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Antigo aluno fala sobre a Bauhaus em Sheffield e Liverpool

13 Octubre 2006

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 23 de novembro de 1999.

Wilfred Franks é um dos poucos estudantes da Bauhaus ainda vivo. Ele estudou nessa influente escola de arte e design entre 1929 e 1931. Ele nos dará duas palestras na Inglaterra - dia 6 de dezembro em Liverpool e dia 8 em Sheffield - sobre a importância artística e cultural da Bauhaus (veja detalhes abaixo).

Franks foi aluno de Reinhold Weidensee no ateliê de carpintaria da Bauhaus em Dessau, Alemanha, e conheceu Walter Gropius, Paul Klee, Wassily Kandinsky e Lazlo Moholy-Nagy, entre outros.

Retornando para Grã-Bretanha, ele trabalhou em uma escola técnica para jovens em uma área de mineração no nordeste da Inglaterra, passando adiante algumas das habilidades que havia aprendido na Alemanha. Foi então que conheceu o distinto compositor Michael Tippett, que se tornou seu amigo íntimo e colaborador.

Mais tarde, ele entrou para o Margaret Barr Company como dançarino. Barr já treinou com Martha Graham e foi um dos pioneiros da dança moderna na Grã-Bretanha. Após a Segunda Guerra Mundial, trabalhou na fabrica da Ford em Dagenham por 10 anos como parte da equipe de design. Posteriormente, Franks voltou a ensinar e entrou para a Leeds Polytechnic como professor de design.

O “Staatliches Bauhaus” em Weimar, no estado de Turíngia, foi fundado em abril de 1919 por Walter Gropius (1883-1969), seu primeiro diretor. Aquele foi um tempo de crises políticas e tumultos em todos os lugares, incluindo a Alemanha. No meio da carnificina da Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa de Outubro de 1917 ergueu a bandeira da solidariedade internacional e do socialismo, em oposição ao exacerbado nacionalismo das forças imperialistas belicosas.

A tomada do poder pelos trabalhadores e soldados soviéticos na Rússia, sob a liderança do Partido Bolchevique, inspirou os revolucionários na Spartakus Bund (Liga Espartarquista), liderada por Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, a se espelharem neles. Uma guerra civil estava próxima. Milhares de trabalhadores e intelectuais, repudiando o rebaixamento patriótico e o abandono do socialismo internacionalista pelos social-democratas, se juntavam aos Espartarquistas.

Em 9 de novembro de 1918, dois dias antes de o armistício ser declarado, o Kaiser abdicou. Liebknecht chamou a república socialista baseada nos conselhos de trabalhadores e soldados. O Partido Social Democrata (SPD), que em 1914 votou os créditos de guerra do Kaiser apoiando a mesma, avançou para estrangular a “revolução de novembro” alemã. Com o apoio do SPD, o levante dos trabalhadores foi suprimido, e em janeiro de 1919 Luxemburgo e Liebknecht foram assassinados, junto com centenas de membros do recém estabelecido Partido Comunista.

Antes destes tumultuados eventos, um número de artistas tinham procurado desenvolver suas próprias linguagens criativas: der Blaue Reiter (O cavaleiro azul), movimento de Wassily Kandinsky, Paul Klee, Franz Marc e August Macke na Alemanha; os fauvistas como Georges Braque e Henri Matisse na França; o movimento Holandês Stijl que incluía Piet Mondrian e Theo van Doesburg.

Durante a guerra e no seu período posterior, algumas tendências artísticas assumiram traços políticos mais claros. O movimento Dada, surgido na Suíça em 1916, representou uma rebelde e niilista rejeição do status quo cultural e social. Seus praticantes incluem o francês Marcel Duchamp, o americano Man Ray, e os alemães George Grosz e Max Ernst.

A Revolução Russa de outubro de 1917, junto com a política do governo bolchevique de incentivo às liberdades intelectuais, artísticas e de experimentações, foi um efeito de inspiração para o mundo artístico. O trabalho de Malevich, Tatlin, Eisenstein, Rodchenko, El Lissistsky, e muitos outros tiveram um impacto muito além das fronteiras da União Soviética.

