Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 19 de Outubro de 2006
Os Tigres de Libertação do Tamil Eelam [LTTE]
levaram a cabo dois grandes ataques contra o exército do
Sri Lanka nos últimos três dias, aumentando a probabilidade
de um agravamento da guerra civil, que explodiu no final de julho.
Ao menos 102 pessoas morreram e 150 ficaram feridas, em sua
maioria marinheiros, num ataque suicida ocorrido na segunda-feira,
em Habarana, situada a cerca de 170 km a nordeste da capital,
Colombo. O lugar é um ponto de trânsito de marinheiros
e soldados vindos dos acampamentos do exército localizados
na região leste de Tricomalee.
Um suicida dirigiu um caminhão carregado de explosivos
em direção a uma área onde estavam estacionados
20 ônibus destinados a conduzir 350 pessoas ligadas à
marinha. Embora ainda não tenha assumido formalmente a
responsabilidade pelos ataques, o LTTE é o principal suspeito,
pois possui um longo histórico de atentados suicidas.
Ontem, cinco botes do LTTE abastecidos de explosivos atacaram
a principal base naval na cidade de Galle, ao sul. Os detalhes
ainda são imprecisos, mas aparentemente duas embarcações
navais foram danificadas. De acordo com o exército, dois
soldados morreram na colisão e outros 26, incluindo vários
civis, ficaram feridos. Todos os 15 rebeldes morreram.
O governo de Colombo imediatamente denunciou os ataques. O
porta-voz da defesa Keheliya Rambukwella disse que o bombardeio
de Habarana é um bárbaro ato terrorista.
Isso mostra claramente que a paz não está
entre as intenções do LTTE e que eles não
se importam com a opinião internacional.
Os militares reagiram com ataques aéreos às áreas
controladas pelo LTTE, usando jatos israelenses, um dos quais
quebrou logo após ter decolado. De acordo com as notícias
do LTTE, um grande número de civis, incluindo duas meninas,
foram mortos e feridos durante os ataques, que tinham como alvo
a torre de transmissão da rádio do LTTE, entre outros.
Além destes, outros ataques aéreos foram realizados
ontem, em conseqüência da colisão de Galle.
Os conflitos ocorrem em meio às preparações
para as negociações de paz, que serão realizadas
em 28 e 29 de outubro em Genebra. O enviado especial do Japão,
Yashushi Akashi, esteve em Colombo na segunda-feira para se encontrar
com o presidente Mahinda Rajapaks, enquanto o enviado norueguês,
Jon Hanssen-Bauer, e o assistente da Secretaria de Estado norte
americana, Richard Boucher, já confirmaram suas presenças
no Sri Lanka nesta semana.
Rambukwella e outros porta-vozes estão procurando explorar
os ataques para conquistar o apoio dos países ricos nas
negociações, tentando com isso pressionar o LTTE.
Mas a principal responsabilidade pela crescente guerra é,
acima de tudo, do governo Rajapakse, que tentou, em julho, desapropriar
de maneira violenta a barragem de Mavilaru, que está dentro
do território do LTTE. O ataque foi obviamente uma ruptura
no cessar fogo firmado em 2002.
A ação violenta de Rambukwella contra o ataque
terrorista de Habarana e suas declarações
de apoio a negociações de paz são completamente
hipócritas. Na semana passada, somente alguns dias após
terem sido confirmadas as negociações em Genebra,
o exército realizou mais uma ofensiva contra o LTTE, em
Muhamalai, situada no estreito corredor para a península
de Jaffna, ao norte.
Inicialmente o governo afirmou que as ações militares
foram defensivas - que é o pretexto oficial
para todos os ataques ocorridos nos últimos três
meses. Em seguida, ficou evidente que isso era mentira. O ataque
se tornou uma catástrofe assim que os soldados entraram
em confronto com os combatentes do LTTE. O saldo foi 130 soldados
mortos e mais de 500 feridos em violentas lutas. O exército
foi finalmente forçado a recuar.
Mais da metade dos soldados mortos foi deixada no território
do LTTE. O LTTE entregou os corpos ao exército formalmente,
por meio da Cruz Vermelha Internacional. A Missão de Monitoramento
do Sri Lanka [SLMM], que supervisiona o cessar fogo, declarou
diplomaticamente: a devolução dos 75 soldados
mortos pelos Tigres demostra que o exército tem realizado
crescentes ataques em áreas rebeldes.
