Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 19 de Outubro de 2006.
Dez soldados americanos morreram na última terça-feira
e pelo menos mais um na quarta em confrontos no Iraque, elevando
o índice para mais de 70 mortos, somente no mês de
outubro. Este é o maior número de mortes ocorridos
num mês, desde novembro de 2004, e o terceiro maior desde
a invasão, em março de 2003. A quantidade total
de soldados norte-americanos mortos é de pelo menos 2.786.
O número de mortes de militares norte-americanos aumenta
quando eles entram em confronto direto com os rebeldes iraquianos,
particularmente aqueles da população xiita residentes
na capital. Cinco das onze mortes ocorridas na terça-feira
e na quarta-feira foram em Bagdá e em seus arredores, incluindo
cinco soldados mortos em dois atentados a bomba, e outro morto
a tiros. As outras mortes aconteceram em Diyala, ao norte da capital,
e na província de Anbar, predominantemente sunita, no oeste
do Iraque.
Os iaquianos também estão sofrendo mais baixas
neste mês. Além das mortes provocadas pelas forças
de ocupação, somam-se aquelas causadas pela disputa
entre as facções. De acordo com o levantamento da
Associated Press - que certamente subestima o número
de mortes iraquianasapenas neste mês, 767 iraquianos
morreram na onda de violência ligada à guerra, o
que significa 45 mortes por dia. Desde o início do levantamento,
em abril de 2005, este mês será o mais sangrento.
Entretanto, a maioria das mortes iraquianas permanece sem ser
divulgada e, conseqüentemente, não poderá ser
incluída no levantamento da agência. O relatório
produzido por uma equipe da Universidade John Hopkins, publicado
no início desse mês no jornal médico britânico
Lancet, estima que, desde março de 2003, 600.000
iraquianos foram mortos devido à guerra, o que representa
cerca de 500 mortes por dia. O relatório do Lancet
também revelou que o número de mortes cresceu de
forma constante, o que significa que o número total de
mortos provavelmente seja muito maior.
Essa carnificina é o produto da escalada da guerra entre
as tropas norte-americanas e a resistência iraquiana, somada
ao visível crescimento das divisões entre facções
rivais da elite iraquiana, que estão tomando a forma de
assassinatos sectários. Em Balad, uma cidade ao norte de
Bagdá, 100 iraquianos foram assassinados ou desapareceram
durante esta semana. A violência começou na sexta-feira,
quando 19 xiitas foram raptados e decapitados. Isso originou represálias
por parte de milícias xiitas contra muçulmanos sunitas.
Ao mesmo tempo, os militares norte-americanos estão
preparando-se para uma investida severa contra as milícias
xiitas, o que pode produzir um banho de sangue bem maior que o
atual nível de violência. O governo Bush está
pressionando o governo do Primeiro-Ministro Nouri al-Maliki para
apoiar um grande ataque à milícia xiita de Moqtada
al-Sadr. A preocupação de Maliki em relação
a estes preparativos foram reveladas numa entrevista concedida
por ele ao USA Today, na sexta-feira.
O jornal divulgou que Maliki rejeitou os planos norte-americanos
de realizar um ataque de larga escala na Sadr City, um
bairro pobre de Bagdá e a fortaleza do exército
de Sadr Mahdi.
Nós dissemos aos norte-americanos que não
pretendemos atacar uma célula do Exército de Mahdi
dentro da Cidade de Sadr, disse Maliki. Mas
a forma pela qual as forças estrangeiras estão pensando
em realizar este ataque destruirá um bairro inteiro.
Os comentários de Maliki são significativos,
pois revelam os planos norte-americanos em destruir um bairro
inteiro. Uma operação como essa será
semelhante às tentativas anteriores em áreas predominantemente
sunitas, como Fallujah, a qual foi totalmente destruída
e sua população completamente dizimada. Este plano
já era conhecido por Maliki mesmo antes de ser revelados
publicamente. As preparações para implementá-lo
já devem ter começado.
Este é o verdadeiro caráter criminoso de toda
esta ação, que produziu uma catástrofe inimaginável
para o povo iraquiano e um desperdício trágico de
vidas de soldados norte-americanos. Após três anos
e meio de invasão, as forças norte-americanas ainda
estão tentando garantir o controle sobre a população
e os recursos naturais do Iraque, por meio de um novo ciclo de
assassinatos brutais.
As declarações de Maliki também revelaram
as fortes tensões existentes entre o atual governo iraquiano
e as forças de ocupação norte-americanas.
A entrevista de Maliki teve claramente o objetivo de alertar o
governo norte-americano contra o que ele considera ser uma desastrosa
política, e que iria minar sua própria base de apoio,
ocasionando sua provável substituição por
alguém não tão próximo às milícias
xiitas.
O governo Bush e setores militares norte-americanos consideram
as milícias xiitas, particularmente a organização
dirigida pelo clérigo Moqtada al-Sadr, como o principal
obstáculo em estabelecer um governo no Iraque que possa
atender as exigências das forças de ocupação.
Apesar de ter colaborado com a ocupação e apoiado
o governo de Maliki, a base de apoio de Sadr é formada
pelas camadas mais pobres de trabalhadores xiitas que são
completamente contrários à presença militar
norte-americana.
As exigências vindas de Washington estão criando
enormes problemas para Maliki, já que Sadr controla um
dos maiores blocos de apoio ao governo de Maliki no parlamento
iraquiano.