A Bauhaus surgiu nessa agitação política, cultural e social. Quando jovem, Walter Gropius fora influenciado pelo trabalho de John Ruskin e de Willian Morris. Antes da Primeira Guerra Mundial ele estudou arquitetura e trabalhou no escritório de Peter Behrens, com Ludwig Mies Van der Rohe e Charles Edouard Jeanneret, que mais tarde seria conhecido como Le Corbusier.

Como milhares de outros, Gropius radicalizou suas experiências durante a guerra. Ele se tornou chefe de uma associação de arquitetos, artistas e intelectuais de esquerda - o Arbeitsrat für Kunst (Conselho dos Trabalhadores pela Arte), que visava estender a revolução de Novembro para a área da arte. Gropius acreditava na necessidade de uma nova sociedade. Ele desejava superar a distinção entre arte e artesanato e criar uma nova condição de vida para os homens.

O Manifesto da Bauhaus, escrito por Walter Gropius em abril de 1919, foi ilustrado com uma xilogravura de Lyonel Feininger, o primeiro a ser indicado por Gropius para a Bauhaus. Cathedral of The Future (A Catedral do Futuro) mostra uma construção parecida com um foguete erguendo-se ao céu com força; no topo de suas três espirais estão estrelas de cinco pontas radiando feixes de luz. Feininger, que também apoiou o Arbeitsrat fur Kunst, não escolheu a imagem por algum motivo religioso.

Como uma “catedral do socialismo”, a ilustração representa os desejos da Bauhaus para unificar arquitetura com arte e com design a serviço da sociedade. “O fim último de toda atividade criativa é a construção”, escreveu Gropius nas linhas de abertura do Manifesto da Bauhaus. “Adorná-la era, outrora, a tarefa mais nobre das artes plásticas, componentes inseparáveis da magna arquitetura. Hoje elas se encontram numa situação singular de auto-suficiência, da qual só se libertarão através da consciente atuação conjunta e coordenada de todos os profissionais. Arquitetos, pintores e escultores devem novamente chegar a conhecer e compreender a estrutura multiforme da construção em seu todo e em suas partes; só então suas obras estarão outra vez plenas do espírito arquitetônico que se perdeu na arte dos salões”.

Cathedral of the future(Catedral do futuro),Lyonel Feininger

A Bauhaus atraiu muitos dos artistas importantes da época, incluindo Wassily Kandinsky, Paul Klee, Oskar Schlemmer, Laszlo Moholy-Nagy e outros. Eles ensinaram ao lado de artesãos que trabalhavam pedra, madeira, metal, argila, vidro, tinta e tecido, cuja especialidade capacitou os estudantes a dominar cada material e cada ferramenta. Cada área tinha um tutor dirigido aos problemas da forma, encorajando as habilidades de observação, representação e composição dos alunos.

Em fevereiro de 1924, os social-democratas perderam o controle do Parlamento Estadual da Turíngia para os nacionalistas, que desde o começo foram hostis à Bauhaus. Em setembro, o ministro da Educação cortou pela metade os fundos da escola e alterou para semestral os contratos da equipe da mesma. Para Gropius, que já havia começado a procurar uma alternativa para as fontes do fundo, isto provou ser a gota d’água. Junto com o Conselho de Mestres ele anunciou o fechamento da Bauhaus no final de março de 1925. O SPD, que governava Dessau por anos, ofereceu sediar a Bauhaus na cidade. Gropius e sua equipe mudaram-se para lá em 1926.

A trágica traição à classe trabalhadora alemã pelos seus líderes políticos abriu a avenida para que os nazistas subissem ao poder. O Partido Comunista, agora sob influência direta de Stálin, e os social-democratas se recusaram a formar uma frente única contra os camisa-marrons de Hitler. Por setembro de 1932, os nazistas ganharam maioria em Dessau, e cortaram todo o financiamento da Bauhaus. A escola foi forçada a se mudar para Berlin, onde sobreviveu sem nenhum fundo público por um breve período. Em 11 de abril de 1933, a polícia de Berlin, agindo sob as ordens do novo governo nazista, fechou a escola. A exibição de “Arte Degenerada” promovida em 1937 pelos nazistas contava com muitos trabalhos de antigos professores da Bauhaus.

