O destino da fabricante de telefones celulares BenQ foi decidido:
a companhia entrou com pedido de falência e os empregos
de mais de 3.000 trabalhadores na Alemanha estão imediatamente
ameaçados. Mas o assunto diz respeito ao papel desempenhado
pela companhia alemã Siemens, que vendeu recentemente sua
seção de telefonia celular à BenQ, sediada
em Taiwan.
Circulam rumores e acusações mútuas, mas
aumentam as evidências de que as duas companhias lucrarão
com o fechamento. Por meio da venda, a Siemens escapou da responsabilidade
sobre os mais de 3.000 trabalhadores que eram seus empregados,
enquanto a BenQ pôde conquistar patentes e ações
de uma de suas principais concorrentes.
No dia 28 de setembro foi anunciado que a companhia-mãe
da BenQ em Taiwan interrompeu os pagamentos à sua subsidiária
alemã. Estão imediatamente afetados 1.600 trabalhadores
do setor produtivo nas cidades de Kamp-Lintfort e Bocholt, no
estado de North-Rhine Westphalia, bem como 1.400 trabalhadores
envolvidos nos setores administrativo e de desenvolvimento alocados
em Munique.
Os trabalhadores só ficaram sabendo dos problemas enfrentados
pela companhia pelo rádio, quando se deslocavam ao trabalho.
Uma assembléia extraordinária foi convocada apressadamente
no dia 29 de setembro. Somente então os trabalhadores souberam
que a BenQ havia entrado com um pedido de falência.
A raiva e indignação dos trabalhadores são
direcionadas não apenas à BenQ mas, acima de tudo,
à proprietária anterior da companhia, a Siemens.
Em Munique, trabalhadores da BenQ protestaram em frente à
sede da Siemens com cartazes que afirmavam: "BenQ está
fazendo o trabalho sujo para a Siemens", "Crianças
órfãs continuam sendo crianças", "Klaus
[referindo-se ao chefe-executivo da Siemens, Klaus Kleinfeld]
está matematicamente desclassificado (mais de 30 por cento)
- BenQ-Siemens acabou!"
O primeiro-ministro de North-Rhine Westphalia, Jürgen
Rüttgers (União Democrata-cristã - CDU), participou
da assembléia dos trabalhadores em Kamp Lintfort, expressando
sua preocupação e fazendo duras críticas
à Siemens. Ninguém deve, no entanto, enganar-se
com tais lágrimas de crocodilo. Tais manifestações
de preocupação por parte dos políticos visam
controlar os ânimos dos trabalhadores e servem para desviar
as atenções de suas próprias responsabilidades.
O mesmo se aplica ao conselho de sindicatos da fábrica
e ao principal sindicato envolvido - o IG Metall, o sindicato
dos engenheiros.
Em agosto de 2005, a Siemens transferiu sua seção
de telefonia celular para a BenQ. Para a Siemens, este foi um
jeito relativamente barato de abandonar uma parte não-lucrativa
de seu império de negócios. A Siemens foi obrigada
a pagar 350 milhões de euros à companhia-mãe
de Taiwan, o que era, porém, ainda mais barato do que um
programa de fechamento na Alemanha, que exigiria pagamentos compensatórios
e um plano social para os trabalhadores envolvidos.
Um ano antes disso, a Siemens planejara transferir sua produção
para a Hungria, uma mudança que gerou fortes protestos
por parte dos trabalhadores. No fim das contas, o conselho do
trabalho e o IG Metall assinaram um acordo: em troca de uma vaga
promessa de garantia de emprego por dois anos, os trabalhadores
foram obrigados a sacrificar de 25 a 30% de seus salários.
A semana de trabalho foi estendida de 35 para 40 horas sem nenhum
aumento correspondente no salário, e os pagamentos de férias
foram cortados.
