Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 17 November 2006
No dia 13 de novembro, a Suprema Corte restabeleceu, no caso
Ayers x Belmontes, uma sentença de morte imposta
a um homem no Estado da Califórnia, apesar das evidências
de que a sentença tenha sido fruto da confusão causada
pelas explicações do júri.
A decisão, que alterou o veredicto da 9ª Corte
de Apelação, foi aprovada por 5 votos a favor e
4 contrários. O chefe de justiça, John Roberts,
e os juízes associados Antonin Scalia, Clarence Thomas,
Samuel Alito e Anthony Kennedy decidiram a favor da pena de morte.
Esta foi a primeira decisão da Corte sob tais condições.
A opinião da maioria, de autoria do famoso juiz Kennedy,
é um ataque extremamente reacionário aos direitos
fundamentais garantidos pela Constituição. A decisão
representa uma tentativa dos juízes da extrema direita
de se livrarem de tudo que possa atrapalhar a realização
das execuções.
Fernando Belmontes foi condenado por ter assassinado uma mulher
durante um assalto, em 1982. Durante a primeira fase do julgamento,
o júri devia decidir se Belmontes seria preso sem a possibilidade
de liberdade condicional, ou se ele seria condenado à morte.
A acusação e a defesa poderiam apresentar evidências
de agravo ou desagravo, respectivamente.
Além do direito estabelecido, que garante um julgamento
legítimoprevisto na Décima Quarta Emenda -
a Suprema Corte baseou-se na Oitava Emenda (que proíbe
punições cruéis ou não usuais) e abriu
a possibilidade para a defesa apresentar qualquer evidência
de desagravo ao júri, na tentativa deste decidir-se por
uma pena mais branda do que pena de morte. No entanto, em conseqüência
da confusa orientação dada júri pela Corte,
as evidências de desagravo não foram devidamente
consideradas pelo júri, segundo os advogados de Belmonte.
Entre as evidências, a defesa apresentou o testemunho
da mãe e do avô de Belmonte, que relataram as dificuldades
enfrentadas por ele durante a infância, principalmente em
relação aos abusos cometidos por seu pai, que era
alcoólatra.
A principal evidência de desagravo apresentada pela defesa
foi a experiência vivida por Belmontes no programa de correção
juvenil chamado Autoridade Jovem da Califórnia. O acusado
disse que durante aquela época ele se tornou cristão
e realizou várias coisas positivas. A defesa apresentou
o testemunho do responsável religioso da Autoridade Jovem,
que relatou a influência positiva de Belmontes sobre os
outros jovens durante sua permanência no local.
A defesa tentou demonstrar que enquanto Belmontes estava preso
ele era capaz de mudar a si mesmo, e, por isso, caso obtivesse
uma sentença que preservasse a sua vida, ele poderia colaborar
com a sociedade, mesmo na prisão.
Depois que as evidências de agravo foram apresentadas,
o Conselho e a Corte discutiram quais seriam as orientações
a serem dadas ao júri. O conselho de defesa solicitou que
os jurados tivessem acesso a uma lista dos fatores de agravo e
desagravo específicos deste caso, que haviam sido levantados,
e procurou incluir os fatores relevantes que evidenciassem o bom
comportamento de Belmontes na prisão.
O juiz recusou o pedido do conselho de defesa. Ao invés
disso, usou uma lista de sete fatorespadrão de sentença
que são usados comumente, incluindo umconhecido como
fator kque sugere que o júri considere
qualquer outra circunstância que atenue a gravidade
dos crimes, mesmo que não seja uma justificativa legal
para o crime. Este fator aparece como um meio de incluir
toda e qualquer hipótese não considerada nos outros
seis fatores, mas, na verdade, é um meio de excluir as
evidências específicas de desagravo obtidas pela
defesa.
Todos os fatores listados pelo juiz referiam-se à gravidade
do crime, excluindo toda e qualquer consideração
sobre a conduta futura do acusado. Além disso, o juiz não
informou aos jurados que eles não precisavam se limitar
aos sete fatores-padrão.
