Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia16 de setembro de 2006
A Companhia Automobilística Ford anunciou na sexta-feira
um plano de reduzir drasticamente sua produção nos
Estados Unidos, demitindo cerca de um terço dos trabalhadores
assalariados e oferecendo ações aos outros que recebem
por hora de trabalho. Esta medidaa aceleração
e intensificação do plano Caminho Adiante
da companhia, anunciado em janeirovisa uma redução
anual de cinco bilhões de dólares nos custos operacionais
da empresa.
A Ford vai eliminar 14 mil empregos de colarinho branco, ao
invés dos quatro mil propostos no plano original. A isto
se somam os quatro mil empregos já eliminados em 2005.
Ações e opções de aposentadoria precoce
serão oferecidas a todos os 75 mil trabalhadores que recebem
por hora. Na lista anunciada em janeiro, sete fábricas
seriam fechadas nos E.U.A.. Agora duas fábricas foram adicionadas
à listaa Fábrica de Estampagem de Maumee (Ohio)
e a Fábrica de Motores Essex (periferia de Windsor, Ontário).
A companhia fechará ou venderá todas as 17 fábricas
nos EUA e no México compradas pela Ford em outubro de 2005
da fabricante de peças Visteon, que haviam sido reorganizadas
como uma Holding de Componentes Automotivos (HCA). A Ford
fez esta transação no ano passado numa tentativa
de salvar a Visteon da falência. Esta empresa havia sido
desmembrada pela Ford em 2000.
A expansão do programa de reduções foi
noticiada dez dias após o anúncio da substituição
de Bill Ford (bisneto do fundador da empresa, que vinha dirigindo
a empresa há cinco anos) do cargo de chefe-executivo, pelo
ex-executivo da Boeing, Allan Mulally.
A Ford pretende demitir em torno de 44 mil trabalhadores assalariados
e horistas na América do Norteo que representa mais
de um terço da sua capacidade produtiva. Os cortes irão
devastar comunidades em todo o país, com perdas de emprego
e redução do nível de renda, quebrando economias
locais e arruinando bairros operários. O golpe será
particularmente duro em Michigan, onde está localizada
a sede da Ford e onde estão muitas de suas fábricas.
Entre todos os estados do país, Michigan é o que
possui a maior taxa de desemprego7,1%.
A Ford pretende implementar os cortes previstos no plano Caminho
Adiante até o fim de 2008, ao invés de 2012,
como era previsto inicialmente. O Detroit News noticiou
na quinta-feira que as mudanças levadas a cabo pela Ford
acarretarão uma perda de 5,6 a 5,9 bilhões de dólares
neste ano. Se somados os custos de reestruturação,
a perda pode chegar até 9 bilhões de dólares.
A previsão é de que a empresa não obtenha
lucro na América do Norte antes de 2009.
O plano de reestruturação expressa o fim da posição
da Ford, mantida por quase um século, como uma das duas
gigantes empresas automobilísticas do mundo. A participação
da Ford no mercado dos EUA diminuiu de mais de 20% em 2002 para
17% no mês passado. Numa entrevista concedida à imprensa
na sexta-feira pela manhã, televisionada pelos três
canais locais, representantes da companhia reconheceram que seu
objetivo, seguindo à implementação do programa
de enxugamento, era o de manter os modestos 14 ou 15% do mercado.
Recentemente, no fim da década de 90, a Ford controlava
aproximadamente um quarto do mercado da América do Norte.
A companhia tem sido atingida pelo declínio na venda
de modelos esportivos e picape, que geravam altas margens de lucro
e ajudaram a Ford a contrabalancear o prolongado declínio
de sua competitividade. A confiança míope da direção
da empresa em tais veículos, cuja característica
é o elevado consumo de combustível, foi a responsável
por enfraquecer sua posição, quando caiu a venda
de picapes e SUVs em conseqüência dos crescentes preços
da gasolina.
As vendas totais da Ford ao longo do mês de agosto deste
ano caíram 10% em relação ao mesmo período
de 2005, comparadas com um aumento de 11% obtido pela Toyota,
que em breve assumirá o segundo lugar entre as empresas
automobilísticas dos EUA, atrás da General Motors.
