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A Suprema Corte norte-americana estabelece novas condições para a atual e reacionária pena de morte

Por Jeff Lincoln
22 Noviembre 2006

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 17 November 2006

No dia 13 de novembro, a Suprema Corte restabeleceu, no caso Ayers x Belmontes, uma sentença de morte imposta a um homem no Estado da Califórnia, apesar das evidências de que a sentença tenha sido fruto da confusão causada pelas explicações do júri.

A decisão, que alterou o veredicto da 9ª Corte de Apelação, foi aprovada por 5 votos a favor e 4 contrários. O chefe de justiça, John Roberts, e os juízes associados Antonin Scalia, Clarence Thomas, Samuel Alito e Anthony Kennedy decidiram a favor da pena de morte. Esta foi a primeira decisão da Corte sob tais condições.

A opinião da maioria, de autoria do famoso juiz Kennedy, é um ataque extremamente reacionário aos direitos fundamentais garantidos pela Constituição. A decisão representa uma tentativa dos juízes da extrema direita de se livrarem de tudo que possa atrapalhar a realização das execuções.

Fernando Belmontes foi condenado por ter assassinado uma mulher durante um assalto, em 1982. Durante a primeira fase do julgamento, o júri devia decidir se Belmontes seria preso sem a possibilidade de liberdade condicional, ou se ele seria condenado à morte. A acusação e a defesa poderiam apresentar evidências de agravo ou desagravo, respectivamente.

Além do direito estabelecido, que garante um julgamento legítimo—previsto na Décima Quarta Emenda - a Suprema Corte baseou-se na Oitava Emenda (que proíbe punições cruéis ou não usuais) e abriu a possibilidade para a defesa apresentar qualquer evidência de desagravo ao júri, na tentativa deste decidir-se por uma pena mais branda do que pena de morte. No entanto, em conseqüência da confusa orientação dada júri pela Corte, as evidências de desagravo não foram devidamente consideradas pelo júri, segundo os advogados de Belmonte.

Entre as evidências, a defesa apresentou o testemunho da mãe e do avô de Belmonte, que relataram as dificuldades enfrentadas por ele durante a infância, principalmente em relação aos abusos cometidos por seu pai, que era alcoólatra.

A principal evidência de desagravo apresentada pela defesa foi a experiência vivida por Belmontes no programa de correção juvenil chamado Autoridade Jovem da Califórnia. O acusado disse que durante aquela época ele se tornou cristão e realizou várias coisas positivas. A defesa apresentou o testemunho do responsável religioso da Autoridade Jovem, que relatou a influência positiva de Belmontes sobre os outros jovens durante sua permanência no local.

A defesa tentou demonstrar que enquanto Belmontes estava preso ele era capaz de mudar a si mesmo, e, por isso, caso obtivesse uma sentença que preservasse a sua vida, ele poderia colaborar com a sociedade, mesmo na prisão.

Depois que as evidências de agravo foram apresentadas, o Conselho e a Corte discutiram quais seriam as orientações a serem dadas ao júri. O conselho de defesa solicitou que os jurados tivessem acesso a uma lista dos fatores de agravo e desagravo específicos deste caso, que haviam sido levantados, e procurou incluir os fatores relevantes que evidenciassem o bom comportamento de Belmontes na prisão.

O juiz recusou o pedido do conselho de defesa. Ao invés disso, usou uma lista de sete fatores—padrão de sentença que são usados comumente, incluindo um—conhecido como “fator k”—que sugere que o júri considere “qualquer outra circunstância que atenue a gravidade dos crimes, mesmo que não seja uma justificativa legal para o crime”. Este fator aparece como um meio de incluir toda e qualquer hipótese não considerada nos outros seis fatores, mas, na verdade, é um meio de excluir as evidências específicas de desagravo obtidas pela defesa.

Todos os fatores listados pelo juiz referiam-se à gravidade do crime, excluindo toda e qualquer consideração sobre a conduta futura do acusado. Além disso, o juiz não informou aos jurados que eles não precisavam se limitar aos sete fatores-padrão.

Imediatamente, a confusão no júri tornou-se evidente. Depois de discutirem por algumas horas, o representante dos jurados apresentou duas perguntas à Corte: “o que acontece se não chegarmos a um veredicto? A decisão pela manutenção da vida do réu e sua prisão pode ser feita pela maioria dos jurados?” Essas questões revelaram claramente que, nesse momento, a maioria dos jurados estava inclinada a garantir a manutenção da vida do réu e apenas uma minoria defendia a pena de morte.

O juiz respondeu às questões dos jurados em corte aberta. Depois de informá-los que seu veredicto devia ser unânime, um dos jurados - Sra. Hern - perguntou o seguinte ao juiz: “aquela lista [dos sete fatores] representava o relato de agravo ou desagravo das circunstâncias?” O juiz respondeu dizendo: “era aquela lista, sim”. A Sra. Hern seguiu questionando: “daqueles fatores fixos, deveríamos escolher um ou outro e então pôr os argumentos na balança?” A corte respondeu: “Está correto. É um processo de equilíbrio de fatores”.

A breve apelação de Belmontes explicou exatamente o significado da discussão entre os jurados e o juiz.

O que importa é que a jurada Hern, de maneira claríssima, queria saber se a lista de fatores que o júri ouviu era completa, ou seja, se não havia nada mais a considerar além dela. A corte confirmou exatamente, sem nenhuma correção, que todas as evidências apresentadas devem ser levadas em consideração, e que a lista de fatores é fornecida somente para ajudar o júri a analisar as evidências, não para limitar a análise dos jurados.

Como resultado do esclarecimento da corte, depois de 24 horas, a maior parte dos jurados, que se inclinava pela manutenção da vida, mudou sua posição e o júri anunciou um veredicto unânime de sentença de morte.

