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Congresso norte-americano legaliza tortura e prisão arbitrária

Pelo comitê editorial
3 Octubre 2006

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 29 de Setembro de 2006

A legislação aprovada pelo Parlamento na quarta e pelo Senado na quinta-feira, que legaliza a política do governo Bush de torturar e de prender suspeitos de forma arbitrária, sem julgamento, bem como estabelecer tribunais irregulares para tratar os prisioneiros de Guantánamo, marca um divisor de águas nos Estados Unidos.

Pela primeira vez na história norte-americana, o Congresso e a Casa Branca concordaram em pôr de lado as determinações da Constituição e da Carta dos Direitos e adotou formalmente métodos tradicionalmente identificados com os Estados policiais.

Este projeto de lei é o resultado de um prolongado processo de decadência da democracia norte-americana, que acompanhou o imenso crescimento da desigualdade social e intensificou-se nas eleições fraudadas de 2000. No começo de dezembro de 2000, na véspera do veredicto da Suprema Corte dos EUA, que parou a contagem dos votos na Flórida e que outorgou a presidência a George W. Bush (que havia perdido os votos populares em todo o país para seu oponente do Partido Democrata Al Gore), David North, o secretário nacional do Socialist Equality Party dos EUA e coordenador do comitê editorial internacional do World Socialist Web Site, afirmou, num relato sobre a crise das eleições nos EUA:

“a decisão da Suprema Corte revelará se a classe governante norte-americana está disposta e preparada a ir quebrando as tradicionais normas burguesas-democráticas e constitucionais. Estará ela preparada a confirmar a fraude eleitoral e a supressão dos votos e instalar na Casa Branca um candidato empossado por meio de métodos grosseiramente ilegais e anti-democráticos?”

“Uma parte substancial da burguesia, e talvez até uma maioria da Suprema Corte dos EUA, está preparada a fazer justamente isso. As elites dominantes nos Estados Unidos retiraram de maneira dramática o apoio às tradicionais formas da democracia burguesa.”

A decisão da Corte Suprema e a recusa do Partido Democrata a opor-se a ela demonstraram que, dentro da elite governante norte-americana, não sobrou ninguém para defender de direitos democráticos.

O silêncio da elite política governante frente às inúmeras medidas repressivas decretadas pelo governo Bush confirmou esta análise.

A Lei de Comissão Militar de 2006 fará muito mais do que implantar os procedimentos que serão utilizados para carimbar o encarceramento de prisioneiros na Ilha de Guantánamo e em outros campos de detenção administrados pelos EUA em todo o mundo. Ela ataca os direitos de todos os cidadãos americanos, bem como os de todos os residentes legais e outros imigrantes, que estarão agora sujeitos à ameaça de prisão e de prisão perpétua, com base unicamente nas ordens do presidente, sem possibilidade de recurso judicial.

Na próxima sexta-feira, o projeto de lei voltará ao Parlamento para a votação final, a fim de conciliar diferenças menores de linguagem entre as duas versões. Provavelmente, no final da próxima semana, o presidente Bush assinará a lei.

De acordo com esta lei, o presidente pode considerar qualquer pessoa como um “combatente inimigo ilegal”, a ser investigada por agentes de inteligência e presa por tempo indeterminado, sem ter direito a qualquer recurso legal. A lei considera um “combatente inimigo ilegal” aquele “indivíduo envolvido em hostilidades contra os Estados Unidos”, que não seja um membro regular de um exército oponente.

Dada a indeterminação da lei em relação ao que significam as “hostilidades”, passa a não haver mais qualquer distinção legal entre um verdadeiro terrorista da Al Qaeda, um imigrante árabe que faz uma doação de caridade em socorro ao Líbano, e um estudante universitário americano que se confronta com a polícia durante uma manifestação de protesto contra a guerra no Iraque.

A legislação foi aprovada no Parlamento na quarta-feira, com o apoio de 34 Democratas, que se juntaram a 219 Republicanos na desequilibrada votação, que resultou em 253 votos a favor e 168 contra. O Senado aprovou o projeto de lei no dia seguinte, com uma margem ainda maior: 65 a favor e 34 contra, com 12 Democratas juntando-se a um bloco quase unanimemente Republicano.

