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WSWS : Portuguese

Como a Austrália orquestrou a “mudança de regime” no Timor Leste

Parte 1

Por Peter Symonds
12 Octubre 2006

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Esta é a primeira das três partes de um artigo sobre a recente intervenção militar australiana no Timor Leste. Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 27 de Julho de 2006.

Após seis semanas do desembarque de tropas australianas no Timor Leste em 24 de maio, o primeiro-ministro do país, Mari Alkatiri, foi forçado a renunciar e o então ministro do exterior, Jose-Ramos Horta, que não faz nenhum segredo de sua simpatia pelos EUA e Austrália, foi instalado em seu lugar.

Se alguém acreditasse na mídia australiana, Canberra não teria nenhuma participação nesses eventos. Agindo pelos motivos mais evidentes, o primeiro-ministro australiano, John Howard, enviou forças militares, no fim de maio, para proteger os timorenses de uma súbita e amplamente inexplicável explosão de violência étnica entre “orientais” e “ocidentais”. Desde então, a história continua, a Austrália permaneceu como um árbitro neutro, se mantendo acima do conflito político em Dili. Segundo o Sydney Morning Herald, o novo primeiro ministro seria o “homem certo” para o Timor Leste.

Na realidade, o que aconteceu foi um golpe político incitado pela Austrália. Assim que as tropas desembarcavam, a declaração pública de Howard, que o Timor Leste não estava sendo bem governado, deu o sinal para a avalanche de propagandas na mídia australiana demonizando Alkatiri como um político ausente, autocrata e marxista. Insistentes queixas sustentavam que ele teria inteira responsabilidade pela violência e foi proposta a renúncia de Alkatiri, para que Ramos-Horta e Xanana Gusmão ocupassem o cargo, ambos que apoiavam a campanha promovida pela Austrália para destituir o primeiro-ministro.

Alkatiri recusou-se a ceder imediatamente e Gusmão não possuía o poder constitucional para destituí-lo sem o apoio do parlamento, onde o Fretilin, o partido de Alkatiri, tem uma ampla maioria. Então uma nova estratégia foi empregada. A rede de TV estatal Australian Broadcasting Corporation (ABC) colocou no ar o programa “Four Corners” em 19 de Junho, no qual espalhou fantásticas declarações dos inimigos políticos de Alkatiri, de que o primeiro-ministro tinha aprovado a formação de um “esquadrão da morte” para assassinar seus oponentes. Totalmente à parte do caráter dúbio e insustentável das acusações, o programa convenientemente ignorou o fato que os soldados rebeldes e oficiais da polícia que realizaram essas acusações eram claramente culpados de pegar em armas contra o Estado.

Gusmão e Horta foram “simpáticos” aos líderes rebeldes como o “Major” Alfredo Reinado, uma personalidade dúbia que treinou em 2005 na Academia de Defesa australiana em Canberra e que tornou-se um dos prediletos da mídia australiana. Reinado tinha prometido sua lealdade a Gusmão e saudou a chegada das tropas australianas. Ele também abertamente ameaçou iniciar uma guerra civil se Alkatiri não fosse destituído. Ninguém em Dili, Canberra ou na mídia australiana nunca levantou a questão de sugerir que Reinado e seus companheiros rebeldes poderiam ser acusados de traição. Ao invés disso, Gusmão enviou uma fita do programa da ABC para Alkatiri, com todas as acusações não comprovadas, e com uma carta exigindo a sua renúncia imediata.

Apenas uma semana mais tarde, em 26 de Junho, Alkatiri renunciou. Mas, apesar disso, o Fretilin permaneceu como o maior partido no parlamento, com o direito constitucional para nomear um novo primeiro-ministro, com o direito, inclusive, de o manter no posto. Para forçar a submissão do Fretilin, Gusmão ameaçou ignorar a constituição, dissolver o parlamento e escolher o seu próprio governo interino, aguardando novas eleições. Uma vez mais o Fretilin capitulou. Ramos-Horta, que, como Gusmão, não foram membros do Fretilin por muitos anos, foi incluído entre as três indicações do Fretilin ao cargo. Em 10 de Julho, estava ele, convenientemente, prestando o juramento como primeiro-ministro.

Enquanto o governo de Howard foi particularmente modesto em reconhecer seu papel, o jornal de Rupert Murdoch, o The Australian foi bem menos discreto. Em um comentário em 3 de Junho, o editor internacional Greg Sheridan declarou de forma incisiva: “ Certamente se Alkatiri permanecesse como primeiro-ministro no Timor Leste, isso seria uma chocante denúncia da impotência australiana. Se não se consegue traduzir o esforço de 1300 soldados, 50 policiais, centenas de aliados, múltiplos auxílios e uma importante missão internacional de ajuda em uma influência suficiente para livrar-se de um desastrado primeiro-ministro marxista, então você não é muito hábil na arte de influenciar, tutelar, patrocinar e, em suma, de promover o interesse nacional.”

