotsky,
até agora nenhum dos dois ainda escreveu ...evidencia-se
que a concordância ou não com as idéias abstratas
anteriores do materialismo dialético afetam necessariamente
as questões políticas concretas de hoje ou de amanhã....
Trotsky voltou-se firmemente contra isto que ele chamava de
ecletismo teórico: O que significa toda essa argumentação
impressionista?. Segundo Trotsky, alguns [desses ecléticos]
argumentam: Porque muitas pessoas atingem com um método
ruim conclusões corretas e porque muitas pessoas com um
método correto, freqüentemente, chegam a conclusões
falsas, porque... o método não é tão
importante.
Para Shachtman, a importância dos partidos e programas
políticos dependia de questões concretas,
ao que responde Trotsky: O partido do proletariado não
é um partido igual a todos os outros... Sua tarefa é
preparar uma revolução social e a transformação
da humanidade a partir de novos fundamentos materiais e morais.
Para não ceder à pressão da opinião
pública burguesa ou à repressão policial,
o proletário revolucionário precisa pôr-se
sob a condução de uma direção que
tenha uma visão de mundo clara, previdente, e plenamente
reflexiva. Somente sob os fundamentos de uma concepção
marxista homogênea é possível aproximar-se
de questões concretas corretamente.
Trotsky sempre retorna a esta questão. Ele nunca escreveu
nenhum manual sobre o materialismo dialético, mas todos
os seus escritos legitimam-no como o mestre do método marxista.
Em defesa do marxismo contém longas passagenscomo
nos artigos Umaoposição pequeno burguesa
no Socialist Workers Party e De um arranhão
para o perigo de gangrenanas quais Trotsky esclarece
questões fundamentais do método marxista numa linguagem
clara e compreensível. Estas passagens fazem parte do que
há de melhor escrito sobre o tema e por si só valem
a leitura do livro.
O caminho para a direita
A via política desenvolvida por Shachtman e Burnham
confirma a advertência de Trotsky de que aqueles que desertam
para o campo da reação burguesa freqüentemente
começam com a recusa da dialética. Sobretudo James
Burnham mostra isso, cujo caminho de ruptura com o SWP levou-o
ao extremo de colaborar na política externa americana,
devendo desempenhar um papel importante como ideólogo anticomunista.
O professor de Filosofia na Universidade de Nova Iorque abandonou,
em 1940, o Socialist Workers Party e fundou, juntamente
com Max Shachtman o Workers Party, mas afastou-se logo
em seguida e transformou-se em um fervoroso anticomunista. Em
1941 ele publicou seu livro mais importante: O regime dos gerentes.
Em 1950, passou a fazer parte como membro dirigente do Congresso
pela Liberdade Cultural, uma organização comandada
pela CIA, que mobilizou os intelectuais para a Guerra Fria. Ele
recomendou uma guerra atômica contra a União Soviética
e colaborou dirigindo a revista de extrema direita The National
Review. Ali ele começou, entre outras coisas, a fazer
campanha para recusar o direito de voto aos trabalhadores negros
e para lançar uma bomba atômica sobre o Vietnam.
Nos anos oitenta, o presidente Ronald Reagan conferiu a Burnham
a medalha da liberdade.
O livro O regime dos gerentes, de Burnham, repete essencialmente
as idéias de Bruno Rizzi, que em seu livro A burocratização
do mundo, surgido em 1939, defendeu a tese de que um coletivismo
burocrático substituiu o capitalismo, e que a burocracia
seria uma nova classe dirigente. Desta forma, ele colocou a economia
planificada soviética, o fascismo italiano, o nacional-socialismo
alemão e o New Deal de Roosevelt todos numa
mesma caracterização.
Trotsky escreveu no seu artigo A URSS em guerra
a respeito desta equiparação entre fascismo e stalinismo:
Todos estes regimes mostram sem dúvida traços
comuns que, afinal de contas, serão determinadas pelas
tendências coletivistas da economia moderna... Características
como a centralização e a coletivização
determinam tanto a política da revolução
como também da contra-revolução. Mas, em
caso algum isto significa que se possa igualar revolução,
thermidor, fascismo e reformismo americano... Mussolini
e Hitler pura e simplesmente coordenaram os interesses
de propriedade e regularam a economia capitalista
e, de mais a mais, numa linha que tinha como finalidade principal
a guerra. Pelo contrário, a oligarquia do Kremlin é
bastante diferente: por isso, só é possível
para ela governar a economia em sua totalidade, porque a classe
trabalhadora da Rússia realizou a grande subversão
das relações de produção na história.
Esta diferença não pode ser perdida de vista.
O livro de Burnham teve grande efeito dentro dos Estados Unidos.
A equiparação contida ali entre o fascismo e o stalinismo
é até hoje uma ferramenta da política burguesa.
Ela se encontra também na teoria do totalitarismo de Hannah
Arendt que, na Alemanha, exerceu influência duradoura.