O aumento da semana de trabalho introduzida pela Siemens foi
bem recebido pela imprensa e tem sido, desde então, aplicada
por outras empresas. Nos últimos anos, a maioria dos acordos
coletivos tem forçado os trabalhadores a fazer concessões
ao invés de reajustar o salário. Uma situação
similar ocorre com os trabalhadores dos serviços públicos,
onde a maioria tem sido obrigada a trabalhar 40 ou mais horas
por semana.
A BenQ assumiu o setor de telefonia celular da Siemens no verão
passado. Os sindicatos procuraram imediatamente acalmar os trabalhadores,
dizendo que a nova companhia iria conceder seguro ao trabalho
no próximo ano. No entanto, o que ocorreu foi que a BenQ
entrou com um pedido de falência.
Existem muitos indícios de que a BenQ preparou-se sistematicamente
para a falência. Após a transferência da administração
das operações na Alemanha, no verão de 2005,
a BenQ Celulares foi dividida em várias companhias diferentes,
permitindo que a companhia-mãe tirasse vantagens das 1.750
patentes que a BenQ conquistara junto às unidades de produção
de telefones celulares.
Agora se presume que a BenQ estava fazendo o trabalho sujo
para a Siemens e pediu falência sob condições
vantajosas, eliminando o plano social ou qualquer compensação
aos trabalhadores. Mesmo aqueles trabalhadores que assinaram,
nos últimos meses, acordos pelo fim dos procedimentos de
demissão em curso, temem não receber os pagamentos
compensatórios decorrentes da demissão.
Da sua parte, a BenQ será compensada com lucrativas
licenças e patentes obtidas de sua ex-concorrente. Daqui
em diante, a companhia pode concentrar sua produção
de telefones celulares exclusivamente na Ásia, onde os
custos de produção são substancialmente menores.
A BenQ justificou a falência como sendo uma conseqüência
da postura excessivamente agressiva assumida pela empresa no setor
das telecomunicações, que acarretou grandes prejuízos
à companhia-mãe no ano passado. A empresa tinha
18.000 trabalhadores, concentrados na China, Taiwan, Malásia
e México.
Apenas três empresas - Nokia, Motorola e Samsung - dominam
cerca de 70% do mercado de telefonia celular. Em 2003, a Siemens
detinha 8% do mercado, mas nos anos seguintes sua participação
caiu vertiginosamente.
Quando a BenQ assumiu o comando, a participação
da Siemens no mercado mundial representava menos de 0,5%. A partir
daí a participação da BenQ-Siemens chegou
à 3,2%. Esperanças de que as vendas do último
natal trouxessem algum alívio foram frustradas.
Todavia, tudo indica que houve um complô contra os trabalhadores
e seus empregos. O Süddeutsche Zeitung do dia 29 de setembro
comenta a operação como sendo "um fechamento
do setor de telefonia celular camuflado, que na verdade é
uma venda para Taiwan".
Quando foi realizada a venda, alimentavam-se esperanças
de que a seção de telefonia celular teria melhores
chances de sobrevivência por meio da BenQ. Mas é
provável que, naquela época, já se vislumbrava
um cenário completamente diferente."Existem alguns
indícios de que os gerentes já não acreditavam
numa recuperação substancial da empresa, mas já
estavam, naquele momento, prevendo um futuro sombrio", escreveu
o Süddeutsche Zeitung.
Esta hipótese é reforçada pela grande
soma de dinheiro que a Siemens estava preparada a oferecer como
parte do acordo de transferência de seu setor.
Sem entrar em detalhes exatos - muito provavelmente o quadro
completo emergirá somente após algum tempo - esta
operação repete outros casos semelhantes de desmantelamento
na América, onde grandes empresas de transporte aéreo,
e mais recentemente a Delphi, fornecedora de peças para
automóveis, entraram com pedidos de falência. Em
muitos casos, milhares de trabalhadores perderam não somente
seus empregos como também seus benefícios de pensão
e seguros de saúde. O resultado foi que os trabalhadores
foram obrigados a aceitar condições inferiores de
trabalho e salários menores. Agora, a mesma crueldade é
demonstrada por parte da administração da Siemens
e da BenQ, e pode muito bem ser estendido a toda economia alemã.