Antes de votar no projeto de lei completo, senadores derrotaram quatro emendas: da restauração dos direitos de hábeas corpus para prisioneiros, derrotada por 51 a 48; do aumento da vigilância pelo Congresso sobre o programa de tortura da CIA, que perdeu por 53 a 46; da imposição de um limite de cinco anos às comissões militares, que perdeu por 52 a 47; da proibição às específicas técnicas de tortura mencionadas, que perdeu por uma margem similar.

A aprovação da lei atendeu todas as expectativas do governo Bush, exceto a proibição explícita da Convenção de Genebra. A Casa Branca concordou em abrandar levemente a terminologia utilizada, que garante ao presidente o poder de “interpretar” a Convenção de Genebra de modo a permitir formas menores de tortura.

As principais mudanças criadas pela lei são:

* Autorizar o presidente a estabelecer comissões militares para processar prisioneiros sob custódia dos EUA, tanto fora quanto dentro do país;

* Dar às comissões militares o poder de determinar as punições, inclusive a pena de morte;

* Aceitar provas baseadas em rumores e declarações de testemunhas coagidas;

* Permitir o uso de testemunhos obtidos através de “tratamento cruel, inumano ou degradante” se a tortura tiver ocorrido antes de 30 de dezembro de 2005, quando a mesma foi proibida pelo Congresso;

* Permitir a promotores públicos esconder do réu as provas entregues a um júri, caso estas envolvam informação confidencial, além de substituir resumos não-confidenciais;

* Tirar dos detidos o direito de pedir hábeas corpus.

Violações da Constituição

Muitas das determinações desta legislação são violações flagrantes da Constituição dos EUA. Isso foi reconhecido pelo Senador Republicano Arlen Specter, chefe do Comitê Judiciário que, apesar de tudo, votou a favor do projeto de lei, depois que sua emenda pela manutenção dos direitos de hábeas corpus foi derrotada.

Specter afirmou que, ao recusarem-se os direitos de hábeas corpus aos suspeitos detidos durante a “guerra ao terror”, o projeto de lei “faria com que nossa civilizada sociedade retrocedesse uns 900 anos”, ou seja, voltasse à época anterior à adoção da Carta Magna - a primeira elaboração dos princípios democráticos sob a lei inglesa.

Ele considerou que “toda essa controvérsia se reduz à posição que o Congresso assumirá: se ele aceitará legislar infringindo um direito que está explícito no próprio documento da Constituição, direito este que tem sido aplicado a estrangeiros pela Suprema Corte dos Estados Unidos”.

O Artigo I, Seção 9 da Constituição dos EUA declara: “o direito do pedido de hábeas corpus não deve ser suspenso, exceto em casos de rebelião ou invasão que ponham em risco a segurança pública”. Ninguém no governo Bush ou na liderança Republicana do Congresso alegou que os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 constituíram uma invasão desse tipo. Eles simplesmente ignoram o texto da Constituição.

As outras determinações do projeto de lei também violam a sexta emenda da Constituição, que garante um julgamento justo, baseado na amarga experiência dos colonos com as injustiças da Coroa Britânica. A emenda diz:

“em todos os processos criminais, o acusado deve desfrutar do direito de julgamento rápido e público, por um júri imparcial de estado e de distrito onde o crime foi supostamente cometido, e de ser informado da natureza e da causa da sua acusação; de ser confrontado com as testemunhas contrárias a ele; ao estabelecimento de um processo compulsório que possibilite que ele obtenha testemunhas a seu favor, e de ter assistência de um conselheiro durante a defesa”.

Prisioneiros em Guantánamo e em outros campos de concentração americanos serão julgados por jurados oficiais militares, podendo não ter o direito de conhecer as provas e testemunhos contrários a eles. A atuação de seus advogados será prejudicada por estarem diretamente vigiados pelos militares, sob a autoridade do comandante-em-chefe.

Do ponto-de-vista do governo Bush e da liderança Republicana no Congresso, estas grosseiras violações constitucionais não são uma necessidade lamentável, mas uma conquista. A utilização do terrorismo para gerar pânico na população, não tem um objetivo de curto prazo, como uma vitória nas próximas eleições, mas principalmente o de construir as bases para o exercício autoritário do poder nos Estados Unidos.

