World Socialist Web Site
 

WSWS : Portuguese

Alemanha: falência de um ex-setor da Siemens ameaça 3.000 empregos

Por Elisabeth Zimmermann
14 Octubre 2006

Utilice esta versión para imprimir | Enviar por e-mail | Comunicar com o autor

O destino da fabricante de telefones celulares BenQ foi decidido: a companhia entrou com pedido de falência e os empregos de mais de 3.000 trabalhadores na Alemanha estão imediatamente ameaçados. Mas o assunto diz respeito ao papel desempenhado pela companhia alemã Siemens, que vendeu recentemente sua seção de telefonia celular à BenQ, sediada em Taiwan.

Circulam rumores e acusações mútuas, mas aumentam as evidências de que as duas companhias lucrarão com o fechamento. Por meio da venda, a Siemens escapou da responsabilidade sobre os mais de 3.000 trabalhadores que eram seus empregados, enquanto a BenQ pôde conquistar patentes e ações de uma de suas principais concorrentes.

No dia 28 de setembro foi anunciado que a companhia-mãe da BenQ em Taiwan interrompeu os pagamentos à sua subsidiária alemã. Estão imediatamente afetados 1.600 trabalhadores do setor produtivo nas cidades de Kamp-Lintfort e Bocholt, no estado de North-Rhine Westphalia, bem como 1.400 trabalhadores envolvidos nos setores administrativo e de desenvolvimento alocados em Munique.

Os trabalhadores só ficaram sabendo dos problemas enfrentados pela companhia pelo rádio, quando se deslocavam ao trabalho. Uma assembléia extraordinária foi convocada apressadamente no dia 29 de setembro. Somente então os trabalhadores souberam que a BenQ havia entrado com um pedido de falência.

A raiva e indignação dos trabalhadores são direcionadas não apenas à BenQ mas, acima de tudo, à proprietária anterior da companhia, a Siemens. Em Munique, trabalhadores da BenQ protestaram em frente à sede da Siemens com cartazes que afirmavam: "BenQ está fazendo o trabalho sujo para a Siemens", "Crianças órfãs continuam sendo crianças", "Klaus [referindo-se ao chefe-executivo da Siemens, Klaus Kleinfeld] está matematicamente desclassificado (mais de 30 por cento) - BenQ-Siemens acabou!"

O primeiro-ministro de North-Rhine Westphalia, Jürgen Rüttgers (União Democrata-cristã - CDU), participou da assembléia dos trabalhadores em Kamp Lintfort, expressando sua preocupação e fazendo duras críticas à Siemens. Ninguém deve, no entanto, enganar-se com tais lágrimas de crocodilo. Tais manifestações de preocupação por parte dos políticos visam controlar os ânimos dos trabalhadores e servem para desviar as atenções de suas próprias responsabilidades. O mesmo se aplica ao conselho de sindicatos da fábrica e ao principal sindicato envolvido - o IG Metall, o sindicato dos engenheiros.

Em agosto de 2005, a Siemens transferiu sua seção de telefonia celular para a BenQ. Para a Siemens, este foi um jeito relativamente barato de abandonar uma parte não-lucrativa de seu império de negócios. A Siemens foi obrigada a pagar 350 milhões de euros à companhia-mãe de Taiwan, o que era, porém, ainda mais barato do que um programa de fechamento na Alemanha, que exigiria pagamentos compensatórios e um plano social para os trabalhadores envolvidos.

 

Um ano antes disso, a Siemens planejara transferir sua produção para a Hungria, uma mudança que gerou fortes protestos por parte dos trabalhadores. No fim das contas, o conselho do trabalho e o IG Metall assinaram um acordo: em troca de uma vaga promessa de garantia de emprego por dois anos, os trabalhadores foram obrigados a sacrificar de 25 a 30% de seus salários. A semana de trabalho foi estendida de 35 para 40 horas sem nenhum aumento correspondente no salário, e os pagamentos de férias foram cortados.