A responsabilidade pela produção na BenQ Telefones
Celulares nos próximos três meses foi assumida por
um interventor, o que significa que a companhia está sendo
financiada por fundos de falência - ou seja, dinheiro público
proveniente de impostos. A expectativa é que, depois deste
período, a empresa será fechada.
Segundo o interventor, Martin Prager, a empresa terá
que se tornar lucrativa até o dia 1 de janeiro, caso contrário,
a produção cessará. Depois das experiências
dos últimos meses, é altamente improvável
que a empresa volte a ser lucrativa num curto espaço de
tempo. Os trabalhadores da BenQ correm o risco de perderem seus
empregos e benefícios. Para muitos trabalhadores, esta
não será a primeira experiência de demissão;
para algumas famílias o fechamento da empresa significará
a perda do emprego do casal.
A fábrica da BenQ em Kamp-Lintfort é a segunda
maior empresa da cidade. Muitos trabalhadores na região,
que haviam perdido seus empregos na indústria mineradora,
transferiram-se para a Siemens com a esperança de assegurarem
seus empregos. A maior empresa da cidade, a mina de carvão
Friedrich Heinrich, com 4.000 trabalhadores, provavelmente fechará
também assim que os subsídios para a produção
de carvão forem cortados.
IG Metall e o conselho da fábrica local têm feito
um papel especialmente cínico quanto ao destino dos trabalhadores
da BenQ. Em 2004, o sindicato foi um instrumento de chantagem
contra os trabalhadores em apoio à direção
da Siemens, ajudando a impor cortes nos salários e o aumento
da jornada de trabalho. O sindicato chegou a propor à administração
da empresa que esta poderia rebaixar os salários dos trabalhadores
de Kamp-Lintfort ao nível daqueles recebidos pelos trabalhadores
da Hungria.
Desde o começo, o sindicato excluiu qualquer possibilidade
de uma luta conjunta entre os trabalhadores da Alemanha e da Hungria,
ou entre diferentes setores de trabalhadores que enfrentam problemas
semelhantes. Os sindicatos nunca questionaram a subordinação
dos interesses dos trabalhadores aos interesses de lucratividade
das empresas, tanto na Alemanha como na Hungria.
Depois do pedido de falência da BenQ, os dirigentes sindicais
expressaram, de maneira hipócrita, a mesma surpresa e indignação
que os representantes da administração e os políticos
- tentando desviar a atenção dos trabalhadores.
Numa recente assembléia, membros do conselho de fábrica
distribuíram cartas-padrão aos trabalhadores com
o objetivo deles registrarem reivindicações individuais
contra os danos ocasionados pelo comitê executivo da Siemens,
baseando-se no fato de que os trabalhadores eram vítimas
de "uma maligna derrota da Siemens Co."
Enquanto alegam uma "maligna derrota", o IG Metall
e o conselho de fábrica dividem a responsabilidade pela
derrota e falham ao conduzirem qualquer luta baseada no princípio
da defesa do emprego.
Em relação à recuperação
das perdas impostas aos trabalhadores, o conselho de fábrica
considera que há poucas chances de conquistá-las.
Ao invés disso, ele espera que a Siemens concorde em montar
uma empresa que "recicle" e empregue em outro lugar
os trabalhadores desempregados. Esta proposta é mais um
beco-sem-saída para os trabalhadores. Inúmeros esquemas
de reciclagem ocupacional e de transferência de empregos
provaram serem efêmeras paradas ao longo do caminho que
leva ao desemprego integral.
As amargas experiências dos trabalhadores da Siemens-BenQ
expressam, acima de tudo, que é necessário que os
trabalhadores superem a burocracia sindical. O único fundamento
efetivo para uma luta bem-sucedida em defesa do emprego, condições
de trabalho e salário é um programa socialista internacional
que una a classe trabalhadora para além das fronteiras
nacionais e regionais e que priorize as necessidades desta classe
contra os interesses das grandes empresas, que visam apenas o
lucro.