Os nazistas falharam em suas tentativas de destruir completamente a Bauhaus. O forçado fechamento e a subseqüente imigração de muitos antigos professores e estudantes asseguraram sua fama e influência pelo mundo, especialmente nos Estados Unidos, onde a Bauhaus se estabeleceu em 1937, em Chicago. A Bauhaus teve seu último impacto na educação artística e na arquitetura. Mas, afastados dos ideais socialistas que haviam inspirado o movimento, e tendo a escola sido levada para um outro meio cultural, muitos dos que trabalharam lá vieram a produzir construções sem expressão e pouco humanas.

A correspondente Barbara Slaughter do World Socialist Web Site visitou Wilfred Franks em sua casa em North Yorkshire, onde ele falou sobre sua experiência na Bauhaus.

Qual foi a sua primeira impressão da Bauhaus?

Eu tinha 22 anos quando fui para a Bauhaus em Dessau. Era 1929. Nasci em janeiro de 1908. No começo eu não sabia o que era a Bauhaus; eu pensava que era apenas uma escola para arquitetos. Quando eu cheguei, fiquei impressionado com o prédio. Fiquei tremendamente comovido por ele, foi algo que não esperava e não podia imaginar.

Cheguei depois do escurecer, e lá estava aquela maravilhosa fachada de vidro do prédio, tudo aceso, com pessoas andando em seu interior. Veja se você conseguir imaginar: uma área de 50 pés (15m) de altura, com luzes brilhando através das vigas de aço da construção, afastadas dos vidros. Você não pode acreditar que experiência foi aquela. Você ficaria paralisado como eu se tivesse visto aquilo. Eu tinha ido a um país estrangeiro e tido uma cansativa viagem de trem com pessoas conversando em uma língua que não entendia e, de repente, cheguei naquele lugar maravilhoso. Perguntei: “Onde vim parar?”.

O prédio da Bauhaus em Dessau, por Jeffery Howe, Boston College

Os estudantes se amontoaram em volta de mim. Eu fui o primeiro estudante inglês. Eles estavam tremendamente satisfeitos com isso porque sabiam que aquilo significava terem um reconhecimento internacional - a escola estava se tornando conhecida em todo mundo.

Fui levado para dentro e me deram a refeição. Logo fui levado para um grande salão onde estavam sendo exibidas fotos do que haviam feito. Eles mostraram alguns desenhos e, de repente, havia um desenho de mim. Eles haviam me conhecido 20 minutos antes. Fora no lado de fora e no escuro onde desenharam o inglês que havia acabado de chegar.

Os estudantes me mostraram todo o edifício, o teatro, os ateliês e os quartos dos estudantes. Na Bauhaus, os ateliês eram identificados com materiais específicos - madeira, pedra, metal, argila, e por aí vai. Os estudantes eram estimulados a descobrir todas as possibilidades de usar diferente materiais, por sensibilidade, por racionalidade, por sua relação com eles, para ver que qualidades eles têm e se eles podem ser aprimorados e usados para melhoria do homem.

O que você estudou na Bauhaus?

Cada ateliê tinha um Mestre da Forma, ou professor de design, e um Mestre Artesão, ou mestre técnico. Eu estava colocado em um ateliê com um homem chamado Reinhold Weidensee, um ótimo professor de artesanato, e tive de aprender a fazer mobiliário. Gropius foi mestre da forma no mesmo ateliê, mas deixou alguns meses antes, até então ele era apenas um nome para mim.

Um dia, Weidensee disse-me que eu iria fazer uma cama para a Hygiene Ausstellung (Exibição Higiênica) em Dresden. Ele disse, “a Bauhaus fez a casa higiênica e você fará a cama higiênica”.

