Esta é a primeira das três partes de um artigo
sobre a recente intervenção militar australiana
no Timor Leste. Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente
em inglês, no dia 27 de Julho de 2006.
Após seis semanas do desembarque de tropas australianas
no Timor Leste em 24 de maio, o primeiro-ministro do país,
Mari Alkatiri, foi forçado a renunciar e o então
ministro do exterior, Jose-Ramos Horta, que não faz nenhum
segredo de sua simpatia pelos EUA e Austrália, foi instalado
em seu lugar.
Se alguém acreditasse na mídia australiana, Canberra
não teria nenhuma participação nesses eventos.
Agindo pelos motivos mais evidentes, o primeiro-ministro australiano,
John Howard, enviou forças militares, no fim de maio, para
proteger os timorenses de uma súbita e amplamente inexplicável
explosão de violência étnica entre orientais
e ocidentais. Desde então, a história
continua, a Austrália permaneceu como um árbitro
neutro, se mantendo acima do conflito político em Dili.
Segundo o Sydney Morning Herald, o novo primeiro ministro seria
o homem certo para o Timor Leste.
Na realidade, o que aconteceu foi um golpe político
incitado pela Austrália. Assim que as tropas desembarcavam,
a declaração pública de Howard, que o Timor
Leste não estava sendo bem governado, deu o sinal para
a avalanche de propagandas na mídia australiana demonizando
Alkatiri como um político ausente, autocrata e marxista.
Insistentes queixas sustentavam que ele teria inteira responsabilidade
pela violência e foi proposta a renúncia de Alkatiri,
para que Ramos-Horta e Xanana Gusmão ocupassem o cargo,
ambos que apoiavam a campanha promovida pela Austrália
para destituir o primeiro-ministro.
Alkatiri recusou-se a ceder imediatamente e Gusmão não
possuía o poder constitucional para destituí-lo
sem o apoio do parlamento, onde o Fretilin, o partido de Alkatiri,
tem uma ampla maioria. Então uma nova estratégia
foi empregada. A rede de TV estatal Australian Broadcasting Corporation
(ABC) colocou no ar o programa Four Corners em 19
de Junho, no qual espalhou fantásticas declarações
dos inimigos políticos de Alkatiri, de que o primeiro-ministro
tinha aprovado a formação de um esquadrão
da morte para assassinar seus oponentes. Totalmente à
parte do caráter dúbio e insustentável das
acusações, o programa convenientemente ignorou o
fato que os soldados rebeldes e oficiais da polícia que
realizaram essas acusações eram claramente culpados
de pegar em armas contra o Estado.
Gusmão e Horta foram simpáticos aos
líderes rebeldes como o Major Alfredo Reinado,
uma personalidade dúbia que treinou em 2005 na Academia
de Defesa australiana em Canberra e que tornou-se um dos prediletos
da mídia australiana. Reinado tinha prometido sua lealdade
a Gusmão e saudou a chegada das tropas australianas. Ele
também abertamente ameaçou iniciar uma guerra civil
se Alkatiri não fosse destituído. Ninguém
em Dili, Canberra ou na mídia australiana nunca levantou
a questão de sugerir que Reinado e seus companheiros rebeldes
poderiam ser acusados de traição. Ao invés
disso, Gusmão enviou uma fita do programa da ABC para Alkatiri,
com todas as acusações não comprovadas, e
com uma carta exigindo a sua renúncia imediata.
Apenas uma semana mais tarde, em 26 de Junho, Alkatiri renunciou.
Mas, apesar disso, o Fretilin permaneceu como o maior partido
no parlamento, com o direito constitucional para nomear um novo
primeiro-ministro, com o direito, inclusive, de o manter no posto.
Para forçar a submissão do Fretilin, Gusmão
ameaçou ignorar a constituição, dissolver
o parlamento e escolher o seu próprio governo interino,
aguardando novas eleições. Uma vez mais o Fretilin
capitulou. Ramos-Horta, que, como Gusmão, não foram
membros do Fretilin por muitos anos, foi incluído entre
as três indicações do Fretilin ao cargo. Em
10 de Julho, estava ele, convenientemente, prestando o juramento
como primeiro-ministro.
