Esta é a conclusão de um artigo de três
partes sobre a recente intervenção militar da Austrália
no Timor Leste. Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente
em inglês, no dia 29 de julho de 2006.
Em um artigo intitulado "Timor Leste: fala Alkatiri"
publicado no último mês no website New Matilda, o
conhecido jornalista australiano independente John Martinkus investigou
as queixas do Primeiro Ministro Alkatiri de que seus oponentes
políticos tinham procurado ganhar o controle das forças
armadas do país e fomentado um golpe contra o governo.
Falando para Martinkus, o Primeiro Ministro disse: "Estavam
sempre tentando assumir o comando da Falintil-FDTL [Forças
de Defesa do Timor Leste]. Tentaram convencer o comando a ordenar
e participar em um golpe. Fracassaram. Quando não conseguiram
fazer com que o comando se juntasse às suas forças
em um golpe, então, tentaram quebrar a F-DTL, e fizeram
isso tirando dos seus quartéis quase seiscentos homens
que foram considerados como revoltosos".
Em fevereiro e março, ocorreram greve e protestos de
seiscentos soldados por queixas de falta de pagamento e por outras
questões; suas subseqüentes demissões pelo
governo Alkatiri; e a repressão de violentos protestos
envolvendo soldados, gangues de jovens e políticos de oposição
em 28 de abril, foram repetidamente citados na mídia australiana
como as razões para o enviar tropas australianas.
Tendo conversado sobre esses eventos com os militares do Timor
Leste, Martinkus escreveu: "Altas fontes do comando da F-FDTL
confirmaram que as afirmações de Alkatiri eram verdadeiras.
Disseram eles que três tentativas diversas foram feitas
por lideranças para lançar um golpe contra Alkatiri
nos últimos 18 meses".
"Fui capaz de confirmar que em abril de 2005, nas semanas
seguintes às demonstrações de massa contra
o governo de Alkatiri, o comandante da F-FDTL, brigadeiro Taur
Matan Ruak, foi sondado para liderar um golpe. A sondagem foi
feita por figuras importantes da Igreja Católica do Timor
Leste. Ele rejeitou a oferta. Foi sondado novamente no começo
deste ano, em uma reunião com proeminentes lideranças
do Timor Leste e com dois políticos de nacionalidade estrangeira,
estes lhe pediram que liderasse um golpe. Novamente recusou, sustentando
que isso era contra a Constituição e que abriria
um inaceitável precedente".
"Um dos principais deputados, o Tenente Coronel Falur
Rate Laek, um veterano de Guerra contra a Indonésia, foi
também sondado pelos mesmos dois líderes locais
e estrangeiros. Ele também recusou".
"Devido à gravidade da informação,
as nacionalidades dos estrangeiros não foram reveladas".
Os oficiais envolvidos, assim como Alkatiri e os líderes
da Fretilin, claramente sabem quem fez essas sondagens, incluindo
os nomes e as nacionalidades dos estrangeiros envolvidos. O fato
de que não se revelassem os nomes, porém, não
foi surpreendente. Isso vincula-se diretamente à recusa
da Fretilin de opor-se abertamente à invasão australiana
do país. Havendo temores de que se podia perder o controle
do movimento de massas contra a ocupação militar.
Alkatiri foi pressionado e concordou em "convidar" as
tropas australianas. Renunciou então ao seu posto de primeiro
ministro e, pouco tempo depois, deu sua benção à
posse de Horta.
A hostilidade da Igreja em relação
à Fretilin
Não é difícil compreender o quê
estava por trás dos movimentos contra o governo da Fretilin.
Desde 2001, a oposição política teve sustentação
dos EUA e da Austrália, com Washington concedendo o papel
principal a Canberra. Se os "estrangeiros" não
eram militares ou agentes australianos ou americanos, estavam
certamente agindo com o seu reconhecimento de que a remoção
do governo de Alkatiri seria bem vindo por Howard e Bush.
As queixas feitas a Martinkus são certamente verossímeis.
A hostilidade da Igreja Católica ao governo da Fretilin
surgiu nos debates sobre a nova constituição do
país, quando membros da igreja e políticos de oposição
defenderam o restabelecimento do catolicismo como religião
oficial. Como sua proposta foi mal sucedida, o Bispo Belo, no
entanto, forçou a remoção de uma cláusula
expressando o princípio democrático básico
da "separação entre igreja e estado" e
um outro referindo-se ao direito de divórcio.
