Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia16 de novembro de 2006
A cidade mexicana de Oaxaca está sob ocupação
policial. O governo está deflagrando uma guerra suja,
com prisões arbitrárias e seqüestro de pessoas,
que desaparecem de uma hora para outra, lembrando as operações
levadas a cabo na década de 70.
Desde que a Polícia Preventiva Federal [PPF] invadiu
e ocupou a cidade, no dia 29 de outubro, mais de 40 líderes
e membros da Assembléia Popular do Povo de Oaxaca [APPO]
foram presos, e outros 39 desapareceram, incluindo jovens adolescentes.
A brutalidade contra os professores e manifestantes está
aumentando. Hipocritamente, os comandantes da PPF dizem que a
atual onda de prisões não tem nada a ver com uma
possível repressão aos opositores do governador,
mas são simples respostas a crimes comuns. Além
da PPF, esquadrões paramilitares ligados ao governador
Ulises Ruiz e seu Partido Revolucionário Institucionalista
[PRI] estão realizando prisões e seqüestros.
Seguindo a operação policial, homens mascarados
foram vistos fazendo buscas em todas as casas de possíveis
colaboradores da APPO. As pessoas que foram liberadas denunciaram
a violência física e a tortura. Alguns desses detidos
são jovens, até mesmo crianças de 13 anos.
Foram emitidas ordens de prisão a toda a liderança
da APPO.
O jornal La Reforma, da Cidade do México, divulgou
na semana passada que, desde junho, 16 pessoas já haviam
sido mortas pela polícia ou pelos esquadrões paramilitares,
incluindo o repórter do Indymedia, Brad Will, que
foi baleado no dia 27 de outubro junto com outros dois manifestantes.
Os capangas do PRI, que agitavam armas e atiravam contra as
barricadas de professores e membros da APPO durante as semanas
anteriores ao ataque ao governo, foram reforçados pela
presença da PPF. Professores em todo o Estado afirmam que
estão sendo ameaçados pelas forças paramilitares
do PRI. Alguns desses atiraram na estação de rádio
da universidade, ferindo um dos estudantes que cuidavam da aparelhagem.
O governo proibiu a transmissão da estação
de rádio que continua sob o comando da APPO.
A situação enfrentada pelos trabalhadores, estudantes
e camponeses de Oaxaca, um Estado pauperizado do sul mexicano,
é assustadora. Eles protestam contra as políticas
do governo estadual do PRI e do governo nacional do presidente
Vincente Fox [Partido da Ação NacionalPAN].
Eles estão isolados do resto da classe trabalhadora mexicana
e têm contra si todas as forças do Estado.
A principal responsável por esta situação
é a direção burocrática dos sindicatos
e do Partido da Revolução Democrática [PRD],
cujo líder é o candidato à presidência
Andres Manuel Lopez Obrador.
O Congresso do Trabalho [CT] mexicano está fazendo tudo
o que pode para impedir que os trabalhadores mexicanos se mobilizem
e colaborem com Oaxaca. De sua parte, Obrador, que se apareceu
durante a campanha eleitoral como o representante do povo - e
mobilizou centenas de milhares de pessoas pela recontagem dos
votos - manteve-se calado por meses em relação à
situação em Oaxaca, dando um apoio velado à
ação policial contra a cidade, onde moram cerca
de 250.000 pessoas.
A luta em Oaxaca teve início em maio, quando os 70.000
professores do Estado reivindicavam um reajuste salarial que acompanhasse
a elevação do custo de vida. No dia 22 de maio,
a direção da 22ª regional do Sindicato Nacional
dos Trabalhadores da Educação defendeu o início
da greve, devido à recusa das autoridades do Estado em
atender as reivindicações dos professores, alegando
não haver recursos suficientes. A greve contou com o decisivo
apoio da sociedade. No dia 14 de junho a polícia estatal
tentou pôr fim à greve, impedindo os professores
de acamparem no centro de Oaxaca, queimando duas barracas, matando
dois professores e ferindo muitos outros.