O aumento da semana de trabalho introduzida pela Siemens foi bem recebido pela imprensa e tem sido, desde então, aplicada por outras empresas. Nos últimos anos, a maioria dos acordos coletivos tem forçado os trabalhadores a fazer concessões ao invés de reajustar o salário. Uma situação similar ocorre com os trabalhadores dos serviços públicos, onde a maioria tem sido obrigada a trabalhar 40 ou mais horas por semana.

A BenQ assumiu o setor de telefonia celular da Siemens no verão passado. Os sindicatos procuraram imediatamente acalmar os trabalhadores, dizendo que a nova companhia iria conceder seguro ao trabalho no próximo ano. No entanto, o que ocorreu foi que a BenQ entrou com um pedido de falência.

Existem muitos indícios de que a BenQ preparou-se sistematicamente para a falência. Após a transferência da administração das operações na Alemanha, no verão de 2005, a BenQ Celulares foi dividida em várias companhias diferentes, permitindo que a companhia-mãe tirasse vantagens das 1.750 patentes que a BenQ conquistara junto às unidades de produção de telefones celulares.

Agora se presume que a BenQ estava fazendo o trabalho sujo para a Siemens e pediu falência sob condições vantajosas, eliminando o plano social ou qualquer compensação aos trabalhadores. Mesmo aqueles trabalhadores que assinaram, nos últimos meses, acordos pelo fim dos procedimentos de demissão em curso, temem não receber os pagamentos compensatórios decorrentes da demissão.

Da sua parte, a BenQ será compensada com lucrativas licenças e patentes obtidas de sua ex-concorrente. Daqui em diante, a companhia pode concentrar sua produção de telefones celulares exclusivamente na Ásia, onde os custos de produção são substancialmente menores.

A BenQ justificou a falência como sendo uma conseqüência da postura excessivamente agressiva assumida pela empresa no setor das telecomunicações, que acarretou grandes prejuízos à companhia-mãe no ano passado. A empresa tinha 18.000 trabalhadores, concentrados na China, Taiwan, Malásia e México.

Apenas três empresas - Nokia, Motorola e Samsung - dominam cerca de 70% do mercado de telefonia celular. Em 2003, a Siemens detinha 8% do mercado, mas nos anos seguintes sua participação caiu vertiginosamente.

Quando a BenQ assumiu o comando, a participação da Siemens no mercado mundial representava menos de 0,5%. A partir daí a participação da BenQ-Siemens chegou à 3,2%. Esperanças de que as vendas do último natal trouxessem algum alívio foram frustradas.

Todavia, tudo indica que houve um complô contra os trabalhadores e seus empregos. O Süddeutsche Zeitung do dia 29 de setembro comenta a operação como sendo "um fechamento do setor de telefonia celular camuflado, que na verdade é uma venda para Taiwan".

Quando foi realizada a venda, alimentavam-se esperanças de que a seção de telefonia celular teria melhores chances de sobrevivência por meio da BenQ. Mas é provável que, naquela época, já se vislumbrava um cenário completamente diferente."Existem alguns indícios de que os gerentes já não acreditavam numa recuperação substancial da empresa, mas já estavam, naquele momento, prevendo um futuro sombrio", escreveu o Süddeutsche Zeitung.

Esta hipótese é reforçada pela grande soma de dinheiro que a Siemens estava preparada a oferecer como parte do acordo de transferência de seu setor.

Sem entrar em detalhes exatos - muito provavelmente o quadro completo emergirá somente após algum tempo - esta operação repete outros casos semelhantes de desmantelamento na América, onde grandes empresas de transporte aéreo, e mais recentemente a Delphi, fornecedora de peças para automóveis, entraram com pedidos de falência. Em muitos casos, milhares de trabalhadores perderam não somente seus empregos como também seus benefícios de pensão e seguros de saúde. O resultado foi que os trabalhadores foram obrigados a aceitar condições inferiores de trabalho e salários menores. Agora, a mesma crueldade é demonstrada por parte da administração da Siemens e da BenQ, e pode muito bem ser estendido a toda economia alemã.