A reação de Wall Street sobre o novo plano de
reduções da Ford foi decididamente negativa. O consenso
entre os grandes bancos e entidades de investimento que dominam
o mercado de ações foi o de que as medidas tomadas
pela empresa foram insuficientes. Considera-se que a Ford deveria
liquidar imediatamente os estoques de seus produtos de primeira
linha, as marcas Jaguar e Land Rover, e fechar um maior número
de fábricas.
John Murphy, analista da Merrill Lynch, escreveu numa nota
aos clientes: o plano não é direcionado à
Jaguar ou às vendas de bens. Ele não acelera concretamente
a introdução de produtos... ele não corta
profundamente a capacidade. Está perdendo muito.
A Merrill Lynch reduziu a avaliação da Ford de neutra
para venda.
Na sexta-feira as ações da Ford sofreram uma
drástica queda de 13%, a maior queda num único dia
desde o reinício das cotações após
os ataques terroristas de 11 de setembro.
Os trabalhadores devem entender a frieza da resposta de Wall
Street à sangria da Ford como um sinal da iminente escalada
de ataques sem precedentes aos empregos e ao nível de vida,
já que o capitalismo norte-americano procura colocar o
peso de sua crise sobre as costas da classe trabalhadora. Estes
ataques prejudicarão amplos setores da classe trabalhadora,
como demonstrou a decisão da Ford em realizar um corte
adicional 10 mil empregos de colarinho branco, número superior
àquele anunciado em janeiro. Estas demissões ocorrerão
em exatos seis meses.
Até o fim de 2008 a Ford pretende demitir entre 20 e
30 mil trabalhadores que recebem por hora. Num acordo fechado
com a burocracia da União de Trabalhadores Automobilísticos
(UTA), serão oferecidas a todos os trabalhadores horistas
da Ford da América do Norte ações avaliadas
entre 65 e 140 mil dólares. Os trabalhadores só
saberão os detalhes a respeito das ações
em meados de outubro. Aqueles que aceitarem a proposta deverão
abandonar seus empregos até setembro de 2007.
A Ford cortará sua capacidade produtiva da América
do Norte para 3,6 milhões de unidades até o fim
de 2008, 26% inferior à de 2005. Além das duas fábricas
cujo fechamento foi anunciado na sexta-feira, as outras sete previamente
visadas eram: Atlanta Assembly (Georgia), Batavia transmission
(Ohio), Norfolk Assembly (Virginia), St. Louis Assembly (Missoury),
Twin Cities (Minnessota), Windsor Casting (Ontario) e Wixom Assembly
(Michigan).
De acordo com o comunicado da empresa à imprensa na
sexta-feira, até o fim de 2012, a Ford planeja fechar 16
unidades produtivas da América do Norte.
O novo chefe-executivo Alan Mulally, 61 anos, foi trazido à
Ford com o objetivo de evitar uma catastrófica espiral
descendente e de acelerar o fechamento das fábricas, demissões
e outras medidas que visem a redução dos custos.
Mulally tem 36 anos de experiência na indústria aeroespacial.
Ele é o responsável pela reviravolta no setor comercial
de aviões da Boeing. Segundo boatos, Mulally receberá,
pelos seus serviços prestados à Ford, o pagamento
de uma bolada total equivalente a 20,5 milhões de dólares
no primeiro ano.
Ao contrário dos comentários de Mulally numa
estação local de rádio em Detroit, onde que
ele diz não ser absolutamente o Sr. Ax Man,
seu passado prova outra coisa. Depois do ataque de 11 de setembro,
a Boeing teve que enfrentar os efeitos do enxugamento das linhas
aéreas dos EUA e a dura competição com a
Airbus. Mulally cortou 30 mil empregos e reduziu o número
de modelos de aviões comerciais de 14 para 4.
Tom Buffenbarger, presidente da Associação Internacional
de Mecânicos, negociou dois contratos com Mulally, na Boeing.
Ele disse que, com a presença de Mulally no cargo, a
companhia se dirigia aos trabalhadores com uma machadinha de açougueiro.