Imediatamente, a confusão no júri tornou-se evidente.
Depois de discutirem por algumas horas, o representante dos jurados
apresentou duas perguntas à Corte: o que acontece
se não chegarmos a um veredicto? A decisão pela
manutenção da vida do réu e sua prisão
pode ser feita pela maioria dos jurados? Essas questões
revelaram claramente que, nesse momento, a maioria dos jurados
estava inclinada a garantir a manutenção da vida
do réu e apenas uma minoria defendia a pena de morte.
O juiz respondeu às questões dos jurados em corte
aberta. Depois de informá-los que seu veredicto devia ser
unânime, um dos jurados - Sra. Hern - perguntou o seguinte
ao juiz: aquela lista [dos sete fatores] representava o
relato de agravo ou desagravo das circunstâncias?
O juiz respondeu dizendo: era aquela lista, sim. A
Sra. Hern seguiu questionando: daqueles fatores fixos, deveríamos
escolher um ou outro e então pôr os argumentos na
balança? A corte respondeu: Está correto.
É um processo de equilíbrio de fatores.
A breve apelação de Belmontes explicou exatamente
o significado da discussão entre os jurados e o juiz.
O que importa é que a jurada Hern, de maneira claríssima,
queria saber se a lista de fatores que o júri ouviu era
completa, ou seja, se não havia nada mais a considerar
além dela. A corte confirmou exatamente, sem nenhuma correção,
que todas as evidências apresentadas devem ser levadas
em consideração, e que a lista de fatores é
fornecida somente para ajudar o júri a analisar
as evidências, não para limitar a análise
dos jurados.
Como resultado do esclarecimento da corte, depois de 24 horas,
a maior parte dos jurados, que se inclinava pela manutenção
da vida, mudou sua posição e o júri anunciou
um veredicto unânime de sentença de morte.
As correções após a condenação
de Belmontes
É significativo que, apenas um ano depois do julgamento
de Belmontes, a Suprema Corte da Califórnia reconheça
a natureza problemática dos fatores-padrão fornecido
aos jurados, deixando claro que o júri pode considerar
qualquer evidência que seja apresentada na corte. Apesar
disso, a Corte da Califórnia manteve a sentença
de morte a Belmontes.
Depois de buscar todas as formas de reverter a decisão
da corte estadual, Belmontes emitiu uma petição
por hábeas corpus na Corte Federal, em 1994. A 9ª
Corte de Apelação pediu o cancelamento da pena de
morte de Belmontes, apontando que a oitava emenda pede um
júri qualificado para considerar todas as evidências
de desagravo relevantes disponibilizadas pelo acusado... essa
permissão ampla inclui a obrigação de considerar
as evidências de desagravo que se relacionam com o provável
comportamento futuro do acusado, especialmente a probabilidade
de que ele não represente um futuro perigo enquanto vivo,
porém encarcerado. A corte considerou que houve uma
falha no processo judicial, ao não orientar de maneira
clara ao júri que este devia considerar as evidências
de desagravo apresentadas por Belmontes.
A decisão da Suprema Corte anunciada na segunda-feira
transforma a decisão da 9ª Corte de Apelação.
A opinião da ampla maioria não levou em consideração
os argumentos de apelação levantados por Belmontes.
A maioria baseou-se no caso Boyde x Califórnia,
no qual o fator k havia sido examinado, e observou
que, isoladamente, ele não impede os jurados de considerar
as evidências de desagravo não relacionadas ao crime.
Todavia, segundo o advogado de Belmontes, Eric Multhaup, não
foi o fator k isoladamente que violou os direitos
de Belmonte assegurados pela oitava e pela décima quarta
emendas, mas a combinação não usual
das evidências de desagravo específicas do réu,
uma mistura de fatores-padrão e evidências específicas,
além do caráter improvisado das respostas dadas
pela corte aos jurados que, em conjunto, levaram o júri
a desconsiderar algumas das principais evidências
de desagravo do réu.
