Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia16 de novembro de 2006.
O discurso do primeiro-ministro britânico Tony Blair
no banquete anual do palácio do Lord Mayor de Londres,
em 13 de novembro, foi uma tentativa de reformular a política
externa britânica, tendo em vista as conseqüências
do repúdio popular da guerra do Iraque e da derrota sofrida
pelo governo Bush nas eleições norte-americanas.
Sem nenhum apoio popular, a posição política
e a autoridade de Blair têm sido constantemente minadas.
Blair procura dar uma resposta à elite britânica,
que considera que o apoio à guerra do Iraque e a aliança
acrítica com o governo Bush acabou envolvendo a Grã-Bretanha
num processo de desestabilização de todo o Oriente
Médio, com conseqüências potencialmente desastrosas.
Seu discurso foi pronunciado um dia depois de ter sido entrevistado,
via circuito fechado de televisão, pelo Grupo de Estudos
do Iraque, liderado por James Baker, que foi Secretário
de Estado do governo de George Bush pai. O objetivo da entrevista
foi acalmar seus críticos, mostrando que ele aproveitará
a oportunidade para influenciar a política externa norte-americana
e que os interesses britânicos serão finalmente levados
em conta.
O Grupo de Estudos do Iraque está cercado de lideranças
Republicanas e Democratasmuitos dos quais estavam envolvidos
no processo de paz entre Israel e a Palestina no final
dos anos 80 e início da década de 90. Eles são
críticos aos neo-conservadores e acreditam que as ações
políticas destes danificaram severamente os interesses
norte-americanos em todo o Oriente Médio.
Ao mesmo tempo em que enfatizou seu apoio aos EUA, defendendo
a invasão do Iraque e insistindo que uma ruptura com Washington
seria algo insano, Blair sinalizou que uma mudança
de curso era necessária. Já que a situação
está evoluindo, nossa estratégia também deve
evoluir para ir de encontro com o que está ocorrendo,
afirmou Blair.
Sem referir-se a qualquer retirada das tropas britânicas
ou norte-americanas, Blair salientou que a tarefa a ser realizada
é a de fortalecer a liderança iraquiana
para assumir a responsabilidade em assumir e vencer a luta
contra o terrorismo. Ultimamente, disse ele, deve-se levar
em consideração as forças externas
ao Iraque que estão tentando criar desordem dentro do Iraque.
A estratégia geral para o Oriente Médio
de Blair pressupõe negociações com a Síria
e com o Irã.
Apesar de não contradizer diretamente a posição
declarada da Casa Branca, Blair fez certas afirmações
com o objetivo de apaziguar os críticos britânicos
à política do governo Bush. Ele considera que a
preocupação segundo a qual os EUA estariam procurando
uma solução militar no Irã como genuína,
ainda que totalmente enganosa. Ele defendeu a possibilidade
de uma nova parceria, caso Teerã concorde em
suspender seu programa de enriquecimento nuclear e em ajudar no
processo de paz do Oriente Médio, deixando de apoiar
o terrorismo no Líbano ou no Iraque.
Retomando o tom de ultimato que tem caracterizado as declarações
britânicas e norte-americanas sobre o Irã, ele ameaçou
isolar o país, caso o governo iraniano não
concorde com as condições estipuladas.
A Grã-Bretanha está trabalhando ativamente para
atingir esse fim. Em seu discurso, Blair afirmou que o Irã
e a Síria não compartilham todos os seus interesses.
No início deste mês, seu conselheiro pessoal para
relações estrangeiras, Nigel Sheinwald, esteve na
Síria e exigiu que o presidente Bashar al-Assad rompa a
aliança com o Irã caso queira normalizar as relações
com o Ocidente.
Blair considera que o centro da questão do Oriente Médio
não são estes países ou o Líbano,
mas Israel/Palestina... este é o centro.
Nesse sentido, Blair estimulou Washington a usar sua influência
sobre Israel para pressioná-lo em aceitar um Estado Palestino
em parte da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Nesse momento,
entretanto, suas cautelosas observações foram endereçadas
não apenas ao governo Bush, mas também aos seus
críticos, na esperança de que, diante da posição
enfraquecida de Bush e da queda do Secretário de Defesa
norte-americano, Donald Rumsfeld, suas idéias podem ter
mais chances de serem ouvidas.
No entanto, mais do que qualquer outro líder europeu,
Blair procura, ao contrariar o governo norte-americano, não
passar do limite. Mesmo suas tímidas observações
foram censuradas pela Secretária de Estado Condoleezza
Rice. Durante visita a Alemanha, ela rejeitou explicitamente qualquer
conexão entre o Iraque e o conflito entre Israel e Palestina,
descartando a possibilidade de negociar com a Síria e com
o Irã.