Ele me deu algumas longas tábuas para aplainar e nós as colocamos na prensa, chapando-as na superfície e nas pontas. Elas estavam agora lisas e pintadas. Depois foram polidas com lixas secas e molhadas, pintadas novamente e polidas novamente. Isto aconteceu três ou quatro vezes e, ao final, elas estavam brilhando feito vidro. Tinham uma bela cor verde.

Pessoas se aproximaram e olharam para meu trabalho. Alguns deles eram mais novos e outros muito mais velhos. Eles fizeram todos os tipos de sugestões de como o trabalho poderia ser mais interessante, ou mais prático, alterando isto ou aquilo. Eu ouvi e aprendi com eles. E agora eu sei quem projetou aquela cama. Era atribuído a mim, porque eu fiz o trabalho manual, mas eu não sei exatamente quem a projetou, pois muitas pessoas haviam participado do processo. Eu lembro das idéias que eu tive, e como Weidensee me corrigiu. Todo mundo na Bauhaus ajudava um ao outro, nós aprendíamos uns com os outros. Os estudantes têm muito a aproveitar com o processo de ensino, assim como os professores.

No Feierabend (fim do trabalho diário) nós devíamos colocar cuidadosamente todas as ferramentas nas prateleiras e colocando óleo nas juntas, deixando-as perfeitas para o dia seguinte. Com freqüência eu podia encontrar na manhã seguinte o assento com óleo repassado por outra pessoa. Demorou um tempo para eu perceber o que estava acontecendo. Quando saíamos, outros estudantes vinham de onde estavam trabalhando em seus serviços e faziam suas tarefas da Bauhaus no período da noite. Eu então percebi que a escola era muito mais complexa, organizada e totalmente diferente da primeira impressão que tive quando cheguei.

Como as idéias socialistas influenciaram o trabalho da escola?

Weidensee era uma pessoa adorável, muito sincero e quieto. Ele foi quem realmente me disse, “Você terá que se tornar comunista se quiser fazer quase tudo do nosso aprendizado, por que tudo está baseado nisso. A revolução mundial começou na Rússia”.

Ele desconhecia algo que Moholy-Nagy[1] sabia, este era húngaro e esteve na Revolução Húngara. Ele me contou desde o início, “a revolução corrente já aconteceu. Stalin é o arquiinimigo.” Assim foi como eu comecei na Bauhaus com Moholy-Nagy.

Moholy-Nagy explicou que a nova sociedade começou sob Lenin e Trotsky. Isto era o que a Bauhaus acreditava. Isto era o que todos os estudantes acreditavam. Todos me contaram o que aconteceu antes - a Revolução Russa de 1917, a Revolução Alemã de 1918-19 e de 1923. Todos conversavam constantemente sobre o assunto e diziam que ocorreria novamente.

Todos sabiam que Marx e Engels propuseram uma mudança revolucionária e que Lênin e Trotsky trataram de colocá-la em prática, algo que Moholy-Nagy ensinou-me sobre. “Mas agora tudo se foi. Stalin estragou tudo”. Não foram essas as palavras exatas que ele usou, mas era esse o sentido.

Os outros alunos eram Marxistas. Eu lembro três estudantes vindo a mim e me dando uma cópia do Manifesto Comunista, impresso em inglês, eles haviam importado da Inglaterra, o que deve ter custado muito dinheiro. Eles colocaram o Manifesto na prancheta em que eu estava trabalhando e disseram, “Leia isto Wilf, e você irá saber mais sobre nós”.

Eles eram internacionalistas e eles queriam ser internacionais. Eles queriam que viessem estudantes americanos e ingleses ali, assim como alemães, franceses e holandeses. Eles eram influenciados pelas idéias de Karl Marx. Eu os ouvi falando sobre materialismo dialético, discuti isso com eles. Os estudantes costumavam conversar comigo durante o dia, durante a janta, nos bares, e sempre conversávamos sobre a revolução que falhou e da revolução que estava por vir e que seria vencedora.