No dia 1 de agosto, o povo de Oaxaca, liderados pela APPO,
exigiu a renúncia do governador Ulises Ruiz, do PRI, ocupou
um hotel, a estação de rádio pública
e estações de TV. Além disso, barricadas
foram erguidas por toda a cidade. No dia seguinte, os professores
reuniram-se e acrescentaram a renúncia de Ruiz às
suas reivindicações.
Trabalhadores da saúde entraram em greve no dia 16 de
agosto. Até o mês de setembro as autoridades federais
negaram-se claramente a enfrentar a crise em Oaxaca. O governo
Fox estava envolvido com a contestação do resultado
das eleições presidenciais. O candidato do PRD,
Obrador, mobilizou centenas de milhares de pessoas para exigir
a recontagem dos votos, depois que a justiça eleitoral
apontou Felipe Calderon, candidato do PAN, como o vencedor das
eleições presidenciais por uma estreita margem de
votos.
Depois das festividades do Dia da Independência, em 16
de setembro, com a crise eleitoral sob controle, o governo Fox
voltou sua atenção totalmente a Oaxaca, preparando
a ocupação policial ocorrida em 29 de outubro.
Um dos objetivos principais do ataque policial em Oaxaca foi
o de pôr fim à greve dos professores, que foi arquitetada
pelas lideranças do SNTE. Sob pressão da liderança
do sindicato nacional, o líder da 22ª regional, Enrique
Rueda, reviu sua posição inicial, passando a defender
o retorno ao trabalho em troca de um contrato de 42 milhões
de pesos financiados pelo governo federal.
Rueda e os líderes da 22ª regional fazem parte
da Coordenação Nacional dos Trabalhadores da Educação
[CNTE], uma fração dissidente do SNTE. Mesmo que
eles tenham aparecido como progressistas no início da greve,
o principal papel de Rueda e dos líderes da CNTE foi o
de manter a luta dos professores confinada a Oaxaca. Outras regionais
da CNTE, incluindo aquela da Cidade do México, continuaram
trabalhando.
No dia 6 de novembro, a líder nacional do SNTE, Elba
Esther Gordillo, membro do PRI, alertou o governo Fox de que ela
não poderia mais tolerar negociações diretas
entre o ministro e a SNTE de Oaxaca, exigindo que ao invés
disso se negociasse com a direção nacional do sindicato.
Gordillo declarou que qualquer ganho conseguido pelos professores
de Oaxaca poderia somente encorajar o radicalismo
no sindicato e pediu ao governo que não concedesse anistia
aos professores ou aos líderes locais da SNTE.
Desde a tomada do poder em Oaxaca, a Polícia Preventiva
Federal [PPF] continuou a receber reforços. O Centro de
Direitos Humanos Pro Juarez [PRODH] denunciou que na última
semana foram registradas 86 prisões e 59 seqüestros.
O PRODH divulgou ainda que a maioria das prisões foi
violenta e que os detidos foram torturados. O porta-voz do PRODH,
Luiz Arriaga, deu o exemplo de David Huesca, que foi preso e espancado
na última quinta-feira por oficiais da PPF. Huesca foi
transportado para o aeroporto de Oaxaca. Ele não foi ouvido
desde então.
Os advogados da APPO levaram a PPF à corte na última
quarta-feira, apresentando numerosas provas de prisões
ilegais e tortura. No mesmo dia, líderes da APPO pediram
à Igreja Católica de Oaxaca que lhes desse refúgio
contra as prisões da PPF.
Em meio à crescente repressão, os trabalhadores,
estudantes e camponeses de Oaxaca continuaram a resistir. O líder
local do sindicato dos professores, Rueda, foi forçado
a cancelar uma assembléia de delegados de professores no
dia 4 de novembro, culpando a APPO por exacerbar as tensões
entre os professores ao divulgar o encontro pelo rádio.
O encontro de delegados será marcado somente após
o retorno ao trabalho.
No mesmo dia, cinco líderes da 22ª regional foram
arrancados de um ônibus que retornava da cidade do México
a Oaxaca e foram presos pela PPF. Quatrocentos professores marcharam
em Oaxaca para protestar contra as prisões, gritando assassinos,
assassinos, assassinos e exigindo que a PPF fosse embora
da cidade.