Isso torna Blair incapaz de amenizar o profundo descontentamento
existente na elite britânica. A comparação
da sua entrevista ao Grupo de Estudos do Iraque com o editorial
do Financial Times publicado dia 14 de Novembro é
reveladora.
O editorial fez uma profunda e extensa crítica às
políticas dos neo-conservadores de Washington, baseando-se
nas relações dos EUA com Israel, e pediu uma reavaliação
da política para o Oriente Médio como um todo.
Numa dura avaliação das relações
no Oriente Médio, o jornal declarou que o fiasco
do Iraque levou o país a mergulhar dentro de
um esgoto de limpeza étnica e luta entre milícias.
A guerra de Israel contra o Líbano no último verão,
apoiada pelos EUA, fortaleceu o Hezbollah estimulando assim o
enfraquecimento de um governo essencialmente pró-ocidental.
A ofensiva israelense na Cisjordânia e na Faixa de Gaza
criou uma situação na qual os territórios
palestinos estão enfrentando o colapso social.
O editorial denunciou os assentamentos ilegais israelenses
na Cisjordânia, criticando sua atitude de erguer um muro
em torno dos territórios palestinos e a edificação
de 500 pontos de controle israelenses, e censurou
Blair por tocar violino para os norte-americanos e
israelenses.
O editorial fez uma aguda crítica da política
americana-britânica-israelense: a combinação
de irresponsabilidade diplomática e fé no uso da
força mostrou-se desastrosa. Isso expandiu o poder e o
prestígio de organizações como o Hamas e
o Hezbollah para muito além de seu reduto tradicional.
A causa desta situação é a total incapacidade
de assinar um acordo de paz.
Nos últimos cinco anos, apesar de toda a retórica
ocidental, Israel estendeu e consolidou seus domínios na
Cisjordânia e no leste árabe de Jerusalém.
Assim, com a invasão ilegítima do Iraque, cada acontecimento
torna-se uma nova ameaça de incendiar a região inteira.
O Financial Times considera que um acordo de paz entre
Israel e os Palestinos seria o ponto central de uma nova estratégia
para o Oriente Médio. Isso exigiria o compromisso
do Irã e da Síria.
Nem Blair nem qualquer outro político britânico
estão em condições de fazer exigências
mais amplas à Casa Branca. Num outro momento, o colunista
do Financial Times admitiu que, na tentativa de Washington
de reformular sua estratégia para o Oriente Médio,
a política interna terá um peso muito maior
do que cálculos estratégicos - ou qualquer compromisso
com os aliados mais próximos. Isso soa como uma referência
explícita a Blair: algumas vezes, afirma o
colunista, a verdade deve ser dita publicamente para poder
tornar-se fato.
O Financial Times e muitos outros membros das instituições
políticas britânicas têm grandes esperanças
nas propostas que porventura sejam feitas pelo Grupo de Estudos
do Iraque. Entretanto, o colunista republicano do New York
Times, David Brooks, observou que a idéia segundo
a qual a comissão está caminhando rumo a algum plano
mágico inédito não é verdadeira...
Estes planos são todos conhecidos, e nenhum deles é
particularmente confortável.
Mas, antes de mais nada, é importante lembrar que o
apoio de Blair à guerra do Iraque foi quase completamente
endossado pela elite britânica. Isto demonstra a decadência
da Grã-Bretanha como uma potência imperialista, pois
ela só consegue garantir seus interesses contra os concorrentes
mais poderosos por meio da aliança com os EUA. Esta situação
não mudou.
Blair fez seus críticos lembrarem dessa realidade geopolítica,
ao reiterar a importância fundamental de manter essa aliança.
Ele insistiu que nenhum dos interesses vitais da Grã-Bretanha
podem ser dirigidos, nem resolvidos, sem os EUA. Referindo-se
à crescente posição da Rússia e ao
crescimento do poder econômico da China e da Índia,
ele afirmou: novas potências estão emergindo.
Em conseqüência disso é necessário aliarmo-nos
com nações que compartilham os nossos valores.
Essa confiança nos EUA é a raiz do aprofundamento
da instabilidade tanto no governo Blair quanto em toda a burguesia
britânica. A luta entre setores da burguesia que vem se
manifestando em Washington influencia, mais do que qualquer outra,
a burguesia britânica. A degeneração da situação
no Oriente Médio estimula esta luta e, em conseqüência,
esta instabilidade.