Corajosamente, o governo forjou uma justificativa, segundo
a qual o ataque, e em conseqüência, a derrota, foram
de responsabilidade de um oficial desqualificado. A versão
mais elaborada foi dada por Iqbal Athas, que possui laços
próximos ao comando militar, em sua regular Notícia
da Situação na Sunday Times do último
final de semana. Athas afirmou categoricamente que nem o presidente
nem o Conselho Nacional de Segurança sabiam qualquer coisa
a respeito da ação militar. Se houve realmente
uma forte ofensiva militar [em Muhamalai], o que parece ser o
caso, a liderança política estava completamente
desinformada. O alto comando militar também não
sabia de nada, com exceção de um oficial que tentou
persuadir um colega entusiasta a não seguir
adiante, repetiu Athas diversas vezes ao longo do artigo.
Todavia, a ofensiva não era um grande segredo. O LTTE
havia manifestado ao SLMM sua preocupação sobre
as preparações para o ataque dois dias antes dos
mesmos. A ofensiva envolveu um grande número de tropas
apoiadas por veículos armados e apoio aéreo. O aviso
do LTTE foi divulgado na imprensa local e internacional. É
um absurdo dizer que Rajapakse e os chefes da defesa tenham lido
os avisos e não feito nada, especialmente por eles saberem
que isso impediria as negociações de paz.
A verdade é que essa frágil história foi
inventada para evitar um maior constrangimento. Como observou
Athas: mais do que qualquer outra coisa, a absurda operação
conduzida na quarta-feira sem o conhecimento de qualquer liderança
política e contra as intenções dos oficiais
superiores, causou enormes constrangimentos a Mahinda Rajapakse.
Sua credibilidade passou a ser questionada pela comunidade internacional.
Em torno das preparações para as negociações
de Genebra, a estratégia não declarada do governo
tem sido a de enfraquecer o LTTE o quanto for possível.
A ofensiva em Muhamalai é apenas uma das diversas operações,
incluindo os distritos de Sampur e Batticaloa, apontados como
territórios ocupados pelo LTTE. De maneira nada surpreendente,
o LTTE contra-atacou, a fim de tentar marcar sua posição,
não deixando de priorizar as negociações.
O porta-voz do governo, Rambukwella, denunciou o LTTE por matar
marinheiros desarmados na segunda-feira. Um ataque
ao pessoal da marinha, armado ou não, constitui um alvo
militar muito mais legítimo do que o bombardeio aéreo
e terrestre indiscriminado em áreas do LTTE. Em agosto,
Rambukwella defendeu o bombardeio de uma escola que matou diversas
estudantes, declarando hipocritamente que os mortos eram crianças
soldados. Nesta ocasião ele não se preocupou
com o fato dessas crianças soldados estarem
desarmadas.
Tal propaganda é parte dos esforços do governo
em criar uma histeria anti-Tamil para justificar uma guerra que
grande parte da população não deseja. Seguindo
o ataque do LTTE em Galle, dia 18 de outubro uma multidão
Sinhala chauvinista atacou lojas de propriedade de Tâmeis
no local, jogando pedras e quebrando janelas. Rambukwella culpou
o LTTE por tentar provocar um tipo de retrocesso,
mas ele e o governo são os responsáveis por criar
a atmosfera atual.
O governo de Rajapakse é sustentado por partidos Sinhala
extremistas, incluindo o Janatha Vimukthi Peramuna (JVP), que
vem fazendo abertas campanhas pela guerra. Após o ataque
em Galle, o JVP encorajou o governo a não participar das
negociações em Genebra. Nós insistimos
que o governo desista de retomar as negociações
de paz em Genebra, declarou demagogicamente o líder
parlamentar do JVP, Wimal Weerawansa. Já é
tempo para o enviado de paz do governo parar de passar suas roupas
para ir a Genebra.
Entretanto, a reação mais significativa veio
do governo Bush. O porta-voz do Departamento de Estado, Sean McComack,
condenou o ataque de segunda-feira em Habarana, declarando que
há muito tempo o governo norte-americano já
caracterizou o LTTE como uma organização terrorista
estrangeira, e insiste que o LTTE deve renunciar ao
uso do terror. Formalmente, Washington ainda apóia
o tal processo de paz. Todavia, na prática, os EUA ignoraram
o aprofundamento constante do conflito, desde que Rajapakse foi
eleito em novembro. Obviamente McComack não tinha nada
a dizer a respeito da ofensiva militar da última semana,
em Muhamalai.
O decisivo apoio do governo Bush a Rajapakse tem sido um fator
determinante para encorajar o governo e o exército a ignorar
o acordo de cessar-fogo firmado em 2002 e realizar ofensivas contra
o LTTE.