Eles estavam aprendendo a criar - para os trabalhadores, para todos. Eles estavam pensando sobre criar um novo mundo fora do seu artesanato e de seus bons trabalhos. Esta é uma atitude totalmente diferente da de qualquer outra escola de arte que eu soube sobre, porque não era uma escola de arte - era a Bauhaus. Ela estava lá para criar a arquitetura para o novo mundo socialista que começou na Rússia, e que seria internacional, porque deveria ser internacional, e era internacional. Era por isso que eu estava lá. Eles me queriam lá e sei que o mesmo aconteceu com outros.

Eu me lembro indo para Universidade de Edimburgo falar sobre a Bauhaus. As pessoas ficavam estarrecidas, pessoas mais velhas e mais novas do que eu, e, na verdade, diziam que eu estava mentindo - que aquilo tudo eram coisas da minha cabeça. Eles estavam totalmente convencidos de que a Bauhaus era apolítica, puramente artística - somente artistas que se juntavam e criavam. Se perguntavam porque não poderiam fazer o mesmo, lá. E eu dizia, “porque você não têm as mesmas motivações. Vocês não estão trabalhando pelas mesmas coisas”. Mas eles não aceitavam isso.

Quais as suas lembranças em relação a Walter Gropius?

O que estávamos aprendendo na Bauhaus era que viria um tempo de grandes mudanças, quando nós teríamos que fazer tudo feito através das maquinas e da estandartização - mas fazendo isso de uma forma bela, como o inglês William Morris. Gropius disse que ainda fazíamos tudo com as mãos, mas com o pensamento da estandartização e da produção em massa, para que todos, no futuro, pudessem ter objetos belos.

Gropius permitia que a movimentação política na escola se desenvolvesse. Na primeira vez que eu o encontrei em sua casa ele me disse, “você é Wilf da Inglaterra, ouvi falar de você, você está indo bem.” Ao que eu respondi, “eu não sinto que esteja indo muito bem: sou um peixe fora d’água, não sei nada sobre marxismo, nada sobre política e nada sobre arquitetura.” Ele disse, “você não precisa saber nada sobre arquitetura ou política. Tudo o que você deve fazer é se juntar à sua geração, aos estudantes... Nós, da velha geração, não podemos fazer nada, mas você deverá criar a arquitetura do novo mundo, que represente as pessoas do nosso tempo”.

Ele disse, “você fará coisas como as que foram feitas no passado - o arco gótico, as catedrais góticas e as igrejas, expressões diretas das pessoas daquela época.” Me lembro dele gesticulando com as mãos assim e dizendo, “você fará para as pessoas de hoje o que pessoas daquela época fizeram através da arquitetura gótica. Você fará as coisas à sua maneira, à maneira do seu tempo, e qual é essa maneira nós ainda não sabemos”. Ele certamente tinha uma concepção de uma nova sociedade.

Depois ele me disse para ir para a sala ao lado e ouvir a discussão, tentar compreender o que eles falavam e participar se pudesse. Então eu fui para lá e ouvi a um homem idoso falar em alemão, falava sobre a filosofia do materialismo dialético de Karl Marx. E é claro que não entendi muito na hora, mas perguntei aos outros alunos e aprendi muito depois.

O que você lembra dos artistas que conheceu na Bauhaus?

Os artistas eram professores de design e eles faziam isso ensinando a partir dos seus próprios trabalhos. Paul Klee ministrava aulas onde os estudantes trabalhavam como ele, conjuntamente.

Klee era músico, e eu desconhecia isso até o dia em que o escutei tocando piano, e logo então soube, porque era algo maravilhoso. Eu perguntei para os outros estudantes e eles me disseram que ele faria concertos na cidade alguns dias depois. Eu fui ouvi-lo e ele era fantástico, tocando seus próprios trabalhos e os dos “velhos mestres”.