Na verdade, o caso Boyde serve para reforçar
a argumentação do acusado, pois afirma que os fatores-padrão
servem para evitar que o júri desconsidere evidências
relevantes e constitucionais. Em outras palavras, mesmo
que os jurados sejam devidamente instruídos, apenas um
precisa mostrar que as instruções foram mal aplicadas
e que evidências legais relevantes não foram observadas.
Sabendo disso, a maioria da Suprema Corte tentou defender que
os jurados poderiam ter ignorado o futuro potencial do acusado
caso eles tivessem considerado que as testemunhas eram inconsistentes.
Ou seja, se o júri não considerou as evidências
de desagravo, isto se deve ao fato da apresentação
da defesa ter entrado em conflito com as instruções
do juiz. Neste caso, os jurados deveriam certamente ignora a apresentação
da defesa!
Na melhor das hipóteses, a opinião da maioria
evidencia uma completa indiferença aos direitos garantidos
pela constituição ao acusado. Apesar das opiniões
divergentes, a importância para o Estado da Califórnia,
a essa altura dos acontecimentos, de confirmar a sentença
de morte, relaciona-se muito mais a necessidade de manter a confiança
na imparcialidade dos procedimentos relacionados com a pena de
morte.
O WSWS se opõe de maneira categórica à
pena de morte, independentemente da natureza dos procedimentos.
As opiniões divergentes, que não explicitam a oposição
à pena de morte, evidenciam o fato de que nesse caso a
Corte suprema se moveu para eliminar as proteções
constitucionais, que restringem a aplicação da penalidade
e exigem que qualquer dúvida seja resolvida em favor do
acusado. Claramente, nesse caso, há dúvidas substanciais
de que o júri tenha considerado propriamente todos os fatores
relevantes para a decisão.
Há aqui mais do que pura indiferença a tais considerações
ou à sorte de um indivíduo. Os juízes que
votaram pela confirmação da sentença de morte
de Belmontes estão claramente procurando retirar toda a
medida legal que possa restringir o poder do Estado de prender
e executar as pessoas. Isso é pode ser observado nas opiniões
dos juízes Scalia e Thomas, que, seguindo a opinião
de Kennedy, discordam de que a defesa possa apresentar qualquer
evidência de desagravo que considere relevante. Eu
reafirmo o meu ponto de vista de que limite imposto ao júri
de considerar todas as evidências de desagravo não
viola a oitava emenda, escreveu o juiz. Do ponto de vista
desses juízes reacionários, a proteção
constitucional existe somente para manter a ordem social.
A intenção e o efeito dessa perspectiva legal
é a de fortalecer os mais repressivos elementos do aparato
estatal, incluindo a polícia, o exército e o executivo.
No caso Hudson x Michigan,decidido em junho, os
mesmos cinco juízes aboliram a lei que dizia que a polícia
deve bater na porta e anunciar sua presença antes de entrar
na casa de alguém, e no caso Hamdan x Rumsfeld formaram
um bloco que aprovou amplos poderes ao executivo na formação
de comissões militares e na prisão de combatentes
inimigos ilegais.
Esses juízes, que desprezam os direitos democráticos
mais elementares, não surgiram do nada; eles têm
sido promovidos e intencionalmente estimulados pelos mais conservadores
elementos das instituições políticas atuais.
A decretação da pena de morte de Belmontes expressa
um determinado componente psico-social da elite norte-americana,
com juízes estimulando a vingança. A pena de morte
é por si só uma instituição bárbara,
e o zelo com o qual é promovida pelas mais altas cortessem
mencionar o próprio presidente Bush, que acompanhou a execução
de 150 prisioneiros quando era governador do Texasé
uma expressão da profunda decadência das concepções
democráticas da elite norte-americana.