Em abril de 2005, lideranças da igreja organizaram uma
prolongada campanha que durou várias semanas para opor-se
à decisão do governo da Fretilin de manter como
opcional a educação religiosa nas escolas e não
como obrigatória. Esse elementar passo democrático
provocou severas denúncias por parte da igreja, que pediu
a remoção de Alkatiri. Falando em um comício
em Dili, no dia 19 de abril de 2005, o padre Benâncio Araújo
denunciou a "ditadura de Alkatiri" e informou que a
igreja chamaria o povo de fora da capital para "derrocar
o regime anti-democrático". Segundo uma reportagem
do Ásia Times, o embaixador dos EUA no Timor Leste apoiou
abertamente os protestos da igreja, assistindo mesmo pessoalmente
uma das demonstrações.
No ultimo mês de abril, Alkatiri acusou a igreja de agir
como um "partido de oposição", então
retirou seus planos de transformar a educação religiosa
voluntária. A retirada somente incentivou os sacerdotes
católicos. Em janeiro de 2006, um dos principais parlamentares
da Fretilin, Francisco Branco, denunciou um proeminente sacerdote
por empreender uma campanha de derrubada do governo. Segundo Branco,
o sacerdote teria dito aos seguidores da igreja que uma decisão
de enviar estudantes para estudar em Cuba, transformaria o Timor
Leste em um país comunista. Além disso, teria dito
que a Fretilin tinha um plano para assassinar freiras e sacerdotes
caso ganhasse a próxima eleição.
Contratos rivais
Existiam pelo menos duas outras razões para que o rancor
da Austrália e dos EUA com o governo da Fretilin se aprofundasse
no começo de 2006. Em janeiro, Canberra e Dili finalmente
assinaram um tratado a respeito da conjunta exploração
dos campos de petróleo e gás no mar do Timor. Ainda
que a parte do leão tenha ido para a Austrália,
Alkatiri tinha forçado o governo Howard a fazer concessões
limitadas, mas significativas. Além disso, Dili estava
examinando também propostas de cooperação
com a China e com diversos países europeus, em prejuízo
da Austrália, para explorar e desenvolver outros recursos
potenciais de energia no território do Timor Leste.
Em fevereiro, o governo de Dili chamou por ofertas para os
seus próprios campos de exploração, após
uma pesquisa Chinesa-Norueguesa, a qual estimou que a área
possuía meio bilhão de barris de petróleo,
e cerca de dez trilhões de pés cúbicos de
gás (aproximadamente 10 por cento do total estimado nas
reservas do Mar do Timor). Tendo como prazo final 19 de abril,
cinco companhias tinham submetido ofertas, seja individualmente,
ou em consórcios. Foram a ENI da Itália, a GALP
de Portugal (cuja maior acionista é a própria ENI),
a petroleira do Brasil (Petrobrás), a Petronas da Malásia
e a Reliance da Índia. .
Ao mesmo tempo, a Comissão do Timor Leste para Audiência,
Verdade e Reconciliação (CAVR) liberou um abrangente
relatório sobre os crimes da ditadura da Indonésia
no Timor Leste entre 1975 e 1999 e a responsabilidade das grandes
potências, especialmente os EUA e a Austrália, por
sua cumplicidade. O relatório, que foi financiado pela
ONU, chocou-se diretamente com os esforços de Gusmão
para enterrar o passado e efetuar a reconciliação
com a Indonésia. Quando foi apresentado formalmente no
Conselho de Segurança da ONU, Gusmão se opôs
ao documento e tentou suprimir suas revelações.
O relatório foi só eventualmente noticiado pela
mídia. Os EUA e a Austrália reagiram ambos com furor
diante das conclusões, as quais, embora de forma limitada,
ainda afirmam que os dois países seriam responsáveis
pela sustentação da junta da Indonésia e
os intimaram a pagar reparações ao Timor Leste.