Enquanto o governo de Howard foi particularmente modesto em
reconhecer seu papel, o jornal de Rupert Murdoch, o The Australian
foi bem menos discreto. Em um comentário em 3 de Junho,
o editor internacional Greg Sheridan declarou de forma incisiva:
Certamente se Alkatiri permanecesse como primeiro-ministro
no Timor Leste, isso seria uma chocante denúncia da impotência
australiana. Se não se consegue traduzir o esforço
de 1300 soldados, 50 policiais, centenas de aliados, múltiplos
auxílios e uma importante missão internacional de
ajuda em uma influência suficiente para livrar-se de um
desastrado primeiro-ministro marxista, então você
não é muito hábil na arte de influenciar,
tutelar, patrocinar e, em suma, de promover o interesse nacional.
Na sua forma crua, Sheridan estava simplesmente prenunciando
aquilo que iria acontecer. Canberra despudoradamente explorou
e manipulou as divisões entres as facções
da elite política do Timor Leste para instalar o homem
que desejava. As primeiras ações de Ramos-Horta
foram de insistir que a Austrália poderia liderar qualquer
nova missão da ONU no Timor Leste e, o mais importante,
garantir que o parlamento poderia rapidamente ratificar um perigoso
acordo entre o Timor Leste e a Austrália a respeito da
divisão de rendimentos da reserva de gás Grande
Alvorada. Em meio a outros interesses, a hostilidade do governo
australiano a Alkatiri originou-se de sua recusa em ceder totalmente
aos planos de Canberra quanto às reservas de petróleo
e gás sob o mar do Timor, estimadas em 30 bilhões
de dólares.
Rivalidades inter-imperialistas
Os eventos das últimas semanas brotaram organicamente
das antigas relações da Austrália com o Timor
Leste, nas quais o interesse pelo bem-estar do povo do Timor Leste
nunca foram um fator importante. Howard, como seus predecessores
Trabalhistas e Liberais, apoiaram a invasão do Timor Leste
em 1975 pela ditadura de Suharto e sua subseqüente anexação
como antiga colônia portuguesa. O interesse de Canberra
estava centrado sobre o controle das substanciais reservas de
petróleo e gás no Mar do Timor, que foi assegurado
em 1989 sob um tratado feito com a Indonésia (o Timor Gap
Treaty).
Após a queda de Suharto, em 1998, a Austrália
encarou a possibilidade de que o tratado seria declarado nulo
e inválido. A antiga metrópole colonial, Portugal,
em aliança com os líderes do Timor Leste, pressionava
pela independência do país, como uma forma de ganhar
influência. Desde que a ONU nunca havia reconhecido formalmente
a anexação à Indonésia, um estado
separado poderia muito bem eliminar o acordo de Canberra com Jakarta,
particularmente, se esse acordo fôsse contra as leis internacionais.
A elite australiana fez os cálculos necessários
e efetuou uma abrupta mudança de posição.
Repentinamente, tornaram-se defensores dos direitos do povo do
Timor Leste e apoiaram a independência. Utilizando
a violência empregada pelas milícias pro-Indonésia
antes e depois do referendo - supervisionado pela ONU em 1999
pela independência - como um pretexto, o governo de Howard
despachou tropas para o Timor Leste. Seu real objetivo era antecipar-se
ao rival australiano, Portugal.
A perspectiva de independência para o Timor
Leste nunca foi viável. Na era da produção
globalizada, qualquer nação, não importa
o tamanho, é sujeita aos ditados das maiores corporações
trans-nacionais e do capital internacional móvel. Um pequeno
Estado em uma península empobrecida, com a população
de menos de um milhão de pessoas, nunca poderá ser
independente das potências regionais e globais,
ou de várias instituições financeiras internacionais,
como o Banco Mundial e o FMI. A rivalidade inter-imperialista
pelos lucrativos recursos do Timor Leste apenas se intensificaram
depois que o país foi transformado em um protetorado da
ONU. O seu Representante Especial do Secretário Geral,
o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, tinha todos os poderes
de um vice-rei colonial.