Assim como Burnham, Arendt apóia-se nas semelhanças
exteriores de ambos regimes, sem levar em consideração
as diferenças de origem histórica, os fundamentos
econômicos e as estruturas sociais. Para ela, a essência
da dominação total manifesta-se como terror, sua
instituição central é o campo de concentração.
Arendt, que estudou com Martin Heidegger e Karl Jaspers, rejeita
expressamente uma análise de classe dos dois regimes, do
mesmo modo que a possibilidade de uma compreensão de leis
históricas. Escreve ela: Neste sentido, a crença
da causalidade na Ciência da História é uma
superstição, que também não é
superada se opusermos à compreensão
histórica a explicação das Ciências
Naturais com uma relação de causa e efeito. Em ambos
os casos, novamente afastamo-nos propriamente do desenvolvimento...
da própria história (Hannah Arendt, Elemente
und Ursprünge totaler Herrschaft. München 1986,
p.705).
Na França, O regime dos gerentes de Burnham apareceu
após a guerra, com um prefácio de Léon Blum,
o chefe do governo de frente popular de 1936, e teve grande êxito.
Sua obra, nos anos sessenta, na Science Po (elite política
universitária), foi leitura obrigatória e exerceu
influência decisiva na elite francesa, escreveu periódico.
Em 1949, foi criado um grupo chamado Socialismo ou Barbárie,
sob a direção de Cornélius Castoriadis, saído
do movimento trotsquista francês, que propagou os escritos
de Hannah Arendt e James Burnham. Antes, pertencia a este grupo
também Jean-François Lyotard, um dos representantes
mais importantes do pós-modernismo.
A evolução à direita de Max Shachtman
decorreu de forma menos rápida que aquela de Burnham, mas
também avançou para a direita. Ainda por quase uma
década ele se manteve em posições de defesa
do socialismo. Porém, quando se iniciou a guerra da Coréia
em 1950, Shachtman e seu séqüito apoiaram a intervenção
militar dos EUA. Por fim, Shachtman se tornou conselheiro da burocracia
anticomunista da associação dos sindicatos americanos
AFLCIO e do Ministério do Exterior dos EUA. Manteve
proximidade com o senador democrata Henry Jackson, um notório
belicista, que rejeitou qualquer compromisso com Moscou. Por sua
vez, do mesmo campo de Jackson tiveram origem vários falcões
do governo George W. Bush: Paul Wolfowitz, Doug Feith, Richard
Perle e Elliot Abrams, que exerceram durante algum tempo altos
postos no Pentágono e participaram ativamente na preparação
da guerra do Iraque.
Limites do anticomunismo
A incapacidade de distinguir entre as origens progressistas
históricas e sociais da União Soviética e
seu regime burocrático reacionário desarmou a massa
da população, quando no começo dos anos noventa
a burocracia passou definitivamente para o outro lado, liquidando
a propriedade social e introduzindo as relações
capitalistas, com apoio ocidental.
Em nome da liberdade e da democraciae
freqüentemente suportada por protestos massivos, nascidos
de uma oposição autêntica contra os dominantesa
burocracia, em aliança com oportunistas e criminosos, organizou
o maior saque da história mundial. Jovens funcionários
de 30 anos de idade da noite para o dia se tornaram bilionários,
somas gigantescas escoaram para o exterior, a infraestrutura social
desmoronousem que, em contrapartida, se fizesse sentir maior
oposição.
A variante do anticomunismo justificada por Burnham e Shachtman
contribuiu de forma eficaz para a desorientação
das massas. Eles se aproveitaram dos crimes do stalinismo para
desacreditar toda e qualquer perspectiva socialista. Eles a divulgaram
amplamente não só nos círculos de direita,
mas encontraram espaço também nos sindicatos e na
social-democracia. O próprio Kurt Schumacher, o primeiro
dirigente do SPD após a guerra mundial, qualificou os comunistas
como fascistas pintados de vermelho.
Contudo, lentamente começaram a clarear os nevoeiros.
O abismo entre propaganda e realidade não pode manter uma
ponte eterna. A guerra no Iraque e a crescente polarização
social provocam resistência, minam as velhas organizações
e levam as pessoas a refletir. A pergunta sobre uma nova perspectiva
coloca-se com urgência. Ela não pode ser respondida
sem se compreender as experiências do último século,
especialmente a experiência da União Soviética.
O socialismo não falhou ali, mas foi suprimido e traído
por uma burocracia corrupta. A burocracia stalinista substituiu
o programa do socialismo internacionalista pela concepção
nacionalista do Socialismo num só país
e subjugou os esforços revolucionários no mundo
inteiro.
Os escritos de Trotsky e o livro em questão formam um
método para compreender esta experiência e fortalecer
a perspectiva do verdadeiro socialismo, que visa a reorganização
internacional da vida econômica para as necessidades humanas
e não para os interesses de lucro das empresas.
Em defesa do marxismo é além do mais uma
introdução valiosa para o estudo do método
marxista. A dialética materialista proporciona uma viva
compreensão científica da realidade em sua permanente
transformação. Ela está em contradição
total com os esquemas sem-vida, abstratos, em que o stalinismo
transformou o marxismo.