Ao contrário, Canberra e Washington esperavam que o relatório
da CAVR constituísse não somente mais um ponto negativo
contra o governo de Alkatiri, mas também contra a atuação
da ONU. Sua hostilidade contra a ONU deriva do fato que, tentando
realizar seu mandato, a ONU ajudou a instalação
e manutenção do governo de Alkatiri. A administração
Bush tem repetidamente se oposto à continuidade da presença
da ONU no Timor Leste e, em meados de 2005, conseguiu com sucesso
reduzir consideravelmente a dimensão e os objetivos da
missão. Em janeiro de 2006 e novamente em maio, no meio
da crise política, os EUA e a Austrália se opuseram
ambos a qualquer prolongamento da presença da ONU no Timor
Leste.
A opção militar
Considerando as suas sucessivas intrigas anteriores, não
há dúvida que a Austrália teve uma participação
nos acontecimentos políticos imediatamente precedentes
que conduziram à sua intervenção militar
em 24 de maio de 2006. As relações cerradas do governo
Howard com Gusmão e Ramos-Horta foram indubitavelmente
desenvolvidas mais ainda por uma rede de contatos estabelecidos
pelo corpo diplomático da Austrália, por pessoal
militar e técnicos militares em Dili, que se relacionaram
com políticos de oposição, soldados rebeldes,
policiais e mesmo líderes de gangues. Canberra não
somente sabia quem estava envolvido nos protestos armados de março,
mas, com toda a probabilidade, mesmo os encorajou.
Durante questionamento diante da comissão do Senado,
o deputado, Secretário da Defesa e Estratégia, Michael
Pezzullo, admitiu que 28 militares australianos estiveram pessoalmente
no Timor Leste bem antes de 24 de maio e tiveram contato diário
com oficiais do Timor. Os Verdes, que amplamente apoiaram o despacho
de tropas australianas, perguntaram o que esses oficiais australianos
tinham ido fazer no Timor. "Quero saber se a Defesa teve
algum papel nos saques de tropas que precipitaram a corrente crise.
Quero saber que comunicação e cooperação
a Defesa teve com o líder rebelde Major Reinado",
perguntou o senador dos Verdes, Kerry Nettle. Porém, maiores
detalhes não foram fornecidos.
Os líderes de oposição do Timor Leste,
de forma estridente, pediram à ONU investigação
sobre o violento protesto que teve lugar em 28 de abril em Dili,
que terminou com o assassinato pela polícia de muitos manifestantes.
No entanto, comentando em seu artigo "Golpe de estado no
Timor Leste" a jornalista escreveu: "Cheguei em Dili
quando explodiram os primeiro tumultos em 28 de abril deste ano
e como uma testemunha no meio da intranqüilidade, tive a
impressão de que os soldados, muito jovens, tinham ajuda
externa - acredito de políticos locais e de "estranhos".
A maioria dos observadores citaram a capacidade dos soldados dissidentes
de passarem de um grupo desarmado de protesto verbal para centenas
brandindo paus e armas, como levantando as suspeitas locais que
isso não era um protesto "orgânico". Entrevistei
muitas pessoas - desde pertencentes à Fretilin até
políticos de oposição e jornalistas locais
- e nenhuma rejeitou o fato de que os protestos tinham sido desviados
para outros propósitos'."
Mesmo Horta reconheceu em seu relatório para o Conselho
de Segurança da ONU em 5 de maio que Osório Lequi,
o líder de um partido de oposição formado
recentemente, o PDRT, foi envolvido na elevação
das tensões. Horta relatou que os confrontos de 28 de abril
não foram realizados por soldados dissidentes, mas sim,
por uma gang de jovens e alguns elementos políticos, incluindo
membros do PDRT, que atacaram a polícia provocando os distúrbios.
Significativamente, na mesma sessão da ONU, oficiais dos
EUA e da Austrália veemente se opuseram a qualquer extensão
da missão da ONU, mais ainda a qualquer expansão,
e a missão foi considerada concluída. Um compromisso
foi acertado, finalmente, que a missão seria estendida
por apenas um mês.
Existem muitos motivos para acreditar que o governo Howard,
com o apoio da administração Bush, tinha já
colocado em movimento planos para uma ocupação militar
no Timor Leste. Em 12 de maio, quando estava para ir a Washington,
Howard confirmou que as forças armadas da Austrália
tinham ordenado que três navios de guerra fossem enviados
à costa do Timor Leste, sem informar o governo de Alkatiri.