Com a aprovação tácita de Washington,
as milícias xiitas foram amplamente integradas ao Estado
Iraquiano, particularmente no Ministério do Interior, que
inclui o aparato policial. Muitos dos assassinatos sectários
foram realizados pelos membros da polícia iraquiana, ou
no mínimo com a sua aprovação.
Agora o governo Bush está mudando de estratégia,
e exigindo que Maliki também o faça. Um artigo do
New York Times da terça-feira mostrou o que está
passando pela mente da elite norte-americana. Conforme o artigo,
Maliki está sob uma intensa pressão norte-americana
para expurgar as milícias e esquadrões da morte
das forças de segurança que operam no interior do
governo.
O jornal comenta que um outro sério problema enfrentado
pelos oficiais norte-americanos é a recusa do Sr. Maliki
em permitir uma grande ação sobre a milícia
do Sr. Sadr, o Exército de Mahdi. Isto tem sido uma grande
dor de cabeça para os norte-americanos, que enfrentaram
duas revoltas lideradas pelas milícias xiitas em abril
e agosto de 2004, apenas para que Sadr escapasse antes da derrota
completa, quando o Grande Aiatolá Ali al-Sistami, o clérigo
xiita mais poderoso no Iraque, interveio, permitindo ao Sr. Sadr
manter uma grande parte da milícia intacta. Estes
comentários de bastidores, feitos por oficiais norte-americanos
ao New York Times, tiveram, sem dúvida, o objetivo
de dar uma resposta à entrevista anterior de Maliki ao
USA Today.
As pressões sobre Maliki resultaram no afastamento de
dois altos oficiais da Polícia Especial, ambos xiitas.
Também na terça-feira, em mais uma manifestação
do acirramento das tensões, as forças norte-americanas
prenderam um alto assessor de Sadr, o Xeque Mazin al-Saedi, que
é considerado pelo New York Times como o chefe
do escritório de Sadr no miserável bairro de Shuala
em Bagdá. Saedi foi solto na quarta-feira após os
protestos de Maliki e as discussões entre Sadr e o primeiro-ministro
Sistani.
O aprofundamento da crise no Iraque e a reação
do governo norte-americano mostram o ridículo da democracia
iraquiana, que não é nada mais que um meio encontrado
pelas forças de ocupação para consolidar
o seu controle. A organização de Sadr atualmente
controla 30 cadeiras no parlamento, assim como vários postos
no governo. Ele conquistou estes postos nas chamadas eleições
democráticas em 2005. De qualquer maneira,
isso não tem impedido as forças norte-americanas
de falarem abertamente em destruir a organização.
Também fica cada vez mais clara a intenção
dos EUA em romper abertamente com Maliki e substituí-lo
por alguma espécie de junta militar ou um homem forte
para atender os interesses norte-americanos. Há um pequeno
indício de que os EUA podem colocar de volta o anterior
primeiro-ministro Iyad Allawi, que retornou ao Iraque nessa semana
pela primeira vez, depois de vários meses. Enquanto dirigiu
o Governo Interino Iraquiano, entre maio de 2004 e
abril de 2005, Allawi apoiou o ataque norte-americano a Fallujah
e Najaf. Durante seu exílio, depois de romper com Saddam
Hussein, ele integrou, durante vários anos, a folha de
pagamento da CIA.
A discussão feita pela elite norte-americana sobre o
futuro da ocupação do Iraque ocorre por trás
das costas da população norte-americana. Enquanto
o governo e de cientistas políticos são unânimes
em afirmar que é necessário uma enorme mudançaincluindo
a repressão aos rebeldes xiitasuma ação
definitiva está sendo deliberadamente adiada para depois
das eleições de novembro, que ocorrerá em
três semanas.
Mais uma vez, há uma tentativa deliberada de excluir
do debate político aqueles que se opõem à
ocupação do Iraque, mesmo porque a guerra é
extremamente impopular. Uma pesquisa feita pela CNN durante esta
semana revelou que 64% da população norte-americana
é contra a guerra no Iraque.
Essa conspiração contra o povo norte-americano
e iraquiano foi realizada com a cumplicidade de Democratas e Republicanos.
Toda a elite política nos Estados Unidos apóia os
princípios básicos da ocupação do
Iraque. Disputasno interior do Partido Republicano e entre
democratas e republicanosrestringem-se inteiramente a decisões
táticas, todas balizadas na defesa dos interesses do imperialismo
americano.
O Partido Democrata está procurando alinhar-se com setores
militares que há muito reclamam que a ocupação
do Iraque tornou-se um desastre devido ao número insuficiente
de soldados. Uma série de livros escritos por líderes
do Partido Democrata tem defendido o que eles chamam de serviço
cidadão universal - uma outra forma de denominar
o serviço militar obrigatório.
Para citar um único exemplo, Rahm Emanuel, um membro
da Câmara dos Representantes e presidente do Comitê
da Campanha Democrata ao Congresso, defendeu em seu livro The
Plan um programa no qual todos os norte-americanos entre os
18 e 25 anos de idade deveriam se engajar em três
meses de treinamento básico, preparação para
defesa civil e serviços comunitários. Este
programa poderia servir como um precursor para o serviço
militar obrigatório para todo jovem norte-americano.
Estas propostas estão vinculadas à ocupação
do Iraque e aos planos de intervenção militar no
Irã ou na Coréia do Norte. Com isso, um número
cada vez maior de jovens norte-americanos deverá ser usado
como bucha de canhão para atender os interesses do imperialismo
norte-americano.