Na sua forma crua, Sheridan estava simplesmente prenunciando aquilo que iria acontecer. Canberra despudoradamente explorou e manipulou as divisões entres as facções da elite política do Timor Leste para instalar o homem que desejava. As primeiras ações de Ramos-Horta foram de insistir que a Austrália poderia liderar qualquer nova missão da ONU no Timor Leste e, o mais importante, garantir que o parlamento poderia rapidamente ratificar um perigoso acordo entre o Timor Leste e a Austrália a respeito da divisão de rendimentos da reserva de gás Grande Alvorada. Em meio a outros interesses, a hostilidade do governo australiano a Alkatiri originou-se de sua recusa em ceder totalmente aos planos de Canberra quanto às reservas de petróleo e gás sob o mar do Timor, estimadas em 30 bilhões de dólares.

Rivalidades inter-imperialistas

Os eventos das últimas semanas brotaram organicamente das antigas relações da Austrália com o Timor Leste, nas quais o interesse pelo bem-estar do povo do Timor Leste nunca foram um fator importante. Howard, como seus predecessores Trabalhistas e Liberais, apoiaram a invasão do Timor Leste em 1975 pela ditadura de Suharto e sua subseqüente anexação como antiga colônia portuguesa. O interesse de Canberra estava centrado sobre o controle das substanciais reservas de petróleo e gás no Mar do Timor, que foi assegurado em 1989 sob um tratado feito com a Indonésia (o Timor Gap Treaty).

Após a queda de Suharto, em 1998, a Austrália encarou a possibilidade de que o tratado seria declarado nulo e inválido. A antiga metrópole colonial, Portugal, em aliança com os líderes do Timor Leste, pressionava pela independência do país, como uma forma de ganhar influência. Desde que a ONU nunca havia reconhecido formalmente a anexação à Indonésia, um estado separado poderia muito bem eliminar o acordo de Canberra com Jakarta, particularmente, se esse acordo fôsse contra as leis internacionais. A elite australiana fez os cálculos necessários e efetuou uma abrupta mudança de posição. Repentinamente, tornaram-se defensores dos direitos do povo do Timor Leste e apoiaram a “independência”. Utilizando a violência empregada pelas milícias pro-Indonésia antes e depois do referendo - supervisionado pela ONU em 1999 pela independência - como um pretexto, o governo de Howard despachou tropas para o Timor Leste. Seu real objetivo era antecipar-se ao rival australiano, Portugal.

A perspectiva de “independência” para o Timor Leste nunca foi viável. Na era da produção globalizada, qualquer nação, não importa o tamanho, é sujeita aos ditados das maiores corporações trans-nacionais e do capital internacional móvel. Um pequeno Estado em uma península empobrecida, com a população de menos de um milhão de pessoas, nunca poderá ser “independente” das potências regionais e globais, ou de várias instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial e o FMI. A rivalidade inter-imperialista pelos lucrativos recursos do Timor Leste apenas se intensificaram depois que o país foi transformado em um protetorado da ONU. O seu “Representante Especial do Secretário Geral”, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, tinha todos os poderes de um vice-rei colonial.

Ora, está em jogo não apenas o petróleo e gás do Mar do Timor, mas a localização estratégica da ilha exatamente entre importantes rotas navais e de carga, no cruzamento dos oceanos Índico e Pacífico. O apoio de Washington às ambições de Canberra no Timor Leste foi conjugado com a crescente rivalidade entre os EUA e a China pela influência na Ásia. O Pentágono há muito observou que a região marítima dos desfiladeiros de Ombai e Wetar (ambas no Timor Leste) é um dos “pontos de bloqueio” marítimo cruciais em qualquer conflito militar na região do Pacífico Asiático. Da mesma forma, Portugal, apoiado pela União Européia, viu o Timor Leste como um importante posto avançado na luta pela influência na Ásia, uma região que assumiu importância crítica com a emergência da China e da Índia como maiores plataformas de trabalho super-explorado do mundo.

As rivalidades inter-imperialistas encontram sua expressão na política de facções em Dili. A liderança do Fretilin sempre se espelhou em Portugal. O próprio Fretilin foi forjado, não na luta contra a dominação colonial portuguesa, mas contra a anexação do Timor Leste á Indonésia e sua repressiva dominação militar. Os líderes do partido foram extraídos da elite educada em Portugal, e usaram a chamada “identidade portuguesa” do Timor Leste em sua campanha pela “independência” da Indonésia. O programa do Fretilin não era marxista, mas ele promovia reformas sociais e democráticas básicas que restam a uma economia capitalista nacionalista.

Aos oponentes à agenda do Fretilin incluem-se Horta e Gusmão, que romperam com o partido e viam esse programa reformista limitado como muito radical. Gusmão virou-se diretamente para as forças políticas mais reacionárias e de direita no Timor Leste, incluindo a Igreja Católica e a UDT, que deu apoio à incorporação do país à Indonésia. O líder da UDT, Mário Carrascalao, o maior plantador de café da ilha, serviu como governador de província por uma década sob a ditadura da Indonésia. Essas camadas vêem o “marxista” Fretilin como uma barreira intolerável para o capital estrangeiro e para suas ambições pela exploração desimpedida dos recursos e do trabalho super-explorado da ilha.