A responsabilidade pela produção na BenQ Telefones Celulares nos próximos três meses foi assumida por um interventor, o que significa que a companhia está sendo financiada por fundos de falência - ou seja, dinheiro público proveniente de impostos. A expectativa é que, depois deste período, a empresa será fechada.

Segundo o interventor, Martin Prager, a empresa terá que se tornar lucrativa até o dia 1 de janeiro, caso contrário, a produção cessará. Depois das experiências dos últimos meses, é altamente improvável que a empresa volte a ser lucrativa num curto espaço de tempo. Os trabalhadores da BenQ correm o risco de perderem seus empregos e benefícios. Para muitos trabalhadores, esta não será a primeira experiência de demissão; para algumas famílias o fechamento da empresa significará a perda do emprego do casal.

A fábrica da BenQ em Kamp-Lintfort é a segunda maior empresa da cidade. Muitos trabalhadores na região, que haviam perdido seus empregos na indústria mineradora, transferiram-se para a Siemens com a esperança de assegurarem seus empregos. A maior empresa da cidade, a mina de carvão Friedrich Heinrich, com 4.000 trabalhadores, provavelmente fechará também assim que os subsídios para a produção de carvão forem cortados.

IG Metall e o conselho da fábrica local têm feito um papel especialmente cínico quanto ao destino dos trabalhadores da BenQ. Em 2004, o sindicato foi um instrumento de chantagem contra os trabalhadores em apoio à direção da Siemens, ajudando a impor cortes nos salários e o aumento da jornada de trabalho. O sindicato chegou a propor à administração da empresa que esta poderia rebaixar os salários dos trabalhadores de Kamp-Lintfort ao nível daqueles recebidos pelos trabalhadores da Hungria.

Desde o começo, o sindicato excluiu qualquer possibilidade de uma luta conjunta entre os trabalhadores da Alemanha e da Hungria, ou entre diferentes setores de trabalhadores que enfrentam problemas semelhantes. Os sindicatos nunca questionaram a subordinação dos interesses dos trabalhadores aos interesses de lucratividade das empresas, tanto na Alemanha como na Hungria.

Depois do pedido de falência da BenQ, os dirigentes sindicais expressaram, de maneira hipócrita, a mesma surpresa e indignação que os representantes da administração e os políticos - tentando desviar a atenção dos trabalhadores. Numa recente assembléia, membros do conselho de fábrica distribuíram cartas-padrão aos trabalhadores com o objetivo deles registrarem reivindicações individuais contra os danos ocasionados pelo comitê executivo da Siemens, baseando-se no fato de que os trabalhadores eram vítimas de "uma maligna derrota da Siemens Co."

Enquanto alegam uma "maligna derrota", o IG Metall e o conselho de fábrica dividem a responsabilidade pela derrota e falham ao conduzirem qualquer luta baseada no princípio da defesa do emprego.

Em relação à recuperação das perdas impostas aos trabalhadores, o conselho de fábrica considera que há poucas chances de conquistá-las. Ao invés disso, ele espera que a Siemens concorde em montar uma empresa que "recicle" e empregue em outro lugar os trabalhadores desempregados. Esta proposta é mais um beco-sem-saída para os trabalhadores. Inúmeros esquemas de reciclagem ocupacional e de transferência de empregos provaram serem efêmeras paradas ao longo do caminho que leva ao desemprego integral.

As amargas experiências dos trabalhadores da Siemens-BenQ expressam, acima de tudo, que é necessário que os trabalhadores superem a burocracia sindical. O único fundamento efetivo para uma luta bem-sucedida em defesa do emprego, condições de trabalho e salário é um programa socialista internacional que una a classe trabalhadora para além das fronteiras nacionais e regionais e que priorize as necessidades desta classe contra os interesses das grandes empresas, que visam apenas o lucro.