Ora, está em jogo não apenas o petróleo
e gás do Mar do Timor, mas a localização
estratégica da ilha exatamente entre importantes rotas
navais e de carga, no cruzamento dos oceanos Índico e Pacífico.
O apoio de Washington às ambições de Canberra
no Timor Leste foi conjugado com a crescente rivalidade entre
os EUA e a China pela influência na Ásia. O Pentágono
há muito observou que a região marítima dos
desfiladeiros de Ombai e Wetar (ambas no Timor Leste) é
um dos pontos de bloqueio marítimo cruciais
em qualquer conflito militar na região do Pacífico
Asiático. Da mesma forma, Portugal, apoiado pela União
Européia, viu o Timor Leste como um importante posto avançado
na luta pela influência na Ásia, uma região
que assumiu importância crítica com a emergência
da China e da Índia como maiores plataformas de trabalho
super-explorado do mundo.
As rivalidades inter-imperialistas encontram sua expressão
na política de facções em Dili. A liderança
do Fretilin sempre se espelhou em Portugal. O próprio Fretilin
foi forjado, não na luta contra a dominação
colonial portuguesa, mas contra a anexação do Timor
Leste á Indonésia e sua repressiva dominação
militar. Os líderes do partido foram extraídos da
elite educada em Portugal, e usaram a chamada identidade
portuguesa do Timor Leste em sua campanha pela independência
da Indonésia. O programa do Fretilin não era marxista,
mas ele promovia reformas sociais e democráticas básicas
que restam a uma economia capitalista nacionalista.
Aos oponentes à agenda do Fretilin incluem-se Horta
e Gusmão, que romperam com o partido e viam esse programa
reformista limitado como muito radical. Gusmão virou-se
diretamente para as forças políticas mais reacionárias
e de direita no Timor Leste, incluindo a Igreja Católica
e a UDT, que deu apoio à incorporação do
país à Indonésia. O líder da UDT,
Mário Carrascalao, o maior plantador de café da
ilha, serviu como governador de província por uma década
sob a ditadura da Indonésia. Essas camadas vêem o
marxista Fretilin como uma barreira intolerável
para o capital estrangeiro e para suas ambições
pela exploração desimpedida dos recursos e do trabalho
super-explorado da ilha.
Pouco antes da queda de Suharto em 1998, Gusmão, com
o apoio de Portugal, engendrou uma grande coalizão de união
nacional - o Conselho Nacional da Resistência Timorense
(CNRT) - que incluiu o Fretilin, assim como a UDT, líderes
da igreja e indivíduos como Horta. O Fretilin, entretanto,
permaneceu como a força dominante dentro do CNRT, porque
ele foi popularmente reconhecido como tendo liderado uma difícil
e corajosa luta contra 24 anos de uma brutal ocupação
da Indonésia.
Alcançando seu objetivo por um referendo patrocinado
pela ONU, o CNRT começou a romper-se sob o mandato da ONU.
Apesar dos esforços de Gusmão em manter uma ampla
coalizão onde permaneceria sua influência, o Fretilin
aumentou significativamente seu papel como força política
dominante.
Este efeito produziu um efervescente ressentimento nos círculos
da elite dominante australiana. Apesar de ter fornecido a maioria
das tropas na intervenção militar da ONU em 1999,
Canberra achou que seu rival Portugal estava ganhando força
política através de seus laços com o Fretilin.
Na manobra política que aconteceu em direção
à independência formal em Maio de 2002, o governo
de Howard confiou cada vez mais nos oponentes do Fretilin.
Tanto Gusmão quanto Ramos-Horta tem conexões de
longa data com a Austrália - Horta durante seu exílio
e Gusmão através de sua esposa australiana, Kirsty
Sword.