Pouco antes da queda de Suharto em 1998, Gusmão, com o apoio de Portugal, engendrou uma grande coalizão de “união nacional” - o Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT) - que incluiu o Fretilin, assim como a UDT, líderes da igreja e indivíduos como Horta. O Fretilin, entretanto, permaneceu como a força dominante dentro do CNRT, porque ele foi popularmente reconhecido como tendo liderado uma difícil e corajosa luta contra 24 anos de uma brutal ocupação da Indonésia.

Alcançando seu objetivo por um referendo patrocinado pela ONU, o CNRT começou a romper-se sob o mandato da ONU. Apesar dos esforços de Gusmão em manter uma ampla coalizão onde permaneceria sua influência, o Fretilin aumentou significativamente seu papel como força política dominante.

Este efeito produziu um efervescente ressentimento nos círculos da elite dominante australiana. Apesar de ter fornecido a maioria das tropas na intervenção militar da ONU em 1999, Canberra achou que seu rival Portugal estava ganhando força política através de seus laços com o Fretilin. Na manobra política que aconteceu em direção à independência formal em Maio de 2002, o governo de Howard confiou cada vez mais nos oponentes do Fretilin. Tanto Gusmão quanto Ramos-Horta tem conexões de longa data com a Austrália - Horta durante seu exílio e Gusmão através de sua esposa australiana, Kirsty Sword.

Gusmão fez um apelo consciente às várias camadas anti-Fretilin na base da “união nacional”. Em torno dele reuniram-se aqueles cujas posições foram ameaçadas pela ascendência do Fretilin - antigos oficiais e policiais na administração provincial indonesiana, homens de negócio desejando acesso imediato para oferecer aos investidores estrangeiros, e a Igreja Católica, que se opôs às idéias seculares do Fretilin em separar a Igreja do Estado. Tanto que a divisão geográfica existiu, e isso refletiu o fato que as bases do Fretilin foram tradicionalmente as áreas mais a leste da ilha - aquelas onde mais se conduziu a guerrilha - do que nas regiões mais desenvolvidas, no oeste, com suas ligações com a província indonesiana do Timor Oeste. Gusmão, que estabeleceu laços estreitos com o regime indonésio durante sua prisão em Jakarta, clamou pela reconciliação com a Indonésia.

As diferenças políticas explodiram na eleição para uma assembléia constituinte em Agosto de 2001. O Fretilin ganhou uma absoluta maioria - 55 de 88 cadeiras. Seu rival mais próximo, com sete cadeiras, foi o Partido Democrático (PD), formado pouco antes da eleição. O PD apelou para a juventude, pessoas que viram poucas oportunidades de progresso em um estado liderado pelo Fretilin, onde o português, falado por poucos timorenses, poderia ser a língua oficial. O partido de Mário Carrascalao, o Partido Social Democrata (PSD) ganhou apenas seis cadeiras.

O Fretilin propôs uma constituição parlamentar secular, que poderia assegurar a continuidade da dominação do partido. Seus oponentes apoiaram a iniciativa de Gusmão por um sistema presidencial, baseado na frente de “unidade nacional”, na qual ele manteria poder completo. O Fretilin prevaleceu e, com o apoio da ONU, transformou a assembléia constituinte no primeiro parlamento. As amarguras entre as facções ressurgiram durante as eleições à presidência em abril de 2002. O Fretilin não lançou um candidato, permitindo a Gusmão vencer com uma avassaladora maioria. Mas Alkatiri sutilmente anunciou que ele poderia lançar uma campanha pelo voto em branco, enquanto outros líderes do Fretilin deram um apoio silencioso ao oponente nominal de Gusmão.

Na medida que Canberra estava preocupada, o resultado do processo supervisionado pela ONU foi um desastre. Aqueles em Dili mais simpáticos aos interesses australianos estavam, claramente, sendo deixados de lado. Enquanto Gusmão tornava-se presidente, ele tinha poderes constitucionais limitados. Além disso, o governo do Fretilin rapidamente tornou claro que ele não iria simplesmente submeter-se aos ditados de Canberra. Uma semana antes da independência formal, o governo de Howard levou Alkatiri a Canberra em um jato VIP para pressioná-lo a finalizar um acordo cedendo o maior dos campos de petróleo e gás do Mar do Timor - A Grande Alvorada - à Austrália. Mas Alkatiri recusou-se a cooperar.

A jornalista australiana Maryann Keady, em um recente artigo intitulado “Golpe Imperialista no Timor Leste”, aponta que a movimentação contra o novo governo começou assim que a “independência” foi declarada. “A campanha para destituir Alkatiri começou, pelo menos, há quatro semanas atrás,” ela escreveu.”Lembro do dia depois que um oficial norte-americano começou a contar estórias da corrupção de Alkatiri quando eu era “freelancer” da rádio ABC. Eu investiguei as declarações - e não achei nada - mas estava mais preocupada com o conteúdo da crítica feita pelos oficiais americanos e australianos que claramente queriam era dar um fim a esse “problema”, ou seja, o primeiro-ministro.... Depois que entrevistei os maiores líderes políticos, ficou claro para mim que não iriam parar até livrarem-se do primeiro-ministro do Timor Leste.”

continua