Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 14 de outubro de 2006.
A junta militar que tomou o poder no dia 19 de setembro definiu
seu ministério na segunda-feira (09/10). O rei Bhumibol
Adulyadej aprovou formalmente uma lista de 26 ministros submetidos
ao primeiro-ministro temporário, Sarayud Chulanont, ex-comandante
do exército.
O gabinete, composto predominantemente por burocratas civis,
não passa de uma fachada política para os militares.
As forças armadas, com a bênção do
rei, derrubaram o governo do primeiro-ministro Thaksin Shinawatra,
anularam a constituição e fecharam o parlamento.
O líder do golpe, o general Sonthi Boonyaratkalin, preside
o Conselho de Segurança Nacional (CSN) que, sob uma constituição
provisória, possui poder absoluto sobre as ações
do novo governo.
O ministro da defesa é o general aposentado Boonrawd
Somtas, que estudou com o novo primeiro-ministro. Ele anunciou
na quarta-feira que a lei marcial, que proibiu toda atividade
política e censurou a imprensa, será mantida. Ele
disse que as medidas permanecerão válidas por pelo
menos um mês, já que a situação ainda
encontra-se instável.
O CSN também nomeou uma Assembléia Legislativa
Nacional (ALN), composta por 242 membros, para substituir o parlamento.
Este grupo escolhido a dedo inclui 35 oficiais da ativa ou da
reserva, e 60 funcionários do governo, alguns aposentados
e outros ainda em atividade. Submetida à Constituição
provisória, a Assembléia tem a função
de aprovar leis e fiscalizar a redação de uma Constituição
permanente.
Uma nomeação importante foi a escolha de um muçulmano,
Aree Wongarya, para o cargo de ministro do interior. Seu vice
é Banyat Jansena, ex-líder do Centro de Administração
das Províncias Periférico do Sul abolido por Thaksin
em 2001. Essas indicações são mais uma evidência
de que a motivação para o golpe militar foi a preocupação
com a crescente rebelião separatista no sul do país,
estimulada pelas medidas repressivas de Thaksin.
Líderes muçulmanos da Tailândia receberam
bem as indicações como uma demonstração
de que o novo governo está disposto de resolver o conflito.
O ex-primeiro-ministro da Malásia, Mahathir Mohamad, revelou
na semana passada que ele, juntamente com o atual governo da Malásia,
estiveram envolvidos durante meses em conversas secretas com líderes
militares a fim de negociar um acordo de paz que acabasse com
a rebelião.
A participação de civis no governo é uma
tentativa deliberada de apaziguar as críticas internacionais,
bem como as preocupações dos investidores estrangeiros.
O tecnocrata de maior expressão é o chefe do Banco
Central do país, Peridiyathron Devakula, que se tornou
vice-primeiro-ministro e ministro das finanças. Burocratas
veteranos foram indicados aos ministérios do trabalho,
da agricultura e do comércio. Dentre todos os ministros,
apenas um oficial da ativa foi nomeado - um almirante - para o
ministério dos transportes.
De qualquer forma, para os investidores internacionais, o principal
problema não é a composição dos ministérios,
mas a política econômica. A este respeito, já
surgiram divergências no interior do governo. Como a International
Herald Tribune noticiou no dia 9 de outubro: [O primeiro-ministro]
Surayud impressionou os mercados este mês ao afirmar que
o foco estaria mais voltado a manter felicidade do povo do que
proporcionar o crescimento econômico, e Pridiyathorn garantiu
aos investidores internacionais que a Tailândia permaneceria
comprometida com a economia global.
O jornal não se preocupou em explicar por que os mercados
deveriam ficar impressionados pelo fato de alguém
colocar a felicidade das pessoas acima do crescimento econômico.
Afinal, segundo a ortodoxia predominante entre os defensores do
capitalismo global, as reformas de mercado, o crescimento econômico
e a felicidade das pessoas coincidem. Mas como bem sabem os grandes
investidores, a agenda de reestruturação econômica
do Banco Mundial e do FMI tem resultado no aprofundamento da disparidade
social e no aumento do descontentamento popular na Tailândia,
assim como em outros países.
Tensões econômicas e sociais
O governo apoiado pelos militares está enfrentando os
mesmos dilemas econômicos e políticos enfrentados
pelo antigo governo. Thaksin e seu partido, o Thai Rak Thai (TRT),
venceram as eleições de 2001 e 2005 através
da oposição aberta à submissão do
governo do Partido Democrático às medidas do FMI
impostas após a crise econômica de 1997-1998. Thaksin
conseguiu montar uma base de apoio entre os pobres da cidade e
do campo prometendo um plano de saúde universal, fundos
destinados aos povoados e vilarejos, e empréstimos com
juros baixos concedidos por um Banco Popular.
Enquanto esteve no poder, Thaksin encontrou dificuldades para
conquistar o equilíbrio. Ele implementou medidas populistas
limitadas e ajudou a apoiar os negócios da burguesia tailandesa,
enfrentando a crescente competição internacional.