A diplomacia de canhão realizada pelo governo de Canberra
visava intensificar a pressão sobre a liderança
da Fretilin. Howard sabia bem que os planos visavam expulsar Alkatiri
no congresso da Fretilin que seria realizado entre 17 e 19 de
maio. A facção dissidente, comandada pelo embaixador
do Timor Leste na ONU e nos EUA, José Luís Guterres,
e o anterior embaixador na Austrália, Jorge Teme, estava
recebendo apoio aberto na mídia australiana.
Mas, o movimento de Guterres fracassou quando a maioria esmagadora
dos delegados do congresso da Fretilin confirmaram Alkatiri no
dia 19 maio. Logo que o congresso terminou, confrontos rapidamente
surgiram entre as forças de segurança pró-governo
e soldados dissidentes, polícia e gangues de jovens em
Dili e nas proximidades, providenciando o pretexto necessário
- colapso da "lei e da ordem" - para que as forças
armadas da Austrália fossem enviadas. Dois dos envolvidos
nos confrontos - "Major" Alfredo Reinado e Vicente "Railos"
da Conceição - têm todas as características
de agentes provocadores.
Reinado passou seu exílio na Austrália e treinou
no último ano na academia de defesa em Canberra. Controlando
um punhado de policiais militares, se dirigiu em 23 de maio, em
companhia do repórter da SBS David O'Shea, para os subúrbios
de Dili, onde provocou um tiroteio com as tropas governamentais.
Festejado nos dias seguintes pela mídia australiana, Reinado
não escondeu seu desejo de que os "pacificadores"
australianos assumissem o controle da situação,
e insistiu que Alkatiri se demitisse e que fosse levado a julgamento.
Em 24 de maio, sob a pressão de Gusmão e Horta,
Alkatiri finalmente concordou em endossar um convite formal para
que tropas e policiais da Austrália, Portugal, Malásia
e Nova Zelândia entrassem no país. Em algumas horas,
os primeiros soldados australianos começaram a desembarcar
no aeroporto de Dili. Mas os confrontos continuaram enquanto a
Austrália pressionava por um acordo definitivo sobre a
extensão de sua intervenção e sobre as regras
de seu envolvimento. Em sua entrevista com o jornalista Martinkus,
Alkatiri explicou que Reinado e Railos juntaram forças
aquele dia para um ataque conjunto a uma fase militar governamental
em Tacitolu. Significativamente, apenas quinze dias depois, Railos
surgiu em boatos de que era o líder de um "esquadrão
da morte" pro-Fretilin, organizado pelo ministro do interior
Lobato, com a concordância de Alkatiri. Essa denúncia
totalmente sem consistência tornou-se rapidamente o pretexto
para pedidos de que ambos os lideres fossem demitidos.
Howard encurtou bruscamente sua visita à Irlanda retornando
para a Austrália em 24 de maio, a tempo para anunciar publicamente
o despacho de tropas para o Timor Leste. Como chegavam notícias
do agravamento dos conflitos em Tacitolu e em outros lugares,
Howard deu a ordem para a intervenção ser realizada
a todo vapor, sem esperar por um acordo com o governo de Alkatiri.
Em alguns dias, uma força de 1300 soldados australianos,
apoiados por veículos e helicópteros de ataque estavam
no país. A partir da insistência de diplomatas e
militares australianos, o governo da Fretilin concedeu amplos
poderes a esses "pacificadores", permitindo-lhes impor
efetivamente leis marciais em Dili.
A cronologia dos eventos desses cinco últimos anos demonstra
que a ocupação militar do Timor Leste pela Austrália,
assim como a remoção de Alkatiri e a instalação
de Ramos-Horta como primeiro ministro, não foram a conseqüência
da inesperada quebra da "lei e da ordem" em Dili. Foram,
ao contrário, o produto de planos longamente preparados
para "mudar o regime", visando proteger os interesses
econômicos e estratégicos do imperialismo australiano.
Tendo fracassado desde 2002 em conseguir seus objetivos de expulsar
o governo de Alkatiri através de meios indiretos, o governo
Howard, com o suporte da administração Bush, optou
entre maio e junho de 2006 pela mais direta abordagem militar.