O papel dos Democratas

As votações em quatro emendas na quinta-feira permitiram que os senadores Democratas aparecessem como defensores das liberdades civis e constitucionais. O Chefe do Comitê Judiciário, Patrick Leahy, por exemplo, denunciou a eliminação da proteção do hábeas corpus para 12 milhões de imigrantes residentes, bem como para imigrantes ilegais. Ele disse que esta lei transforma “em piada a retórica arrogante de Bush e Cheney sobre a exportação da liberdade pelo mundo”, acrescentando: “Que hipocrisia!”.

O Senador de Michigan, Carl Levin, afirmou: “a deliberação sobre o hábeas corpus neste projeto de lei agride tanto os direitos constitucionais quanto as ações em Abu Ghraib, Guantánamo e prisões secretas que abusaram fisicamente dos prisioneiros”.

Mas Leahy e Levin não explicaram por que eles e outros líderes Democratas recusaram-se a bloquear a votação. Por que eles não boicotaram a votação, uma vez que para isso são necessários apenas 40 votos? Na quarta-feira à noite, o Líder da Minoria no Senado, Harry Reid, firmou um acordo com o Líder da Maioria, Bill Frist, para permitir votações nas quatro emendas em troca da garantia de que os Democratas não bloqueariam a votação - apesar dos Democratas já terem boicotado casos bem menos importantes, como a definição do número de juízes das cortes de apelações federais.

Em seu discurso no Senado, Leahy declarou: “nós estamos prestes a colocar a mais escura mancha na consciência da nação. Isto é um grande erro... é inconstitucional. É não-americano”. Parece que para os Democratas o erro não é tão grande e a mancha não é tão escura, pois isso não foi suficiente para fazer com que eles se opusessem efetivamente ao governo Bush, faltando apenas um mês para as eleições.

Pelo contrário, Democrata após Democrata, após toda a encenação, ficaram do lado do governo Bush. Além dos já reconhecidamente conservadores, os 12 senadores Democratas que votaram a favor da versão final da lei são, entre outros: Joseph Lieberman, de Connecticut; liberais enfrentando competições para a reeleição, como Robert Menendez, de Nova Jersey; Debbie Stabenow, de Michigan; e Bill Nelson, da Flórida.

No Parlamento, dos 34 Democratas de direita estão alguns do sul, vários membros do Congressional Black Caucus e dois congressistas que são candidatos Democratas para o senado dos EUA nas eleições do próximo mês - Harold Ford, do Tennessee, e Sherrod Brown, de Ohio.

O liberal Brown procurou apelar ao sentimento anti-guerra existente no seu estado..Ohio foi um dos estados que mais perdeu jovens, homens e mulheres no Iraque. Uma única unidade da Guarda Nacional localizada no subúrbio de Brook Park, em Cleveland, perdeu vinte e quatro pessoas na guerra. Numa entrevista para o MSNBC.com, Brown disse que os prisioneiros “não são soldados, nem combatentes representando um governo, eles são terroristas”.

Certamente, o objetivo de um julgamento é o de determinar, baseado em provas, se os acusados são realmente culpados. Brown, assim como o governo Bush, supõe que todos os prisioneiros da CIA e dos militares dos EUA são culpados, e usa essa presunção de culpa para justificar os procedimentos arbitrários.

Brown refutou as críticas à sua cumplicidade do governo Bush, dizendo: “algumas pessoas simplesmente não aceitam que eu concorde com George Bush sobre coisa alguma”.

O editorial do New York Times lamenta antecipadamente a aprovação do projeto de lei, observando que o ano de 2006 vai afundar na história, por meio da aprovação de “uma lei tirânica que representará um dos pontos fracos da democracia americana, a versão da nossa geração da Lei de Estrangeiros e da Lei da Sublevação”. Mas o jornal não tentou dar uma explicação séria para seu ataque à tirania, nem sugeriu um fundamento para lutar contra ela.

Nem poderia, uma vez que o Times, assim como toda a mídia da elite governante, e ambos os partidos da elite corporativa norte-americana, apóia a assim chamada “guerra ao terror”, que é um pretexto político para o uso do militarismo e da guerra na busca dos objetivos globais do imperialismo dos EUA. Uma política externa de agressão militar é, afinal de contas, incompatível com a democracia no interior do país.

A luta contra métodos autoritários de governo deve ser levantada pela classe trabalhadora, a única força social dentro da sociedade norte-americana que possui uma profunda ligação com a defesa dos direitos democráticos. O pré-requisito para esta luta é o rompimento com os dois partidos da elite do governo norte-americano e a construção de um movimento socialista de massas da classe trabalhadora.