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Enquanto uma nova grande ofensiva é preparada

Soldados norte-americanos e de civis iraquianos continuam morrendo

Por Joe Kay
26 Octubre 2006

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 19 de Outubro de 2006.

Dez soldados americanos morreram na última terça-feira e pelo menos mais um na quarta em confrontos no Iraque, elevando o índice para mais de 70 mortos, somente no mês de outubro. Este é o maior número de mortes ocorridos num mês, desde novembro de 2004, e o terceiro maior desde a invasão, em março de 2003. A quantidade total de soldados norte-americanos mortos é de pelo menos 2.786.

O número de mortes de militares norte-americanos aumenta quando eles entram em confronto direto com os rebeldes iraquianos, particularmente aqueles da população xiita residentes na capital. Cinco das onze mortes ocorridas na terça-feira e na quarta-feira foram em Bagdá e em seus arredores, incluindo cinco soldados mortos em dois atentados a bomba, e outro morto a tiros. As outras mortes aconteceram em Diyala, ao norte da capital, e na província de Anbar, predominantemente sunita, no oeste do Iraque.

Os iaquianos também estão sofrendo mais baixas neste mês. Além das mortes provocadas pelas forças de ocupação, somam-se aquelas causadas pela disputa entre as facções. De acordo com o levantamento da Associated Press - que certamente subestima o número de mortes iraquianas—apenas neste mês, 767 iraquianos morreram na onda de violência ligada à guerra, o que significa 45 mortes por dia. Desde o início do levantamento, em abril de 2005, este mês será o mais sangrento.

Entretanto, a maioria das mortes iraquianas permanece sem ser divulgada e, conseqüentemente, não poderá ser incluída no levantamento da agência. O relatório produzido por uma equipe da Universidade John Hopkins, publicado no início desse mês no jornal médico britânico Lancet, estima que, desde março de 2003, 600.000 iraquianos foram mortos devido à guerra, o que representa cerca de 500 mortes por dia. O relatório do Lancet também revelou que o número de mortes cresceu de forma constante, o que significa que o número total de mortos provavelmente seja muito maior.

Essa carnificina é o produto da escalada da guerra entre as tropas norte-americanas e a resistência iraquiana, somada ao visível crescimento das divisões entre facções rivais da elite iraquiana, que estão tomando a forma de assassinatos sectários. Em Balad, uma cidade ao norte de Bagdá, 100 iraquianos foram assassinados ou desapareceram durante esta semana. A violência começou na sexta-feira, quando 19 xiitas foram raptados e decapitados. Isso originou represálias por parte de milícias xiitas contra muçulmanos sunitas.

Ao mesmo tempo, os militares norte-americanos estão preparando-se para uma investida severa contra as milícias xiitas, o que pode produzir um banho de sangue bem maior que o atual nível de violência. O governo Bush está pressionando o governo do Primeiro-Ministro Nouri al-Maliki para apoiar um grande ataque à milícia xiita de Moqtada al-Sadr. A preocupação de Maliki em relação a estes preparativos foram reveladas numa entrevista concedida por ele ao USA Today, na sexta-feira.

O jornal divulgou que Maliki “rejeitou os planos norte-americanos de realizar um ataque de larga escala na Sadr City, um bairro pobre de Bagdá e a fortaleza” do exército de Sadr Mahdi.

“Nós dissemos aos norte-americanos que não pretendemos atacar uma célula do Exército de Mahdi dentro da ‘Cidade de Sadr’,” disse Maliki. “Mas a forma pela qual as forças estrangeiras estão pensando em realizar este ataque destruirá um bairro inteiro.”

Os comentários de Maliki são significativos, pois revelam os planos norte-americanos em “destruir um bairro inteiro”. Uma operação como essa será semelhante às tentativas anteriores em áreas predominantemente sunitas, como Fallujah, a qual foi totalmente destruída e sua população completamente dizimada. Este plano já era conhecido por Maliki mesmo antes de ser revelados publicamente. As preparações para implementá-lo já devem ter começado.

Este é o verdadeiro caráter criminoso de toda esta ação, que produziu uma catástrofe inimaginável para o povo iraquiano e um desperdício trágico de vidas de soldados norte-americanos. Após três anos e meio de invasão, as forças norte-americanas ainda estão tentando garantir o controle sobre a população e os recursos naturais do Iraque, por meio de um novo ciclo de assassinatos brutais.

As declarações de Maliki também revelaram as fortes tensões existentes entre o atual governo iraquiano e as forças de ocupação norte-americanas. A entrevista de Maliki teve claramente o objetivo de alertar o governo norte-americano contra o que ele considera ser uma desastrosa política, e que iria minar sua própria base de apoio, ocasionando sua provável substituição por alguém não tão próximo às milícias xiitas.

O governo Bush e setores militares norte-americanos consideram as milícias xiitas, particularmente a organização dirigida pelo clérigo Moqtada al-Sadr, como o principal obstáculo em estabelecer um governo no Iraque que possa atender as exigências das forças de ocupação. Apesar de ter colaborado com a ocupação e apoiado o governo de Maliki, a base de apoio de Sadr é formada pelas camadas mais pobres de trabalhadores xiitas que são completamente contrários à presença militar norte-americana.

As exigências vindas de Washington estão criando enormes problemas para Maliki, já que Sadr controla um dos maiores blocos de apoio ao governo de Maliki no parlamento iraquiano.