Depois disso, quando eu vi sua pintura, percebi que seus trabalhos de arte eram trabalhos musicais, feitos com uma sensibilidade especial. Eu percebi que seu desenho vinha de seu movimento e de sua musicalidade. Meu traço veio da minha experiência visual. Eu sou uma pessoa muito táctil. Minha sensibilidade táctil é a mais importante e a visual a segunda. Minha percepção auditiva é a mais fraca. Quando você o testemunha tocando, parece estar olhando seus desenhos. Eu admito que haja um pouco de “Wilfismo” em dizer que ele estava tentando desenhar a partir dos seus ouvidos, mas acredito que isso seja verdade.

Eu vi Klee pintando, os sues alunos me levaram para vê-lo. Ele brinca com objetos perto das mãos e os usa. Ele pode pegar alguma coisa como uma caixa de fósforos e dar a ela a forma de um rosto humano, ou pode pintar com a ponta de uma régua. Ele pode pegar qualquer coisa e usar. Ele era muito grande em seus movimentos. Ele podia mergulhar um pincel na tinta e gira-lo pela página. Era um grande movimento. Isso vinha de sua personalidade essencial - uma personalidade musical.

Nunca houve pessoa que trabalhou como ele. Antes de tudo, Klee foi um músico, e a pintura era a segunda corda para sua música. De uma forma extraordinária ele tentou fazer na pintura o que fez na música. Ele tocava piano e violino e compunha também. Apesar disso, ele não se tornou conhecido como músico.

Nós aprendíamos a desenhar na Bauhaus porque precisávamos desenhar nossos designs. O desenho de modelo-vivo era muito importante. O mais importante assunto para um ser humano desenhar é outro ser humano - o corpo humano é a mais sutil, a mais maravilhosa construção.

Nós costumávamos ter aulas semanais de desenhos com modelo-vivo. Eu fazia muitos desenhos nesses anos e os estudantes me perguntavam o porquê disso. Eu tento explicar que, quando eu estou desenhando uma mão, um pulso, sinto ao mesmo tempo o meu próprio pulso, é como se meu pulso se tornasse consciente. Eu estava fazendo afirmações sobre algo que eu mesmo dificilmente saberia explicar.

Lembro de Paul Klee parado ao meu lado, escutando. Eu conversei com ele mais tarde e estava muito interessado. Eu disse que desenhar era algo muito físico. Eu desenho a partir do meu corpo. Quando vejo uma perna, eu sinto a forma da minha própria perna. Isso tem algo a ver com o cérebro. Não é um pensamento consciente, mas o cérebro afeta meu corpo. Minha perna é tão humana quanto a que eu desenho. Estou tentando capturar a essência da perna. Você deve confirmar que viu cuidadosamente o modelo e verificar as diferenças em relação a você, de outra maneira terminará com um auto-retrato seu, toda vez.

Eu fui numa exibição em Jena, com alguns outros estudantes, que pensavam que Klee era o melhor dos melhores. A exibição era praticamente dos trabalhos de seus estudantes. No café, depois, eu disse que apenas um ou dois deles haviam trabalhado para valer, que o resto era lixo! Eles me chamaram para voltar com eles e mostrar a que trabalhos eu me referia. E então me falaram, “que estranho, você escolheu os trabalhos do mestre”.

Kandinsky[2] era um pintor na Bauhaus. Eu não era da sua classe, mas poderia ser se ficasse um ano a mais lá. Eu às vezes o via em Dessau, onde ele tinha uma casa. Perguntei algumas coisas a ele, e as questões eram prontamente respondidas por Moholy-Nagy, pois ele era muito cuidadoso e não poderia responder. Eu me lembro dele dizendo, “você expõe a grandes perigos quem responde a perguntas como estas.” Ele viveu na União Soviética e sabia por experiência pessoal o que o estalinismo foi. Ele estava me contando que os estalinistas podiam assassiná-lo na Alemanha se soubessem que era um inimigo. Ele repetiu, “Você não sabe quão perigoso é quando você coloca pessoas a responder perguntas como essas”. Eu não podia entender ele naquele momento, mas agora é um tanto óbvio o que dizia.

Como a ascensão do fascismo afetou a Bauhaus?