No dia 5 de novembro, dezenas de milhares de apoiadores da
APPO saíram às ruas em Oaxaca, exigindo que a polícia
deixasse a cidade. Em meio aos manifestantes havia um grande contingente
de professores, estudantes, camponeses e representantes das 17
etnias indígenas do Estado. Muitas pessoas vieram da Cidade
do México, incluindo estudantes, trabalhadores ligados
ao Sindicato dos Trabalhadores de Companhias Elétricas
e aos sindicatos dos trabalhadores das universidades. Liderando
a marcha estavam as famílias de diversas vítimas
da violência policial e paramilitar desde que se iniciou
a crise em Oaxaca, no dia 14 de junho.
No dia 7 de novembro mais de 3.000 professores de Oaxaca se
manifestaram, se opondo a retornar ao trabalho. No mesmo dia estudantes
de medicina da Universidade Benito Juarez entraram em greve.
No dia seguinte, centenas de mulheres foram às ruas
vestidas de preto, carregando um caixão. Os manifestantes
foram dispersos pelos canhões dágua da PPF.
Apesar do apoio de alguns sindicatos independentes, os professores,
trabalhadores e estudantes de Oaxaca acabaram isolados. O próprio
caráter da APPO contribui para este isolamento.
A Assembléia Popular do Povo de Oaxaca foi fundada em
junho, logo após o ataque aos professores. Ela reúne
cerca de trezentas organizações e surgiu com o objetivo
de apoiar os professores e exigir a renúncia de Ruiz, governador
de Oaxaca.
A APPO era capaz de mobilizar dezenas de milhares, impulsionados
pela grave crise decorrente da queda do preço do milho,
da indiferença do governo à destruição
causada pelo furacão Stan em outubro de 2005, e pela destinação
prioritária do uso da água aos hotéis e às
grandes empresas em detrimento das comunidades pobres. A APPO
foi dissolvida na semana passada, sendo substituída pelo
CEAPPO [Conselho de Estado da Assembléia Popular do Povo
de Oaxaca]. Seu programa é uma mistura de populismo nativista
com nacionalismo, sindicalismo e pacifismo, expressando a falta
de perspectiva dos diversos grupos que o formaram. Inclui elementos
do Exército Revolucionário do Povo [ERP] e apoiadores
do exército Zapatista, do Partido Comunista, Anarquistas,
Maoístas e outros radicais, juntos com elementos da burguesia,
como o PRD.
Enquanto afirmava não apoiar formalmente qualquer candidato
à presidência nas eleições de julho,
diferentemente dos zapatistas, que organizaram um boicote às
eleições, a APPO recomendava que não se votasse
nos candidatos do PAN e do PRIapoiando, com isso, o candidato
do PRD, Obrador.
Os líderes da CEAPPO descartaram agora a falsa imagem
de independência política em relação
ao PRD. A nova organização proclamou abertamente
seu apoio ao PRD e a Lopez Obrador, anunciando sua intenção
de participar na disputa de 20 de novembro, organizada para anunciar
Obrador como o presidente legítimo do México. A
CEAPPO tem ainda a intenção de organização
uma manifestação no dia 1 de dezembro, durante a
cerimônia oficial de posse de Calderon como presidente.
Obrador, de sua parte, retribuiu, reivindicando publicamente
a demissão do governador de Oaxaca, Ruiz.
Tal aproximação representa a receita da derrota
e do desastre. Os interesses dos trabalhadores, camponeses e estudantes
de Oaxaca e de todo o país não poderão ser
conquistados com base numa política de submissão
das massas a seções da elite mexicana e de seus
partidos. Não serão realizadas também baseadas
numa perspectiva nacionalista, seja a luta étnica indígena
ou o nacionalismo mexicano.
É necessário traçar outra estratégia.
O primeiro passo deve ser um apelo à classe trabalhadora
de todo o México para a defesa dos professores, trabalhadores,
camponeses e comunidades indígenas de Oaxaca, exigindo
a retirada da PPF, a renúncia de Ruiz e a libertação
de todos os presos políticos.
Tal luta deve ser conduzida como parte de um enfrentamento
capaz de construir um movimento político socialista independente,
que avance com um programa internacionalista para unificar a população
trabalhadora do México com os seus irmãos de classe
nos EUA, Canadá, nas Américas Central e do Sul.