Apesar de tudo, Buffenbarger disse que ele e o chefe-executivo
anterior sempre tiveram a habilidade de se comunicar.
Na Ford, a União dos Trabalhadores Automobilísticos
tem sido um instrumento de ajuda aos ataques aos trabalhadores
em nome da redução de custos. Além de concordar,
no ano passado, com ataques sem precedentes aos benefícios
de saúde e pensões, a burocracia da União
negociou acordos locais, abrindo concessões que eliminam
o que quer que tenha sobrado das leis trabalhistas, planos de
carreira, auxílios de segurança e saúde e
proteções contra o aumento da intensidade e da jornada
de trabalho.
Ao aceitar concessões cada vez mais onerosas para os
trabalhadores a fim de salvar a fábrica, a
UTA tem colaborado com a companhia em várias unidades,
quando joga uns trabalhadores contra os outros, numa guerra de
poder. Neste domingo, trabalhadores na Fábrica de Estampagem
Buffalo em Nova Iorque, aprovaram mudanças nas relações
de trabalho, dando à Ford maior flexibilidade.
De acordo com o comunicado da Ford à imprensa, novos
acordos operacionais competitivos foram ratificados pelos representantes
locais da UTA em 30 diferentes unidades da Ford dos EUA e da Holding
(HCA)o que representa uma economia de aproximadamente
600 milhões de dólares anuais.
Típicos foram os comentários de Jerry Sullivan,
presidente da UTA Local 600, que representa os trabalhadores da
fábrica Dearborn Truck, do complexo Rouge da Ford, no sul
de Detroit: nós estamos tentando ao máximo
conseguir preços competitivos para que assim possamos assegurar
nossos empregos e nosso futuro, disse Sullivan. Não
temos a intenção de acomodarmo-nos e simplesmente
perder o emprego.
Durante dois dias os burocratas do alto escalão da UTA
se reuniram à portas fechadas para discutir o projeto de
reestruturação e ajustar os detalhes das ações
que estão sendo oferecidas aos trabalhadores que recebem
por hora. Mediante as ofertas, a Ford não pretende apenas
demitir os trabalhadores representados pela UTA, mas criar as
condições para substituí-los por jovens trabalhadores,
que recebam salários mais baixos, sem os chamados custos
herdados: assistência médica, pensões
e outros benefícios já adquiridos pelos trabalhadores
antigos.
Aos trabalhadores será oferecida aposentadoria precoce,
uma licença de afastamento anterior à aposentadoria,
além de outros incentivos. O programa da Ford é
similar àquele oferecido pela General Motors no começo
deste ano a 113 mil trabalhadores que recebem por hora. Cerca
de 35 mil aceitaram o acordo.
Se considerarmos a Ford e a GM, cerca de 200 mil trabalhadores
do setor automobilístico receberam propostas de incentivos
para abandonar seus empregos neste ano. Esta é uma das
indicações do sangramento dos empregos automobilísticos
nos EUA nas décadas recentes dentre as Três
Grandes, incluindo a Chrysler que, desde 1979, demitiu nada
menos que 600 mil trabalhadores.
A crise atual na Ford possui imensa importância histórica.
Durante os seus 102 anos de história, a Ford foi um símbolo
do poderio industrial do capitalismo norte-americano. O fordismo,
nas primeiras décadas do século passado, se tornou
uma palavra-símbolo de inovações revolucionárias
e avanços produtivos, mais notavelmente a linha de montagem.
A queda da Ford da segunda colocação no ranking
das maiores dos EUA é uma expressão do aprofundamento
da crise e da decadência do capitalismo norte-americano,
que encontra nítida expressão na indústria
automobilística, mas que pode ser encontrada em vários
setores da economianas linhas aéreas, na indústria
de aço, de mineração e em toda a indústria
de base. Nos EUA, o interesse corporativo e a incompetência
desempenham um papel particularmente traiçoeiro diante
do imenso declínio industrial.
Em todos os aspectos da vida econômica, o emprego e o
nível de vida dos trabalhadores são reféns
da dominação da oligarquia financeira e corporativa.