Paul Schultze-Naumburg era o arquiteto enviado para restabelecer a “pura arte germânica” na escola, ao invés do “lixo cosmopolita” que fazíamos. Ele descreve a produção da Bauhaus como kisten, ou caixas. Ele queria nos ensinar como cravar bacos e vinhas nas costas das cadeiras, coisas desse tipo, coisas em certa medida vitorianas.

Eu só o vi uma vez, quando estava posando para um escultor que fazia uma estátua de tamanho três por quatro. Alguém veio e me disse, “Schultze-Naumburg está em sua sala e deseja ver o inglês”. Então eu coloquei um par de shorts, corri pelo caminho e subi as escadas para seu escritório. Lá vi dois nazis em seus uniformes e seu companheiro sentado à mesa. Era a primeira vez que eu testemunhava uma cena como aquela. Anteriormente só havia visto em filmes e peças.

Ele se dirigiu a mim dizendo que eram bastante partidários da kultur inglesa. Eu respondi que eu não sabia da existência de uma específica kultur inglesa. Então me disse, “pois bem, nós reconhecemos seu país como um país de uma grande cultura, mas estamos despejando todos os estrangeiros. Se você se mantiver na cidade será eventualmente remanejado”. Foi assim que fui embora.

Dois dias mais tarde os estudantes me disseram que haveria uma assembléia na praça. Que haviam posto um palco, faixas e tudo mais. Eles disseram que os fascistas estavam vindo, e nós deveríamos estar lá para escutar o que diziam e ver o que faziam.

Eu podia ver que todos estavam com as faces pálidas e assustadas, incluindo pessoas que pensava serem muito firmes. Isso me passou muito medo. Eu não tinha a menor idéia do que o Hitler era. Eu havia visto estes dois camisa-marrons, mas isto era tudo.

A praça estava cheia e a polícia veio a cavalo; dirigiram-nos de volta para o lado das ruas, deixando uma rua principal aberta. Nós esperamos por 15 minutos, o que me pareceu muito tempo; a polícia foi muito grossa e rude. Então, nós ouvimos o som de uma banda de metais muito distante, o som ia se tornando cada vez mais próximo, e mais próximo. Logo os camisa-marrons vieram para a praça onde havíamos estado pouco tempo antes. A praça estava lotada de camisa-marrons e policiais. Esta foi a primeira vez que eu os vi.

Depois, o orador apareceu na plataforma. Ele era o líder dos fascistas no estado da Turíngia. Eu não conseguia entender nada do que dizia, mas podia ver que as pessoas com quem eu estava ficaram profundamente feridas e assustadas com o que ouviam. Quando voltamos me disseram, “na segunda teremos uma Spiegelfest (festival de espelhos)”.

Segunda-feira chegou e eu acordei cedo - lá pelas sete horas - e fui para a oficina. Todas as paredes do ateliê estavam cobertas com espelhos - espelhos grandes, pequenos espelhos. Lá tinham barris de cerveja e a bebida era livre. Essas pessoas com quem convivi, eram todos “idealistas práticos”, o que significa que estavam lutando por um ideal que poderia verdadeiramente ser alcançado. Eu os conheci assim, eles faziam amor em público, bebendo e dormindo no chão, estavam tão bêbados. E foi assim o dia todo. Este era o fim da Bauhaus.

Eu sabia que eles estavam desistindo. Eu, na verdade, os vi fazendo isso. Tudo estava acabado; todos nossos ideais viraram nada; Hitler estava lá; os camisa-marrons estavam lá, era o que eles estavam dizendo. Aquilo estava tentando ser um bacanal, e era. E em tal grau que eu não conseguia comparar com o que eram, com o que haviam sido, e com tudo o que me haviam dito para ser. Tudo estava sendo jogado fora.

Antes de sair da Alemanha eu comprei um livro de arte publicado pelos fascistas. Era como uma revista pornográfica e tentava mostrar como a Bauhaus era degenerada. Em uma página havia um desenho da Bauhaus e oposto a ele um desenho fascista impresso, com bandeiras nazistas e todo o resto. Era parte da auto-propaganda deles e deveria mostrar quão superiores sua arte era em relação à Bauhaus. Quando você vê a estupidez deles, quão insípidos são seus desenhos comparados aos nossos, funciona na direção oposta.