Gusmão fez um apelo consciente às várias
camadas anti-Fretilin na base da união nacional.
Em torno dele reuniram-se aqueles cujas posições
foram ameaçadas pela ascendência do Fretilin - antigos
oficiais e policiais na administração provincial
indonesiana, homens de negócio desejando acesso imediato
para oferecer aos investidores estrangeiros, e a Igreja Católica,
que se opôs às idéias seculares do Fretilin
em separar a Igreja do Estado. Tanto que a divisão geográfica
existiu, e isso refletiu o fato que as bases do Fretilin foram
tradicionalmente as áreas mais a leste da ilha - aquelas
onde mais se conduziu a guerrilha - do que nas regiões
mais desenvolvidas, no oeste, com suas ligações
com a província indonesiana do Timor Oeste. Gusmão,
que estabeleceu laços estreitos com o regime indonésio
durante sua prisão em Jakarta, clamou pela reconciliação
com a Indonésia.
As diferenças políticas explodiram na eleição
para uma assembléia constituinte em Agosto de 2001. O Fretilin
ganhou uma absoluta maioria - 55 de 88 cadeiras. Seu rival mais
próximo, com sete cadeiras, foi o Partido Democrático
(PD), formado pouco antes da eleição. O PD apelou
para a juventude, pessoas que viram poucas oportunidades de progresso
em um estado liderado pelo Fretilin, onde o português, falado
por poucos timorenses, poderia ser a língua oficial. O
partido de Mário Carrascalao, o Partido Social Democrata
(PSD) ganhou apenas seis cadeiras.
O Fretilin propôs uma constituição parlamentar
secular, que poderia assegurar a continuidade da dominação
do partido. Seus oponentes apoiaram a iniciativa de Gusmão
por um sistema presidencial, baseado na frente de unidade
nacional, na qual ele manteria poder completo. O Fretilin
prevaleceu e, com o apoio da ONU, transformou a assembléia
constituinte no primeiro parlamento. As amarguras entre as facções
ressurgiram durante as eleições à presidência
em abril de 2002. O Fretilin não lançou um candidato,
permitindo a Gusmão vencer com uma avassaladora maioria.
Mas Alkatiri sutilmente anunciou que ele poderia lançar
uma campanha pelo voto em branco, enquanto outros líderes
do Fretilin deram um apoio silencioso ao oponente nominal de Gusmão.
Na medida que Canberra estava preocupada, o resultado do processo
supervisionado pela ONU foi um desastre. Aqueles em Dili mais
simpáticos aos interesses australianos estavam, claramente,
sendo deixados de lado. Enquanto Gusmão tornava-se presidente,
ele tinha poderes constitucionais limitados. Além disso,
o governo do Fretilin rapidamente tornou claro que ele não
iria simplesmente submeter-se aos ditados de Canberra. Uma semana
antes da independência formal, o governo de Howard levou
Alkatiri a Canberra em um jato VIP para pressioná-lo a
finalizar um acordo cedendo o maior dos campos de petróleo
e gás do Mar do Timor - A Grande Alvorada - à Austrália.
Mas Alkatiri recusou-se a cooperar.
A jornalista australiana Maryann Keady, em um recente artigo
intitulado Golpe Imperialista no Timor Leste, aponta
que a movimentação contra o novo governo começou
assim que a independência foi declarada. A
campanha para destituir Alkatiri começou, pelo menos, há
quatro semanas atrás, ela escreveu.Lembro do
dia depois que um oficial norte-americano começou a contar
estórias da corrupção de Alkatiri quando
eu era freelancer da rádio ABC. Eu investiguei
as declarações - e não achei nada - mas estava
mais preocupada com o conteúdo da crítica feita
pelos oficiais americanos e australianos que claramente queriam
era dar um fim a esse problema, ou seja, o primeiro-ministro....
Depois que entrevistei os maiores líderes políticos,
ficou claro para mim que não iriam parar até livrarem-se
do primeiro-ministro do Timor Leste.