Com a aprovação tácita de Washington, as milícias xiitas foram amplamente integradas ao Estado Iraquiano, particularmente no Ministério do Interior, que inclui o aparato policial. Muitos dos assassinatos sectários foram realizados pelos membros da polícia iraquiana, ou no mínimo com a sua aprovação.

Agora o governo Bush está mudando de estratégia, e exigindo que Maliki também o faça. Um artigo do New York Times da terça-feira mostrou o que está passando pela mente da elite norte-americana. Conforme o artigo, Maliki “está sob uma intensa pressão norte-americana para expurgar as milícias e esquadrões da morte das forças de segurança que operam no interior do governo.”

O jornal comenta que “um outro sério problema enfrentado pelos oficiais norte-americanos é a recusa do Sr. Maliki em permitir uma grande ação sobre a milícia do Sr. Sadr, o Exército de Mahdi. Isto tem sido uma grande dor de cabeça para os norte-americanos, que enfrentaram duas revoltas lideradas pelas milícias xiitas em abril e agosto de 2004, apenas para que Sadr escapasse antes da derrota completa, quando o Grande Aiatolá Ali al-Sistami, o clérigo xiita mais poderoso no Iraque, interveio, permitindo ao Sr. Sadr manter uma grande parte da milícia intacta.” Estes comentários de bastidores, feitos por oficiais norte-americanos ao New York Times, tiveram, sem dúvida, o objetivo de dar uma resposta à entrevista anterior de Maliki ao USA Today.

As pressões sobre Maliki resultaram no afastamento de dois altos oficiais da Polícia Especial, ambos xiitas.

Também na terça-feira, em mais uma manifestação do acirramento das tensões, as forças norte-americanas prenderam um alto assessor de Sadr, o Xeque Mazin al-Saedi, que é considerado pelo New York Times como “o chefe do escritório de Sadr no miserável bairro de Shuala” em Bagdá. Saedi foi solto na quarta-feira após os protestos de Maliki e as discussões entre Sadr e o primeiro-ministro Sistani.

O aprofundamento da crise no Iraque e a reação do governo norte-americano mostram o ridículo da “democracia” iraquiana, que não é nada mais que um meio encontrado pelas forças de ocupação para consolidar o seu controle. A organização de Sadr atualmente controla 30 cadeiras no parlamento, assim como vários postos no governo. Ele conquistou estes postos nas chamadas eleições “democráticas” em 2005. De qualquer maneira, isso não tem impedido as forças norte-americanas de falarem abertamente em destruir a organização.

Também fica cada vez mais clara a intenção dos EUA em romper abertamente com Maliki e substituí-lo por alguma espécie de junta militar ou um “homem forte” para atender os interesses norte-americanos. Há um pequeno indício de que os EUA podem colocar de volta o anterior primeiro-ministro Iyad Allawi, que retornou ao Iraque nessa semana pela primeira vez, depois de vários meses. Enquanto dirigiu o “Governo Interino Iraquiano”, entre maio de 2004 e abril de 2005, Allawi apoiou o ataque norte-americano a Fallujah e Najaf. Durante seu exílio, depois de romper com Saddam Hussein, ele integrou, durante vários anos, a folha de pagamento da CIA.

A discussão feita pela elite norte-americana sobre o futuro da ocupação do Iraque ocorre por trás das costas da população norte-americana. Enquanto o governo e de cientistas políticos são unânimes em afirmar que é necessário uma enorme mudança—incluindo a repressão aos rebeldes xiitas—uma ação definitiva está sendo deliberadamente adiada para depois das eleições de novembro, que ocorrerá em três semanas.

Mais uma vez, há uma tentativa deliberada de excluir do debate político aqueles que se opõem à ocupação do Iraque, mesmo porque a guerra é extremamente impopular. Uma pesquisa feita pela CNN durante esta semana revelou que 64% da população norte-americana é contra a guerra no Iraque.

Essa conspiração contra o povo norte-americano e iraquiano foi realizada com a cumplicidade de Democratas e Republicanos. Toda a elite política nos Estados Unidos apóia os princípios básicos da ocupação do Iraque. Disputas—no interior do Partido Republicano e entre democratas e republicanos—restringem-se inteiramente a decisões táticas, todas balizadas na defesa dos interesses do imperialismo americano.

O Partido Democrata está procurando alinhar-se com setores militares que há muito reclamam que a ocupação do Iraque tornou-se um desastre devido ao número insuficiente de soldados. Uma série de livros escritos por líderes do Partido Democrata tem defendido o que eles chamam de “serviço cidadão universal” - uma outra forma de denominar o serviço militar obrigatório.

Para citar um único exemplo, Rahm Emanuel, um membro da Câmara dos Representantes e presidente do Comitê da Campanha Democrata ao Congresso, defendeu em seu livro The Plan um programa no qual todos os norte-americanos entre os 18 e 25 anos de idade deveriam se engajar em “três meses de treinamento básico, preparação para defesa civil e serviços comunitários”. Este programa poderia servir como um precursor para o serviço militar obrigatório para todo jovem norte-americano.

Estas propostas estão vinculadas à ocupação do Iraque e aos planos de intervenção militar no Irã ou na Coréia do Norte. Com isso, um número cada vez maior de jovens norte-americanos deverá ser usado como bucha de canhão para atender os interesses do imperialismo norte-americano.