Com o crescimento da oposição ao seu governo, Thaksin
passou a censurar cada vez mais a imprensa, a assumir uma dura
posição baseada na lei-e-ordem sobre supostos traficantes
de drogas, e a provocar a opinião pública ao reprimir
impiedosamente os separatistas muçulmanos.
Ao mesmo tempo, no entanto, Thaksin ficou sob intensa pressão
internacional para que promovesse privatizações,
cortasse gastos do governo e realizasse outras reformas de mercado,
incluindo um tratado de livre comércio com os EUA. Estas
medidas afastaram setores da classe trabalhadora e da classe média,
bem como setores da elite governante, despertando uma forte luta
política após a vitória esmagadora do TRT
nas eleições do ano passado.
O magnata da imprensa que apoiava Thaksin no passado, Sondhi
Limthongul, começou a organizar protestos anti-Thaksin
em Bangcoc, baseados nas denúncias de corrupção
na venda, ocorrida em janeiro este ano, de $1.9 bilhões
das ações da Shin Corp pertencentes à família
Thaksin. Estas manifestações chegaram a reunir mais
de 100 mil pessoas. Em abril estourou uma crise institucional
em conseqüência do boicote realizado pela oposição
à eleição convocada por Thaksin, que tinha
como objetivo ampliar sua base política. Receando o crescimento
da instabilidade política e social, os militares entraram
em cena para garantir o controle da situação.
Do mesmo modo que Thaksin, a junta está agora tentando
reforçar sua base de apoio através de medidas populistas.
O governo do TRT havia introduzido a assistência médica
por um custo de simbólicos 30 baths. O novo governo deu
um passo além, ao anunciar a abolição desse
pequeno pagamento. Numa visita à base do TRT numa região
agrícola situada no nordeste do país, o primeiro-ministro
Surayud Cholanont disse aos líderes locais: Eu insisto
que nada vai mudar com o novo governo. Os projetos sociais só
vão melhorar, ganhando mais transparência.
O gabinete também engavetou aquilo que era considerado
o eixo central dos planos de reestruturação de Thaksin
- a privatização da empresa de geração
de energia - Electricity Generating Authority of Thailand (EGAT).
O ministro da energia, Piyasuasti Amranand, responsável
pela privatização da EGAT no governo Thaksin, anunciou
a paralisação deste programa. Ele afirmou que o
novo governo se concentrará na promoção da
harmonia social.
O governo já está sob a pressão dos investidores
internacionais. A última edição do Newsweek
noticiou que setores empresariais estão preocupados diante
de mensagens embaralhadas oriundas do governo segundo
as quais poderia se levantar a hipótese de estar havendo
a renovação de práticas protecionistas.
O ministro das finanças, Pridiyathorn, não foi capaz
de garantir aos investidores internacionais que os planos de Thaksin
para grandes projetos de transporte em Bangcoc iriam continuar.
O professor da Universidade Ramkhamaeng, Wuthisak Larpcharoensap,
disse ao Bangcoc Post que o governo é uma
clara imagem da burocracia restaurada ao poder e relembrou
o governo civil dirigido pelo general Prem Tinsulanonda, nos anos
80.
Sem dúvida, alguns na nova junta gostariam de retornar
à era de Prem - poder autocrático fantasiado com
ornamentos democráticos por meio de administradores civis.
Porém, a manutenção de Prem no poder foi
extremamente facilitada devido ao imenso fluxo de investimentos
estrangeiros e de altas taxas de crescimento que fizeram da Tailândia
um dos Tigres Asiáticos. Ao contrário
dos anos 80, quando o crescimento anual do PIB alcançou
13,2%, em 1988, a taxa de crescimento esperada para este ano é
de apenas 4,2%, a menor em cinco anos.
Enfrentando tensões políticas e sociais para
as quais não têm respostas, o governo militar está
procurando consolidar sua posição através
do desmantelamento do TRT. No dia 6 de outubro, o Conselho de
Segurança Nacional anunciou uma nova Corte Constitucional,
composta por nove juízes escolhidos a dedo, liderados pelo
presidente da Suprema Corte, Panya Thanomrod.
No dia 29 de setembro, o general Winai Phattiyahul, membro
do CSN, deixou claro o que se espera dos juízes, quando
disse à imprensa que a principal preocupação
da junta era um possível retorno de Thaksin. Ele disse
que a decisão da Corte de investigar as denúncias
de corrupção dentro do TRT pode ser uma das
medidas para impedir que o Thai Rak Thai volte a conquistar um
grande número de votos populares.
No dia 30 de setembro, o CSN decidiu que todo o membro de qualquer
partido político que for dissolvido pela Corte Constitucional
será proibido de exercer atividades políticas por
cinco anos, assim como foram os membros do governo anterior, de
Thaksin, que não revelaram seus bens financeiros. No dia
2 de outubro, o ex-ministro do trabalho, Somsak Thepsuthin, expulsou
115 membros de sua facção do TRT, incluindo cinco
outros ministros do governo. No dia seguinte, Thaksin renunciou,
manifestando assim o colapso do TRT, que foi construído
fundamentalmente em torno de sua pessoa e de sua fortuna pessoal.