Qual sua opinião sobre a arte hoje?

Criatividade é nosso instinto mais profundo e isso é o que nós devemos fazer. Nós desejamos criar coletivamente - não queremos criar individualmente. E isto é o que homens e mulheres do futuro farão. Eles estarão procurando pessoas com as quais elas possam trabalhar e criar juntos. Isto precisa de no mínimo duas cabeças, não uma única. Minha imaginação é apenas metade disto. Isto leva a melhor parte e deixa a pior - a auto-preservação que é um instinto humano para defesa contra vulcões e terremotos.

Na sociedade burguesa o mais absurdo, o mais condenável, o mais questionável, o mais estarrecedor, o mais insípido e ofensivo que seu trabalho possa ser, mais perto da arte ele está, mais ele vale, porque quem paga por ele na verdade nada sabe sobre o que está comprando. Assim, você pode colocar montar uma parede de tijolos na Tate Gallery e toda noite, quando a galeria fechar, você volta e mudar a posição dos tijolos. Todos irão lá olhá-los novamente a afirmar que é uma obra maravilhosa.

Quando você está aprendendo um ofício, deve aprender a usar as duas mãos e as ferramentas, você precisa aprender a técnica. Hoje, estudantes vão até a escola de arte, e aprendem a técnica de não fazer nada em particular.

Isto não quer dizer que penso que ninguém produz arte de valor nos dias de hoje, mas acho que muitas pessoas produzem uma arte que não tem a menor importância à vida, não é o que a arte deveria ser. Ela deveria significar algo para a vida, para nossas vidas, para a vida social e coletiva. E se não significa algo neste sentido, logo é algo trivial, imediato, não importa. É algo com o que você não deveria estar se preocupando.

A emoção humana está ligada ao nosso amor pelo outro e ao nosso desejo de ajudar e de trabalhar com o outro. Esta é a base da realidade tanto da arte como da ciência. Elas não são opostas. A arte é expressa em nossas relações com o outro, ou então ela se mantém somente no plano do individual e assim se torna algo trivial, vira nada. Não existe “arte pessoal”, o trabalho de arte deve estar nas minhas relações com pessoas, com todas as pessoas.

A verdade que estamos tentando expressar é que todos nós somos seres humanos. Isto é o que nós somos. E o mais profundo instinto que nós temos é o de sermos humanos, de nos relacionarmos com outras pessoas e trabalharmos com outras pessoas para melhorar a vida coletiva. É daí que o marxismo, o bolchevismo e o trotskismo surgem.

Notas:
1. Laszlo Moholy-Nagy (1895-1946). Construtivista húngaro - seguidor de Vladimir Tatlin. Em 1919 apoiou o soviete húngaro de Bela Kun e em janeiro de 1921 chegou a Berlin. No ano seguinte participou da Conferência Dada e Construtivista em Weimar. Lecionou no curso preliminar da Bauhaus de 1925 a 1928, mantendo uma forte relação com os estudantes mesmo depois de sua saída. Em 1935 deixou a Alemanha, e em 1937 foi indicado chefe da nova escola da Bauhaus, em Chicago.

2. Wassily Kandinsky (1866-1944). Nasceu na Rússia, e estudou arte em Munique, retornando à Rússia em 1914. Após a Revolução Russa, no ano de 1919, se tornou chefe do Museu de Arte Moderna, fundou também a Academia Russa de Ciências artísticas, em 1921. Conheceu Walter Gropius antes da Primeira Guerra Mundial e foi inspirado pelo Manifesto da Bauhaus quando estava escrevendo o programa para o Instituto Moscou de Arte e Cultura, em 1920. Deixou a Rússia em 1922 e se tornou Mestre da Forma no ateliê de murais e pintura na Bauhaus. Permaneceu na escola até esta ser fechada pelos nazistas em 1933, quando deixou a Alemanha e foi para a França.

 



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