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O que há por trás do escândalo de espionagem da Geórgia: crescentes conflitos entre Rússia e Estados Unidos

Por Simon Whelan
12 Octubre 2006

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 6 de outubro de 2006

A decisão do governo da Geórgia, divulgada no dia 3 de outubro, de libertar quatro oficiais militares da inteligência russa, presos na semana passada sob a acusação de espionagem, não minimizou as hostilidades entre os dois países.

A Geórgia libertou os quatro oficiais sob a custódia da Organização pela Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). A decisão representa um recuo do governo do presidente Saakashvilli, embora ainda persista a intenção de humilhar Moscou.

A polícia da Geórgia expôs os quatro oficiais à imprensa, ainda algemados, diante de um oficial de justiça, que leu para cada um a ordem de deportação. Depois da liberação dos oficiais, Saakashvilli afirmou: “nós não podemos ser tratados como um quintal de segunda categoria de um império emergente”.

O governo russo do presidente Vladimir Putin não está disposto a buscar um entendimento com a Geórgia. Sua resposta foi agressiva, interrompendo por tempo indeterminado as ligações aéreas, marítimas rodoviárias e ferroviárias entre a Rússia e a Geórgia. Foram cancelados todos os vôos para a Rússia saídos de Tbilisi, além dos serviços de travessia do porto do Mar Negro, localizado na Geórgia, que se deslocavam de Poti à Sochi, no litoral russo.

Dando as boas vindas aos quatro oficiais, o Ministro da Defesa, Sergei Ivanov, agradeceu por sua “coragem e honra, características dos oficiais russos”, e comunicou que o vôo que os trouxe deveria ser “o último vindo da Geórgia este ano”.

O serviço postal também foi suspenso. Há a possibilidade das transferências monetárias também serem interrompidas. Alguns negócios da Geórgia em Moscou foram fechados, incluindo um hotel e um cassino de um proprietário georgiano, que foi acusado de lavagem de dinheiro.

Os legisladores russos discutem a possibilidade de proibir que georgianos que residem na Rússia transfiram dinheiro para seu país. Cerca de um milhão de georgianos moram e trabalham na Rússia (sendo que a população da Geórgia é de apenas 4,5 milhões). Eles pagam ao estado caucasiano algo em torno de $1,5 a $2 bilhões por ano, uma soma comparável ao orçamento total da Geórgia.

A Rússia boicota os três mais importantes produtos agrícolas da Geórgia destinados à exportação - vinho, água mineral e laranja. Segundo o Ministro da Defesa, Sergei Ivanov, a sanção imposta à Geórgia não tem data para terminar.

A OSCE, a União Européia e os Estados Unidos pediram para que Moscou retire as sanções punitivas.

O conflito entre a Rússia e a Geórgia ameaça mergulhar a população do sul do Cáucaso num conflito sangrento. É difícil saber se Washington concordou com a prisão dos quatro oficiais ou se estimulou a sua libertação. De qualquer forma, a Geórgia age como um procurador dos EUA, que busca aumentar sua influência geopolítica na região.

O ministro do exterior da Rússia, Sergei Lavrov, culpou os EUA e a OTAN pela crise, declarando que “estamos preocupados com a retórica anti-Rússia proveniente da liderança georgiana, que aponta a Rússia como um inimigo”. Ele disse que as “provocações” da Geórgia se intensificaram desde que Saakashvilli visitou Washington e que considera os planos da Geórgia em se tornar membro da OTAN um catalisador para a crise atual.

No mês passado, foi firmado um acordo entre a OTAN e a Geórgia, “intensificando o dialogo”, o que representa o primeiro passo em direção à incorporação da Geórgia na organização.

Os Estados Unidos e a Inglaterra impediram a aprovação de uma declaração proposta pela Rússia ao Conselho de Segurança da ONU, que repreendia a Geórgia por suas “provocações” e pelo envio de tropas à província de Abkhazia, que fica na fronteira com a Rússia.

No dia 29 de setembro, o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Sean Mc Cormack, , disse que as autoridades norte-americanas acreditavam que o caso não precisava da atenção da ONU e que os dois lados poderiam resolver a situação por si só. Quando questionado a respeito do papel do governo Bush nos recentes acontecimentos, ele respondeu: “eu ouvi reportagens sobre todas essas teorias da conspiração envolvendo os Estados Unidos e sobre a ‘mão oculta’ dos EUA. Francamente, nada disso é verdade”.