As correções após a condenação de Belmontes

É significativo que, apenas um ano depois do julgamento de Belmontes, a Suprema Corte da Califórnia reconheça a natureza problemática dos fatores-padrão fornecido aos jurados, deixando claro que o júri pode considerar qualquer evidência que seja apresentada na corte. Apesar disso, a Corte da Califórnia manteve a sentença de morte a Belmontes.

Depois de buscar todas as formas de reverter a decisão da corte estadual, Belmontes emitiu uma petição por hábeas corpus na Corte Federal, em 1994. A 9ª Corte de Apelação pediu o cancelamento da pena de morte de Belmontes, apontando que “a oitava emenda pede um júri qualificado para considerar todas as evidências de desagravo relevantes disponibilizadas pelo acusado... essa permissão ampla inclui a obrigação de considerar as evidências de desagravo que se relacionam com o provável comportamento futuro do acusado, especialmente a probabilidade de que ele não represente um futuro perigo enquanto vivo, porém encarcerado”. A corte considerou que houve uma falha no processo judicial, ao não orientar de maneira clara ao júri que este devia considerar as evidências de desagravo apresentadas por Belmontes.

A decisão da Suprema Corte anunciada na segunda-feira transforma a decisão da 9ª Corte de Apelação. A opinião da ampla maioria não levou em consideração os argumentos de apelação levantados por Belmontes. A maioria baseou-se no caso Boyde x Califórnia, no qual o “fator k” havia sido examinado, e observou que, isoladamente, ele não impede os jurados de considerar as evidências de desagravo não relacionadas ao crime.

Todavia, segundo o advogado de Belmontes, Eric Multhaup, não foi o “fator k” isoladamente que violou os direitos de Belmonte assegurados pela oitava e pela décima quarta emendas, mas a “combinação não usual das evidências de desagravo específicas do réu, uma mistura de fatores-padrão e evidências específicas, além do caráter improvisado das respostas dadas pela corte aos jurados” que, em conjunto, levaram o júri a “desconsiderar algumas das principais evidências de desagravo do réu”.

Na verdade, o caso Boyde serve para reforçar a argumentação do acusado, pois afirma que os fatores-padrão servem para evitar que o júri “desconsidere evidências relevantes e constitucionais”. Em outras palavras, mesmo que os jurados sejam devidamente instruídos, apenas um precisa mostrar que as instruções foram mal aplicadas e que evidências legais relevantes não foram observadas.

Sabendo disso, a maioria da Suprema Corte tentou defender que os jurados “poderiam ter ignorado o futuro potencial do acusado caso eles tivessem considerado que as testemunhas eram inconsistentes”. Ou seja, se o júri não considerou as evidências de desagravo, isto se deve ao fato da apresentação da defesa ter entrado em conflito com as instruções do juiz. Neste caso, os jurados deveriam certamente ignora a apresentação da defesa!

Na melhor das hipóteses, a opinião da maioria evidencia uma completa indiferença aos direitos garantidos pela constituição ao acusado. Apesar das opiniões divergentes, “a importância para o Estado da Califórnia, a essa altura dos acontecimentos, de confirmar a sentença de morte, relaciona-se muito mais a necessidade de manter a confiança na imparcialidade dos procedimentos relacionados com a pena de morte”.

O WSWS se opõe de maneira categórica à pena de morte, independentemente da natureza dos procedimentos. As opiniões divergentes, que não explicitam a oposição à pena de morte, evidenciam o fato de que nesse caso a Corte suprema se moveu para eliminar as proteções constitucionais, que restringem a aplicação da penalidade e exigem que qualquer dúvida seja resolvida em favor do acusado. Claramente, nesse caso, há dúvidas substanciais de que o júri tenha considerado propriamente todos os fatores relevantes para a decisão.

Há aqui mais do que pura indiferença a tais considerações ou à sorte de um indivíduo. Os juízes que votaram pela confirmação da sentença de morte de Belmontes estão claramente procurando retirar toda a medida legal que possa restringir o poder do Estado de prender e executar as pessoas. Isso é pode ser observado nas opiniões dos juízes Scalia e Thomas, que, seguindo a opinião de Kennedy, discordam de que a defesa possa apresentar qualquer evidência de desagravo que considere relevante. “Eu reafirmo o meu ponto de vista de que limite imposto ao júri de considerar todas as evidências de desagravo não viola a oitava emenda”, escreveu o juiz. Do ponto de vista desses juízes reacionários, a proteção constitucional existe somente para manter a ordem social.

A intenção e o efeito dessa perspectiva legal é a de fortalecer os mais repressivos elementos do aparato estatal, incluindo a polícia, o exército e o executivo. No caso Hudson x Michigan, decidido em junho, os mesmos cinco juízes aboliram a lei que dizia que a polícia deve bater na porta e anunciar sua presença antes de entrar na casa de alguém, e no caso Hamdan x Rumsfeld formaram um bloco que aprovou amplos poderes ao executivo na formação de comissões militares e na prisão de “combatentes inimigos ilegais”.

Esses juízes, que desprezam os direitos democráticos mais elementares, não surgiram do nada; eles têm sido promovidos e intencionalmente estimulados pelos mais conservadores elementos das instituições políticas atuais.

A decretação da pena de morte de Belmontes expressa um determinado componente psico-social da elite norte-americana, com juízes estimulando a vingança. A pena de morte é por si só uma instituição bárbara, e o zelo com o qual é promovida pelas mais altas cortes—sem mencionar o próprio presidente Bush, que acompanhou a execução de 150 prisioneiros quando era governador do Texas—é uma expressão da profunda decadência das concepções democráticas da elite norte-americana.