De sua parte, Saakashvilli afirmou: “algumas pessoas poderiam considerar que a nossa ação tivesse sido coordenada por Washington. Isso não é verdade”.

Porém, tais declarações possuem pouca importância. Os georgianos frequentemente se orgulham do apoio recebido dos EUA, enquanto os russos estão sempre a denunciá-lo.

O analista político georgiano Ramaz Sakvatrelidze escreveu: “nós não estamos sozinhos. Existem muitos outros países que se opõe à Rússia. Estamos envolvidos numa difícil luta política, mas somos apoiados enquanto opositores da Rússia”. Gia Khukhashvili, ao escrever no Rezonansi, insistiu que “os Estados Unidos são claramente um parceiro estratégico da Geórgia, provando isso em inúmeras ocasiões por meio de seu apoio. Atualmente, se não tivéssemos a sua ajuda, estaríamos numa situação difícil”.

Sergy Strokan comentou no Kommersant russo: “a Geórgia - e não somente a Geórgia - deve receber massivo apoio norte-americano num futuro próximo. Há uma nova rivalidade entre Moscou e Washington, garantida por meio de mentiras e de crescentes acontecimentos envolvendo sempre um terceiro país. Não importa se é a Geórgia ou a Ucrânia, a Síria ou o Irã, a China ou a Venezuela. As relações russo-americanas, que estão passando a se basear no princípio do olho por olho, tornaram-se uma chave para compreender grande parte das políticas internacionais”.

Membros do parlamento russo exigem uma ação militar direta contra a Geórgia. O representante da câmara superior, Sergei Mironov, descreveu as acusações de espionagem como “opressão policial ou um peculiar ataque preventivo à Rússia”.

A Rússia possui 4.000 homens em duas bases militares localizadas na Geórgia, além de 2.500 posicionados em duas províncias de fronteira, Abkhazia e Ossetia do Sul. Anteriormente à libertação dos quatro oficiais, o comandante das forças russas dentro da Geórgia, General Andrei Popov, autorizou o uso de forças letais - “atirar para matar” - para conter qualquer agressão georgiana.

A Rússia tem a intenção de impedir o que considera um desafio à sua autoridade, inspirado pelos EUA, numa área há muito tempo considerada como sua esfera de influência.

No domingo passado, antes da libertação dos oficiais, Putin realizou um encontro de emergência com ministros, líderes das forças armadas e chefes dos serviços de inteligência, para discutir a resposta russa às prisões. Dirigindo sua ira a Washington, ele disse: “essas pessoas pensam que eles podem se sentir confortáveis sob o teto de seus apadrinhados... Será que realmente é assim?”

Em 22 de setembro, respondendo à intenção da Geórgia de aderir à OTAN, o ministro de defesa da Rússia, Ivanov, afirmou: “estamos treinando ativamente duas brigadas de montanhas com os equipamentos mais modernos. Ambas serão alocadas junto à fronteira com a Geórgia. Então a segurança russa não terá problemas se a Geórgia ingressar na OTAN”.

A liderança georgiana acusou Moscou de apoiar as províncias fronteiriças de Abkhazia e Ossetia do Sul. No dia 30 de setembro, Putin se reuniu com Sergei Bagapsh e Eduard Kokity, os respectivos líderes das duas regiões, no resort de Sochi no Mar Negro, que faz fronteira com a Geórgia, e disse que a reunião era um “fórum de investimento”.

Este conflito é originado por grandes interesses econômicos. A região do sul do Cáucaso é um o sustentáculo de toda a Eurásia. Pela Geórgia cruza o oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan, que vai do Mar Cáspio, no Azerbaijão, à costa turca do Mediterrâneo. Ela está situada entre os mares Negro e Cáspio, na periferia imediata do Oriente Médio e da Ásia Central, onde se encontra a maior parte de uma decisiva reserva de energia.

O governo norte-americano está determinado a assegurar seu controle sobre o gás e o petróleo do Mar Cáspio, que representa 3 a 4 por cento da reserva mundial. Mas a Rússia demonstrou que também está determinada a lutar por estes recursos naturais.